Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1/07.8TBBJA.E1
Relator:
ACÁCIO NEVES
Descritores: RECONVENÇÃO
PROPRIEDADE HORIZONTAL
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
PARTE COMUM
INOVAÇÃO
Data do Acordão: 01/20/2010
Votação: MAIORIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO CÍVEL
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário:
I – São pressupostos do pedido reconvencional:
a) ao pedido reconvencional corresponder a mesma forma de processo;
b) o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa;
c) quando o réu se propõe obter a compensação ou tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega é pedida;
d) ou quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.

II – As obras levadas a cabo num condomínio e que alterem a linha arquitectónica do prédio têm que ser aprovadas em assembleia de condóminos, por maioria de 2/3, independentemente de quem as pretenda levar a cabo detenha tal maioria só por si.

III – Se na constituição de propriedade horizontal um passadiço, por onde os condóminos e o público circulava não estava afecto a uma fracção, tem que ser considerado como parte comum.

IV – O conceito de inovação abrange as alterações introduzidas na substância ou forma, como as modificações relativas ao destino ou afectação e ainda as que levam ao desaparecimento das coisas comuns existentes.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

“A”, “B” e “C”, intentaram, em 28.12.2006, acção declarativa ordinária contra “D” e mulher, “D”, pedindo:
- que os réus fossem condenados a abster-se de praticar quaisquer obras de alteração da fachada do prédio sem a competente aprovação pela maioria qualificada dos condóminos do edifício, nos termos do artigo 1422°, nº 3 do C. Civil;
- que os réus fossem igualmente condenados a abster-se de praticar quaisquer actos/obras que impeçam ou prejudiquem a utilização, por parte dos restantes condóminos e da arrendatária da fracção A, tanto das coisas próprias desta, como das comuns, nomeadamente o nicho com montra e a montra lateral da fracção B, situados no lado esquerdo e no lado direito do acesso à porta de entrada da fracção B, nos termos do artigo 1425°, n° 2 do C. Civil;
- e que seja reconhecida afectação à fracção A do nicho com montra, construído na parede do lado esquerdo que dá acesso à porta de entrada da fracção B, sendo, consequentemente, reconhecido o direito ao seu uso exclusivo por parte dos autores e serem os réus condenados a reconhecer essa afectação e esse uso exclusivo.
Alegaram para tanto e em resumo o seguinte:
Os autores “A” e “B” são donos da fracção A, destinada a comércio, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua …, n° …, em …, sendo os réus donos da fracção B do mesmo prédio.
Em 01.11.2004 aqueles deram de arrendamento à co-autora “C” a dita fracção A, que esta destinou e destina ao seu comércio.
A fim de ali instalar um estabelecimento comercial, a “C” entregou na Câmara Municipal um projecto de obras de alteração, que veio a ser aprovado e executado, em conformidade com o qual foi instalada uma montra lateral, na zona esquerda de acesso à fracção B, propriedade dos réus, montra essa que sempre ali esteve, desde que o estabelecimento foi aberto, para exibição ao público, pelo exterior, dos artigos ali vendidos.
Na parede oposta a essa montra lateral, igualmente na zona de acesso à fracção B, existe um nicho que foi aberto pelo proprietário da fracção A para apoiar comercialmente o seu estabelecimento e que tem sido utilizado desde a década de 60 pelos sucessivos proprietários dos estabelecimentos comerciais que ali foram sendo estiveram, sendo convicção de todas as pessoas que por ali circulavam e circulam que o mesmo está exclusivamente afecto ao estabelecimento comercial dos autores.
Em finais de Abril ou princípios de Maio de 2006, os réus, por sua iniciativa e sem qualquer acordo prévio com os autores, fecharam com alvenaria o referido nicho, sem nunca terem solicitado qualquer assembleia de condóminos, tendo todavia os autores vindo a reconstituir a situação original.
Os autores vieram a ter conhecimento de que em Maio de 2006 os réus pediram à Câmara Municipal uma licença de obra para alteração da fachada, processo esse que, em face da intervenção dos autores, ainda se encontra pendente.
As obras que os réus pretendem efectuar implicam uma alteração da fachada do edifício, uma vez que a porta de entrada da sua habitação passaria a situar-se à face do edifício, resultando ainda das mesmas a inacessibilidade ao referido nicho e à montra lateral do estabelecimento.

Citados, contestaram e reconviram os réus, alegando em resumo o seguinte:
Antes das obras levadas a cabo pela 3ª autora, o estabelecimento comercial apresentava uma montra de exposição ao longo da fachada, a qual se encontrava a cerca de um metro da rua, existindo entre a montra e a rua um passadiço com cerca de um metro de largura por 6 metros de comprimento, sendo que a porta de entrada da fracção dos réus ficava encravada entre a extrema do prédio e o final da montra dos autores, formando como que um corredor de sensivelmente um metro de largura por metro e meio de comprimento.
Com as obras levadas a cabo na fracção dos autores, esse "corredor" ficou mais profundo, com cerca de um metro de largura por dois metros e meio de comprimento ou profundidade, o que o mesmo, principalmente à noite, passasse a ser usado como urinol.
Tais obras são ilegais, porque implicaram uma alteração da fachada do prédio e não foram aprovadas pela assembleia de condóminos, que não se chegou a realizar.
Por sua vez, as obras levadas a cabo pelos réus, apesar de constituírem uma inovação e carecerem de aprovação da assembleia de condóminos tiveram o acordo tácito dos autores e até são do interesse dos autores.
Por sua vez, o nicho constitui uma inovação ilegal, por não ter sido aprovada pela assembleia de condóminos.
E concluíram pedindo que, no caso de a acção proceder, sendo os réus condenados no pedido, que os autores sejam igualmente condenados a repor a situação primitiva da sua fracção, derrubando a montra que inovaram e repondo-a cerca de um metro para o interior da fracção e derrubando ou tapando igualmente o nicho existente no corredor de acesso à entrada da fracção dos réus.

Replicaram os autores, alegando que contrariamente ao que decorre da contestação, os réus ainda não efectuaram a obra de avanço da sua porta de entrada até à face do edifício, e que a obra realizada na fracção A, relativa à linha arquitectónica ou arranjo estético, que beneficiou (que não inovação), e que em nada prejudica os réus, embora sem prévia reunião em assembleia de condóminos, foi levada a efeito com a aprovação de maioria qualificada já que, de acordo com o título constitutivo da propriedade horizontal, os respectivos proprietários representam 70% do edifício,
Mais alegaram que, apesar do tempo decorrido, nunca os réus convocaram uma assembleia de condóminos, nem se opuseram à realização das obras, pelo que o seu silêncio deve valer como aprovação, sendo manifesta a caducidade do direito de pedir a sua demolição.
Invocaram, ainda, com base na referida aprovação tácita a existência de abuso de direito, concluindo como na petição inicial e no sentido da improcedência da reconvenção.

Treplicaram os réus, pugnando pela falta de verificação da invocada excepção de caducidade.

Teve lugar uma tentativa de conciliação, sem resultado.
Seguidamente, foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a excepção de caducidade do direito (invocado pelos reconvintes) e procedeu-se à elaboração dos factos assentes e da base instrutória, após o que, instruído o processo, teve lugar a audiência de julgamento.
Seguidamente, foi proferida sentença, nos termos da qual a acção foi julgada parcialmente procedente:
- condenando-se os réus a absterem-se de levar a cabo quaisquer obras de alteração da fachada do edifício sito na Rua .., da freguesia de …, concelho de …, sem o conhecimento dos restantes condóminos do mesmo;
- e a absterem-se da prática de quaisquer actos ou obras que impeçam ou prejudiquem a utilização por parte dos restantes condóminos e da arrendatária da fracção "A", tanto das coisas próprias desta como das comuns do edifício referido;
- e declarando-se a afectação à fracção "A" do nicho com montra, construído na parede do lado esquerdo que dá acesso à porta de entrada da fracção "B", reconhecendo o direito ao seu uso exclusivo por parte dos autores “A”, “B” e “C”;
- condenando-se ainda os réus a reconhecer essa afectação e esse uso exclusivo.
Foi ainda julgada parcialmente procedente a reconvenção:
- condenando-se os autores a reporem a situação primitiva da fracção "A", derrubando a montra que construíram e repondo-a cerca de um metro para o interior.

Inconformados, interpuseram os autores o presente recurso de apelação, em cujas alegações apresentaram as seguintes conclusões:
1ª - Da ilegalidade do pedido reconvencional:
Em reconvenção os R.R. vêm pedir que em caso e apenas em caso de os pedidos dos autores procederem, deverá proceder igualmente o pedido reconvencional de demolição das obras levadas a efeito pelos autores e a eliminação do nicho, igualmente objecto desta acção, por não terem sido aprovados em assembleia de condóminos pela maioria de 2/3 dos mesmos.
Sem que, contudo, os réus estabelecessem ou invocassem qualquer vantagem na procedência do seu pedido reconvencional, relativamente à desvantagem na procedência dos pedidos dos autores, que nunca chegaram, sequer, a apontar;
2a - Ora, este tipo de pedido condicionado não está previsto na nossa lei processual civil como sendo admissível, nos termos do art. 274º do CPC, nem tão pouco constitui pedido alternativo, nem pedido subsidiário, nem cumulação de pedidos, nem pedido genérico. Assim sendo, o pedido formulado pelos réus contra os autores em reconvenção, não é admissível segundo a nossa lei processual civil, devendo ser declarado ilegal, e, em consequência, ser declarado improcedente;
3ª - Do conceito de inovação:
De referir que segundo a contestação e a reconvenção formulada pelos réus, pedindo a demolição das obras na fracção "A", estes invocam a ilegalidade das mesmas por não terem sido aprovadas em assembleia de condóminos e não por as mesmas serem proibidas, nos termos dos arts. 1422° nº 3 e 1425° do C. Civil, pelo que apenas se pode concluir que os réus, ao referirem-se a inovações, estavam a referir-se às inovações previstas no nº 1 do art.1425º e não às inovações que causassem prejuízo à utilização de partes comuns por parte dos mesmos – nº 2, que são absolutamente proibidas;
4a - Pelo que entendemos que a douta sentença ao declarar que essas obras se inseriam no nº 2 do art. 1425° do C. Civil e, portanto, entendendo-as como proibidas, pronunciou-se sobre factos que não foram alegados pelas partes, tendo em consequência, condenado em objecto diverso do pedido, o que, nos termos do art.668° nº 1 alínea e) do CPC, determina a nulidade da sentença;
5ª - Além de mais, de entre os factos alegados pelos autores e que resultaram provados está que a autora “C”, levou a efeito obras na fracção "A" que alteraram a fachada do prédio constituído em propriedade horizontal e que consistiu no avanço da fachada até ao limite material dessa mesma fracção. O que se insere, sem dúvida nenhuma, nas obras referidas no art.1422° nº 3, pelo facto de essas obras terem consistido, além de arranjos interiores, ao avanço da fachada da fracção "A" até ao limite material da mesma, absorvendo o passadiço como se refere na alínea 27) dos factos provados na sentença ora recorrida;
6a - Esse referido passadiço não constituía, nem nunca constituiu, parte comum do edifício. Pelo que, e uma vez que as obras exteriores se limitaram a esse avanço na fracção "A", temos de concluir que apenas consistiram numa modificação da linha arquitectónica do edifício, sendo que para tal é exigida a autorização pela maioria representativa de dois terços do valor total do prédio - art. 1422° nº 3 do C. Civil;
7ª - Além desse avanço, e com esse avanço, foi avançada também uma montra na parede lateral direita do corredor de acesso à fracção "B", sendo que a Mma. Juiz a quo considerou que essas obras, além de constituírem alteração da linha arquitectónica do edifício, constituíam igualmente inovação em parte comum do prédio; Entendemos, com o devido respeito, que não assiste razão a este entendimento;
8a - As inovações estão tratadas no art.1425º do C. Civil e referem-se a obras realizadas em partes comuns do edifício –nº 1- e que prejudiquem a utilização por parte de outros condóminos tanto das partes comuns como das próprias – nº 2.
Mas não são quaisquer obras, mas aquelas que" ... abrangem alterações introduzidas na substância ou forma das coisas comuns, como, modificações relativas ao seu destino ou afectação, sendo apenas as que trazem algo de novo, de criativo, em benefício das coisas comuns do edifício já existentes ou que criam outras benéficas coisa comuns e, ainda, as que levam ao desaparecimento de coisas comuns existentes ou a modificações na sua afectação ou destino" (Cons. Aragão Seia);
9ª - O Prof. Aragão Seia dá vários exemplos de inovações: fechar espaços numa garagem, a construção de uma garagem e de uma marquise, a instalação de um sistema de ar condicionado ou de um termo-acumulador, a demolição de um terraço, a construção de uma chaminé, de umas escadas, a instalação de cabos eléctricos, a construção num terraço de cobertura;
10ª - Efectivamente, e no caso sub judice, além de a intervenção feita ao nível das obras se ter limitado aos limites materiais da fracção "A", não afectou quaisquer partes comuns, nem implicaram alterações na substância do edifício, nem modificações na afectação ou no destino do edifício. Isto é, não consistiram em escavações, construções ou demolições nas partes comuns do prédio. Pelo que não constituem inovações;
11ª - Aliás, como refere o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29.4.1997, "Obras inovadoras são apenas aquelas que trazem algo de novo, criativo, em benefício quer das coisas comuns do prédio já existentes, ou que pelo contrário levam ao desaparecimento de coisas comuns existentes, com prejuízo dos condóminos, não bastando uma simples alteração da fachada do condómino que as realizou" (www.dgsi.pt);
12ª - Quer isto dizer, e repete-se, que a alteração de fachada e o avanço de uma montra não podem, juridicamente ser consideradas inovações, para efeitos do art.1425° nº 1 ou n° 2 do C. Civil, conforme erradamente entendeu a Mma. Juiz a quo.
E muito menos que tenham prejudicado a utilização por parte dos réus das partes comuns, pois o patim de acesso à porta da fracção "B" não sofreu quaisquer alterações em termos de diminuição, aumento ou afectação, mantendo sempre as suas dimensões e profundidade. Além disso, a utilização pública que é feita desse patim aconteceu desde sempre, e a forma como é utilizada não é, nem nunca foi da responsabilidade dos autores, como é evidente;
13º - Pelo que a douta sentença ora recorrida fez uma errada interpretação da lei, nomeadamente do art.1425° do C. Civil, ao entender que as obras na fracção "A" integravam o conceito de inovação e inovação que prejudicava a utilização por parte dos outros condóminos dos espaços comuns, extrapolando o próprio pedido dos réus e, em consequência, errou igualmente ao declarar essas obras proibidas e ao condenar os autores na demolição das mesmas;
14ª - Da aprovação das obras por dois terços do valor do edifício:
Como já vimos, e uma vez que as obras levadas a cabo na fracção "A" não constituem inovação, muito menos inovação que tenha prejudicado a utilização por parte dos réus de espaços comuns, mas apenas alteração da linha arquitectónica do edifício, as mesmas requeriam a aprovação por parte de 2/3 do valor total do prédio - art. 1422° nº 3 do C. Civil;
15ª - No caso da obra realizada na fracção "A", pelos autores e em cuja demolição foram condenados pela sentença ora recorrida, é certo que a mesma foi efectivada sem prévia reunião em assembleia de condóminos.
Contudo a mesma foi levada a efeito com a aprovação dos proprietários da fracção "A" que, de acordo com o título constitutivo, representam 70% do valor total do edifício, isto é, 2/3 do edifício (doc. 4 junto com a p.i.);
16a - Motivo pelo qual se entendeu estarem assegurados os objectivos que a lei pretendeu alcançar ao estabelecer a maioria qualificada em decisões relativas a linha arquitectónica ou arranjo estético do prédio prevista no art. 1422° n° 3 do C. Civil, sendo a convocação ou a realização da assembleia de condóminos absolutamente inútil para este fim;
17a - Pelo que, mesmo que os réus discordassem do arranjo estético do prédio, nos termos do art. 1422° n° 2 do C. Civil, estes não tinham possibilidade de se opor às obras, por não representarem mais do que 1/3 do edifício, por um lado;
18a - Por outro lado, mesmo se se considerar aquelas obras como uma inovação, o que todavia não se concede, como vimos, às mesmas não se poderiam opor os réus, uma vez que aquelas obras se limitaram a uma intervenção nos limites da fracção "A", que não prejudicaram, nem prejudicam, a utilização de partes comuns ou próprias dos réus como, aliás, é admitido pelos mesmos, pois o referido passadiço exterior que ficou "absorvido" pela obra levada a efeito pelos autores, não constituía, nem nunca constituiu espaço comum do edifício, mas antes fazia parte integrante da fracção "A", que apenas ficou exposto por motivos de tendência arquitectónica comercial tão em voga nos anos 60 e 70;
19ª - E ao decidir-se pela demolição das obras efectuadas pelos autores, está a promover-se o seguinte absurdo: as obras seriam demolidas e reconstituída a situação original, o que levaria longos meses, implicaria o fecho do estabelecimento durante esses longos meses e pagar-se-iam algumas centenas de milhar de euros pela obra. Após a reconstituição da situação original, os autores solicitariam a realização de uma assembleia e aprovariam a realização da obra que tinham acabado de demolir e levariam mais longos meses para a realização da obra e gastariam os mesmos milhares de euros que já tinham pago pelas obras cessantes. Isto é, os autores sofreriam um prejuízo avultadíssimo, pagando três vezes pela mesma obra de forma absolutamente desnecessária;
20a - Ora, este seria um sacrifício excessivamente exasperado para os autores que se revelaria absolutamente injustificado, inútil, inconsequente e perverso, ao qual o Direito não pode dar guarida - summum ius, summa injuriai;
Pelo que não se deverão considerar ilegais as obras levadas a cabo na fracção "A" e deverá substituir-se a decisão de demolição das obras por outra que absolva os autores da totalidade do pedido reconvencional;
21ª - Do abuso do direito:
Na sentença a quo a Mma. Juiz pronunciou-se pela ausência de má fé por parte dos réus, logo pela inexistência de abuso do direito invocado pelos autores ao pretender-se a demolição das obras, invocando determinados pressupostos do abuso do direito, que a ver da Mma. Juiz não se verificaram: Venire contra factum proprium; Surrectio, Supressio;
22ª - Acontece que além destes, dos quais nos parece existir a Supressio, conforme veremos adiante, existem outros pressupostos do abuso do direito, que foram omitidos na sentença a quo, muito bem descritos pelo Prof. António Menezes Cordeiro, (Litigância de Má Fé Abuso do Direito de Acção e Culpa "ln Agendo", Almedina, 2006), nomeadamente, o ­desequilíbrio - que comporta, pelo menos três sub tipos: o exercício danoso inútil, dolo agit qui petit quod statim redditurus est e desproporção grave entre o benefício do titular exercente e o sacrifício por ele imposto a outrem;
23ª - Entendemos, com o devido respeito, que se verificam pelo menos duas modalidades de abuso do direito: A suppressio e o desequilíbrio em duas sub-espécies;
24ª Assim, e relativamente à supressio:
No caso em apreço, os réus, assim que as obras começaram, em finais de 2005 ou, no limite, quando a obra terminou e o estabelecimento abriu ao público em Junho de 2006, poderiam ter manifestado a sua oposição à mesma ou convocado uma assembleia de condóminos para verem essa questão discutida ou recorrido aos meios judiciais, o que nunca fizeram, a não ser quando foram confrontados com a presente acção judicial;
25ª - Assim, só resta concluir-se que se manifestaram tacitamente a favor da sua realização, de acordo, aliás, com o que estabelece o art. 1432° n° 8 do C. Civil, que se deverá aplicar necessariamente por analogia, quando diz "O silêncio dos condóminos deve ser considerado como aprovação ... ";
26ª - Assim sendo, não poderiam, volvido mais de um ano após o início das obras e 7 meses após a sua conclusão, vir impugná-las e pedir a sua demolição, por manifesto abuso do direito na modalidade de suppressio.
Na verdade, ao terem dado o seu assentimento tácito, à obra efectuada na fracção "A", e virem depois os réus pedir a sua demolição assumiram uma conduta processual reprovável, nos termos do art. 334º C. Civil;
27ª - Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.11.1992:
"Tendo a obra sido executada pelo condómino sem qualquer oposição dos condóminos existentes à data dessa realização; tendo decorrido oito anos sem que fosse levantada qualquer oposição à mesma, somente ocorrência de facto superveniente prejudicial aos autores justificaria o direito a recorrer a juízo para exigir a demolição dessa obra, porquanto verificou-­se autorização tácita dos condóminos à sua implantação e permanência" (disponível em www.dgsi.pt);
28ª - Por outro lado, e relativamente ao desequilíbrio, entendemos verificarem-se as subespécies de exercício danoso inútil e desproporção grave entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem.
Efectivamente, os réus ao condicionarem o procedimento do seu pedido de demolição das obras e do nicho dos autores ao procedimento dos pedidos destes na acção, não pretendem alcançar o cumprimento formal da lei para protecção dos seus direitos, pois eles nunca estiveram em causa com as obras realizadas pelos autores ou pela utilização e existência do nicho, mas antes pretendem provocar o prejuízo para os autores pelo facto de eles próprios (RR) não poderem realizar a obra que pretendiam! Prejuízo esse avultadíssimo para os autores, conforme está demonstrado na conclusão 19ª;
29a - É patente que o pedido dos réus não tem como objectivo alcançar um benefício para si próprios, que admitiram, de resto, não existir, pelo facto das obras efectuadas pelos autores e a utilização do nicho ser-lhes absolutamente inofensiva.
O seu pedido pretende antes provocar um mal, uma agonia aos autores como um fim em si mesmo, um verdadeiro castigo, uma vingança em caso de conseguirem decisão favorável ao seu pedido, o que por si só demonstra suficientemente como os réus actuaram em manifesto abuso do direito;
30ª - Para melhor percepção do abuso de direito dos réus, no caso em apreço, será de muita utilidade analisar o esclarecimento contido no acórdão da Relação do Porto, de 4.11.2003: "Ora, assim sendo, importa, perante a pretensão formalizada dos autores e a matéria fáctica julgada provada, apurar, face ao texto legal em que se deve proceder à sua subsunção e conferir eventual tutela, se a mesma cabe dentre as diversas categorias que o instituto pode comportar, designadamente no que é apelidado por Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, vol. I de "desequilíbrio no exercício" de posições jurídicas e em que distingue três sub-hipóteses das quais importa destacar para além do - exercício danoso inútil - contrário à boa fé e como tal abusivo - exercendo direitos de modo inútil, com o propósito de provocar danos na esfera alheia o da - desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem em que tal desproporcionalidade, ultrapassados certos limites, é abusiva, defrontando a boa fé.
É, como refere o aludido autor, uma fórmula intuitiva de abuso de direito que "mercê de conjugações extraordinárias, ocorre um exercício jurídico, aparentemente regular, mas que desencadeia resultados totalmente alheios ao que o sistema poderia admitir, em consequência do exercício" tendo de fazer-se apelo para a sua redução quer ao princípio da confiança, quer ao da primazia da materialidade subjacente, em que as pessoas são surpreendidas por actuações anormais e se tomam danosas, pois contavam justificadamente com maior comedimento e, no segundo caso traduzindo-se em exercícios de puro desequilíbrio objectivo" (disponível em www.dgsi.pt);
31ª - Nestes termos, deverá entender-se que os réus ao virem pedir a demolição das obras levadas a efeito pelos autores actuaram com abuso do direito nas modalidades de Supressio e Desequilíbrio, nas sub-espécies de exercício danoso inútil e desproporção grave entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem., pelo que o pedido reconvencional deverá ser declarado totalmente improcedente;
32ª - Tendo em atenção as questões levantadas no presente recurso, deverá ser-lhe dado provimento e, em consequência:
a) Serem os autores absolvidos do pedido reconvencional por este ser ilegal, uma vez que foi formulado de modo condicionado à procedência dos pedidos dos autores;
b) Ser declarada nula a sentença na parte em que condenou os autores no pedido reconvencional, uma vez que se pronunciou sobre factos que não foram alegados pelas partes, tendo, em consequência, condenado em objecto diverso do pedido, nos termos do art.668° nº 1 al. b) do CPC;
c) Serem as obras levadas a efeito na fracção "A" consideradas legais por terem respeitado a vontade de 2/3 do valor do edifício, e absolver-se os autores da totalidade do pedido reconvencional;
d) Entender-se que os réus ao virem pedir a demolição das obras levadas a efeito pelos autores actuaram com abuso do direito nas modalidades de Supressio e Desequilíbrio, nas sub-espécies de exercício danoso inútil e desproporção grave entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem, pelo que o pedido reconvencional deverá, também por este motivo, ser declarado totalmente improcedente.

Contra-alegaram os réus, pugnando pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
Em face do conteúdo das conclusões das alegações dos apelantes, enquanto delimitadoras do objecto do recurso (arts. 684°, nº 3 e 690°, n° 1 do CPC, na redacção anterior ao DL 303/2007 de 24.08, aplicável aos autos), são as seguintes as questões de que cumpre conhecer:
- ilegalidade do pedido reconvencional;
- nulidade da sentença;
- legalidade das obras levadas a cabo pelos autores;
- abuso de direito.

Factualidade dada por provada na 1ª instância:
a) Por escritura pública de 18.4.1988, outorgada no 1° Cartório Notarial de …, o prédio sito na Rua …, nºs …, da Freguesia de …, Concelho de …, foi afecto ao regime da propriedade horizontal.
Consta deste documento, entre o mais, que
"o (...) prédio se destina a comércio e a habitação e é constituído por cinco pisos, composto por cave, rés-do-chão, primeiro e segundo andares e sótão, com a superfície coberta de setenta e três metros quadrados.
(...) o mesmo satisfaz os requisitos legais, para nele ser constituída a propriedade horizontal, sendo composto por duas fracções, distintas e isoladas entre si com saída própria para a via pública e que são as seguintes:
FRACÇÃO A: quatro pisos, destinado a comércio, com entrada pela Rua … sessenta e dois, e sessenta e quatro, com a seguinte composição e áreas' Cave: uma divisão, tem a área coberta de quarenta e dois metros quadrados; Rés-do-chão: duas divisões, uma arrecadação e duas casas de banho; tem a área coberta de setenta metros quadrados;
Primeiro andar: duas divisões, um gabinete e duas varandas; tem a área coberta de setenta e três metros quadrados e a área das varandas, dezasseis metros quadrados e cinquenta decímetros quadrados,
Segundo andar esquerdo: Duas divisões e uma varanda, Tem a área coberta de vinte e quatro metros quadrados e a área da varanda de cinco metros quadrados:
FRACÇÃO B: Três pisos destinados a habitação, situado na Rua …, sem número, com a seguinte composição e áreas:
Rés-do-chão: Vestíbulo e escadas de acesso: tem a área coberta de três metros quadrados,
Segundo andar direito: Três divisões, cozinha, casa de banho, corredor e uma varanda, tem a área coberta de quarenta e nove metros quadrados e a área da varanda de cinco metros quadrados;
Sótão: Uma divisão, casa de banho, corredor, despensa e marquise; Tem a área coberta de quarenta e dois metros quadrados.
A fracção B tem o uso exclusivo de dois terraços com a área respectivamente de vinte metros quadrados e trinta e um metros quadrados.
(...) atribuem à Facção A o valor de oito milhões, seiscentos e dezoito mil e quatrocentos escudos ou seja setenta por cento do valor total do imóvel
(...) à Facção B, atribuem o valor de três milhões e seiscentos e noventa e três mil e seiscentos escudos, ou seja trinta por cento do valor total do imóvel";
b) Na Conservatória do Registo Predial de … encontra-se inscrita, por apresentação de 16 de Maio de 1988, a constituição de propriedade horizontal do prédio sito na Rua …, nºs 62 e 64, da freguesia de …, concelho de …, descrito naquela Conservatória sob o nº 00399/160588 e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 1280°;
c) Na Conservatória do Registo Predial de … encontra-se inscrita, por apresentação de 16 de Junho de 1988, a aquisição - por compra - a favor de “D” e “E”, da fracção "B" do prédio sito na Rua …, rés-do-chão, da freguesia de … concelho de …, descrito naquela Conservatória sob o n° 003991160588-B e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 1815 B;
d) Os réus habitam a fracção "B" desde 1988;
e) Por escritura de 26 de Maio de 2004, outorgada no Cartório Notarial de …, foi rectificada a escritura acabada de referir e alterado o regime da propriedade horizontal.
Deste documento consta, entre o mais, que
"Pela presente escritura, rectificam, pois, aquela escritura de dezoito de Abril de mil, novecentos e oitenta e oito e consequentemente alteram o regime da propriedade horizontal, passando as Facções a ter a seguinte descrição.
FRACÇÃO "A'" Destinado a comércio, com entrada pelos números sessenta e dois e sessenta e quatro de polícia da Rua …, tem a seguinte composição e áreas:
Cave, com uma divisão e área coberta de cinquenta metros e quarenta e um decímetros quadrados;
Rés-do-chão, com três divisões, um escritório e um lavabo e área coberta de cento e dezasseis metros e noventa e seis decímetros quadrados;
Primeiro andar, com duas divisões, dois gabinetes e duas varandas e área coberta de cento e doze metros e sessenta e dois decímetros quadrados, tendo as varandas a área de dezassete metros e setenta decímetros quadrados;
Segundo andar, com duas divisões, um gabinete e varanda, a área coberta de cinquenta e dois metros e vinte e um decímetros quadrados, tendo a varanda a área de cinco metros e cinquenta e oito decímetros quadrados;
Sótão, com uma divisão para arrumos e a área coberta de cinquenta metros e trinta e oito decímetros quadrados
É-lhe atribuído o valor relativo de setenta por cento;
FRACÇÃO "B": É destinada a habitação, com entrada pelo número sessenta e quatro-A da Rua … e tem a seguinte composição e áreas:
Rés-do-chão, com vestíbulo e escadas de acesso, tendo a esse nível a área de três metros quadrados;
Primeiro andar, com patim e escadas de acesso, com a área coberta de seis metros e cinquenta decímetros quadrados;
Segundo andar, com três divisões, cozinha, instalação sanitária, corredor, despensa e varanda, a área coberta de setenta e sete metros e oitenta e cinco decímetros quadrados e a área descoberta (varanda) de quatro metros e noventa e cinco decímetros quadrados;
Sótão, com duas divisões, instalação sanitária, arrecadação, corredor e terraço, tendo a área coberta de quarenta e cinco metros e quarenta e dois decímetros quadrados, a área descoberta de dezasseis metros e oitenta e três decímetros quadrados e a área de cobertura em terraço visitável de trinta metros e sessenta decímetros quadrados.
Esta fracção mantém o valor relativo de trinta por cento";
f) Na Conservatória do Registo Predial de … encontra-se inscrita, por apresentação de 17 de Setembro de 2004, a aquisição - por compra - a favor de “A”, casado com “F”, e “B”, casada com “G”, da fracção "A" do prédio sito na Rua …, nºs 62 e 62-A e 64, da freguesia de …, concelho de …, descrito naquela Conservatória sob o n° 00399/160588 A e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 1815 A;
g) Por acordo escrito datado de 1 de Novembro de 2004, “A” e “B” cederam à “C”, o uso e fruição para o comércio da fracção acabada de referir - fracção "A":
h) A “C”, com o objectivo de instalar um estabelecimento comercial na referida fracção "A", entregou à Câmara Municipal de … um projecto de obras de alteração da referida fracção;
i) O projecto inicial e as respectivas telas finais foram aprovados;
j) As obras acima referidas começaram durante o ano de 2005 e terminaram em Junho de 2006;
l) Após a realização das obras, foi emitida a correspondente licença de utilização;
m) No projecto e nas telas finais acima referidas, estava prevista uma montra lateral na zona de acesso à porta de entrada da fracção "B";
n) Esta montra está ali instalada desde que o estabelecimento da 2C” abriu ao público,
o) Tal montra é utilizada pela “C” para exibir os artigos à venda no seu estabelecimento.
E é utilizada pelo público para observar esses mesmos artigos, da parte de fora do estabelecimento comercial;
p) Na parede oposta à montra lateral acabada de referir e ainda na zona de acesso à porta de entrada da fracção "B" existe um nicho, destinado a servir de montra ao estabelecimento comercial instalado na fracção "A";
q) Desde a década de setenta, e de forma ininterrupta, que tal nicho é utilizado apenas pelos proprietários dos estabelecimentos comerciais que ao longo dos anos estiveram instalados na fracção "A";
r) E de tal forma que as pessoas que ali circulavam e circulam têm a convicção de que o nicho apenas é utilizado pela fracção "A";
s) Em Maio de 2006 os R.R. apresentaram à Câmara Municipal de … um projecto de alteração da fachada relativo à fachada do prédio identificado na anterior alínea a);
t) De acordo com tal projecto, a porta de entrada da sua habitação avançava e passaria a situar-se à face do edifício;
u) Tal alteração implica que o nicho e a parte lateral da montra da fracção "A" fiquem tapados.
E inacessíveis ao público e aos restantes condóminos;
v) A Câmara Municipal de … deu parecer favorável a tal projecto;
x) Nunca foi convocada qualquer assembleia de condóminos relativa ao prédio identificado na alínea a);
z) Nunca se realizou qualquer assembleia entre os condóminos das fracções "A" e "B" para aprovação das obras que foram sendo realizadas pelos autores e pelos réus;
aa) Até à ocasião referida na alínea j), os réus nunca se opuseram à utilização do nicho apenas pela fracção "A";
bb) Antes das obras referidas na alínea j) o estabelecimento comercial sito na fracção "A" apresentava uma montra de exposição de artigos ao longo da sua fachada.
cc) Montra essa que se encontrava afastada em um metro do nível da Rua …
E permitia a existência de um passadiço com um metro de largura por cerca de seis metros de comprimento entre a montra e a rua, por onde o público circulava;
dd) Junto da porta de entrada da fracção dos réus formava-se um corredor com um metro de largura por metro e meio de comprimento;
ee) Com as obras referidas na alínea j) os autores incorporaram o espaço que era utilizado como passadiço, na montra;
ff) Após as obras acima referidas na alínea j) o corredor referido na alínea dd) passou a ter um metro de largura por dois metros e meio de comprimento ou profundidade;
gg) O que faz com que os transeuntes, à noite, se sirvam daquele corredor como se de um urinol se tratasse.
E com que a entrada dos réus fique suja com urina e outros detritos,
hh) A demolição das obras e do nicho implicaria que a “C” tivesse que suspender a actividade comercial que exerce na fracção "A".
Quanto à ilegalidade do pedido reconvencional:
Conforme se refere no relatório supra, os réus pediram, em sede de reconvenção, que os autores fossem condenados:
a) a repor a situação primitiva da sua fracção, derrubando a montra que inovaram e repondo-a cerca de um metro para o interior da fracção;
b) e a derrubar ou tapar igualmente o nicho existente no corredor de acesso à entrada da fracção dos réus.
Todavia, tais pedidos foram efectuados apenas para o caso de a acção proceder, sendo os réus condenados no pedido.
Tendo sido julgado procedente apenas aquele primeiro pedido (derrube e reposição da montra) e uma vez que apenas os autores interpuseram recurso da sentença, o presente recurso apenas tem por objecto esse mesmo pedido.
Defendem os apelantes que tendo tal pedido reconvencional sido deduzido de forma condicional, pelo facto de não estar previsto na nossa lei processual, conforme decorre do art. 274º do CPC (não sendo pedido alternativo, nem subsidiário, nem cumulativo, nem genérico) o mesmo não é processualmente admissível, sendo por isso ilegal.
Todavia, sem razão.
É certo que, nos seus arts. 468° a 171°, o CPC apenas se refere à admissibilidade da formulação de pedidos alternativos, subsidiários, cumulativos e genéricos, não se fazendo qualquer referência à admissibilidade de formulação de pedidos condicionais.
Todavia, tais disposições apenas respeitam à formulação de pedidos por parte do autor da acção, ou seja, à correlação estabelecida entre os pedidos por ele formulados, sendo manifesto que, não sabendo ainda, nessa altura, quais os pedidos que o réu pode vir a formular, não faria qualquer sentido que pudesse formular pedidos condicionais em relação a qualquer outro que tenha formulado - o que, aliás, não deixaria de se reconduzir a um manifesto contra-senso.
O mesmo já não sucede porém em relação ao pedido reconvencional, na medida em que o réu apenas intervém e deduz pedido contra o autor, pela simples razão de que este contra ele propôs a acção, deduzindo determinado ou determinados pedidos, de que o réu, ao intervir nos autos, já tem conhecimento.
Daí que, nada mais natural que o réu, eventualmente interessado na manutenção do "status quo" existente, apenas tenha interesse na procedência do pedido reconvencional para a eventualidade de esse "status quo" vir a ser alterado, em consequência da procedência de pedido ou pedidos formulados pelo autor.
E o certo é que neste caso, os réus, conforme se salienta no relatório supra, até justificaram o seu interesse na reposição da montra da fracção dos réus (pedido reconvencional em questão) perante a eventualidade de não poderem avançar com a porta de entrada da sua fracção para a fachada do edifício, precisamente pelo facto de evitar que o acesso à sua porta de entrada, face à alteração decorrente do avanço da montra dos autores, seja transformado em urinol.
Relativamente à admissibilidade do pedido reconvencional, o que importa verificar é se o mesmo foi deduzido de acordo com os requisitos ou condições exigidas nos nºs 2 e 3 do art. 274° do CPC.
Assim, para além da necessidade (requisito formal) de ao pedido reconvencional corresponder a mesma forma de processo (nos termos do n° 3), importa apenas analisar se se verifica alguma das situações a que aludem as als. a) a c) do n° 3 do mesmo artigo (quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa; quando o réu se propõe obter a compensação ou tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega é pedida; ou quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter).
Ora, não estando em causa a diversidade da forma de processo, é a nosso ver manifesto que o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção e à defesa (o que, aliás, nem sequer é questionado pelos recorrentes).
Trata-se, aliás, de uma prática corrente (dedução de pedido reconvencional na forma condicional - para o caso de proceder a acção, nos termos em que o fizeram os réus) cuja admissibilidade nem sequer tem sido posta em causa na jurisprudência (vide acs. da RP de 20.01.98, in BMJ, 473,566 e desta Relação de 22.10.98, in BMJ, 480, 567).
Improcedem assim, nesta parte, as conclusões do recurso.

Quanto à nulidade da sentença:
Dizem ainda os apelantes que, tendo os réus pedido a demolição das obras com fundamento na ilegalidade das mesmas, por não terem sido aprovadas em assembleia de condóminos e não por as mesmas serem proibidas, nos termos dos arts. 1422°, n° 3 e 1425° do C. Civil, apenas se pode concluir que os réus, ao referirem-se a inovações, estavam a referir­-se apenas às inovações previstas no n° 1 do art. 1425° e não às referidas no n° 2 do mesmo artigo (que causam prejuízo à utilização de partes comuns), pelo que ao declarar que as obras em causa se inseriam neste n° 2, se pronunciou sobre factos que não foram alegados pelas partes, a sentença condenou em objecto diverso do pedido, sendo por isso nula, nos termos do art. 668°, n° 1, al. e) do CPC.
Todavia, igualmente sem razão.
Desde logo, porque os autores não foram condenados em objecto diferente do que foi pedido formulado pelos réus em sede de reconvenção.
O que os réus reconvintes pediram foi a demolição das obras em causa, levadas a cabo pelos autores (avanço da montra) e foi precisamente nesse sentido que incidiu a condenação destes.
Quando muito, o que se poderia questionar era se a sentença condenou os autores com fundamento diferente daquele em que os réus basearam tal pedido, não estando sequer em causa a pronúncia sobre factos não alegados pelos réus.
Foi com base nos factos, de entre os alegados pelas partes, que foram dados como provados que o tribunal "a quo" fundamentou a sua decisão.
A única coisa que os apelantes podem questionar (conforme acabam, aliás, por fazê-lo - questão de que trataremos adiante) é se a factualidade provada aponta ou não no sentido da existência de inovações susceptíveis de serem enquadradas na previsão do nº 2 do art. 1425° do C. Civil.
Alegando determinada factualidade, o que os réus invocaram, como fundamento do pedido de demolição das obras dos autores, foi a ilegalidade das mesmas, invocando aliás (conforme os próprios apelantes referem), para além do mais, a violação do citado art. 1425°, que não de qualquer dos seus números.
Aliás os réus, conforme se refere no relatório supra, não só invocaram a ilegalidade das obras por não terem sido aprovadas em assembleia de condóminos, como também invocaram as obras como inovação que lhes prejudicou o acesso à sua porta de entrada (a tal questão do uso de tal espaço como urinol) - elementos esse que apontam claramente no sentido da previsão do nº 2 do citado artigo.
Ademais, pedindo os réus a demolição das obras em causa com fundamento na sua ilegalidade (ilegalidade que tanto resulta do n° 1 como do n° 2 do art. 1435° do C. Civil), o juiz, muito embora sujeito à factualidade provada (resultante do que foi alegado pelas partes) não estava sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nos termos do disposto no art. 664° do CPC.
Acresce que, conforme se alcança da sentença recorrida, a condenação dos autores teve por fundamento não só o disposto no n° 2 do art. 1425° do C. Civil (inovações que prejudicam a utilização das partes comuns), como também o disposto no seu n° 1 (falta de aprovação em assembleia de condóminos).
Inexiste assim a apontada nulidade.

Quanto à legalidade das obras:
Conforme se alcança da sentença recorrida e já acima referimos, o tribunal "a quo" baseou a condenação dos réus no primeiro dos pedidos deduzidos pelos réus em sede de (derrube e reposição da montra dos autores) em dois fundamentos:
a) No facto de as obras em causa (avanço da montra, com eliminação do passadiço existente entre a montra e a rua), que modificaram a linha arquitectónica do edifício e que constituem inovação em parte comum do mesmo, terem sido levadas a cabo sem prévia autorização da assembleia de condóminos;
b) No facto de as obras em causa caírem no domínio do n° 2 do art. 1435° do C. Civil.
No que se refere à falta de prévia aprovação em assembleia de condóminos, aceitam os autores apelantes que para a realização das obras em causa, pelo facto (apenas) de implicarem uma modificação da linha arquitectónica do edifício, era efectivamente exigida autorização pela maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, nos termos do art. 1422°, n° 3 do C. Civil.
Defendem todavia, que pelo facto de, serem proprietários de fracção que representa 70% do valor total do edifício (os tais dois terços), as obras sempre foram aprovadas pela maioria qualificada, de dois terços, estando o objectivo da lei perfeitamente alcançado, não sendo assim de exigir a prévia realização de assembleia de condóminos.
Todavia, não poderemos deixar de discordar de tal entendimento.
Desde logo porque, conforme bem se salienta na sentença recorrida, inexiste suporte legal para afirmar a possibilidade de dispensa da realização da assembleia de condóminos.
Com efeito, estabelecendo no n° 3 do art. 1422° do C. Civil que "as obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio", afigura-se-nos ser sempre de exigir a prévia realização de assembleia de condóminos.
Caso assim não fosse, certamente que o legislador se teria limitado a exigir a aprovação das obras, por parte dessa tal maioria, sem mais.
E compreende-se, aliás, que assim seja.
A assembleia de condóminos, enquanto órgão de deliberação dos condóminos, cujo funcionamento não deixa de estar sujeito a regras específicas (nos termos do art. 1423° do C. Civil), acaba por constituir o momento adequado para a discussão dos vários assuntos relativos ao prédio e ao relacionamento entre os condóminos - sendo certo que é essa mesma discussão (fazendo ver os prós e os contras) que pode e deve levar à aprovação ou rejeição das propostas submetidas a deliberação.
Enquanto que os condóminos interessados na aprovação de determinada proposta devem fazer ver aos outros a bondade e interesse nessa aprovação, os condóminos não interessados na aprovação terão, por sua vez, a oportunidade de fazer ver, e porventura fazer valer, os seus argumentos, sendo certo que, conforme diz o velho adágio popular, é da discussão que nasce a luz.
A não ser assim, os proprietários minoritários estariam sempre sujeitos às decisões das maiorias, sem possibilidade de fazer sequer ouvir a sua voz.
E, para além disso, uma vez tomadas, em assembleia, sempre as respectivas deliberações estarão ainda sujeitas à possibilidade de impugnação, nos termos do disposto no mi. 1433° do C. Civil.

No que se refere à natureza das obras em causa, defendem os apelantes que, muito embora impliquem uma modificação da linha arquitectónica do edifício, as mesmas não constituem inovação e foram realizadas não nas partes comuns do edifício, mas sim no espaço da sua fracção.
Todavia, a nosso ver, sem razão:
Estabelece o art. 1425° do C. Civil que:
"1. As obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio.
2. Nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns
Muito embora aceitando o entendimento (defendido por Aragão Seia, in Propriedade Horizontal, Almedina, pags. 131 e sgs) de que tal artigo apenas respeita às inovações introduzidas nas partes comuns, afigura-se-nos que, perante a factualidade dada por provada a outra conclusão se não pode chegar que não seja a de considerar que as obras em causa foram levadas a cabo nas partes comuns do edifício.
Em face da factualidade dada por provada (que não foi objecto de impugnação), conforme bem se salienta na sentença, resulta assente que antes das obras o estabelecimento sito na fracção "A" apresentava uma montra que se encontrava afastada em um metro do nível da Rua … - o que permitia a existência de um passadiço com um metro de largura por cerca de seis metros de comprimento entre a montra e a rua, por onde o público circulava, sendo que com a execução da obras (avanço da montra) os autores incorporam na montra o espaço que era utilizado como passadiço.
Ora o certo é que da factualidade provada, nada resulta de onde se deva concluir no sentido de esse tal passadiço fazer parte da fracção "A", dos autores.
Enquanto que a escritura inicial de constituição da propriedade horizontal identifica o rés-do-chão desta fracção como sendo constituído por "duas divisões, uma arrecadação e duas casas de banho, com a área coberta de setenta metros quadrados" (vide al. a) dos factos provados), a escritura de rectificação (al. e) dos factos provados), identifica o mesmo rés-do-­chão como sendo constituído por "três divisões, um escritório e um lavabo e área coberta de cento e dezasseis metros e noventa e seis decímetros quadrados" - não sendo feita qualquer referência ao tal passadiço como fazendo parte de tal fracção.
Aliás, até se tratava de um espaço por onde o público circulava (al. cc) dos factos provados), cujo uso estava, naturalmente, ao alcance de todos os condóminos
Ora, não estando tal espaço identificado no título de constituição de propriedade horizontal como fazendo parte da fracção "A" e nada resultando da factualidade provada nesse sentido, haveremos de concluir no sentido de se tratar de um espaço comum, em face do disposto na al. c) do na 1 do art. 1421 ° do C. Civil ("são comuns ... corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos ") e, por presunção, em face do disposto nas als. a) e e) do na 2 do mesmo artigo ("presumem-se ainda comuns ... os pátios anexos ao edifício ... em geral, as coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos").
Havendo assim que concluir que as obras em causa foram levadas a cabo numa parte comum do edifício, afigura-se-nos ainda que as mesmas devem ser efectivamente qualificadas como inovações.
Conforme refere Aragão Seis (in ob. cit.) o conceito de inovação tanto abrange as alterações introduzidas na substância ou forma, como as modificações relativas ao destino ou afectação e ainda as que levam ao desaparecimento das coisas comuns existentes.
Ora, no caso dos autos, é manifesto que para além da evidente e significativa alteração do espaço relativo ao passadiço (que, pura e simplesmente, deixou de existir, como tal), tal espaço, para além de ter passado a ter uma afectação diferente, deixou mesmo de existir como espaço comum.
E, assim sendo, independentemente da evidente modificação da linha arquitectónica do edifício (o que os apelantes até aceitam) é a nosso ver manifesto que as obras em causa devem ser consideradas como constituindo inovação, em espaço comum, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 14250 do C. Civil.
Acresce que, com as obras em causa, os réus, para além de terem ficado prejudicados (aliás, impedidos) na utilização do passadiço, até acabaram por ficar prejudicados na utilização de outra parte comum e da sua própria fracção, uma vez que, face à alteração decorrente das obras, o corredor de acesso à entrada da fracção dos réus, que foi alterado (em vez de um metro de largura por metro e meio de comprimento, passou a ter um metro de largura por dois metros e meio de profundidade) passou a ser utilizado pelos transeuntes como urinol.
Em face do exposto, haveremos de concluir no sentido de que efectivamente as obras em causa violam não só o disposto no nº 1 do art. 14250 do C. Civil (dependendo de aprovação em assembleia por dois terços ~ assembleia essa que não teve lugar) como também o disposto no na 2 do mesmo artigo - não dependendo sequer, neste último caso, de aprovação e assembleia de condóminos.
É assim manifesta a ilegalidade das obras em causa - conforme bem se considerou na sentença recorrida.
Improcedem assim, também nesta parte, as conclusões do recurso.

Quanto ao abuso de direito:
Consideram os apelantes que ao pedir a demolição da obras os réus agiram com manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, defendendo, em resumo, que estes, ao não convocarem uma assembleia de condóminos para discutir a questão das obras, se manifestaram tacitamente a favor da sua realização e que ao condicionarem o seu pedido ao procedimento da acção não procuram alcançar qualquer benefício para si.
Desde já se diga que subscrevemos inteiramente os fundamentos invocados na sentença recorrida, para concluir no sentido da inexistência do invocado abuso de direito.
É certo que tendo as obras começado em 2005 e terminado em Junho de 2006, os réus, não convocaram qualquer assembleia de condóminos nem intentaram qualquer acção judicial, tendo-se limitado a pedir a demolição das obras apenas no âmbito da acção que (em finais de 2006) contra eles foi movida pelos autores ora apelantes.
Resulta todavia claro da factualidade provada que os réus (até pela forma condicional como deduziram o pedido de demolição) em princípio nem sequer tinham interesse na demolição das obras dos autores (avanço da montra), mas pela simples razão de que perspectivavam proceder ao avanço da porta de entrada da sua fracção.
E compreende-se facilmente que assim seja:
Está provado que com o avanço da montra e, consequentemente do corredor de acesso à porta de entrada da fracção dos réus, este corredor passou a ser utilizado como urinol, ou seja, ficou provado que os réus passaram a ficar prejudicados com as obras levadas a cabo pelos autores.
Todavia, com vista a obstar a essa situação (compreensivelmente prejudicial) e a resolver o problema que lhes foi criado, os réus pensaram numa solução que, naturalmente, pensaram não ser posta em causa pelos autores: eliminar o corredor de acesso, com o avanço da sua porta de entrada.
Ora, foi precisamente no decorrer do respectivo processo de licenciamento que os réus se viram confrontados com a presente acção judicial e com um pedido que visava impedir a realização das obras que pretendiam levar a cabo.
Foi assim, nessa altura, que se alteraram os pressupostos em que haviam aceitado não por em causa as obras levadas a cabo pelos autores.
É assim manifestamente infundado o entendimento de que os réus terão aceite tacitamente as obras dos autores, já que essa aceitação sempre estaria dependente das obras que pretendiam levar a cabo - às quais os autores se vierem a opor.
Por outro lado é manifesto que perante esse novo quadro, decorrente da oposição dos autores) os autores têm todo o interesse na demolição da obras dos autores, uma vez que com a reposição da situação anterior, deixarão de ter um urinol público à sua porta - situação esta com a qual os autores (ou qualquer pessoa), certamente, não gostariam de se ver confrontados.
Perante tal quadro factual, não se pode considerar que ao pedir a demolição da obras dos autores, os réus tenham excedido manifestamente os limites da boa fé, dos bons costumes ou do fim económico e social desse direito (nos termos do disposto no art. 3340 do C. Civil), ou seja, não podemos considerar como verificados os pressupostos do abuso de direito, designadamente na modalidade de venire contra factum proprium.
Improcedem assim também nesta parte as conclusões do recurso.

Termos em que se acorda em negar provimento à apelação e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
Évora, 20.01.2010