Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
556/20.1T8PTG.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
DENÚNCIA DO CONTRATO
REVOGAÇÃO
PODERES DE REPRESENTAÇÃO
Data do Acordão: 02/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
Sumário elaborado pela relatora:
I- Só os factos que produzam ou tenham consequências jurídicas devem ser objeto de prova e de reapreciação da prova, caso contrário, estar-se-ia a praticar atos inúteis, sem qualquer incidência prática, o que se mostra proibido pelo artigo 130.º do Código de Processo Civil.
II- Atento o disposto nos artigos 400.º e 401.º do Código do Trabalho, o contrato de trabalho pode cessar por denúncia do trabalhador, sem necessidade de invocação de qualquer causa ou motivo justificativo da cessação.
III- O artigo 402.º do Código do Trabalho consagra um verdadeiro direito ao arrependimento por parte do trabalhador, pois, desde que a assinatura da declaração de denúncia não tenha sido objeto de reconhecimento notarial presencial, o trabalhador dispõe de sete dias, contados desde da data em que a denúncia contratual chegou ao conhecimento do empregador, para a revogar, mediante comunicação escrita dirigida ao empregador e desde que observe o disposto no n.º 3 do artigo 350.º do Código do Trabalho.
IV- A remissão para o n.º 3 do referido artigo 350.º, significa com as necessárias adaptações, que a declaração de revogação da denúncia só é eficaz se, em simultâneo com a sua comunicação, ou logo que tomar conhecimento do pagamento se este for posterior à comunicação, o trabalhador entregue ou coloque, por qualquer forma, à disposição do empregador, a totalidade das quantias que tenha recebido por efeito da cessação do contrato de trabalho.
V- A revogação da denúncia do contrato de trabalho em representação da trabalhadora exige a existência de uma procuração civil (não forense), que constituía a fonte da representação voluntária – artigo 262.º do Código Civil.
VI- A declaração de revogação da denúncia do contrato de trabalho feita por advogado que não possui os poderes de representação para o efeito não é um ato inválido, mas apenas inquinado de simples ineficácia, sanável através de ratificação.
VII- Todavia, ainda que a trabalhadora ratifique validamente tal ato, tal ratificação não é suficiente para considerar a revogação da denúncia eficaz, se não tiver sido entregue ou colocada, por qualquer forma, à disposição do empregador, a totalidade das quantias que a trabalhadora recebeu por efeito da cessação do contrato de trabalho.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

I. Relatório
I.F., intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra o Centro de Bem Estar Social de Arronches, pedindo que se declare que a revogação da denúncia por si operada foi válida e produziu os seus efeitos e, em consequência, se declare que o contrato individual de trabalho celebrado com a Ré se mantém eficaz, condenando a Ré a reintegrar a Autora no seu posto de trabalho com o vencimento devido. Mais peticionou a condenação da Ré no pagamento das retribuições vencidas e vincendas, desde 04-03-2020 até à data do trânsito em julgado da sentença, tudo acrescido de juros à taxa legal, a liquidar mensalmente até integral pagamento.
Alegou, em breve síntese, que foi admitida ao serviço da Ré, em 03-03-2008, mediante a celebração de um contrato de trabalho, prestando, ultimamente, a atividade de cozinheira de 1.ª. Sucede que, em 03-03-2020, procedeu à denúncia do referido contrato, com aviso prévio de 60 dias. Todavia, em 11-03-2020, revogou tal denúncia, pelo que que o vínculo contratual deverá considerar-se válido e vigente para os devidos efeitos.
O processo seguiu a tramitação que consta dos autos.
Após a realização da audiência final, foi prolatada sentença que julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a Ré do pedido.
Inconformada, veio a Autora interpor recurso para esta Relação, extraindo das suas alegações, as conclusões que, seguidamente, se transcrevem:
«Primeiro:
A sentença é nula na parte em que o tribunal a quo apreciou e decidiu por em violação do art.615º/1 alínea d) do CPC, que a procuração foi assinada em 11.10.2020, o que é fundamento do recurso por excesso de pronúncia
Segundo:
O tribunal recorrido deu por assente erradamente que a comunicação da ratificação de 04.05.2020 foi enviada pelo representante quando o foi pela Autora e não apreciou e aplicou como devia o art. 268º do CC, em violação do art. 615º /1 alíneas d) e b do CPC.
Terceiro:
Com a alteração ao ponto 7. da matéria de facto provada pretende a Recorrente, reverter uma circunstância irregular aparente de ilegibilidade da assinatura para uma regularidade e conformidade dessa assinatura com a assinatura também ilegível da denúncia que quer ver revogada.
Quarto:
Com a alteração ao ponto 14 da matéria provada, pretende a recorrente por um lado afastar da matéria de facto o termo jurídico “por conta da cessação do contrato de trabalho” e por outro lado, demonstrar que das declarações de parte de Deolinda, não resulta o pagamento de qualquer compensação, uma vez que a depoente considera compensações os valores recebidos em salários, subsidio de férias e de natal e não outros.
Quinto:
Com a alteração ao ponto 15., pretende afastar a possibilidade da empresa Serunion desempenhar funções que só podem ser exercidas por pessoa singular.
Sexto:
Considera a alteração ao ponto 16, importantíssima no sentido de que foi a própria trabalhadora quem manifestou a intenção de revogar a denuncia do CIT, e não o representante
Realçando as pretensões da Autora em revogar a denúncia em 4.05.2020, e por via da ratificação do art.268º do CC, obter retroativamente os efeitos a 11.03.2020, data que em foi recebido o ato da revogação da denúncia, praticado pelo representante da autora.
Sétimo:
A alteração ao facto não provado A, para provado com o teor proposto visa retirar da decisão de facto o juízo de direito quanto à invalidade da comunicação e confirmar os atos dados por provados em 6, 7 e 8.
Oitavo:
A alteração ao facto não provado B, para provado com o teor proposto, visa acentuar a sua utilidade para a discussão da causa, centrando o momento relevante da assinatura da procuração antes de ter sido recebida em 11.03.2020, sem afastar a possibilidade de ter sido assinada nesse dia 11.03.2020.
Nono:
O art. 350/3 do C, não é aplicável in casu como requisito para o exercício do direito á revogação da denuncia, por os valores recebidos não terem natureza de compensação e não estar a Autora obrigada a devolvê-los, o que tem que ser interpretado à luz dos art. 252º, art. 263º, art. 264º e art.366º do CT.
Décimo:
A procuração enquadra-se na representação voluntária do art. 262º do CC e não no mandato com poderes especiais do art. 1157º eart.1159º/2 do CC.
Décima primeiro:
E na representação a Ré conhecendo a invocada falta de poderes do representante, para rejeitar o ato entre 11.03.2020 e 04.05.2020 tinha que exigir do representante que assinasse essa procuração e não o tendo feito ficou sanado o vicio e justificados os poderes do representante, sem que a Autora pudesse invocar essa falta de poderes, (v. art. 268º/4, art. 260º CC).
Décimo segundo:
A partir de 04.05.2020, com a ratificação, a R. deixou não apenas de poder rejeitar o ato, mas ficou-lhe vedada a possibilidade de negar a própria ratificação, por não ter fixado um prazo à trabalhadora para o ratificar, (art. 268º/3 CC).
Décimo terceiro:
E sendo válido o ato de ratificação, os seus efeitos deverão produzir-se na esfera jurídica da Autora com efeitos retroativos a 11.03.2020, por força o ar. 268º /2, art. 268º /1 e art. 257 CC.
Décimo Quarto:
Por conseguinte as respostas aos pontos 3.3, 3.4 e 3.5 das questões a resolver pelo tribunal são afirmativas
Décimo Quinto:
E sendo o CIT é válido e vigente, assiste à Trabalhadora / recorrente o direito às retribuições intercalares e a ser reintegrada.
PELO EXPOSTO, REQUER A VEXAS VENERANDOS DESEMBARGADORES, ADMITAM O PRESENTE RECURSO DE APELAÇAO
A) DECLARANDO NULA PARCIALMENTE A SENTENÇA RECORRIDA NA PARTE QUE DEU POR ASSENTE QUE A PROCURAÇÃO FOI SUBSCRITA EM 11.10.2020 POR EXCESSO DE PRONÚNCIA, DELA RETIRANDO ESSE FACTO E MOTIVAÇÕES.
B) DECLAREM NULA PARCIALMENTE A SENTENÇA RECORRIDA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA DA QUESTÃO DA RATIFICAÇÃO, E DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA PARA A NÃO APRECIAÇÃO E APLICAÇÃO DO ART.268º DO CC
C) ALTERANDO A DECISÃO DE FACTO PROVADA NOS PONTOS 7, 14, 15, 16 E PONTOS A E B DA MATÉRIA NÃO PROVADA, ADITANDO OS PONTOS 17 E 18 À MATÉRIA DE FACTO PROVADA, COM O TEOR PROPOSTO.
D) E ANULANDO AINDA A SENTENÇA RECORRIDA, NA PARTE QUE APLICOU À SITUAÇÃO DOS AUTOS O ART.350º/3, QUANDO NÃO À OBRIGATORIEDADE DE DEVOLVER OS VALORES PAGOS COM NATUREZA DE RETRIBUIÇÃO E SEM QUE TENHAM SIDO TIDOS EM CONTA OS ART.258º, ART.263º ART.264º E ART.366º DO CT.
E) ANULAR AINDA A SENTENÇA RECORRIDA POR INCORRETA INTERPRETAÇÃO DO ART. 1157º E ART.1159º CC E ENQUADRAMENTO INDEVIDO DA PROCURAÇÃO NO CONTRATO DE MANDATO, SEM ATENDER AOS ART. 258, ART. 260º E ART. 263º DO CC,
VINDO VEXAS A FINAL A PROFERIR ACORDÃO
A / QUE NOS TERMOS DO ART. 402º DO CT E ART. 268º DECLARE VÁLIDA A REVOGAÇÃO DA DENUNCIA DO CIT;
B/ E VÁLIDO E VIGENTE ESSE CONTRATO DE TRABALHO
C) E EM CONSEQUENCIA RECONHEÇAM QUE A AUTORA TEM DIREITO ÀS RETRIBUIÇÕES INTERCALARES E À SUA REINTEGRAÇÃO»
Contra-alegou a recorrida, propugnando pela improcedência do recurso.
A 1.ª instância admitiu o recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Previamente, pronunciou-se no sentido de inexistirem quaisquer vícios, irregularidades, omissões ou nulidades na sentença.
Tendo o processo subido à Relação, foi observado o preceituado no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer favorável à manutenção da decisão recorrida.
Não foi oferecida resposta.
O recurso foi mantido e foram dispensados os vistos, com a anuência dos Exmos. Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. Questão prévia: do alegado erro material
No requerimento de interposição do recurso, dirigido ao tribunal de 1.ª instância, a recorrente requereu a retificação de um erro material que alega verificar-se na alínea B) dos factos não provados.
Todavia, quando se lê a sugerida alteração/retificação do teor da alínea, percebe-se que não está em causa um erro material, mas uma discordância com o teor do facto dado como não provado.
Conforme se pode ler no sumário do Acórdão da Relação de Évora, de 04-07-2006, proferido no Proc. 1349/06-2[2], « [o] erro material dá-se quando o juiz escreveu coisa diversa do que queria escrever, quando o teor da sentença ou despacho não coincide com o que o juiz tinha em mente exarar, quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real».
Igualmente com interesse, escreveu-se no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-02-2009, proferido no Proc. 08A2680[3]: « Há erro material quando se verifica inexatidão na expressão da vontade do julgador, por lapso notório, sendo que a divergência entre a vontade real e a declarada não deve suscitar fundadas dúvidas, antes ser patente, através de outros elementos da decisão, ou, até, do processo. É o equivalente ao erro obstáculo tratado no direito substantivo».
Ou seja, os erros materiais (lapsus calami) a que se refere o artigo 614.º do Código de Processo Civil, correspondem a erros, omissões ou lapsos cometidos pelo juiz, que se revelam evidentes, traduzindo-se numa desconformidade entre a vontade declarada e a vontade real[4].
A 1.ª instância não reconheceu a existência do apontado erro material.
Inexistem elementos que levem a concluir que a alínea B) dos factos não provados contém qualquer erro material, por a vontade declarada divergir da vontade real.
Nesta conformidade, inexiste qualquer erro material que deva ser corrigido.
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III. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da Recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, são as seguintes as questões suscitadas no recurso:
1.ª Nulidade da sentença.
2.ª Impugnação da decisão de facto.
3.ª Eficácia da revogação da denúncia.
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IV. Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
1. Em 3.03.08, a Ré, Centro de Bem Estar Social de Arronches na qualidade de primeira outorgante, celebrou com a Autora, I.F., na qualidade de segunda outorgante, acordo escrito epigrafado de CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO, segundo o qual a Autora foi admitida ao serviço da Ré para lhe prestar a sua atividade profissional de cozinheira de primeira, sob as suas ordens, direção e autoridade e mediante retribuição, o qual se encontra junto aos autos sob documento 1 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
2. O acordo escrito identificado em 1) foi celebrado pelo período de seis meses, tendo-se renovado, por iguais períodos;
3. A remuneração mensal ilíquida acordada foi de 646,00 €;
4. Em 3 de Março de 2020, a Autora remeteu à Ré comunicação escrita, pondo termo ao contrato de trabalho, com efeitos a 3 de março de 2020, e onde pode ler-se: “Venho por meio desta carta, informar-vos relativamente à intenção de rescindir a ligação contratual, que me liga à vossa empresa. A rescisão do meu contrato tornar-se-á efetiva a partir do dia 3 de março de 2020. O que significa que estou a cumprir com a obrigação legal de vos informar relativamente à minha rescisão de contrato, com a antecedência mínima 60 dias. Relembro também que os valores relativos aos subsídios de Natal de férias e diuturnidades, devem ser-me ressarcidos no final do contrato, na proporção relativa aos dias que trabalhei.”, de acordo com documento 2 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
5. A Ré recebeu a comunicação supra identificada no dia 4 de março de 2020;
6. No dia 11 de março de 2020, a Ré recebeu comunicação escrita, através de e-mail com o seguinte teor: “Exmº Senhor, P.M., advogado, portador da cédula profissional …, com domicílio profissional na …, venho na qualidade de mandatário da vossa colaboradora, I.F., e nos termos e para os efeitos do artigo 402º do Código do Trabalho revogar a denúncia do contrato de trabalho, recebida pela Instituição em 04.03.2020, (Registo RD924553034PT), da qual junto cópia… Assim queira VExª dar sem efeito a referida denúncia do CIT, mantendo-se a relação laboral nos exatos termos em que vinha vigorando.”, conforme documento 5 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
7. Juntamente com a comunicação supra identificada em 6, o subscritor junta documento manuscrito, epigrafado de “Procuração”, datado de 11 de outubro de 2020 e no qual se encontra aposta assinatura ilegível, conforme documento 8 junto com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
8. A comunicação referida em 6 foi remetida para a Ré, igualmente, por carta registada com AR, no dia 12 de março de 2020 e recebida no dia 16 de março de 2020 conforme documentos 10 e 11 juntos com a petição;
9. Em 7 de Abril de 2020, a Autora recebeu três e-mails da Ré, remetendo-lhe três recibos, mormente, recibo de vencimento relativo ao mês de março de 2020, no montante de 612,17 €, recibo de vencimento do subsídio de férias, no montante de 217,06 €e recibo de vencimento do subsídio de Natal, no montante de 26,03 €, conforme documentos 12 a 17 juntos com a petição inicial e que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
10. No dia 9 de abril de 2020, endereçou o advogado P.M. nova comunicação de e-mail à Ré, conforme documento 18 junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
11. No dia 5 de maio de 2020, endereçou Carlos Manuel Cascalheira Rodrigues, na qualidade de presidente da direção administrativa da Ré, carta à Autora, conforme documento 20 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
12. No dia 18 de maio de 2020, endereçou o advogado P.M. nova comunicação de e-mail à Ré, conforme documento 21 junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
13. Por considerar que o seu contrato com a Ré se mantém, a Autora tem remetido, todos os meses, documentos a atestar a sua situação de baixa médica, que a Ré tem sucessivamente devolvido;
14. A Autora não devolveu à Ré qualquer quantia recebida por conta da cessação do seu contrato de trabalho com a Ré;
15. Para exercer funções equivalentes às da Autora, a Ré contratou a empresa “Serunion”, conforme documento junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (redação alterada pelos motivos que se indicam infra)
16. No dia 4 de maio de 2020, endereçou o advogado P.M. nova comunicação de e-mail à Ré, conforme documento junto aos autos em sede de audiência de discussão e julgamento, pretendendo ratificar os atos praticados nos termos do artigo 268º do Código Civil e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (redação alterada pelos motivos que se indicam infra)
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E considerou que não se provaram os seguintes factos:
A – Que, em 11 de março de 2020, a Autora tenha comunicado à Ré a sua intenção de revogar a denúncia por si operada em 3 de março de 2020;
B – Que a procuração forense tenha sido subscrita pela Autora antes de 11 de março de 2020.
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V. Nulidade da sentença
A recorrente arguiu a nulidade da sentença recorrida, por excesso de pronúncia e omissão de pronúncia/falta de fundamentação, nos termos previstos pelo artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e d) do Código de Processo Civil.
Primeiramente, alegou que o tribunal a quo não poderia apreciar e decidir que a procuração datada de 11-10-2020, foi subscrita em 11-10-2020, por ser questão que não lhe foi colocada pelas partes (excesso de pronúncia).
Em segundo lugar, referiu que a 1.ª instância deu por provado que a recorrente, em 04-05-2020, ratificou os atos praticados pelo advogado, Dr. P.M. – ponto 16 dos factos provados – mas não apreciou a questão jurídica decorrente, que é uma questão essencial, para além de não ter especificado os fundamentos de direito que justificaram a não aplicação in casu do artigo 268.º do Código Civil (omissão de pronúncia/falta de fundamentação).
Analisemos a questão.
De harmonia com o normativo inserto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral, a sentença é nula quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
A causa de nulidade prevista na mencionada alínea, está em correspondência direta com o artigo 608.º, n.º 2 do mesmo compêndio legal. Estabelece-se nesta norma que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Verifica-se a omissão de pronúncia quando o juiz deixe de apreciar as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.
Neste âmbito, não se deverá confundir questões com razões ou argumentos invocados pelos litigantes em defesa do seu ponto de vista, pois esses não têm que ser obrigatoriamente conhecidos pelo tribunal. Já o Professor Alberto dos Reis ensinava, a propósito da nulidade de sentença por omissão de pronúncia, que: «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão»[5].
Por seu turno, o excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal conhece de questões que não tendo sido colocadas pelas partes, também não são de conhecimento oficioso.
Já a alínea b) do n.º 1 do aludido artigo 615.º, prescreve que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Em relação à falta de fundamentação que constitui causa de nulidade da sentença, escreveu Alberto dos Reis[6]: «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade (…)».
O mesmo entendimento tem sido defendido por doutrina mais recente.
De acordo com Lebre de Freitas[7], «há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação».
Por sua vez, Teixeira de Sousa[8], afirma que «esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (…)».
No mesmo sentido, escreve Rodrigues Bastos[9], que «a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão; uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afeta o valor legal da sentença».
Ao nível jurisprudencial, desde há muito que os tribunais superiores, pacificamente, tem considerado que a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos e não quando a fundamentação se mostra deficiente, errada ou incompleta[10].
Identificadas, assim, as causas de nulidade de que se socorre a recorrente, analisemos a concreta argumentação apresentada.
Principiemos por apreciar o alegado excesso de pronúncia.
Na petição inicial, a recorrente alegou que, em 11-03-2020, comunicou por escrito à recorrida a revogação da denúncia do contrato de trabalho, comunicação essa que foi remetida pelo ilustre advogado da recorrente, juntamente com a procuração forense subscrita antes de 11-03-2020 - artigos 9.º e 10.º da p.i..
A referida procuração forense foi junta como documento n.º 8 e encontra-se datada de 11-10-2020.
Salienta-se que a petição inicial foi apresentada em 06-06-2020.
Na contestação, a recorrida defendeu-se, referindo que face à data aposta na procuração forense a mesma só poderia produzir efeitos a partir de 11-11-2020. Na sequência, impugnou os artigos 9.º e 10.º da petição inicial – artigo 16.º da contestação.
Na fundamentação de facto da sentença fez-se constar que a procuração forense em causa tinha a data de 11-10-2020 – facto provado n.º 7.
E julgou-se não provado - alínea B) - que a procuração forense foi subscrita pela Autora antes de 11-03-2020.
Na motivação da sua convicção, escreveu o tribunal a quo:
«No entanto, e de acordo com o facto não provado B, a procuração que junta com a comunicação dirigida à Ré, não tem a virtualidade de lhe conferir os poderes de representação da Autora para o ato em concreto. Com efeito, trata-se de procuração com poderes gerais, subscrita com data de 11 de outubro de 2020, logo, muito posteriormente à data da denúncia do contrato celebrado com a Ré, em março de 2020, pelo que não pode produzir os efeitos pretendidos pela Autora. Ora, encontrando-se aposta na procuração a data de 11 de outubro de 2020, não logrou a Autora demonstrar, conforme lhe competia, que tal se deveu a erro material ou lapso, valendo para todos os efeitos, a data inscrita naquele documento, pelo que deu o tribunal por não provado o facto B. Nem o documento junto em audiência de discussão e julgamento o poderia infirmar. Com efeito, apenas em maio de 2020 o advogado P.M. envia à Ré comunicação escrita, através de e-mail, ratificando o anteriormente processado, sendo que em maio ratifica poderes outorgados por procuração subscrita em outubro, o que não faz de todo qualquer sentido nem pode conduzir ao efeito pretendido pela Autora, de que o advogado P.M. a representava para efeito de revogação da denúncia, pelo que deu o tribunal tal facto como não provado.»
Do exposto, infere-se que a questão relacionada com a data em que foi subscrita a procuração forense foi trazida aos autos pela própria recorrente, que, malogradamente para si, não logrou demonstrar que a aludida procuração havia sido subscrita anteriormente em 11-03-2020, e que continha qualquer erro material relativamente à data da subscrição constante do documento (11-10-2020).
Logo, quando o tribunal a quo refere que a procuração forense foi subscrita em 11-10-2020, não está a cometer qualquer excesso de pronúncia, mas apenas a apreciar e decidir sobre questão que lhe foi colada pelas partes processuais, em função dos meios probatórios oferecidos.
Por conseguinte, improcede a arguida nulidade por excesso de pronúncia.
Relativamente às alegadas omissão de pronúncia e falta de fundamentação, desde já adiantamos que, também nesta parte, não assiste razão à recorrente.
Ficou provado no ponto 16, o seguinte:
- No dia 4 de maio de 2020, endereçou o advogado P.M. nova comunicação de e-mail à Ré, conforme documento junto aos autos em sede de audiência de discussão e julgamento, pretendendo ratificar os atos praticados nos termos do artigo 268.º do Código Civil, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Desde logo, importa salientar que a referência ao artigo 268.º do Código Civil consta do teor do documento junto na audiência de discussão e julgamento.
E relativamente à matéria factual em questão, o tribunal a quo apreciou e decidiu sobre a mesma, pois refere-se expressamente na sentença recorrida que a declaração produzida, anterior à data da emissão da procuração forense, não poderia conduzir ao efeito pretendido, ou seja, à pretendida ratificação da procuração.
Logo, não só houve pronúncia sobre a questão do visado ato de ratificação, como foram apresentadas as razões subjacentes à decisão assumida.
Em consequência, não se verifica, igualmente, a arguida nulidade da sentença com fundamento em omissão de pronúncia e falta de fundamentação.
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VI. Impugnação da decisão de facto
A recorrente impugna a decisão proferida pela 1.ª instância, relativamente aos seguintes pontos da fundamentação de facto:
- Factos provados 7, 14, 15 e 16.
- Factos não provados A) e B).
Considerando-se suficientemente observado o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, nada obsta à apreciação da impugnação.
Ponto 7 dos factos provados
Consta deste ponto, o seguinte:
- Juntamente com a comunicação supra identificada em 6, o subscritor junta documento manuscrito, epigrafado de “Procuração”, datado de 11 de outubro de 2020 e no qual se encontra aposta assinatura ilegível, conforme documento 8 junto com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
Refere a recorrente que é verdade que a assinatura aposta na procuração é ilegível, mas ela é semelhante à aposta pela recorrente na comunicação da denúncia, bem como no contrato individual de trabalho, resultando esta realidade do confronto dos documentos n.ºs 1, 2 e 8, juntos com a petição inicial.
Sugere, então, que a redação do ponto factual seja alterada, nos seguintes termos:
Juntamente com a comunicação supra identificada em 6, o subscritor junta documento manuscrito, epigrafado de “Procuração”, datado de 11 de outubro de 2020 e no qual se encontra aposta assinatura ilegível, semelhante às assinaturas ilegíveis que constam da denúncia e do CT, conforme documentos 8 e 1 e 2, juntos com a petição inicial e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
Ora, o aditamento que a recorrente pretende que seja inserido no ponto factual que se analisa seria absolutamente inócuo para a decisão da causa, porque não permite concluir que foi a recorrente quem assinou a “Procuração”.
Conforme esta Secção Social vem afirmando, há longo tempo, a decisão sobre a matéria de facto deve ser antecedida de um prévio juízo seletivo dos factos relevantes que resultam da discussão da causa, considerando o objeto processual e as várias soluções plausíveis da questão de direito.
O tribunal não se deve pronunciar e decidir sobre eventuais factos que são absolutamente inócuos para a decisão sobre a mesma.
Assim o impede o princípio geral da economia processual, que impõe que o resultado processual seja atingido com a maior economia de meios, devendo, por isso, comportar só os atos e formalidades, indispensáveis ou úteis[11]. Tal princípio encontra-se consagrado no artigo 130.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.
Deste modo, a decisão sobre a matéria de facto deve abarcar, simplesmente, factos com interesse ou relevância para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Por conseguinte, os factos que se revelem inócuos para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, não deverão ser considerados /apreciados na decisão sobre a matéria de facto, sob pena de se estarem a praticar atos inúteis.
Este princípio permanece no que respeita à reapreciação da prova.
Destarte, só os factos que produzam ou tenham consequências jurídicas devem ser objeto de prova, devem ser apreciados em sede de decisão sobre a matéria de facto e apenas sobre estes factos deve incidir a reapreciação da prova.
Ora, a materialidade que a recorrente pretende ver acrescentada ao ponto 7 dos factos provados é absolutamente inócua para a decisão da causa, pois não consubstancia qualquer facto constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo do direito que se debate na presente ação.
A factualidade em questão não tem qualquer impacto ou consequência jurídica na decisão da causa.
Nesta conformidade, decide-se não tomar conhecimento da impugnação, nesta parte, uma vez que tal conhecimento se traduziria num ato perfeitamente inútil para a solução do pleito, o que se mostra proibido por lei.

Ponto 14 dos factos provados
Este ponto tem a seguinte redação:
- A Autora não devolveu à Ré qualquer quantia recebida por conta da cessação do seu contrato de trabalho com a Ré.
Pretende a recorrente que o aludido ponto passe a ter o seguinte teor:
A Autora não devolveu à Ré qualquer quantia recebida e descrita no ponto 9., dos Factos Provados.
Para tanto, argumenta que a expressão “recebida por conta da cessação do seu contrato…” é uma conclusão jurídica, um termo técnico jurídico, e não um facto e que, para além disso, não resulta das declarações de parte da legal representante da Ré, nem da prova documental, em que o tribunal a quo se baseia, que o salário, o subsidio de férias e o subsidio de natal pagos correspondem a as quantias recebidas por conta da cessação do contrato de trabalho.
Ouvimos integralmente as declarações prestadas pela legal representante da recorrida. O que a mesma afirmou foi que as quantias que constam dos recibos de vencimento que constituem os documentos n.º 13, 15 e 17 juntos com a petição inicial, correspondem aos valores do acerto de contas pela cessação do contrato de trabalho. Dos referidos recibos de vencimento também consta a menção “fecho”. Foi também referido pela legal representante que a recorrente nunca devolveu as quantias pagas que os recibos titulam. O referido pagamento, que havia sido alegado na contestação, não foi impugnado em sede de resposta às exceções exprimida no início do julgamento, e não foi apresentada qualquer prova da devolução das quantias em causa.
Tudo ponderado, afigura-se-nos que o as declarações de parte, conjugadas com os referidos documentos sustentam a verosimilhança do facto descrito no ponto 14, que comporta linguagem comum, pelo que o decidido merece a nossa confirmação.
Improcede, assim, a impugnação quanto a este ponto.

Ponto 15 dos factos provados
Ficou provado neste ponto:
- Para exercer funções equivalentes às da Autora, a Ré contratou a empresa “Serunion”, conforme documento junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
Sustenta a recorrente que tendo em conta a natureza das funções que devem ser exercidas por uma cozinheira de 1.ª, jamais a empresa “Serunion” as poderia exercer.
Pugna, por isso, pela alteração do ponto factual para os seguintes termos:
A Ré entregou a cozinha à empresa “Serunion”, para que esta ficasse responsável pela confeção e distribuição da alimentação na Ré conforme documento junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
Ora, tendo em consideração o teor do contrato celebrado com a empresa “Serunion” junto aos autos, altera-se o teor do ponto 15 dos factos provados, nos seguintes termos:
- A Ré contratou a empresa “Serunion”, para que a mesma lhe prestasse serviços de alimentação, pelo período de um ano, renovável, com início em 1 de abril de 2020, disponibilizando a sua cozinha e o seu equipamento para o efeito, conforme documento junto aos autos, em 08-09-2021, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

Ponto 16 dos factos provados
Este ponto tem o seguinte teor:
- No dia 4 de maio de 2020, endereçou o advogado P.M. nova comunicação de e-mail à Ré, conforme documento junto aos autos em sede de audiência de discussão e julgamento, pretendendo ratificar os atos praticados nos termos do artigo 268º do Código Civil e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Alega a recorrente que a comunicação em causa foi enviada pela recorrente à recorrida e não pelo seu representante, conforme resulta do email datado de 04-05-2020.
Além disso, tal comunicação visava não só a ratificação dos atos praticados, mas, em primeiro lugar, a aceitação por parte da recorrente do ato de revogação da denúncia, praticado pelo seu representante e a consequente validade da revogação.
Em consequência, sustenta que o teor do ponto factual deverá ser alterado para o seguinte teor:
No dia 4 de maio de 2020, endereçou a Autora comunicação de e-mail à Ré, conforme documento junto aos autos em sede de audiência de discussão e julgamento, pretendendo a revogação da denúncia do contrato de trabalho, com base na comunicação recebida pela R, em 11.03.2020, ou na ratificação do ato de revogação da denúncia praticado pelo advogado P.M. nessa comunicação.
Efetivamente resulta do documento junto na audiência de discussão e julgamento (email de 04-05-2020) que a comunicação relativa à “ratificação de poderes” foi remetida do endereço eletrónico ...@gmail.com para o endereço eletrónico da recorrida.
Deste modo, não foi o advogado, Dr. P.M. quem endereçou a comunicação eletrónica, mas a recorrente.
Quanto ao teor do documento, entendemos que o mesmo deve ficar a constar, de forma expressa, no ponto factual, sendo que o que se vier a inferir desse teor, nomeadamente quanto à intenção da mensagem, constitui um juízo apreciativo e conclusivo que não deverá constar do conjunto dos factos provados.
Destarte, a impugnação quanto ao ponto 16 procede parcialmente.
Por conseguinte, altera-se a redação do aludido ponto factual, nos seguintes termos:
-No dia 4 de maio de 2020, endereçou a Autora, por email, uma comunicação à Ré, com o seguinte teor:
«Exmo senhor
Presidente da Direção do Centro de Bem Estar Social de Arronches
(…)
Portalegre, 04 de maio de 2020
Assunto: Ratificação de Poderes
Exmo senhor
I.F., na sequência da vossa comunicação (V/ Referência 024, pº L/2020, de 28 abril.2020), enviada por carta registada e recebida hoje, (04.05.2020), informa que considera suficientes os poderes gerais forenses que concedeu ao Dr. P.M., advogado (…), para nos termos e para os efeitos do art. 402.º do Código do Trabalho revogar a denúncia do contrato de trabalho, recebida por essa Instituição em 04.03.2020.
Por mera cautela, vem nos termos do Art. 268.º do Código Civil, ratificar todos os atos já praticados por esse seu mandatário, e conceder-lhe todos os poderes necessários para a prática de todos os atos futuros que se mostrem necessários.
Com os melhores cumprimentos
I.F.»

Alínea A) dos factos não provados
Nesta alínea, o tribunal a quo considerou que não se provou:
- Que, em 11 de março de 2020, a Autora tenha comunicado à Ré a sua intenção de revogar a denúncia por si operada em 3 de março de 2020.
Entende a recorrente que deverá passar a constar do conjunto dos factos provados, a seguinte factualidade:
Em 11 de Março de 2020, a Autora comunicou à Ré a sua intenção de revogar a denúncia por si operada em 3 de março de 2020, por comunicação enviada pelo Advogado P.M., em sua representação com procuração forense.
Sustenta a visada alteração da matéria de facto no que foi por si alegado na petição inicial e nos documentos n.º s 5 a 9, juntos com a petição inicial.
Ora, depois de analisada a referida prova documental e, ainda, os documentos n.ºs 10 e 11, o que se retira desta prova é o já consta dos pontos 6 a 8 dos factos provados.
Não existe prova de qualquer comunicação realizada pela própria Autora à Ré, em 11 de março de 2020, a comunicar a sua intenção de revogar a denúncia.
Os factos passaram-se conforme resultou provado, tendo em atenção a aludida prova documental.
Pelo exposto, não há fundamento para alterar a decisão proferida quanto à alínea A) dos factos não provados.

Alínea B) dos factos não provados
Consta desta alínea que não se provou:
- Que a procuração forense tenha sido subscrita pela Autora antes de 11 de março de 2020.
A recorrente pretende que fique a constar como provado o seguinte facto:
A procuração forense foi subscrita pela Autora antes de ser recebida pela R., em 11 de março de 2020.
Para fundamentar a sua discordância com o decidido baseia-se nos documentos n.ºs 5 a 9 juntos com a petição inicial.
Ora, salvo o devido respeito, não resulta da aludida prova documental a demonstração da verificação do facto que a recorrente pretende que conste do elenco dos factos provados.
Desde logo, porque não resultou demonstrado que a assinatura aposta na “Procuração” (Doc. n.º 8) seja a assinatura da recorrente – cfr. ponto 7 dos factos provados.
Nestes termos, a prova convocada pela recorrente não constitui suporte probatório para dar por verificada a factualidade pretendida.
Improcede, nesta parte, a impugnação.

Concluindo, a impugnação da decisão de facto apenas procede parcialmente.
*
VII. Da alegada eficácia da revogação da denúncia
A 1.ª instância entendeu que a revogação da denúncia operada pelo advogado, Dr. P.M., foi ineficaz, concluindo que o vínculo contratual laboral cessou por denúncia operada pela recorrente.
A ineficácia da revogação da denúncia foi decidida tendo por base, resumidamente, os seguintes fundamentos:
a. Nunca a revogação da denúncia poderia ser eficaz, porquanto a trabalhadora não devolveu as quantias recebidas por ocasião da cessação do contrato de trabalho, não tendo, assim, dado cumprimento ao disposto pelo artigo 350.º, n.º 3 do Código do Trabalho.
b. A revogação da denúncia não foi realizada pessoalmente pela trabalhadora, mas sim pelo seu advogado, o qual, à data, não tinha procuração para representar a trabalhadora.
Em sede de recurso, impugna-se o decidido, recorrendo-se a uma multiplicidade de argumentos.
Todavia, a questão suscitada resume-se à apreciação da alegada eficácia da revogação da denúncia do contrato de trabalho.
Cumpre, pois, apreciar tal questão.
Decorre da factualidade provada que, em 03-03-2020, a recorrente remeteu à recorrida uma comunicação escrita, através da qual manifestou a sua intenção de rescindir o contrato de trabalho, com efeitos a 03-03-2020.
Esta comunicação escrita chegou ao conhecimento da destinatária no dia seguinte.
Mais se apurou que no dia 11-03-2020, a recorrida recebeu comunicação escrita, através de email, com o seguinte teor:
“Exmº Senhor, P.M., advogado, portador da cédula profissional …, com domicílio profissional na …, venho na qualidade de mandatário da vossa colaboradora, I.F., e nos termos e para os efeitos do artigo 402º do Código do Trabalho revogar a denúncia do contrato de trabalho, recebida pela Instituição em 04.03.2020, (Registo RD924553034PT), da qual junto cópia… Assim queira VExª dar sem efeito a referida denúncia do CIT, mantendo-se a relação laboral nos exatos termos em que vinha vigorando.”.
Juntamente com esta comunicação foi enviado documento manuscrito, epigrafado de “Procuração”, datado de 11-10-2020, no qual se encontra aposta uma assinatura ilegível.
A aludida comunicação foi remetida, igualmente, por carta registada com A.R., no dia 12-03-2020, que a recorrida recebeu em 16-03-2020.
Quid júris?
Atento o disposto nos artigos 400.º e 401.º do Código do Trabalho, o contrato de trabalho pode cessar por denúncia do trabalhador, (com ou sem aviso prévio[12]), sem necessidade de invocação de qualquer causa ou motivo justificativo da cessação.
Por seu turno, o artigo 402.º do Código do Trabalho estipula:
1 - O trabalhador pode revogar a denúncia do contrato, caso a sua assinatura constante desta não tenha reconhecimento notarial presencial, até ao sétimo dia seguinte à data em que a mesma chegar ao poder do empregador, mediante comunicação escrita dirigida a este.
2 - É aplicável à revogação o disposto nos n.ºs 2 ou 3 do artigo 350.º.
Neste artigo, consagra-se um verdadeiro direito ao arrependimento por parte do trabalhador, pois, desde que a assinatura da declaração de denúncia não tenha sido objeto de reconhecimento notarial presencial, o trabalhador dispõe de sete dias, contados desde da data em que a denúncia contratual chegou ao conhecimento do empregador, para a revogar, mediante comunicação escrita dirigida ao empregador e desde que observe o disposto no n.º 3 do artigo 350.º do Código do Trabalho.
Sobre a parte final do artigo, escreveu Pedro Furtado Martins:[13]
«O artigo 402.º, 2 prescreve que se aplica à revogação da denúncia o disposto nos n.ºs 2 ou 3 do artigo 350.º. A proposição alternativa não parece ter sentido, pois são diferentes as soluções consagradas em cada uma das disposições do artigo 350.º para que se remete:
- O n.º 2 refere-se aos casos em que não é possível assegurar a receção pelo empregador da comunicação da revogação, possibilitando que o trabalhador a remeta “por carta registada com aviso de receção, no dia útil subsequente ao fim do prazo “;
- O n.º 3 condiciona a eficácia da revogação à devolução pelo trabalhador da “totalidade do montante das compensações pecuniárias pagas por efeito do acordo ou por efeito da cessação do contrato de trabalho”.
Supomos que, apesar da remissão em alternativa para um dos números do artigo 350.º, se aplicam os dois cumulativamente, pois ambas as hipóteses se podem verificar na revogação da denúncia pelo trabalhador e não há razão justificativa para excluir qualquer uma. A única situação que não é provável verificar-se na denúncia é esta ter sido acompanhada do pagamento de compensações pecuniárias pelo empregador, pelo que o dever, rectius: o ónus de devolução estabelecido no artigo 350.º, 3, apenas se aplicará aos créditos laborais pagos em consequência da cessação do contrato, como sejam os relativos a férias e subsídio de Natal.».
Sobre a matéria da revogação da denúncia, pronunciaram-se, também, os seguintes acórdãos[14]:
Acórdão da Relação do Porto de 17-01-2005, Proc. n.º 0414848:
I - A rescisão do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador pode ser revogada até ao 2º dia útil seguinte à data de produção de efeitos (artigo 2.º da Lei n.º 38/96, de 31 de agosto).
II - Porém, a revogação só é eficaz se, em simultâneo com a comunicação, o trabalhador entregar ou puser à disposição da entidade patronal o valor das compensações pagas por efeito da cessação do contrato.
III - Tendo o trabalhador revogado a rescisão do contrato de trabalho, sem ter posto à disposição da entidade patronal as quantias recebidas na sequência de tal rescisão, a título de férias, subsídios de férias e de Natal, a revogação é ineficaz, ficando em consequência de pé a rescisão do contrato de trabalho.
Acórdão da Relação de Lisboa de 14-05-2008, Proc. n.º 1652/2008-4:
I- Por força do n.º 3 do art.º 449, do Código do Trabalho, para que a revogação da denúncia seja eficaz o trabalhador tem que colocar à disposição do empregador os montantes que recebeu por efeito da cessação do contrato de trabalho.
II- No caso, o autor devia ter entregue à ré os valores recebidos a título de proporcionais de férias, subsídio de férias, de Natal e férias não gozadas.
III- Não o tendo feito a revogação da denúncia não foi eficaz.
Desde já adiantamos que a nossa posição não diverge dos entendimentos anteriormente expostos.
No Código do Trabalho, é o artigo 402.º que prevê e regula a revogação da denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador.
O n.º 2 do artigo estipula que é aplicável à revogação o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 350.º.
Para o que agora interessa, entende-se que a remissão para o n.º 3 do aludido artigo, significa com as necessárias adaptações, que a declaração de revogação da denúncia só é eficaz se, em simultâneo com a sua comunicação, ou logo que tomar conhecimento do seu recebimento se este for posterior à comunicação, o trabalhador entregar ou puser, por qualquer forma, à disposição do empregador a totalidade das quantias que recebeu por efeito da cessação do contrato de trabalho.
No caso dos autos, tendo em consideração o facto provado n.º 9 e os recibos juntos aos autos, infere-se que a recorrente, por efeito da cessação do contrato de trabalho, recebeu as férias não gozadas e o respetivo subsidio, os proporcionais de férias e o proporcional de Natal, conforme dispõem os artigos 245.º, n.º 1 e 263, n.ºs 1 e 2, alínea b), ambos do Código do Trabalho.
Tais quantias, de acordo com os elementos dos autos, foram pagas no final do mês de março de 2020, tendo os respetivos recibos de vencimento sido remetidos à recorrente em 07-04-2020 – facto provado n.º 9.
Todavia, desde então, conforme também se infere da factualidade provada, a recorrente não entregou ou colocou à disposição da recorrida, as quantias que recebeu por efeito da cessação do contrato de trabalho.
Tanto basta, para que nos termos das disposições conjugadas dos artigos 402.º e 350.º, n.º 3 do Código do Trabalho, a declaração de revogação da denúncia não possa considerar-se eficaz, como bem apreciou a 1.ª instância.
Ademais, a declaração de revogação da denúncia foi emitida por quem não tinha poderes representativos para proferir a aludida declaração, pois tal manifestação de vontade implicava a existência de uma procuração civil (não forense), que constituísse a fonte da representação voluntária – artigo 262.º do Código Civil.
Ou seja, para que o advogado tivesse poderes representativos para proferir a aludida declaração, seria necessário que a recorrente lhe tivesse passado uma procuração a conferir tal poder negocial.
E não ficou demonstrado que o tivesse feito.
Aliás, a procuração junta com a declaração de revogação, para além de ser uma procuração a conferir poderes forenses, com uma data futura, continha uma assinatura ilegível, pelo que nem sequer é possível concluir que a mesma tenha sido outorgada pela recorrente a favor do advogado.
Em suma, o advogado declarante atuou sem poderes de representação.
É certo que o ato praticado por quem não possui os poderes necessários para o fazer não é um ato inválido, mas apenas inquinado de simples ineficácia, sanável através de ratificação[15].
Dispõe o artigo 268.º do Código Civil:
1. O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado.
2. A ratificação está sujeita à forma exigida para a procuração e tem eficácia retroativa, sem prejuízo dos direitos de terceiro.
3. Considera-se negada a ratificação, se não for feita dentro do prazo que a outra parte fixar para o efeito.
4. Enquanto o negócio não for ratificado, tem a outra parte a faculdade de o revogar ou rejeitar, salvo se, no momento da conclusão, conhecia a falta de poderes do representante.
A ratificação é, assim, o ato pelo qual, na representação sem poderes ou com abuso do seu exercício, a pessoa em nome de quem o negócio é concluído, declara aprovar tal negócio, que doutro modo seria ineficaz em relação a ele[16].
Ora, com arrimo nos factos assentes, apurou-se que no dia 04-05-2020, endereçou a recorrente, por email, uma comunicação à recorrida, com o seguinte teor:
«Exmo senhor
Presidente da Direção do Centro de Bem Estar Social de Arronches
(…)
Portalegre, 04 de maio de 2020
Assunto: Ratificação de Poderes
Exmo senhor
I.F., na sequência da vossa comunicação (V/ Referência 024, pº L/2020, de 28 abril.2020), enviada por carta registada e recebida hoje, (04.05.2020), informa que considera suficientes os poderes gerais forenses que concedeu ao Dr. P.M., advogado (…), para nos termos e para os efeitos do art. 402.º do Código do Trabalho revogar a denúncia do contrato de trabalho, recebida por essa Instituição em 04.03.2020.
Por mera cautela, vem nos termos do Art. 268.º do Código Civil, ratificar todos os atos já praticados por esse seu mandatário, e conceder-lhe todos os poderes necessários para a prática de todos os atos futuros que se mostrem necessários.
Com os melhores cumprimentos
I.F.»
Ora, ainda que a manifestada declaração de ratificação do ato praticado pelo advogado pudesse, eventualmente, considerar-se válida e eficaz, a mesma não seria suficiente para considerar a revogação da denúncia eficaz, devido ao incumprimento do prescrito pelas disposições conjugadas dos artigos 402.º e 350.º, n.º 3 do Código do Trabalho, conforme apreciámos supra.
Pelo exposto, não temos qualquer reparo a fazer à decisão recorrida que concluiu pela ineficácia da revogação operada e pela cessação do contrato de trabalho por denúncia da trabalhadora.
Concluindo, resta-nos julgar o recurso improcedente e confirmar a decisão recorrida.
*
VIII. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.

Évora, 24 de fevereiro de 2022

Paula do Paço (Relatora)
Emília Ramos Costa (1.ª Adjunta)
Moisés Silva (2.º Adjunto)

__________________________________________________
[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Emília Ramos Costa; 2.ª Adjunto: Moisés Silva
[2] Publicado em www.dgsi.pt.
[3] Acessível em www.dgsi.pt.
[4] Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pág.130 e segs.
[5] Código de Processo Civil anotado, volume V, pág. 143.
[6] In Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pág.140.
[7] In Código de Processo Civil, pág.297.
[8] In Estudos sobre Processo Civil, pág. 221.
[9] In Notas ao Código de Processo Civil, III, pág. 194.
[10] Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-04-1975, BMJ 246.º, pág. 131; o Acórdão da Relação de Lisboa, de 10-03-1980, BMJ 300º, pág. 438; o Acórdão da Relação do Porto de 08-07-1982, BMJ 319.º, pág. 343; e o Acórdão da Relação de Coimbra de 06-11-2012, P. 983/11.5TBPBL.C1 e o Acórdão da Relação de Évora de 20-12-2012, P. 5313/11.3YYLSB-A.E1, ambos acessíveis em www. dgsi.pt.
[11] Cfr. José Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil”, Coimbra Editora, 3.ª edição, pág. 203.
[12] Ainda que a falta de aviso prévio, origine uma obrigação de indemnização para o trabalhador – artigo 401.º do Código do Trabalho.
[13] Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª edição, págs. 550/551.
[14] Ainda que os acórdãos tenham aplicado legislação anterior, os mesmos mantêm a sua atualidade face ao atual artigo 402.º do Código do Trabalho. Os acórdãos estão acessíveis em www.dgsi.pt.
[15] Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 13-10-21, Proc. 300/18.3GAVFR.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[16] Rui Alarcão, Confirmação, 1.º, pág. 118.