Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | JOÃO GOMES DE SOUSA | ||
| Descritores: | CUSTAS PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES DESPACHO ERRO CASO JULGADO | ||
| Data do Acordão: | 12/03/2019 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | i) se um primeiro despacho judicial defere a pretensão de arguido ao pagamento fracionado das custas em dívida por se supor erroneamente superior o respetivo montante a um determinado quantum mínimo legal, tal despacho foi precipitado na medida em que não colheu informação concreta sobre as custas em dívida, constituiu um direito na esfera jurídica do arguido e formou caso julgado formal. ii) um segundo despacho não pode posteriormente alterar aquele despacho com fundamento em lapso ou erro material pois que, ao invés, se trata de um erro substancial na análise dos requisitos de deferimento e tal erro não é enquadrável no artigo 380.º n.º 1, -al. b) do CPP, na medida em que a eliminação desse erro substancial importou “modificação essencial” do decidido, tanto que decidiu em sentido contrário. (sumário elaborado pelo relator) | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
A - Relatório: Nestes autos de processo comum perante tribunal singular supra numerados que correm termos no Tribunal Judicial de Olhão - Genérica, J1 - por despacho lavrado em 26-06-2019, o Mmº. Juiz deferiu o pedido do arguido de pagamento fracionado de custas em 6 prestações mensais. Posteriormente, outro Mmº Juiz, após informação da secção, lavrou despacho a 04-07-2019 a indeferir o requerido pelo arguido considerando existir erro quanto ao montante das custas. * Inconformado com aquela decisão dela interpôs recurso o arguido, pedindo a sua procedência pela revogação do despacho recorrido, com as seguintes conclusões: I - Com a prolação do despacho de 26.06.2019, que deferiu INTEGRALMENTE a pretensão do arguido, ficou esgotado o poder jurisdicional do Mm.º Juiz a quo quanto àquela concreta matéria, nos termos do artigo 613.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 4.º do Código de Processo Penal. II - Esgotado o poder jurisdicional que lhe assistia com o despacho de 26.06.2019, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre questão de que não podia tomar conhecimento, o que determina a nulidade do douto despacho proferido sobre a mesma matéria em 04.07.2019, nos termos do art.º 379.º, n.º 1 alínea c) do Código de Processo Penal, nulidade essa que ora expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos. 11- Na sequência do Douto despacho proferido em 26.06.2019, só restava ao Tribunal a quo conformar-se com a sua própria decisão. Por todas as razões e fundamentos apontados, nos demais termos da lei, do Direito e sem perder de vista os demais do sempre Mui Douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes-Desembargadores, deverá ser revogada a decisão impugnada por via deste recurso e como consequência, ordenar-se a repristinação do despacho de 26.06.2019 com a referência n.º 113555250. * Respondeu a Digna magistrada do Ministério Público junto do Tribunal da Comarca, com as seguintes conclusões: 1 - O arguido ora recorrente inconformado com o despacho judicial proferido em 04 07 2019, com a referência 113721904, recorre do mesmo, afirmando que o mesmo é nulo, invocando o disposto nos artigos 613º do Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 4º do Código de Processo Penal e o artigo 379º/1 al. c) do mesmo código. 2 - Salvo devido respeito, o presente recurso não merece provimento pelas razões que se passam a expor. 3 - O arguido ora recorrente requereu o pagamento das custas em prestações, o que lhe foi deferido, por despacho judicial em 26 06 2019, com referencia 113555250, ao abrigo do disposto no artigo 33º/1 al. a) do Regulamento das Custas Processuais. 4 – Sucede que a secção verificou que as custas eram de €204,00 e por isso, o Mmo Juiz a quo, em despacho proferido em 04 07 2019, declarou ter havido manifesto lapso, na prolação do despacho anterior, uma vez que se lavrou em erro sobre o montante das custas e de seguida, corrigiu o lapso, ao abrigo do artigo 380º/1 al. b) do Código de Processo Penal, e, indeferiu, por conseguinte, o requerido pelo recorrente, ou seja, indeferiu o pagamento das custas em prestações. 4 – É verdade que proferida a sentença (ou, neste caso o despacho), fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz, mas unicamente relativamente às questões relacionadas com o mérito da causa. 5 - O poder do juiz não se esgota para conhecer das questões incidentais ou processuais. 6 - Mais se dirá que é notável/manifesto o lapso cometido pelo Mmo Juiz a quo, 7 - Com efeito, o pagamento das custas fracionado só é permitido a partir de determinado valor – o estipulado no artigo 33º do Regulamento das Custas processuais. 8 – Mais se dirá que o despacho ora posto em crise não tinha transitado em julgado. Pelo que Bem decidiu o Mmo Juiz a quo, Não merecendo quaisquer reparos, deverá pois, ser mantido nos seus precisos termos, o despacho ora recorrido. Termos em que, em nosso entender, deverá ser negado provimento ao recurso e confirmado o douto despacho judicial recorrido nos seus precisos termos, * Nesta Relação o Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. Observou-se o disposto no nº 2 do art. 417° do Código de Processo Penal. Colhidos os vistos, o processo foi à conferência. ***** B - Fundamentação: B.1 - São elementos de facto relevantes e resultantes do processo, para além dos que constam do relatório, os seguintes, decorrentes da análise dos autos: 1 – É o seguinte o teor do despacho lavrado a 26-06-2019 – Ref. 113721904 «Veio ota) arguido(a) I… requerer o pagamento das custas processuais em prestações, alegando a sua situação de carência económica. «CONCLUSÃO - 04-07-2019. Com informação a V.exa. que ao dar cumprimento ao doutamente ordenado no douto despacho que antecede, verifica-se que as custas do arguido são 204,00 Euros. (Termo eletránico elaborado por Escrivão Adjunto Ercilia Brandão) =CLS= * B.2 – Cumpre conhecer. O objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação – art.º 403, nº1, e 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal. A questão abordada no recurso reconduz-se a apurar se o Mmº Juiz poderia ter indeferido o que já fora deferido. O despacho lavrado a 26-06-2019 deferiu uma pretensão do arguido ao pagamento fracionado das custas em dívida por se supor superior o respectivo montante a um determinado quantum mínimo legal, no caso superior a 3 Ucs, como determina o corpo do artigo 33º Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Dec-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (“Quando o valor a pagar seja igual ou superior a 3 UC, o responsável pode requerer, fundamentadamente, o pagamento das custas em prestações, agravadas de 5 % …”). O pressuposto formal do Mmº Juiz que autorizou tal pagamento fraccionado foi que “no caso em apreço as custas foram liquidadas em quantia superior a 3 UC”, o que o levou a autorizar o fracionamento no máximo legal, 6 prestações. O despacho posterior foi lavrado em 04-07-2019 e depois de conclusão com a informação de que as custas devidas pelo arguido eram no montante de 204 €, isto é, inferiores a 3 UC. E este segundo despacho alterou o anterior com dois argumentos, um factual – “lapso … uma vez que se lavrou em erro sobre o montante das custas” e corrigiu o “erro material nos termos do artigo 380º, n. 1, al. b) do Código de Processo Penal”. Daqui decorrem três realidades insofismáveis: o primeiro despacho foi precipitado na medida em que não colheu informação concreta sobre as custas em dívida; o primeiro despacho constituiu um direito na esfera jurídica do arguido; o primeiro despacho formou caso julgado formal. O segundo despacho assenta o seu sentido decisório em dois factores, um factual, outro jurídico: factual na medida em que considerou existir um “erro material”; jurídico a letra da al. b) do n. 1 do artigo 380º do C.P.P.. Ambos estão desenquadrados do real acontecido. O erro não é “material”, é substancial. Há uma deficiente apreciação da matéria de facto a integrar no artigo 33º, n. 1 do RCP. E o erro na apreciação de facto não é um “erro material”. Tal erro não é enquadrável no artigo 380º, n. 1, al. b) do C.P.P. na medida em que esta exige que a eliminação do “erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade ….. não importe modificação essencial”. E a eliminação do erro substancial importou “modificação essencial” do decidido, tanto que decidiu em sentido contrário. Louva-se a intenção do segundo despacho no sentido de corrigir a precipitação, mas os elementos segundo e terceiro indicados supra – constituição de um direito e caso julgado formal – a acrescer à inexistência de um simples “erro material” e ao facto de ter alterado no sentido oposto o decidido, não permitem que seja alterado o inicialmente decidido. Motivos que implicarão a procedência do recurso. * C - Dispositivo Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto, mantendo-se vigente o despacho lavrado em 26-06-2019 – Ref. 113721904. Sem tributação. Notifique. Évora, 03 de Dezembro de 2019 (Processado e revisto pelo relator) João Gomes de Sousa (relator) Nuno Garcia |