Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ELISABETE VALENTE | ||
Descritores: | LIVRANÇA EM BRANCO PRAZO DE PRESCRIÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 04/11/2024 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | Numa livrança em branco, o prazo de prescrição conta-se a partir da data de vencimento que venha a ser aposta no título pelo respectivo portador, quer essa data coincida ou não com o incumprimento do contrato subjacente ou com o vencimento da obrigação subjacente. (Sumário elaborado pela relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora: 1 – Relatório. Por apenso à execução para pagamento de quantia certa movida pela Caixa Geral de Depósitos, S.A. e cujo título executivo consubstancia uma livrança subscrita por AA, vieram BB e CC, habilitados a prosseguir nos autos em sua substituição, deduzir oposição à execução mediante embargos, alegando, para tanto e em síntese, que a livrança dada à execução se reporta a um contrato de mútuo celebrado em 04-05-2009, no valor de 25.000,00 € (vinte e cinco mil euros), que tinha um período de carência de 12 meses, durante o qual apenas se venciam juros e outros encargos, e deveria ter sido reembolsado nos 24 meses seguintes ao termo do referido período de carência, em prestações trimestrais, sucessivas e iguais, vencendo-se a primeira no trimestre seguinte ao do final do prazo de deferimento, sendo que a última prestação ter-se-á vencido em Agosto de 2012, concluindo que a execução deu entrada 10 anos depois do vencimento da última prestação (que era composta por capital juros e outros encargos), desconhecendo quais e quantas prestações não foram pagas pelo primitivo devedor, pelo que, de acordo com o disposto no artigo 310.º, alínea e), do C. Civ., as prestações decorrentes do referido contrato de mútuo se encontram prescritas. Mais alegam que a tal conclusão não obsta a circunstância de ser dada à execução uma livrança com data de vencimento de 27-06-2022, sendo-lhes lícito, no domínio das relações imediatas (por terem sucedido ao subscritor), opor qualquer meio de defesa, incluindo a extinção da obrigação causal, pelo que, tendo a referida livrança sido entregue com o propósito de garantir o cumprimento das obrigações emergentes do mencionado contrato de mútuo, a prescrição da obrigação causal determina a necessária extinção da obrigação cambiária. Alegam ainda que, ao não accionar a garantia autónoma exigida aquando da celebração do contrato de mútuo (com a Garval – Sociedade de Garantia Mútua, S.A.), podendo ficar ressarcida, à primeira solicitação, de um valor correspondente a 75% do valor mutuado (18.750,00 €), o preenchimento e utilização da livrança entregue em branco decorridos mais de 10 anos sobre a data em que obrigou AA a contratar a referida garantia redunda num manifesto abuso de direito, na modalidade de «venire contra factum proprium» e violação dos deveres de boa fé. Alegam, por fim, que nem o primitivo executado, nem os seus sucessores foram notificados da mora, pelo que não são exigíveis juros de mora até à data da citação para os termos da execução – cf. Ref.ª Citius ...49. A exequente contestou, invocando, no essencial, que, nos termos do pacto de preenchimento da livrança, constante da cláusula 25.1, alínea a) do contrato de mútuo celebrado, foi convencionado que, em caso de incumprimento pelo mutuante, a data de preenchimento seria decidida pela Caixa Geral de Depósitos, S.A., pelo que não ficando demonstrado o seu preenchimento abusivo, não se pode ter por verificada a prescrição invocada. Mais alega que, o facto de a garantia autónoma não ter sido accionada no prazo contratualmente fixado não constitui qualquer abuso de direito, sendo uma prerrogativa sua (por forma a ficar ressarcida de parte da dívida), que, por não ter sido exercida no prazo fixado para o efeito, a forçou a accionar as demais garantias de que dispunha, concluindo que, em termos práticos, tal acionamento nunca desoneraria o primitivo executado, que continuaria a ser devedor da quantia em causa à Garval – Sociedade de Garantia Mútua, S.A.. Alega, por fim, que o falecido executado foi interpelado, por carta registada com aviso de recepção expedida em 27-06-2022, remetida para a morada contratual, a qual veio devolvida com a indicação «objecto não reclamado», não tendo liquidado os valores então peticionados, pugnando pela improcedência dos embargos deduzidos. Foi proferida sentença que julgou procedente, por provada, a excepção de prescrição da obrigação exequenda deduzida pelos embargantes BB e CC, declarando-se prescritos os créditos da embargada/exequente emergentes do contrato de mútuo celebrado em 04-05-2009 com AA e julgou os presentes embargos procedentes, por provados, e, em consequência, determinou a extinção da execução. Inconformada com tal decisão, veio a exequente interpor recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição): «A. O presente recurso de apelação tem por objeto a sentença proferida pelo Juízo Local Cível ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ... (doravante Tribunal a quo), que julgou procedente a excepção de prescrição do direito de crédito exequendo, e, em consequência, julgou extinta a execução. B. Em suma, o douto Tribunal a quo decidiu declarar prescrito, pelo decurso do prazo de cinco anos a que alude o artigo 310.º, al. e) do Código Civil, o crédito de que a Recorrente é titular e que foi executado nos autos de execução ordinária dos quais os embargos de executado e este recurso são apensos. C. Com efeito, o douto Tribunal a quo considerou que “resultado da matéria dada como provada que as quantias reclamadas na presente execução se venceram, todas, pelo menos até 04-05-2012, é forçoso concluir que em 15-07-2022 – data da instauração da presente execução (…) – já se mostrava transcorrido, há muito, o prazo de prescrição aplicável de 5 (cinco) anos (…)”. D. Salvo o devido respeito, que é muito, a Recorrente permite-se discordar em absoluto da decisão proferida pelo Tribunal a quo, que não foi proferida conforme aos ditames da lei e do direito, pois entende que não terá sido apreciada nos termos que eram exigidos no que tange à aplicação do direito. E. No exercício da sua atividade creditícia, a Exequente celebrou, em 04/05/2009, com o Executado AA um contrato de mútuo ao qual foi atribuído o n.º PT ...91, nos termos do qual foi mutuado o valor de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), para reforço do Fundo de Maneio ou dos capitais permanentes. F. O contrato foi celebrado por um período global de 36 (trinta e seis) meses, sendo os primeiros 12 (doze) meses de diferimento (em que não havia lugar a amortizações de capital) e 24 (vinte e quatro) meses de cobrança de prestações de capital, juros e outros encargos. G. Os créditos emergentes desse financiamento encontram-se titulados pela LIVRANÇA n.º ...62, de € 33.500,83 (trinta e três mil e quinhentos euros e oitenta e três cêntimos), vencida em 27/06/2022, subscrita pelo Executado AA e avalizada pela Executada DD. H. Nos termos do disposto nas Condições Particulares do Contrato, consta o seguinte: “Para titular e assegurar o cumprimento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, o CLIENTE e a AVALISTA atrás identificada para o efeito entregam à CAIXA, neste ato, uma livrança com montante e vencimento em branco, devidamente datada, subscrita pelo primeiro e avalizada pela segunda, e autorizam desde já a CAIXA a preencher a sobredita livrança, qual tal se mostre necessário, a juízo da própria CAIXA, tendo em conta, nomeadamente, o seguinte: a) A data de vencimento será fixada pela CAIXA quando, em caso de incumprimento pelo CLIENTE das obrigações assumidas, a CAIXA decida preencher a livrança; b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança; c) A CAIXA poderá incluir “cláusula sem protesto” e definir o local de pagamento (…)” I. Atendendo ao supra exposto, por força do disposto nas condições do contrato, o Banco ficou irrevogavelmente autorizado a preencher o montante e data de vencimento, na data em que julgar conveniente. J. O empréstimo deixou de ser pago a partir de 04/02/2011, ficando em dívida o capital de € 18.234,27 (dezoito mil duzentos e trinta e quatro euros e vinte e sete cêntimos). K. Nesta sequência, face ao incumprimento definitivo do contrato, venceram-se todas as prestações associadas ao reembolso do capital mutuado ao Recorrido. L. Atendendo ao reiterado incumprimento, não restou alternativa ao Recorrente senão preencher a livrança dada em garantia do cumprimento contratual, vencida em 27/06/2022 e interpelar o mutuário para o seu pagamento. M. Não obstante ter sido considerado provado que a Recorrente é dona e legítima portadora da livrança dada à execução, vencida em 27/06/2022 e que a presente execução deu entrada em Juízo em 15/07/2022, o douto Tribunal a quo considerou que assiste razão aos Recorridos e que a situação dos autos deve ser enquadrada na situação prevista na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, que determina a aplicação de um prazo excecional de prescrição de cinco anos. N. Importa, antes de mais, esclarecer que, no decurso da referida ação, ficou demonstrado que o mutuário havia falecido, razão pela qual foram habilitados a prosseguir a ação, enquanto herdeiros, os Recorrentes acima melhor identificados. O. Note-se que em caso de incumprimento das obrigações contratuais, as Partes acordaram livremente que a Exequente, para cobrança dos créditos, pode fazer uso das garantias que lhe foram prestadas pelo Cliente. P. As obrigações cambiárias estão sujeitas aos prazos especiais de prescrição previstos no artigo 70.º da LULL. Q. O legislador português não fixou um limite temporal para a livrança em branco. R. O prazo prescricional previsto no artigo 70.º da LULL corre a partir do dia do vencimento inscrito pelo portador, desde que não se mostre infringido o pacto de preenchimento. S. Neste sentido, vejamos o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/05/2020, Relator Manuel Domingos Fernandes, disponível para consulta em www.dgsi.pt, que refere que: “II - Tendo os pactos de preenchimento autorizado a exequente embargada a preencher as livranças em caso de incumprimento de quaisquer obrigações ou responsabilidades inerentes à relação subjacente, pelo valor que for devido, não é possível concluir-se que aquela, ao apor nas livranças uma data mais de três anos ulterior à verificação do citado incumprimento, tenha incorrido em preenchimento abusivo, por violação do princípio da boa fé. III - Não havendo violação do pacto de preenchimento, numa livrança em branco, o prazo de prescrição de três anos previsto no art.º 70.º “ex vi” 77.º da LULL, conta-se a partir da data de vencimento que venha a ser aposta no título pelo respectivo portador, quer essa data coincida ou não com o incumprimento do contrato subjacente ou com o vencimento da mesma obrigação.”. T. “Tendo sido concedido à exequente, no pacto de preenchimento, liberdade para fixar a data de vencimento das livranças subscritas em branco, ao invés de a fixar por referência à data relevante do incumprimento ou da resolução dos contratos garantidos por tais títulos, como pretende a embargante, carece de fundamento o invocado preenchimento abusivo das livranças dadas à execução. Para efeitos de prescrição de tais títulos o que releva é a data de vencimento neles aposta pela exequente.” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/10/2019, Relator Acácio das Neves, disponível para consulta em www.dgsi.pt). U. Atendendo ao supra exposto, a Recorrente entende que a obrigação exequenda não se encontra prescrita e que mal andou o Tribunal a quo ao decidir em sentido contrário, uma vez que. a livrança teve o seu vencimento em 27/06/2022 e a presente ação executiva foi intentada em 15/07/2022 V. Caso assim não se entenda, o que não se concebe mas que se acautela por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que tendo sido consideradas vencidas todas as prestações devido ao incumprimento definitivo registado em ambos os contratos, ficou sem efeito o plano de pagamento acordado, pelo que os valores em dívida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital e juros sujeitos ao prazo ordinário de prescrição de vinte anos. W. No entendimento da Recorrente, com o vencimento da totalidade das prestações ao abrigo da Cláusula 21.1.a, o plano de amortização contratualmente convencionado foi dado sem efeito, deixando, em consequência, de ser exigíveis as quotas de amortização de capital e juros. X. Não é, nem pode ser subsumível a presente situação à previsão contida na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, uma vez que estamos na presença uma única obrigação (um contrato de empréstimo) que, embora passível de ser fraccionada e diferida no tempo, jamais pode ser equiparada a uma prestação periódica, renovável e cuja constituição depende do decurso do tempo, sendo que, os mútuos bancários, independentemente das várias formas que possam assumir, nunca prescrevem antes de decorridos, pelo menos, 20 anos. Y. Resolvido o contrato extrajudicialmente, como o foi, com base no incumprimento definitivo do contrato de mútuo em que as partes haviam acordado num plano de pagamento em prestações mensais e sucessivas, que englobava o pagamento de parte do capital e dos juros, e reclamando a credora o montante da dívida, não tem aplicação o disposto no artigo 310.º, alínea e) do Código Civil. Z. O vencimento imediato das prestações restantes, significa per se, que o plano de pagamento faseado anteriormente acordado deixa de estar em vigor, ocorrendo uma perda do benefício do prazo de pagamento contido em cada uma das prestações, pelo que, fica sem efeito o plano de amortização da dívida inicialmente acordado e os valores em dívida voltam a assumir a sua natureza original de capital e de juros. AA. Desmanchada a união anteriormente contida em cada uma das prestações entre uma parcela de capital e outra a título de juros, nenhuma razão subsiste para sujeitar a dívida de capital e dívida de juros ao mesmo prazo prescricional. BB. Aquando a instauração da ação executiva, a Recorrente peticionou pela condenação do mutuário no valor da livrança acrescido dos respetivos juros moratórios em face do seu vencimento, correspondendo o valor da livrança à totalidade em dívida no respetivo contrato e não o pagamento de prestações avulsas, pois embora tenha existido um plano de pagamento para os referidos contratos este não influencia o conteúdo global e unitário desta obrigação. CC. A este propósito vejamos o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/01/2021, Relator Isabel Salgado, disponível para consulta em www.dgsi.pt, que conclui que: “No contrato de mútuo bancário liquidável em prestações sucessivas, assumindo estas a natureza de obrigações periódicas, distintas e autónomas, ficam sujeitas ao prazo de prescrição de 5 anos, estabelecido no artigo 310º, al) e) do Código Civil. Porém, em caso de incumprimento do mutuário que deixa de pagar as prestações, tendo o mutuante considerado vencidas todas as prestações e devido o pagamento do valor total remanescente, fica sem efeito o plano de pagamento acordado, e nessa medida o montante em dívida retoma a sua natureza original de capital (e juros), sujeito ao prazo de prescrição ordinário de 20 anos, previsto no artigo 309º, do Código Civil.” DD. É, pois, esta a interpretação que decorre do enunciado normativo, a qual não se pode, nem deve, deslocar dos critérios de correspondência verbal impostos pelo artigo 9.º do Código Civil. EE. Ao caso em apreço só poderá ser aplicado o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, considerando-se sempre que as obrigações se vencem desde a sua celebração, i.e, a obrigação de pagamento existe sempre desde a data da sua constituição, o que não sucede no caso das obrigações periódicas que nascem sucessivamente e com renovação no tempo. FF. Não estando perante quotas de amortização e por conseguinte perante uma pluralidade de prestações, mas antes sim perante obrigações unitárias que aquando do seu incumprimento recuperam a sua globalidade, a decisão a ser proferida por este colendo Tribunal e que melhor satisfará os ditames da justiça, apenas será a de revogar a decisão recorrida, considerando que ao caso em apreço se aplica o prazo prescricional de 20 anos e que por conseguinte, à data da instauração da ação executiva ainda não havia transcorrido o prazo de prescrição ordinário para o cumprimento da obrigação exequenda. GG. A interpretação do artigo 310.º, al. e) do Código Civil, de que se aplicará a regra prescricional excecional de cinco anos aos contratos de financiamento liquidáveis em prestações mensais e sucessivas, de capital e juros, quando o vencimento antecipado das obrigações ocorre por incumprimento contratual dos mutuários e que essa prescrição abrange a totalidade da dívida, viola os princípios constitucionais da segurança jurídica, proporcionalidade e, ainda o princípio da tutela jurisdicional efetiva. HH. Não se vislumbra qualquer alteração legislativa e/ou da realidade existente que permitisse ou permita à ora Recorrente entender que a sua possibilidade de recuperação de créditos seria mitigada por um prazo de cinco anos. II. Neste seguimento, entende a Recorrente que está em causa a violação de expectativas legítimas criadas em função de uma alteração de entendimento doutrinal e jurisprudencial quanto à aplicação das normas referentes à prescrição das dívidas. JJ. Criar um mecanismo de ilibar os devedores de honrar os seus compromissos é nada mais, nada menos, de que frustrar os princípios basilares que regem a celebração dos contratos: pacta sunt servanda. KK. A referida interpretação normativa tende a impedir o acesso aos Tribunais para cobrança de créditos, decorridos mais de cinco anos, desde que a dívida seja liquidável em prestações, aquando da sua constituição, violando, assim, o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. LL. No entendimento da Recorrente, o douto Tribunal a quo não pode distinguir onde a lei não distingue, sobe pena de se limitar injustificadamente o acesso aos tribunais. MM. Nesta sequência, deverá ser considerada, concretamente, inconstitucional a interpretação segundo a qual aos contratos liquidáveis em prestações, de capital e juros, se aplica o prazo excecional de cinco anos. NN. Atendendo aos motivos supra expendidos, é forçoso concluir pelo manifesto erro de apreciação do Direito na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo. Nestes termos e nos demais de Direito, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser recebido, admitido por provado e em consequência revogada a sentença que ora se recorre, determinando-se o prosseguimento da execução.» Não há contra-alegações. Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir. Os factos dados como provados na 1.ª instância são os seguintes: 1. No exercício da sua actividade creditícia, em 04-09-2009, a Caixa Geral de Depósitos, S.A. celebrou com AA um contrato de mútuo (Linha de Crédito PME Investe III – Caixa), ao qual foi atribuído o n.º PT ...91, mediante o qual se obrigou a disponibilizar-lhe uma quantia de 25.000,00 € (vinte e cinco mil euros), para reforço do fundo de maneio ou dos capitais permanentes, e que aquele se obrigou a reembolsar em 36 (trinta e seis) meses, beneficiando de um prazo de diferimento de amortização de capital de 12 (doze) meses, durante o qual apenas se venciam juros e outros encargos), em prestações trimestrais, sucessivas e iguais, vencendo-se a primeira no trimestre seguinte ao do final do prazo de diferimento, no dia correspondente à perfeição do contrato, e as restantes em igual dia dos trimestres seguintes. 2. Como garantia do pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do negócio referido em 1., da qual AA se confessou devedor, este entregou à Caixa Geral de Depósitos, S.A., em 04-05-2009, uma livrança com montante e vencimento em branco, por si subscrita e avalizada por DD, autorizando-a a preenchê-la a seu juízo e quando se mostrasse necessário, conferindo-lhe a faculdade de (i) fixar a data de vencimento, em caso de incumprimento das obrigações assumidas, (ii) fixar a sua importância, correspondente ao total das responsabilidades decorrentes do empréstimo, nomeadamente capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança, e de (iii) inserir cláusula «sem protesto» e definir o local de pagamento. 3. Em 04-09-2009, para garantia do pagamento de 75% do capital mutuado no âmbito do negócio referido em 1., a sociedade Garval – Sociedade de Garantia Mútua, S.A. prestou a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A. uma garantia autónoma, com o n.º ...09.3858, à primeira solicitação. 4. No âmbito do negócio referido em 3., a Garval – Sociedade de Garantia Mútua, S.A. obrigou-se a pagar à Caixa Geral de Depósitos, S.A. os montantes garantidos ou antecipadamente vencidos, na percentagem em que os mesmos se encontrassem garantidos, sem quaisquer juros, sobretaxas ou encargos, no prazo máximo de 10 (dez) dias após recepção de carta registada com aviso de recepção a solicitar o pagamento, tendo sido convencionado que a garantia caducaria e ficaria sem efeito se a Caixa Geral de Depósitos, S.A. não solicitasse o pagamento no prazo de 90 (noventa) dias imediatamente posteriores ao respectivo vencimento ou à comunicação do vencimento antecipado das prestações. 5. Em 04-05-2009, AA adquiriu à Caixa Geral de Depósitos, S.A., pelo preço de 380,00 € (trezentos e oitenta euros), 380 acções nominativas, com o valor nominal de 1,00 € (um euro) cada, com os números de ordem 12.776.801/12.777.100 (3x100) e 12.632.951/12.633.030 (8x10), representativas do capital da Garval – Sociedade de Garantia Mútua, S.A.. 6. Sobre as acções nominativas referidas em 4. foi constituído penhor a favor da Garval – Sociedade de Garantia Mútua, Lda. para garantia das obrigações decorrentes da garantia autónoma referida em 3.. 7. Em data não concretamente apurada, a Caixa Geral de Depósitos, S.A. preencheu livrança referida em 2., não tendo preenchido o campo destinado à data de emissão e apondo, no local destinado à importância, a menção de 33.500,83 € (trinta e três mil e quinhentos euros e oitenta e três cêntimos) e, no local destinado à data de vencimento, a menção de 27-06-2022. 8. No âmbito do negócio referido em 1., os contraentes convencionaram que as comunicações e os avisos escritos enviados pela Caixa Geral de Depósitos, S.A. a AA seriam remetidos para o endereço constante do contrato (Rua ..., freguesia ..., concelho ...), tendo-se por efectuados se só por culpa do destinatário não fossem por ele oportunamente recebidos. 9. Através de carta registada com aviso de recepção, a Caixa Geral de Depósitos, S.A. dirigiu a AA comunicação com o seguinte teor: «(…) Exmo. Senhor, Como é do conhecimento de Vs. Exa, encontra-se vencida, e não paga, a responsabilidade emergente do contrato de abertura de crédito, celebrado em 2009-05-04. De acordo com o estabelecido no referido contrato, que se encontra em poder desta Caixa devidamente assinado por V. Exa., havendo incumprimento de qualquer das obrigações garantias, são consideradas vencidas todas as restantes, sendo exigível o pagamento da totalidade do nosso crédito. Desta forma, e nos termos contratados, consideramos vencida nesta data a totalidade do nosso crédito e fixámos para o dia 2022-06-27 o vencimento da livrança em branco, subscrita por V. Exa. e avalizada por DD, que preenchemos pelo valor de € 33.500,83, correspondente ao valor total do crédito na data de vencimento fixada, a que acrescem juros de mora, e legais acréscimos, até integral pagamento. Solicitamos que proceda à sua liquidação no prazo de 5 dias, a contar da receção da presente carta, sob pena de adequado procedimento judicial para cobrança do crédito. Mais informamos que demos conhecimento aos demais intervenientes no título do conteúdo desta carta. (…)». 10. À carta (objecto postal) referida em 8. foi atribuído, pelos serviços postais, o n.º de registo ...61.... 11. A carta (objecto postal) referida em 8. foi expedida para a Rua ..., ... ..., em 28-06-2022, tendo ficado disponível para levantamento na Loja CTT de ... entre 29-06-2022 e 08-07-2022, data em que foi devolvida ao remetente com a menção «Objecto não reclamado». 12. AA faleceu em ../../2016. 13. Previamente ao falecimento de AA, a Caixa Geral de Depósitos, S.A. não lhe comunicou a existência de prestações em mora, nem o vencimento antecipado da totalidade das prestações. 14. BB e CC foi habilitados a prosseguir nos autos em substituição de AA por sentença proferida em 31-01-2023. 15. BB e CC foram citados para os termos da execução em 13-03-2023. Inexistem factos não provados. 2 – Objecto do recurso. Questão (única) a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões da sua alegação, nos termos do artigo 684.º, n.º 3 do CPC: Saber qual o prazo prescricional a considerar e o seu início quando está em causa uma livrança em branco. 3 - Análise do recurso. Vem o presente recurso interposto da decisão que julgou prescrito o direito da exequente, entendendo que o prazo de prescrição é de 5 anos, aplicando para tal o art.º 310.º do CC, por referência à aplicação da al. e) e que tal prazo se conta a partir de 4.05.2012 porque a quantia mutuada, acrescida de juros remuneratórios e outros encargos, deveriam ter sido integralmente reembolsada até ao dia 04-05-2012, mediante o pagamento dos juros remuneratórios e outros encargos no período entre 01-04-2009 e 01-04-2010 e a amortização do capital no período compreendido entre 01-04-2010 e 04-05-2012, em prestações trimestrais, razão pela qual as obrigações decorrentes do referido empréstimo para AA se venceram, todas, pelo menos até 04-05-2012, concluindo assim que em 15-07-2022 – data da instauração da presente execução (cf. artigo 323.º, n.os 1 e 2, do C. Civ.) – já tinha decorrido, há muito, o prazo de prescrição aplicável de 5 (cinco) anos. A recorrente discorda desta decisão, argumentando que, por força do disposto nas condições do contrato, o Banco ficou irrevogavelmente autorizado a preencher o montante e data de vencimento, na data em que julgar conveniente e perante o reiterado incumprimento, foi preenchida a livrança dada em garantia do cumprimento contratual comdata de 27/06/2022 e interpelado o mutuário para o seu pagamento e uma vez presente execução deu entrada em Juízo em 15/07/2022, não há prescrição. Vejamos: Sabemos que a razão da “prescrição” se vai buscar à praticada negligência do titular de discriminado direito, consubstanciada na omissão do seu exercício durante certo tempo, que o legislador contabiliza e durante o qual se faz presumir a renúncia ao direito, ou, torna aquele indigno de protecção jurídica (Prof. Manuel de Andrade; Teoria Geral da Relação Jurídica; II; pág. 445-446). Cremos que a decisão em causa não considerou o facto de estarmos perante uma livrança em branco. Numa livrança em branco, o prazo de prescrição conta-se a partir da data de vencimento que venha a ser aposta no título pelo respectivo portador, quer essa data coincida ou não com o incumprimento do contrato subjacente ou com o vencimento da obrigação subjacente. Nesse caso, entende a nossa jurisprudência - constituindo, aliás, orientação consolidada que, o momento decisivo para se determinar a validade da livrança é o do seu vencimento e o prazo prescricional corre desde o dia do vencimento aposto pelo exequente/beneficiário - (neste sentido de que o início de contagem do prazo de prescrição afere-se em função da data de vencimento inscrita na livrança e não com base no vencimento da obrigação causal entre muitos outros, os acórdãos de 12/11/2002(proc. nº 3366/02), de 30/09/2003 (proc. n.º 2113/03), de 29/11/2005(proc. nº 3179/05), de 09/02/2012 (proc. n.º 27951/06.6YYLSB-A.L1.S1), de 19/10/2017 (proc. n.º 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1),consultáveis em www.dgsi.pt). No caso dos autos, resulta provado que houve uma subscrição válida e, nesse contexto, foi-lhe aposta a data de vencimento de 27/06/2022 em consonância com o pacto de preenchimento (v. factualidade provada), mediante o qual o exequente foi autorizado, verificado o incumprimento, a preencher a livrança pelo valor devido e a fixar-lhe a data de vencimento. Note-se que não foi acordado entre as partes uma data-limite para o preenchimento da livrança e não resultando a fixação de tal data do princípio da boa-fé, não se revela como abusivo o preenchimento da livrança nas circunstâncias descritas nos autos, seja na vertente de violação do pacto de preenchimento, seja na vertente de abuso do direito ao livre preenchimento da livrança. Pelo exposto, conclui-se pela não verificação da excepção de prescrição, procedendo assim o recurso. 4 – Dispositivo. Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em conceder provimento ao presente recurso de Apelação e em consequência revogar a decisão recorrida, declarando improcedentes os embargos de executado no tocante à questão da prescrição do direito cambiário invocada e aqui reapreciada devendo os mesmos prosseguirem os seus termos no Tribunal recorrido para apreciação das demais questões neles suscitadas pelos Embargantes, mais determinando o prosseguimento da acção executiva. Custas a cargo do recorrido, nos termos do disposto no artigo 527.º, nos 1 e 2, do Código de Processo Civil. Évora, 11.04.24 Elisabete Valente Maria Adelaide Domingos Declaração de voto de vencida Estando subjacente à emissão da livrança em branco um crédito emergente de contrato de mútuo bancário em que se estabelecia o pagamento do montante financiado em prestações mensais que incluíam juros remuneratórios e amortização do capital, essas obrigações estão sujeitas ao prazo prescricional de 5 anos. Nas relações imediatas, tudo se passa como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstracta, ficando sujeita às excepções que nessas relações pessoais se fundamentem (Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Vol.III. pag. 67/68). Tendo a livrança exequenda sido entregue em branco como garantia do cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contrato de mútuo, a prescrição da obrigação causal determina, no domínio das relações imediatas, a necessária extinção da obrigação cartular. Esta é, aliás, a posição adoptada pelos acórdãos do TRP de 12.1.2023, do TRP de 25.1.2022, do TRC de 21.11.2023 e do TRL de 19.12.2019. Com todo o respeito pela posição que obteve vencimento, confirmaria a decisão porquanto estando inequivocamente no domínio das relações imediatas, ocorrendo pacificamente a prescrição das obrigações emergentes do negócio causal à emissão da livrança em branco, negócio esse que a justifica e lhe constitui a causa, torna-se inexigível a quantia aposta na mesma livrança pela procedência de uma excepção causal suscitada pelos embargantes. Maria João Faro |