Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANABELA LUNA DE CARVALHO | ||
Descritores: | CRÉDITO AO CONSUMO CARTA DE CRÉDITO PRAZO DE PRESCRIÇÃO | ||
Data do Acordão: | 07/11/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | 1 - Demonstrado que o pagamento do capital e juros do contrato de crédito ao consumo, na modalidade de utilização de cartão de crédito, era feito em prestações de capital e juros remuneratórios, antecipadamente acordadas, tem aplicação a jurisprudência do Acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1 e publicado em Diário da República n.º 184/2022, 1ª Série, de 22-09-2022, págs. 5-15 (Acórdão do STJ n.º 6/2022). 2 - Sendo o prazo de prescrição, o prazo de cinco anos estabelecido no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil. (Sumário da Relatora) | ||
Decisão Texto Integral: | Apelação 1297/23.3T8BJA.E1 2ª Secção
Acordam no Tribunal da Relação de Évora: I UNICRE - INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A., intentou a presente ação de processo comum contra (…), (…) e (…), todos melhor identificados nos autos, pedindo: - Sejam os Réus condenados, enquanto herdeiros e representantes da herança aberta por óbito de (…), a reconhecer a existência do crédito da Autora, no valor de € 5.954,79, acrescido dos juros moratórios, calculados à taxa supletiva de juros moratórios relativamente aos créditos de que são titulares as empresas comerciais e, respetivo Imposto de Selo, sobre o capital de € 2.726,68, que se vencerem desde 28.09.2023 e até integral e efetivo pagamento, a ser satisfeito pelas forças e até ao limite da respetiva herança. Alega, em suma, que: No exercício da sua atividade, a pedido de (…), entregou a esta em 13-11-2006 um cartão de crédito UNIBANCO VISA CLASSIC e na mesma data atribuiu-lhe um CashAdvance em Conta de € 3.500,00. A Autora obrigou-se a proceder ao pagamento dos bens e/ou serviços adquiridos pela Titular (…) a terceiros, por via da utilização do referido cartão de crédito, os quais seriam posteriormente debitados nos extratos de conta da titular para que esta procedesse ao respetivo pagamento. A quantia mutuada seria acrescida de juros remuneratórios à taxa de 16.71% e demais encargos. A titular deveria reembolsar a A. em “48 prestações mensais e sucessivas” no valor de € 98,37 com o acréscimo do seguro respetivo no valor de € 5,59. Assim, a partir de 14-11-2006, a Autora foi debitando na respetiva conta-cartão da Titular as prestações mensais do mencionado CashAdvance. Débitos que incluíam não só os movimentos decorrentes da utilização do cartão de crédito de que era titular, mas também as prestações mensais do identificado crédito. Em contrapartida, a Titular foi efetuando o pagamento parcial dos respetivos extratos, o que se verificou até Março de 2009. Tendo-se a Titular constituído em mora a partir de 29/04/2009, o que motivou o débito de comissões e encargos, bem como o cômputo de juros moratórios, nos termos contratados. A Autora interpelou a Titular, seja por via dos extratos, seja por contactos telefónicos e por via postal, para que regularizasse a situação debitória, mas a Titular nada mais pagou tendo o último pagamento ocorrido em 27-03-2009. Em 28-10-2009, a dívida estava consolidada em € 2.726,68. A Autora tomou conhecimento que a Titular (…) faleceu em 01-07-2010, sucedendo-lhe como como únicos e legais herdeiros, os seus filhos, os ora Réus. Enquanto herdeiros e representantes da herança, cabe aos Réus responder pelas dívidas da falecida, dentro dos limites da herança, nos termos dos artigos 2024.º, 2068.º e 2091.º, n.º 1, todos do Código Civil. A Autora informou as 1ª e 2ª Rés do valor em dívida existente na conta-cartão titulada pela falecida (…), relativa ao contrato de cartão de crédito e crédito pessoal associado. Porém, o saldo devedor relativo à conta-cartão da falecida Titular não foi pago. Contestou a Ré (…) invocando, entre o mais, a exceção perentória da prescrição. O último pagamento efetuado foi em Março de 2009 e, o último extrato com quantia a pagamento é de Março de 2010. A Ré foi citada da presente ação a 02-11-2023. Computam-se 13 anos desde o último extrato referente à última prestação. Tem aplicação o regime da prescrição de 5 anos previsto no artigo 310.º, alíneas d) e e), do Código Civil, de acordo com o Acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça de 30.06.2022, Processo n.º 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1. Contestou a Ré (…) alegando que apenas recebeu da herança o direito a 1/3 de determinado prédio urbano, sendo que, à Autora não é permitido exigir a cada herdeiro mais do que a proporção da sua quota na herança, deduzidos os encargos que lhes tenham cabido na mesma, sendo este o seu limite de responsabilidade perante os credores da herança. Sucede que a Ré foi declarada insolvente, tendo aquele direito sido afeto à massa insolvente, nunca tendo esta dívida sido reclamada no processo de insolvência. Invocou ainda a exceção perentória da prescrição, em termos idênticos à contestação da Ré Paula e, abuso de direito por parte da Autora por ter estado mais de 14 anos sem cuidar de fazer valer o seu putativo direito. Mais impugnou parcialmente o alegado na petição inicial. Respondeu a Autora pugnando pela improcedência das exceções invocadas, nomeadamente da prescrição, cujo prazo, defende, é de 20 anos, nos termos do artigo 309.º do Código Civil. Seguidamente, pela Mmª Juíza foi proferido saneador sentença, julgando a ação parcialmente procedente e, em consequência: a) Julgando procedente a exceção perentória da prescrição do direito invocado pela Autora, absolveu as Rés (…) e (…) do pedido. b) Condenou o Réu (…) a pagar à Autora a quantia de € 2.726,68 e juros de mora vencidos e imposto de selo no montante de € 3.228,11, acrescida de juros de mora vincendos, calculados à taxa supletiva de juros moratórios relativamente aos créditos de que são titulares as empresas comerciais e respetivo Imposto de Selo que se vencerem desde 28-09-2023 e até integral e efetivo pagamento, a ser satisfeito pelas forças e até ao limite da respetiva herança. c) Condenou a Autora e o Réu nas custas do processo, na proporção do decaimento que fixou em metade para cada um – artigo 527.º do CPC. Inconformada com tal decisão veio a Autora recorrer, assim concluindo as suas alegações de recurso: 1. O presente recurso incide sobre a douta sentença de fls. que julgou a presente ação parcialmente improcedente, e absolveu as Rés/Apeladas (…) e (…) do pedido. 2. A ora Apelante intentou contra os Apelados ação declarativa de condenação na qual peticionou a condenação daqueles no pagamento da quantia total de € 5.954,79, acrescida dos juros moratórios que se vencessem desde 28.09.2023 e até integral e efetivo pagamento, calculados à taxa supletiva de juros moratórios relativamente aos créditos de que são titulares as empresas comerciais ao ano sobre o capital € 2.726,68. 3. A referida dívida surge da utilização de um cartão de crédito UNIBANCO VISA CLASSIC, com o n.º (…), emitido em 13/11/2006 (que foi posteriormente substituído por outros) e concessão de um CashAdvance em Conta, na mesma data, associado a essa mesma conta-cartão e na qual as prestações do CashAdvance seriam, como foram, debitadas. 5. Conforme convencionado, a Apelante foi debitando na respetiva conta-cartão da Titular as prestações mensais do mencionado CashAdvance, e, após o cancelamento do cartão devido ao incumprimento da falecida Titular, foi ainda debitado na respetiva conta-cartão o remanescente do capital do CashAdvance ainda não reembolsado pela Titular, que acresceu ao valor em dívida na conta-cartão. 6. Ambos os contratos estão intrinsecamente interligados, havendo uma óbvia dependência das Condições Particulares de Utilização do CashAdvance face às Condições Gerais do Cartão UNIBANCO VISA CLASSIC. 7. Ao valor em dívida na referida conta-cartão, resultante da utilização do cartão de crédito, quer das prestações do CashAdvance, é aplicável o regime previsto no artigo 309.º do Código Civil, vigorando um prazo de prescrição de 20 anos. 8. Não foi este, porém, o entendimento do Mmo. Juiz a quo, o qual julgou procedente a exceção perentória da prescrição invocada pelas Apeladas (…) e (…), nos termos do termos do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil e assim as absolveu do pedido. 9. A Apelante, vem assim, impugnar a decisão proferida quanto à matéria de facto e de direito, por entender que resulta dos autos que o regime aplicável à prescrição dos direitos em causa seria o regime do artigo 309.º do Código Civil, ou seja, 20 anos, sendo todos os Réus responsáveis pelo pagamento da quantia da totalidade da dívida em causa. 10. A douta sentença de que se recorre, assenta erradamente no entendimento de que, tendo sido celebrado um único contrato de mútuo, estaríamos perante um caso de quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, sendo de aplicar ao presente caso o regime previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, prescrevendo a obrigação no prazo de 5 anos. 11. O Tribunal a quo não só desconsiderou que entre a Apelante e a falecida (…) foram celebrados dois contratos, sendo um de atribuição de cartão de crédito e outro de crédito aquele associado, e estendeu o prazo de prescrição de 5 anos a toda a dívida indiscriminadamente, abrangendo não só as quantias devidas ao abrigo do Contrato de CashAdvance como também o montante devido pela utilização do Cartão de Crédito Unibanco, de que aquele é dependente. 13. A quantia peticionada nos presentes autos é, sem dúvida, composta por duas componentes: as quantias devidas ao abrigo do Contrato de CashAdvance e o montante devido pela utilização do Cartão de Crédito. 14. É entendimento pacífico e unânime na jurisprudência que aos montantes devidos pela utilização do Cartão de Crédito, é aplicável o prazo de prescrição previsto no artigo 309.º do Código Civil, uma vez que constituindo o cartão um instrumento de pagamentos, o pagamento das quantias correspondentes à utilização do cartão bancário num determinado período, diferido no tempo, traduz o cumprimento de uma única obrigação pecuniária. 15. Porém, não foi este o entendimento do Tribunal a quo, que entendeu que no caso dos autos, se aplica o prazo previsto na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, não fazendo sequer qualquer distinção entre os valores resultantes da utilização do cartão ou os relativos às prestações do CashAdvance. 17. Ignorou, e mal o Tribunal a quo, pelo que a decisão merece censura, que, o Contrato de CashAdvance, celebrado na mesma data que o Contrato de Atribuição do Cartão Unibanco, via as suas prestações debitadas na conta-cartão da Titular que na altura estava associada ao cartão em vigor. 18. Assim, estamos perante uma coligação de contratos, existindo dois contratos, ligados entre si por um nexo funcional, que seria o débito das prestações do Contrato de CashAdvance na conta-cartão, constituindo estes dois contratos constituem uma unidade económica. 20. E, nessa medida, as normas aplicáveis a ambos devem ser objeto de aplicação unitária, de forma mais ou menos flexível, de modo a garantir a segurança do comércio jurídico, como aliás vem sendo entendido pela nossa jurisprudência. 21. Apresentando-se assim o Contrato de CashAdvance dependente do Contrato de Cartão de Crédito, no que ao prazo prescricional se refere, serão de aplicar as normas aplicáveis a este último: o prazo de prescrição de 20 anos. 23. Ainda que assim não se entenda, o que por mera hipótese se admite, sem conceder, importará ainda referir que, no caso dos autos, não se trata da mera exigência do pagamento de quotas de amortização do capital pagáveis com juros. 24. O que aqui está em causa, e não foi – erradamente – atendido pelo Mmo Juiz a quo – é a exigência do pagamento do valor total do crédito utilizado em determinado período, ou seja de uma única obrigação, pelo incumprimento de uma única prestação – o saldo devedor da conta-cartão. 25. O crédito que a Apelante vem exigir nunca seria relativo a qualquer quota de amortização mas já ao capital global da dívida. O crédito peticionado nos autos não respeita individualmente às quotas de amortização convencionadas mas a todo o capital em dívida (que inclui os valores devidos por força de cada um dos contratos celebrados. 26. Desta forma e com o devido respeito, a única conclusão possível é a de que a Sentença recorrida faz uma errada apreciação dos factos e uma errada e não fundamentada aplicação do direito, violando o disposto nas Condições Gerais dos contratos (interdependentes) celebrados, bem como dos artigos 405.º, 309.º e 781.º, todos do Código Civil. 27. Termos em que se pugna pela revogação a Sentença e sua substituição por outra que, julgue corretamente os factos e aplique o Direito, determinando a procedência total do pedido da Apelante, como peticionado. Assim decidindo, Venerandos Desembargadores, uma vez mais se fará a já costumada e devida JUSTIÇA! II Do objeto do recurso: Considerando a delimitação que decorre das conclusões das alegações (artigos 635.º, 3 e 639.º, 1 e 2, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 608.º, in fine), importa apreciar: - Se o regime aplicável à prescrição dos direitos em causa é o regime do artigo 309.º do Código Civil, ou seja, o que estabelece o prazo de 20 anos e não o previsto no artigo 310.º, alínea e), do mesmo Código, que prevê o prazo de 5 anos, como decidiu a sentença. III A factualidade a considerar resulta do relatório supra, nada tendo sido selecionado pelo tribunal a quo . Apreciando. IV Fundamentação. Está em causa saber se os créditos concedidos por uma instituição financeira a um consumidor através da emissão e utilização de um cartão de crédito para a aquisição de bens e serviços prescrevem no prazo de 20 anos, como defende a Apelante ou, no prazo de 5 anos como decidiu a sentença. O tribunal a quo considerou prescrita a dívida em relação à Rés (…) e (…), assentando a sua fundamentação nas motivações expostas no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ, publicado no Diário da República n.º 184/2022, Série I, de 2022-09-22, segundo o qual, para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no artigo 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas, porquanto, alterando embora o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros. Estabelece o artigo 309.º do Código Civil: «O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos». Preceitua o artigo 310.º, alínea e), do mesmo Código: «Prescrevem no prazo de cinco anos: (…) e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros». O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1 e publicado em Diário da República n.º 184/2022, 1ª Série, de 22-09-2022, págs. 5-15 (Acórdão do STJ n.º 6/2022), fixou a seguinte Uniformização de Jurisprudência: "I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação." "II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas." A admitir-se como assente a factualidade alegada, ou seja, que: No exercício da sua atividade, a pedido de (…), a A./apelante entregou a esta um cartão de crédito e na mesma data atribuiu-lhe um CashAdvance em Conta de € 3.500,00. Tendo-se a A./apelante obrigado a proceder ao pagamento dos bens e/ou serviços adquiridos pela Titular (…) a terceiros, por via da utilização do referido cartão de crédito, os quais seriam posteriormente debitados nos extratos de conta desta para que procedesse ao respetivo pagamento. A quantia mutuada seria acrescida de juros remuneratórios e demais encargos e a titular do cartão de crédito deveria reembolsar a A./apelante em 48 prestações mensais e sucessivas, o que deixou de fazer a partir de 29/04/2009. Perante esta factualidade vieram as Rés (…) e (…), demandadas na qualidade de herdeiras da falecida (…) invocar a prescrição da dívida nos termos do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil. De acordo com o disposto no artigo 298.º, n.º 1, do CC: «Estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição. A prescrição torna, assim, inexigíveis os direitos que não sejam indisponíveis, permitindo ao beneficiário recusar o cumprimento da prestação ou opor-se, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (cfr. artigos 301.º e 304.º, n.º 1, do CC). Constitui, por isso, a prescrição uma exceção perentória, na modalidade de facto impeditivo do direito, que determina, consequentemente, a absolvição do pedido (cfr. artigo 576.º, n.ºs 1 e 3, do CPC). O fundamento da prescrição é a negligência do titular do direito relativamente ao seu exercício durante o período de tempo fixado na lei, a partir do qual se presume que o titular pretendeu renunciar ao direito (cfr. MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 1966, pág. 445). Na situação em apreço não pode ser desconsiderado que o reembolso da dívida foi objeto de um plano de amortizações, composto por diversas quotas (48 prestações mensais), que compreendiam uma parcela de capital e uma parcela de juros remuneratórios. Esta configuração da dívida não permite afirmar estarmos perante uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos. O plano de amortização de capital e juros remuneratórios estabelecido, autonomiza as quotas de amortização do capital com os juros remuneratórios associados a cada uma, o que tem subjacente um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respetiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Permitindo, desse modo, estimular a cobrança pontual dos montantes fracionados, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito em relação à totalidade da dívida para o termo do contrato. O Tribunal a quo concluiu ser aplicável ao caso o prazo de prescrição do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, aplicando ao caso a jurisprudência do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1 e publicado em Diário da República n.º 184/2022, 1ª Série, de 22-09-2022, págs. 5-15 (Acórdão Uniformizador do STJ n.º 6/2022). Lê-se neste Aresto: « (…) Para conhecimento da matéria do julgamento ampliado de revista, está em causa a aplicabilidade ao caso dos autos do disposto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, expressamente citado pelo acórdão recorrido, nos termos do qual prescrevem no prazo de 5 anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros. O prazo curto de prescrição justificou-se nos trabalhos preparatórios do Código Civil (Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, Bol. 106/112 ss.) com o facto de a acumulação de juros com quotas de amortização poder originar, por sua vez, uma acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor; o mesmo Autor se pronunciou na Revista Decana, 89.º/328, justificando o prazo curto com o facto de "proteger o devedor contra a acumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades, pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital suscetível de o arruinar, se o pagamento pudesse ser-lhe exigido de um golpe, ao cabo de um número demasiado de anos". Visou a lei evitar que o credor deixasse acumular os seus créditos (retardando em demasia a exigência de créditos periodicamente renováveis) a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 1983, pág. 452, e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 3.ª ed., pág. 278). (…) A Exequente/Embargada chamou em seu proveito de alegação o disposto no artigo 781.º do Código Civil, segundo o qual "se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas". Como é doutrina comum e maioritária, este preceito legal não prevê um vencimento imediato, apelidado por alguns "em sentido forte", das prestações previstas para liquidação da obrigação, designadamente da obrigação de restituição inerente a um contrato de mútuo com hipoteca, acrescido de um outro contrato de mútuo, como no caso dos autos - constitui antes um benefício que a lei concede ao credor, que não prescinde da interpelação, na pessoa do devedor, para que cumpra de imediato toda a obrigação, em consequência manifestando o credor a vontade de aproveitar o benefício que a lei lhe atribui - assim Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 7.ª ed., 1997, pág. 54, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª ed., 2009, págs. 1017 a 1019, Pessoa Jorge, Lições de Direito das Obrigações, I (75/76), pág. 317, e Menezes Cordeiro, Tratado, Direito das Obrigações, IV (2010), pág. 39. A obrigação fica assim apenas exigível, ou, como alguns entendem, exigível "em sentido fraco". Note-se que a norma do artigo 781.º do Código Civil não se constitui como norma imperativa, mas existindo, como existe, nos contratos de mútuo dos autos uma cláusula no sentido de que à credora fica reconhecido o direito de "considerar o empréstimo vencido se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes deste contrato", concedia-se à mutuante a possibilidade de atuar o vencimento do direito à totalidade das prestações convencionadas pelo simples facto de intentar ação executiva contra os mutuários, como intentou. Não existe, desta forma, nos contratos dos autos, qualquer cláusula de vencimento automático, apenas a reprodução do esquema de vencimento das prestações que a doutrina associa ao disposto no artigo 781.º do Código Civil. (…) A considerar-se, como em diversas decisões das Relações, que o vencimento imediato das prestações convencionadas origina a sujeição do devedor a uma obrigação única, exigível no prazo de prescrição ordinário de 20 anos (artigo 309.º do Código Civil), não se atende ao escopo legal de evitar a insolvência do devedor pela exigência da dívida, transformada toda ela agora em dívida de capital, de um só golpe, ao cabo de um número demasiado de anos (por todos, e de novo, cfr. Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, Bol. 107 / 285, citando Planiol, Ripert e Radouant). Esta a forma de respeitar o espírito do legislador que os trabalhos preparatórios espelharam. Para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no artigo 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas, isto é, se altera o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros. E pese embora devermos considerar que, "no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redação conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento de juros remuneratórios nelas incorporados", como exarado no Ac. de Uniformização de Jurisprudência do S.T.J. n.º 7/2009, de 5/5/2009, a referida desoneração do pagamento dos juros não descaracteriza, em qualquer caso, a "acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor" que a doutrina pretendeu evitar, ou, de outro ângulo, o incentivo à rápida cobrança dos montantes em dívida, por parte do credor. Como se escreveu no Ac. S.T.J. 29/9/2016, n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Lopes do Rego), por explicita opção legislativa, o artigo 310.º, alínea e), do Código Civil considera que a amortização fracionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição, situação que foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis. "Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso, o regime prescricional do débito parcelado ou fracionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido artigo 310.º". Pode assim afirmar-se que, na doutrina maioritária, não suscita particular controvérsia a aplicabilidade do prazo curto de prescrição de cinco anos às obrigações, de natureza híbrida, que visam simultaneamente operar a amortização e a remuneração do capital mutuado. A "ratio" das prescrições de curto prazo, se radica na proteção do devedor, protegido contra a acumulação da sua dívida, também visa estimular a cobrança pontual dos montantes fracionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito (assim, Ana Filipa Morais Antunes, Algumas Questões sobre Prescrição e Caducidade, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia, III, 2010, pág. 47). (…) Nesse sentido, pode também dizer-se que o Supremo Tribunal de Justiça tem aceite que: - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º do Código Civil, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo "a quo" na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.” Resulta deste Acórdão, uniformizador, que o mesmo se aplica a contratos, designadamente, de mútuo, em que a amortização do capital mutuado pagável com juros é feita em prestações. Resulta ainda que, no caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. Estando provado que, do contrato de crédito ao consumo, na modalidade de utilização de cartão de crédito, resultava que o pagamento do capital e juros remuneratórios seria feito em prestações, antecipadamente acordadas, importa reconhecer que o prazo de prescrição aplicável, mesmo depois de declarado o vencimento de todas elas, é o prazo originário de prescrição de 5 anos estabelecido no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil. Nos termos do artigo 306.º do Código Civil, a prescrição começa a contar quando o direito puder ser exercido. Ora, estando a dívida vencida em 2009 (29/04/2009) e tendo a presente ação sido intentada em 2023 (28/09/2023), há que entender, como o fez a sentença que a dívida está prescrita, pelo decurso do prazo prescricional de cinco anos. Improcedendo o recurso. Em suma: (…) V Termos em que, acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.Custas pela apelante. Évora, 11 de julho de 2024 Anabela Luna de Carvalho (Relatora) Francisco Matos (1º Adjunto) Eduarda Branquinho (2ª Adjunta) |