| Acórdão do Tribunal da Relação de  Évora | |||
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| Relator: | SUSANA FERRÃO DA COSTA CABRAL | ||
| Descritores: | CONTRADITÓRIO EXCEPÇÃO DILATÓRIA CONHECIMENTO OFICIOSO | ||
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| Data do Acordão: | 10/16/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA PARCIALMENTE A SENTENÇA RECORRIDA | ||
| Área Temática: | CÍVEL | ||
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| Sumário: | Sumário: I. O princípio do contraditório consagrado no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, impõe que o Tribunal oiça as partes antes de conhecer oficiosamente de uma exceção dilatória e absolver a embargada da instância no despacho saneador. II. O Tribunal da Relação pode pronunciar-se imediatamente sobre o mérito da causa, quando se mostre desnecessário que o Tribunal de primeira instância supra o contraditório preterido, por não ser de conhecer da referida exceção e os autos conterem todos os elementos para conhecer do fundamento dos embargos, que já foram discutidos nos articulados.l | ||
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| Decisão Texto Integral: | * Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: 1.	Relatório Na execução para pagamento de quantia certa que Liqui.Do, S.A., moveu contra AA, foi este notificado no dia 19-08-2024 para, no prazo de 20 dias, a. Pagar a quantia em dívida no valor de 9.273,52 Euros, que corresponde a € 5623,52 a título de dívida exequenda e €3650 de custas prováveis. b. Deduzir oposição à execução, através de embargos de executado; c.	Deduzir oposição à penhora; * Em 20-09-2024, o executado deduziu oposição à execução e à penhora alegando, resumidamente, que: • o imóvel sobre o qual recaiu a penhora de ½ (parte respeitante à propriedade do executado) foi comprado na constância do casamento, sendo bem comum do casal, vigorando entre os cônjuges o regime de comunhão de adquiridos, pelo que não tendo a sua cônjuge sido citada, há que levantar a penhora; •	após a prolação da sentença que constitui o título executivo, as partes fizeram um negócio extrajudicial nos termos do qual o executado entregou um equipamento à exequente e ficaram saldadas as dívidas e os juros, vencidos e vincendos do executado para com a exequente. Termina, pedindo: • o indeferimento da execução, com o concomitante levantamento da penhora efetuada e o cancelamento do respetivo registo, por preterição de litisconsórcio necessário passivo ou, caso assim se não entenda, • que os embargos sejam julgados procedentes, e, consequentemente, declarado achar-se a exequente paga de capital e juros vencidos e vincendos, nada mais tendo, o executado a pagar-lhe, determinando-se, consequentemente, o levantamento da penhora entretanto efetuada e o cancelamento do respetivo registo; •	a condenação da exequente, por litigância de má-fé e abuso de direito. * Conclusos os autos, a Mma. Juíza do tribunal a quo proferiu despacho a indeferir liminarmente a oposição à execução. Inconformado, o embargante recorreu. Foi, então, proferido acórdão por este Tribunal da Relação de Évora que decidiu: 1. Não haver preterição de litisconsórcio necessário, na ação executiva por ter legitimidade como exequente e executado, respetivamente quem no título figura como credor e devedor, ou seja, apenas o embargante e a embargada. 2.	Revogar a decisão recorrida e determinar o prosseguimento da execução por considerar que não podia ter sido indeferido liminarmente a oposição, com fundamento na não junção de documento que comprove o facto extintivo da obrigação posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração. * Na sequência do acórdão, a Mma. Juíza do Tribunal a quo concedeu ao embargante o prazo de 5 dias para juntar ao processo o referido documento. O executado/embargante procedeu à junção de “12 emailes, cronologicamente seriados de 1-01-2024 a 28-02-2024.”. * De seguida, o embargante foi notificado para, querendo contestar a petição de embargos, o que fez, pugnando pela improcedência dos embargos. Apresentada a contestação, foram os autos conclusos à Mma. Juíza do tribunal a quo que: 1. Dispensou a realização da audiência prévia, com o seguinte despacho: “Ao abrigo do disposto no artigo 597.º do Código de Processo Civil, dispensa-se a realização de audiência prévia.” 2. Atribuiu à causa o valor da execução “€5623,57 – artigos 297.º, n.º 1 e 304.º, n.º 1 do CPC.” 3.	Proferiu despacho saneador/sentença, com o seguinte dispositivo: “Neste conspecto, o Tribunal absolve a Embargada da presente instância, nos termos dos artigos 732.º n.º 1 alíneas b) e c), 576.º n.ºs 1 e 2, 577.º e 578.º do Código de Processo Civil.” ** Inconformado interpôs o embargante o presente recurso de apelação, que termina com as seguintes conclusões: A. O embargante, ora apelante, recorre de dois despachos tirados pela Mma. Juiz da 1ª Instância, no mesmo dia. B. No primeiro, por demais lacónico, a Senhora Juiz, sem antes ouvir as partes, e sem fundamentar, limitou-se a anunciar que prescindia da audiência prévia, C. O que não devia ter feito, já que se tem de proceder à audiência prévia, sempre que, como aqui sucedeu, se tire sentença no saneador, que impeça a prossecução dos autos para julgamento (cfr. a fundamentação referente à 1ª parte da súmula I do sumário do Ac. RG de 22/6/23, tirado no proc. nº3731/21.8T8BRG-A.G1, relatado por José Alberto Martins Moreira Dias). D. No segundo despacho, reincidindo na omissão da prévia audiência das partes ao abrigo do art. 3º/3 do NCPC, audiência essa indispensável por estar em causa matéria nunca antes versada pelas partes ou sequer apresentada por iniciativa de qualquer uma das mesmas, tirou, a Senhora Juiz do Tribunal a quo, sentença de forma, a absolver a empresa embargada da instância, por entender que se perfilava, in casu, uma excepção dilatória inominada, que baptizou de “inadmissibilidade legal de dedução de embargos de executado, decorrente do facto de a petição de embargos do recorrente ter sido apresentada desacompanhada da prova documental, em violação do disposto na al. g) do art. 729º do NCPC”, tendo-a conhecido de ofício. E.	Ora, lê-se nas súmulas 3 e 4 do sumário do Acórdão dessa Relação de Évora, tirado em 24/5/18, no proc. nº10442/15.1T8STB-A.E1, relatado por Tomé Ramião, que: “3. Sendo obrigatória a convocação da audiência prévia, a omissão desse ato processual constitui nulidade processual inominada sujeita ao regime dos artigos 195.º do CPC e seguintes. 4. A violação do princípio do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constantes do art.º 195.º e sujeita a este regime.” F. Resulta daqui que, ao omitir a convocação da audiência prévia, prescrita por lei neste caso, a Mma. Juiz do Tribunal a quo haja incorrido na nulidade processual prevista no nº1 do art. 195º do NCPC, que influiu manifestamente no exame e decisão desta causa, G. Uma vez que, sem qualquer contraditório, prolatou sentença de forma, a absolver a embargada da instância. H. Por seu turno, ao tirar a dita decisão de forma, sem antes permitir que as partes exercessem o contraditório, ao abrigo do disposto no nº3 do rt. 3º do NCPC, I. A Senhora Juiz do a quo prolatou uma “decisão surpresa”, que, pelas mesmas razões ut supra expendidas, foi determinante no exame e decisão da vertente causa, pelo que constituiu uma outra nulidade processual, também prevista no nº1 do art. 195º do NCPC. J. Devem por isso, V, Exas., Mmos. Juízes Desembargadores, declarar estas nulidades pela ordem apresentada, K.	Sendo que, como é bem de ver, o deferimento da primeira prejudicará a apreciação da segunda. * Não foram apresentadas contra-alegações Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * Questões a Decidir O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da apelação, nos termos do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Destarte, as questões que importa apreciar e decidir são: 1.º - Da dispensa de audiência prévia; 2.º - Do despacho saneador-sentença proferido com violação do princípio do contraditório; 3.º - Do fundamento dos embargos: acordo quanto à liquidação da dívida exequenda; * 2. Fundamentação 1.	Fundamentação de facto: Para além dos factos constantes do relatório supra, são relevantes para apreciação das questões supra referidas os seguintes factos que o Tribunal a quo considerou assentes. 1. “Liqui.Do, S.A.” veio propor acção executiva para cobrança de quantia certa contra BB, com vista à recuperação coerciva do valor de € 5.623,52. 2. Fundamentou a sua pretensão na sentença de condenação proferido pelo Tribunal de Portimão, Juízo Local Cível, J2, no processo n.º 2054/22.0... 3.	A parte decisória disse: “Nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a ação totalmente procedente, por provada, e, em consequência condena-se o Réu AA, a pagar à Autora LIQUI.DO SA, o valor de 5.313,39€ (cinco mil trezentos e treze euros e trinta e nove cêntimos) acrescida de juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento, sendo que os juros relativos aos valores peticionados à data da resolução do contrato são devidos desde a data da resolução e os que advieram depois, desde a data da citação, até integral e efetivo pagamento.” 4. A sentença transitou em julgado a 06 de Fevereiro de 2023 e o Executado não pagou a quantia a que foi condenado (pelo que foi intentada a execução). 5. O Executado deduziu oposição à execução alegando, para o que aqui releva, que “Em Janeiro de 2024, as partes fizeram um negócio extrajudicial nos termos do qual ficaram saldadas as dívidas.”. 6. E para comprovar o negócio, apresentou uma testemunha. 7. Não protestou juntar qualquer documento. 8. Na sequência de recurso parcialmente provido, ordenou-se a notificação da Embargada para contestar a ação. 9.	O Embargante juntou o “documento” em falta, em 18 de Fevereiro de 2025, cujo teor se dá por reproduzido (que constituem vários emailes trocados entre os advogados das partes, tendo o email de 4 de janeiro o seguinte teor: “o meu cliente está disposto a devolver à sua representada o equipamento aqui em causa mas com a condição de reduzirmos a escrito um acordo em que a sua cliente se comprometa a não reclamar , do meu, o pagamento de mais o que quer que seja e seja a que título for. (…) a proposta do meu cliente (é esta): a sua mandante, levanta, sem quaisquer custos para o meu, o dito equipamento abdicando por escrito de lhe cobrar seja o transporte, seja o remanescente do preço ainda em dívida.” No email de 26 de fevereiro de 2024 refere-se que: O fornecedor aceitou ficar com o equipamento e será o mesmo a proceder ao seu levantamento , se possível, no dia 29-02-2024). * Resultam ainda do processo executivo (que foi consultado via citius) e por acordo das partes no articulado, os seguintes factos: 10. Em março de 2024, o executado entregou à exequente o equipamento que correspondia a parte do valor em que o executado foi condenado na sentença transitada em julgado. 11.	Em 17-06-2024, a mandatária do exequente informou o agente de execução, na execução de que este é apenso, que o valor de € 922,43 € atribuído ao equipamento e que o executado devolveu deveria ser deduzido à quantia exequenda. * 2.2. Da dispensa da audiência prévia: O recorrente sustenta que a decisão de não convocar a audiência prévia é nula porquanto: a. o tribunal não podia ter dispensado a audiência prévia por ser obrigatória quando “se tire sentença no saneador”, nos termos do artigo 593.º, n.º 1 do CPC. b. o tribunal não fundamentou a decisão; c.	Não foi dada às partes a possibilidade de se pronunciarem antes de ser proferida decisão, em violação do artigo 3.º, n.º 3 do CPC; * Vejamos, cada um dos fundamentos: a.	Da aplicação do artigo 597.º em detrimento do artigo 593.º, ambos do CPC: Estamos em sede de oposição à execução. Os embargos de executado estão previstos nos artigos 728.º e seguintes do CPC e constituem uma verdadeira ação declarativa enxertada no processo executivo, tendo em vista extinguir total ou parcialmente a execução. Nos termos do artigo 732.º, n.º 2 do CPC, recebidos os embargos, o exequente é notificado para contestar, seguindo-se, sem mais articulados, os termos do processo declarativo. No caso, foi deduzida contestação, aplicando-se, por conseguinte, os artigos 590.º e seguintes do CPC. O artigo 591.º consagra como regra a obrigatoriedade da audiência prévia concluídas que estejam as diligências necessárias à gestão inicial do processo. Esta regra, porém, comporta as exceções prevenidas nos artigos 592.º, 593.º e 597.º do CPC. No caso concreto, a Mma. Juíza fundamentou a dispensa da realização da audiência prévia no artigo 597.º do CPC, que dispõe que: “Nas ações de valor não superior a metade da alçada da Relação findos os articulados, sem prejuízo do n.º 2 do artigo 590.º, consoante a necessidade e a adequação do ato ao fim do processo: a) Assegura o exercício do contraditório quanto a exceções não debatidas nos articulados. b) convoca a audiência prévia. c) profere despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º. (…).”. É, por conseguinte, a subsunção do caso, neste preceito, que está em causa. Ora, nos termos do disposto no artigo 44.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, a alçada do Tribunal da Relação é de €30000,00. No caso, o valor da causa ascende a €5623,52, inferior a metade da alçada da Relação (€ 15000,00). Assim, bem andou a Mma. Juíza em subsumir os autos no artigo 597.º e não no artigo 593.º, como pretende o recorrente, pelo que também inexiste qualquer nulidade nos termos e para os efeitos do artigo 195.º do CPC. Já quanto à decisão proferida ao abrigo do artigo 597.º do CPC, de não convocar a audiência prévia, a mesma é irrecorrível, nos termos do artigo 630.º, n.º 1 do CPC, por ser proferida no uso legal de um poder discricionário. Neste sentido, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, que em anotação ao artigo 597.º escrevem que: “O dever de gestão processual encontra na fase intermédia das ações de valor não superior a metade da alçada da relação a sua máxima expressão. (…) A decisão de gestão processual que resulta na prática de um ou mais destes atos e na recusa dos restantes, é proferida no uso legal de um poder discricionário. É uma decisão que não admite recurso, nem mesmo nos termos limitados.”. Neste sentido, decidiu-se no Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 08-05-20251 (Processo n.º 36/21.8T8NIS-B.E1, Relatora: Sónia Moura). Conclui-se, pois, que a Mma. Juíza ao decidir nos termos do artigo 597.º do CPC, em detrimento do invocado artigo 593.º do CPC, não convocar a audiência prévia, não cometeu qualquer nulidade, designadamente nos termos e para os efeitos do artigo 195.º, n.º 1 do CPC. * b) Da falta de fundamentação: Invoca o recorrente que o Tribunal não fundamentou a decisão de não realizar audiência prévia. Nos termos do artigo 615.º, n.º 1 alínea b) do CPC, a falta de fundamentação gera a nulidade da decisão apenas quando se verifique a total ausência de fundamentos de facto e de direito. Como se refere Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-12-20212 (Processo 7129/18.7T8BRG.G1.S1) “Só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil.”. Ora, no caso concreto a decisão alude ao artigo 597.º do CPC e ao valor da causa, pelo que inexiste falta de fundamentação. Improcede, deste modo a arguida nulidade por falta de fundamentação da decisão. * c) Da violação do artigo 3.º, n.º 3 do CPC: O artigo 3.º, n.º 3 do CPC consagra o princípio do contraditório, o qual deve ser observado ao longo de todo o processo quando estejam em causa “questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”. No caso concreto, não está em causa uma questão de facto ou de direito, que exigisse a necessidade de prévia audição das partes, mas antes uma decisão decorrente do facto de se ter atribuído à ação o valor inferior a metade da alçada da Relação. No mais, como já se referiu a decisão foi proferida no uso de um poder discricionário, o qual aliás não admite recurso nos termos do art. 630.º do CPC. O legislador confiou no prudente arbítrio do juiz a ponderação da necessidade da convocação da audiência prévia e a adequação do ato ao fim do processo. Por conseguinte, não tinha o tribunal de dar oportunidade às partes de se pronunciar, antes de decidir, nos termos e para os efeitos do artigo 597.º do CPC, pelo que não se verifica violação do artigo 3.º, n.º 3 do CPC. * 2.3. Da violação do princípio do contraditório no despacho saneador-sentença; O recorrente sustenta que o saneador sentença é nulo por o Tribunal ter decidido “em matéria nunca antes versada pelas partes ou sequer apresentada por iniciativa de qualquer uma das mesmas”, absolvendo a embargada da instância , com fundamento na existência de uma exceção dilatória inominada que designou de “inadmissibilidade legal de dedução de embargos de executado”, decorrente do facto de a petição de embargos ter sido apresentada desacompanhada da prova documental, exigida na al. g) do art. 729.º do CPC. Nos termos do n.º 3 do artigo 3.º do CPC o Tribunal não pode decidir qualquer questão – de facto ou de direito, ainda que de conhecimento oficioso – sem previamente facultar às partes a oportunidade de se pronunciarem, querendo. Como tem sido reiterado pela doutrina e pela jurisprudência o cumprimento do princípio do contraditório “propicia ao juiz melhores condições para uma ponderação serena dos argumentos, o que pode redundar designadamente na redução de casos de injustificadas absolvições da instância. A audição das partes apenas pode ser dispensada em casos de “manifesta desnecessidade”, de indeferimento de nulidades e sempre que as partes não possam, objetivamente e de boa-fé, alegar o desconhecimento das questões a decidir ou respetivas consequências.”3. Neste sentido, no recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09-05-2024, sublinhou-se que a observância do princípio do contraditório, com a consequente proibição de decisões surpresa só cede em caso de manifesta desnecessidade, quando a questão já foi debatida ou quando a audição se revele inútil. No caso concreto, o Tribunal a quo decidiu que: “os documentos juntos não provam, nem de perto, nem de longe qualquer pagamento, na modalidade de dação em pagamento (nem se vislumbra como tal seria juridicamente possível “in casu”), muito menos provam qualquer quitação de dívida por parte da credora. (…) Não podendo haver indeferimento liminar após citação/notificação para contestar, resta a absolvição da instância, verificada a exceção dilatória de inadmissibilidade legal de dedução de embargos de executado.”. Contudo, não foi deduzida pela embargada qualquer exceção dilatória de inadmissibilidade legal de dedução de embargos de executado; a questão foi conhecida oficiosamente pelo tribunal, sem que fosse dada às partes a possibilidade de se pronunciar, em clara violação do artigo 3.º, n.º 3 do CPC. Note-se que, neste caso, no âmbito destes autos, já tinha sido revogada a decisão liminar proferida nos autos, precisamente por se ter entendido que o documento que prova o facto modificativo ou extintivo da obrigação não tinha que ser junto com a petição de embargos , e que competia ao Tribunal, no exercício do dever de gestão processual e se entendesse ser de conhecer de mérito, determinar a junção do documento. (artigo 590.º, n.º 2 do CPC). Por conseguinte, se o Tribunal a quo pretendia conhecer da exceção dilatória conducente da absolvição da embargada da instância, devia, em cumprimento do disposto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, ouvir as partes sobre a mesma. Conclui-se, portanto, que assiste razão ao Recorrente: a decisão de absolvição da instância da embargada por verificação da exceção dilatória de inadmissibilidade legal de dedução de embargos do executado, foi proferida com violação do disposto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, ou seja, com preterição do princípio do contraditório. * Como se refere no Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora datado de 16-12-20245 (Relatora: Sónia Moura): “3. A violação do princípio do contraditório tem sido apreciada sob distintas perspetivas na doutrina e na jurisprudência: - como nulidade procedimental, enquanto omissão do ato legalmente devido de audição das partes previamente à tomada de decisão sobre aspetos adjetivos ou substantivos, seja no plano dos factos, seja no plano da aplicação do direito, nos termos do n.º 1 do artigo 195.º do Código de Processo Civil; - como nulidade de sentença, enquanto excesso de pronúncia, por conhecimento de questão que o tribunal não podia apreciar, em virtude de não ter previamente auscultado as partes sobre a mesma, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil; - sob as duas vestes de nulidade procedimental e de nulidade de sentença, em concurso; - como nulidade extraformal geneticamente derivada das garantias constitucionais.” Conforme também resulta deste acórdão, afigura-se-nos que a arguição da nulidade em sede de recurso deve ser configurada como nulidade da sentença enquadrável no artigo 615.º, n.º 1 alínea d) do CPC, por ser a que melhor se adequa à falta de exercício do contraditório pelas partes na tramitação processual e deve ser apreciada e decidida em sede de recurso. Verifica-se assim a nulidade do despacho saneador sentença, por excesso de pronúncia, nos termos do citado artigo 615.º, n.º 1 alínea d) do CPC. Perante esta nulidade duas soluções se apresentam6,: - reconhecer a existência de decisão surpresa e determinar a baixa dos autos para suprimento do contraditório preterido; ou - conhecer imediatamente do mérito dos autos, se o processo o permitir, designadamente por as partes já terem discutido nos articulados as várias soluções possíveis, recusando-se assim a “terceira via” adotada pelo Tribunal recorrido. No caso, a decisão recorrida reiterou, em essência, o entendimento já antes afastado com trânsito em julgado: que a não junção, com a petição inicial, do documento previsto no artigo 729.º, alínea g) do CPC constitui fundamento de inadmissibilidade dos embargos. Importa, porque relevante transcrever o já decidido com trânsito em julgado no Acórdão proferido, nestes autos, no dia 16-12-2024: Da não junção com a petição inicial de oposição à execução do documento a que alude a alínea g) do art. 729º do CPC A decisão recorrida entendeu que a não junção, com a petição inicial de oposição à execução do documento a que alude o referido preceito legal, constituía fundamento para indeferir liminarmente a oposição, presumindo que por ter sido arrolada uma testemunha, seria esta a única prova de que disporia o embargante. Não podemos acompanhar este entendimento. Os embargos de executado são uma verdadeira ação declarativa e que visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da atual inexistência do direito exequendo ou da falta de um pressuposto, específico ou geral, da ação executiva5. A exequibilidade extrínseca da pretensão é atribuída pela incorporação da pretensão no título executivo. Ou seja, é exigência legal a existência de um documento que formaliza a faculdade de realização coativa da prestação não cumprida (artigo 10.º, n.ºs 4 e 5, do CPC). Nos embargos de executado, as regras que presidem à distribuição do ónus da prova, e que se baseia em normas de direito substantivo, não se alteram, cabendo ao executado que deduz embargos a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do exequente e a este a prova dos factos constitutivos do direito exequendo, por força do preceituado no artigo 342º do Código Civil. E, no caso concreto, sendo o título executivo uma sentença e estando em causa um facto extintivo da obrigação exequenda, tal prova terá de ser feita por documento (art. 729º, al. g), do CPC). Este documento, ao invés do entendimento sufragado na decisão recorrida, não tem de ser junto com a petição inicial, sendo que o requerimento probatório apresentado com esta, pode ser alterado na audiência prévia quando a esta haja lugar nos termos do disposto no art. 591º ou nos termos do disposto no nº 3 do artigo 593º (cfr. art. 598º do CPC). Ademais, se a Sr.ª Juíza entendia ser de conhecer do mérito da oposição à execução no despacho saneador, o dever de gestão processual obrigava-a a determinar a junção do documento (art. 590º, nº 2, al. c), do CPC). Não podia, pois, a Sr.ª juíza indeferir liminarmente a oposição à execução.”. Do exposto, é manifesto que já foi decidido não existir qualquer exceção de inadmissibilidade legal de dedução de embargos de executado, sendo que a materialidade está alegada e o documento serve para prova do facto, podendo ser apresentado posteriormente. (Cfr também neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20-04-20177 (Processo 1649/15.2T8TMR-A.E1; Relator: João Nunes). A questão dos documentos apresentados serem suficientes para provar ou não os factos alegados é questão de mérito que levará não há absolvição da instância, mas, eventualmente, do pedido. Com efeito e como refere Rui Pinto8, trata-se de uma “restrição probatória”. Face ao exposto, importa considerar que a decisão não é de manter, mas também não se impõe determinar a devolução dos autos à primeira instância para suprimento do contraditório porquanto jamais poderá proceder a exceção que o tribunal oficiosamente considerou verificada. * 2.4 Do acordo quanto à liquidação da dívida exequenda Por os autos conterem todos os elementos necessários à decisão, tendo as partes já tido oportunidade de discutir, nos articulados, a questão de fundo subjacente à oposição – a existência de um acordo relativo à liquidação da dívida exequenda – sendo que não foi impugnada a matéria de facto dada como provada na sentença e que supra se transcreveu, importa apreciar o mérito do recurso. O título executivo é uma sentença, pelo que os fundamentos dos embargos só podem ser os taxativamente previstos no artigo 729.º do CPC. Na petição de embargos, o embargante não concretizou expressamente em qual das alíneas do referido artigo fundamentava o seu pedido de extinção da execução Porém, conforme resulta da petição de embargos e se referiu na sentença recorrida considerou-se que o executado pretendeu alegar um facto extintivo da obrigação exequenda, ou seja, está em causa a primeira parte da alínea g) do referido artigo que prevê como fundamento dos embargos: “Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento;”. Na contestação de embargos o exequente disse ser completamente falso que tenha havido qualquer acordo quanto à liquidação da dívida exequenda, porque não aceitou as propostas apresentadas, nunca tendo considerado a dívida liquidada. Em face dos documentos juntos, foi assim, decidido, pela primeira instância: “Na senda do acórdão já proferido pelo Tribunal da Relação de Évora neste apenso, a Primeira Instância, não obstante considerar que o documento deve sempre ser apresentado com a petição inicial – posto que a norma enuncia dois requisitos de admissibilidade dos embargos (o facto extintivo e o documento são necessariamente contemporâneos) e a petição vem sempre sujeita a despacho liminar de admissão ou rejeição -, mandou seguir os autos. Foi junto o referido documento. (…) Portanto, os documentos juntos não provam, nem de perto, nem de longe qualquer pagamento, mormente, na modalidade de dação em pagamento (nem se vislumbra como tal seria juridicamente possível “in casu”), muito menos provam qualquer quitação da dívida por parte da credora. Concluímos, portanto, nos mesmíssimos termos que a primitiva decisão – os embargos não eram, e não são, admissíveis.”. * Analisemos, então, a situação dos autos. O recorrente foi condenado por sentença, que transitou em julgado no dia 06 de fevereiro de 2023. a pagar à recorrida o valor de 5313,39€ (que corresponde a € 4390,96 de quantias em dívida à data da resolução acrescido de €922,43, que corresponde ao valor do bem que o executado não entregou no final do contrato). No dia 25 de março de 2023 foi intentada execução de sentença para pagamento da referida quantia de €5313,39, acrescida de juros, num total de € 5623,52 Em janeiro de 2024, os ilustres mandatários das partes encetaram negociações através dos emailes juntos, que não foram impugnados em si e de onde resulta que: o recorrente/executado apresentou a seguinte proposta à exequente/recorrida. “A sua mandante levanta sem quaisquer custos para o meu, o dito equipamento, abdicando, por escrito de lhe cobrar, seja o transporte, inerente à sua remoção, seja o remanescente do preço ainda em dívida ou quaisquer outros valores ou despesas que pretenda reclamar.”. No dia 26 de fevereiro de 2024 a ilustre mandatária do exequente escreveu ao mandatário do executado: “o fornecedor aceitou ficar com o equipamento e será o mesmo a proceder ao seu levantamento, se possível, no dia 29-02-2024.” Em março de 2024, ocorreu a entrega do equipamento. Conforme resulta da sentença é manifesto que os documentos juntos não provam qualquer acordo pelo qual tenham ficado saldada a totalidade da dívida exequenda. Com efeito, resulta manifesto dos emailes que o mandatário do executado fez a proposta de entregar o equipamento em troca da extinção integral da dívida, pedindo aliás e bem um documento escrito onde a exequente abdicasse de todos os demais valores em dívida. O certo é que a exequente, detentora de um título executivo, já em execução, não aceitou esse acordo, tendo apenas aceite o equipamento, sem nunca declarar a quitação integral da dívida. Por conseguinte, não assiste razão ao embargante, quando refere ter sido celebrado um acordo nos termos do qual ficaram liquidadas todas as responsabilidades da executada. Porém, a sentença recorrida também não conclui corretamente ao afirmar “o Embargante se dispõe a devolver o equipamento em causa, não está a fazer nenhum pagamento. Está a cumprir o dever de devolução de um bem que nunca adquiriu, porque era alugado.”. Conforme supra se referiu, a quantia exequenda, para além das rendas em dívida, incluía também o valor do equipamento não entregue. É a própria exequente que reconhece que o valor do equipamento tem de ser abatido à quantia exequenda. (facto 11 dado como provado) Ou seja, ao contrário do valor exigido pelo agente de execução na notificação datada de 19-08-2024 e que deu origem aos presentes embargos, a quantia exequenda já não ascendia nessa data a € 5623,52, mas antes a € 4701,09, porquanto importava considerar o valor pago (através da entrega do equipamento) no valor de € 922,43, que conforme resulta do documento junto, foi aceite pela exequente. Note-se que o executado, não podia deixar de saber, porque tal resulta da sentença que constitui o título executivo, que o valor da quantia exequenda correspondia precisamente ao valor das rendas vencidas, no montante de € 4390,96 acrescido de € 922,43. Conclui-se, portanto que embora não proceda a alegação de que tenha existido acordo de extinção total da obrigação, a execução deve prosseguir, embora não nos exatos termos indicados, mas com a devida redução da quantia exequenda (deve ser abatida a quantia de €922,43 que a exequente aceitou ter recebido, atento o valor do equipamento entregue, nos termos do artigo 837.º do CC). * Responsabilidade Tributária As custas do recurso de Apelação são da responsabilidade do Recorrente e da Recorrida na proporção do respetivo vencimento, ou seja, 84% para o Recorrente e 16% para a recorrida, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1 e 2 e 607.º, n.º 6 do CPC). * 3. Decisão: Por todo o exposto, julga-se parcialmente procedente o presente recurso e, em consequência, julgam-se parcialmente procedentes os presentes embargos de executado, determinando-se o prosseguimento da execução, reduzindo-se, porém, à quantia exequenda o valor de € 922,43 (novecentos e vinte e dois euros e quarenta e três cêntimos). Custas na proporção de 84% para o recorrente e 16% para a recorrida. * Évora, 16 de outubro de 2025 Susana Ferrão da Costa Cabral (Relatora) António Fernando Marques da Silva (1.º Adjunto) Sónia Moura (2.º Adjunto) 
 __________________________________________ 1. https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/9c65e8f4ea65442780258c9f0052dd2e?OpenDocument↩︎ 2. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/54940067083ff01f802587a80057e6d2?OpenDocument↩︎ 3. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, L.F. Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 19.↩︎ 4. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/b10b26afba5d333380258b1f003bc312?OpenDocument com o seguinte sumário: “I - A observância do princípio do contraditório, com consequente proibição da prolação de decisão-surpresa, que tem como campo normal de aplicabilidade as questões, de direito material ou formal, susceptíveis de oficioso conhecimento pelo Tribunal, impõe que o juiz, previamente ao conhecimento das questões, de mérito da causa ou puramente processuais, não tratadas pelas partes, deva previamente convidá-las a tomar posição, apenas estando dispensado de o fazer em caso de manifesta desnecessidade - o nº. 3, do art.º 3º, do CPC; II - Tal dispensa de observância possui, assim, natureza excepcional, preenchendo-se nas situações em que a questão já foi suficientemente discutida ou quando a falta de prévia audição das partes seja insusceptível de prejudicar o resultado final; III - o Tribunal omite a prática de um acto ou formalidade legalmente imposta, tradutora do cumprimento do vinculativo princípio do contraditório, ao não permitir às partes uma activa participação na equacionada questão de ausência de título executivo eficaz, conducente à verificação de falta de título executivo e, consequentemente, à absolvição do executado da instância executiva; IV - efectivamente, impunha-se ao Tribunal a quo, que, previamente a tal conhecimento suscitasse perante as partes aquela questão decidenda, de forma a conceder-lhes ampla e efectiva possibilidade de a discutir, contestar, valorar e ajuizar;”↩︎ 5. https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/f3581f8c17687e0780258c0e005d4c48?OpenDocument↩︎ 6. Dizem Paulo Ramos de Faria / Nuno Lemos Jorge, in ob. Citada, pág. 49: “Em sede de recurso, o tribunal da Relação, se concordar com a solução dada ao litígio pelo tribunal recorrido, reconhecerá a existência da decisão-surpresa e deste reconhecimento extrairá consequências, recusando decidir o mérito da causa e determinando que antes seja proporcionado o contraditório preterido. Mas o tribunal superior também se pode pronunciar imediatamente sobre o mérito da questão – apesar de a sua pronúncia ocorrer na mesma realidade processual (falha de um ato de contraditório sobre a solução adotada na sentença) –, desde que recuse a “terceira via” – por a adoção desta (pelo tribunal a quo) constituir também, no caso, um erro de subsunção jurídica quanto ao mérito da questão decidida – e acolha um dos entendimentos já discutidos entre as partes.”.↩︎ 7. https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/8d3e59806d60f41f802581100033175b?OpenDocument↩︎ 8. Cfr. A ação executiva, AAFDL Editora, 2025, Reimpressão, pág. 423.↩︎ |