Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANA BARATA BRITO | ||
Descritores: | NOMEAÇÃO DE INTÉRPRETE NULIDADE ARGUIÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 01/08/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | DEVOLUÇÃO DOS AUTOS À 1.ª INSTÂNCIA PARA QUE APRECIE A NULIDADE | ||
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Sumário: | 1. A nulidade de falta de nomeação de intérprete nos casos em que a lei a considera obrigatória, prevista na al. c) do nº 2 do art. 120º do Código de Processo Penal, é sanável e dependente de arguição nos prazos previstos no nº 3 do art. 120º do Código de Processo Penal. 2. Embora o “auto de compromisso” constante do processo demonstre que foi nomeado intérprete ao arguido, o cumprimento formal da lei não garante, por si só, que esta tenha sido materialmente observada. 3. A garantia de uma compreensão efectiva por parte do arguido, relativamente a actos processuais de tão sérias consequências, como a constituição de arguido, a prestação de T.I.R. e a notificação da data e local do julgamento, não se basta com uma aparência de possibilidade de compreensão. 4. O incumprimento das funções de intérprete, ou o cumprimento inadequado ou deficiente, inviabilizante da adequada compreensão dos actos cuja comunicação é legalmente obrigatória, constituem omissão de tradução e integram a nulidade do art. 120º, nº 2 - al. c) do Código de Processo Penal. 5. A possibilidade de reacção tempestiva do interessado pressupõe os conhecimentos técnico-jurídicos do advogado, não sendo exigível uma imediata oposição do arguido quando desacompanhado de defensor. 6. Mas também ao defensor é necessário conhecer as circunstâncias factuais em que o vício assenta, só se podendo reagir contra ilegalidade que se conhece, ou seja, quando se sabem as circunstâncias que lhe deram causa. 7. Não resultando dos autos que o arguido tenha tido qualquer contacto com o seu defensor em momento prévio ao julgamento e à leitura da sentença, nem que o defensor tenha tido a oportunidade de contactar o arguido antes do julgamento já que foi nomeado no início da audiência a que o arguido faltou, é de considerar tempestiva a arguição no recurso da sentença. 8. Também a falta de notificação para julgamento, “em língua que entenda e de forma minuciosa” (art. 6º, nº3 da C.E.D.H.), equivale a impedimento de estar presente e ausência em acto em que a lei exige a comparência, configurando, esta já, nulidade insanável do art. 119º, al. c) do Código de Processo Penal. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. No Processo sumário n.º 128/12.4GTABF do 1º juízo do Tribunal Judicial de Silves foi proferida sentença em que se decidiu condenar o arguido, G, como autor de um crime de condução sem habilitação legal do artigo 3º, nº 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à razão diária de € 7,00 (sete euros), o que perfaz a quantia de € 910,00 (novecentos e dez euros) a que correspondem 86 (oitenta e seis) dias de prisão subsidiária. Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, concluindo que: “Conclusões: 1. O arguido foi condenado, como autor de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelos n.º1 e 2 do art.º3º do Decreto-Lei n.º2/98 de 03 de Janeiro, na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa à taxa diária de €7,00 (sete euros), perfazendo a quantia global de €910,00 (novecentos e dez euros). 2. O presente recurso tem como objecto toda a matéria da sentença condenatória proferida nos presentes autos. 3. O arguido é de nacionalidade britânica, não se expressa e não entende língua portuguesa, tendo sido nomeado intérprete de língua inglesa, a folhas 8 dos autos, para diligência de constituição de arguido. 4. Segundo o arguido, não lhe foi traduzido o conteúdo da documentação que lhe fora apresentada – que se julga ser a constituição de arguido, a prestação de termo de identidade de residência – apenas no final da diligência lhe foi perguntado se queria assinar a dita documentação, que o mesmo recusou. 5. O arguido recusou a assinar o termo de identidade de residência, assim como qualquer outro documento, porque o conteúdo dos mesmos não lhe fora traduzido para a sua língua materna. 6. Trata-se, em nosso entender, de uma nulidade processual, porque pese embora lhe tenha sido nomeado um intérprete, o mesmo não realizou devidamente a tarefa, pelo que o efeito prático é o mesmo da não nomeação. 7. Nulidade que se invoca no presente recurso, ao abrigo no disposto no art.120.º do C.P.P. 8. A dita nulidade é invocada em sede de recurso porquanto o arguido apenas tomou conhecimento da consequência legal aquando a notificação da Sentença no dia 17 de Julho de 2012. 9. Pois que o arguido não compareceu na audiência de julgamento no dia 02 de Fevereiro de 2012, porque não foi devidamente notificado para o mesmo, primeiramente, porque lhe foi transmitido verbalmente pelo agente autuante que no dia seguinte aos factos deveria comparecer no Tribunal Judicial de Albufeira, e porque não lhe foi devidamente transmitido, ou seja, traduzido, o teor da notificação para comparência com a cominação legal de que a sua falta de comparência não impediria a realização de julgamento na ausência. 10. O arguido deslocou-se no dia 02 de Fevereiro de 2012 ao Tribunal Judicial de Albufeira, onde permaneceu algum tempo, e indagou junto deste tribunal se tinha algum julgamento agendado para esse dia, ao que lhe foi dada resposta negativa. 11. Pelo que faltou ao julgamento que teve lugar no Tribunal Judicial de Silves, apenas tomando conhecimento que o mesmo se realizara no dia em que recebeu a notificação de Sentença. 12. Ora a deficitária tradução da língua portuguesa para a língua inglesa, levou a que o arguido faltasse à audiência de julgamento e consequentemente não lhe foi permitido o direito ao contraditório na audiência de julgamento. 13. Apenas após a notificação da Sentença traduzida para a língua inglesa, tomou o arguido conhecimento que o julgamento foi realizado na sua ausência, desconhecendo de todo a cominação legal de imprescindibilidade de presença do arguido. 14. Ao arguido é reconhecido o direito de estar presente nos actos que directamente lhe disserem respeito, conforme o disposto na alínea a) do n.º1 do art.º61.º do C.P.P, assim como o direito ao contraditório. 15. Tais direitos foram violados ao não ter sido efectuada a devida tradução dos autos ao arguido, levando ao engano do mesmo e à sua consequente condenação com as agravantes que advém da falta de comparência do mesmo na audiência de julgamento, visto que tal comportamento é visto como indício de desinteresse e falta de respeito pelo Tribunal. 16. Assim sendo considera-se que foi violado o disposto no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa ao ter sido negado a possibilidade de defesa ao arguido, mormente o seu primordial direito ao contraditório. 17. Em face do exposto, considera-se ser de repetir todos os actos posteriores à deficitária tradução, por se considerar que só assim será garantido o direito de defesa ao arguido, na medida em que tal acto prejudicou o normal andamento do processo. Em suma, invoca-se a nulidade da nomeação de intérprete, com a consequente repetição de todos os actos posteriores, incluindo a audiência de julgamento, por se considerar que a enfermidade de tal acto prejudicou o direito de defesa do arguido”. O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência e concluindo por seu turno: “1. Estabelece o artigo 92º, nº 2, do Código de Processo Penal que, quando houver de intervir no processo pessoa que não conhecer ou não dominar a língua portuguesa, é nomeado, sem encargo para ela, intérprete idóneo, ainda que a entidade que preside ao acto ou qualquer dos participantes processuais conheçam a língua por aquela utilizada. 2. A falta da nomeação de intérprete nos casos em que é obrigatória é sancionada pela lei como nulidade dependente de arguição ou seja, nulidade sanável (art. 120º, nº 2, c), do C. Processo Penal). 3. Ao arguido foi-lhe nomeado intérprete, pelo que não se verifica a alegada nulidade. 4. Mas mesmo que assim se não entendesse, sempre se diria que, a este tempo, a aventada nulidade já se encontraria sanada. 5. O arguido foi julgado em processo sumário, pelo que, a existir, a nulidade deveria ter sido arguida logo no início da audiência. 6. Nos casos em que o vício não é arguido, nem declarado no prazo estabelecido por lei, fica precludida a possibilidade da sua arguição. 7. O arguido foi notificado para julgamento em processo sumário, no Tribunal Judicial de Silves, e advertido que o julgamento se faria na sua ausência. 8. Não tendo comparecido, estando devidamente notificado, e estando representado por defensor, não se verifica a existência de qualquer violação do princípio do contraditório – artigo 32º da CRP.” Neste Tribunal, o Sr. Procuradora-geral Adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência, mas nada acrescentando. Colhidos os Vistos, teve lugar a conferência. 2. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, independentemente do conhecimento oficioso dos vícios do art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal (AFJ de 19.10.95), a questão a apreciar é a de nulidade da falta de constituição de intérprete. Embora comece por referir na motivação, impropriamente, que o recurso tem por objecto toda a sentença, o arguido não está a recorrer da sentença condenatória. Não o faz, nem na motivação nem nas conclusões. Recorre suscitando apenas nulidade que, a ser declarada provocará, é certo, a anulação do processado posterior ao seu cometimento. Mas que, na situação inversa, implicará que a sentença se deva considerar transitada em julgado. A sentença, esta sentença, já não será passível de recurso. O recorrente invoca, então, a nulidade aspirando à repetição de todos os actos posteriores, incluindo a audiência de julgamento, por considerar que a enfermidade de tal acto prejudicou o seu direito de defesa. Com relevância para a decisão, há a considerar os factos processuais seguintes: (a) factos processuais que resultam demonstrados dos elementos constantes do processo - O recorrente é de nacionalidade britânica. - Em 01.02.2012, pelas 18h 40m, em Armação de Pêra foi interceptado pela autoridade policial. - Foi, então, lavrado auto de notícia do qual consta que o recorrente foi constituído arguido e que foi notificado para comparecer no Tribunal de Silves, no dia 02.02.2012, pelas 14h 00m, a fim de ser julgado em processo sumário. - Nessa ocasião foi-lhe nomeado intérprete, que prestou o compromisso de fls. 8. - O auto de constituição de arguido, o T.I.R. e o auto de notificação para julgamento não se encontram assinados pelo arguido. - O recorrente recusou-se a assinar e recusou-se a receber o expediente disponibilizado pela autoridade policial. - No dia 02.02.2012, no Tribunal de Silves, teve lugar o início do julgamento sumário, na ausência do arguido, que foi representado pela defensora oficiosa então nomeada. - O julgamento continuou a 03.02.2012, com a junção de C.R.C. e a leitura da sentença condenatória, sempre na ausência do arguido. - A 17.02.2012 veio a ser o arguido pessoalmente notificado da sentença, traduzida para a língua inglesa. (b) factos processuais alegados, mas a carecer de apuramento e demonstração - Apesar da formal constituição de intérprete, não foi efectivamente traduzido o conteúdo da documentação facultada, particularmente o auto de constituição de arguido, a prestação de termo de identidade de residência, e a notificação da data e do local do julgamento. - Não foi transmitida ao arguido, em língua inglesa, a cominação para a falta a julgamento e possibilidade da audiência decorrer na sua ausência. - No dia 02.02.2012, o arguido compareceu no Tribunal de Albufeira, onde permaneceu algum tempo e indagou do julgamento agendado para esse dia, tendo obtido resposta negativa. - O recorrente só veio a ter conhecimento de que fora julgado quando notificado pessoalmente da sentença. - O arguido não se expressa e não entende a língua portuguesa. Considera o Ministério Público que não ocorreu a nulidade invocada, já que foi nomeado intérprete ao arguido. Defende ainda que, mesmo a ter sucedido, se encontraria sanada por não ter sido tempestivamente suscitada. A nulidade invocada em recurso – de falta de nomeação de intérprete nos casos em que a lei a considera obrigatória – encontra-se prevista (na al. c) do nº 2 do art. 120º do Código de Processo Penal) como nulidade sanável, dependente de arguição nos prazos previstos no nº 3 do art. 120º do Código de Processo Penal. O artigo 92º, nº 2, do Código de Processo Penal estipula que, quando houver de intervir no processo pessoa que não conhecer ou não dominar a língua portuguesa, é nomeado, sem encargo para ela, intérprete idóneo, ainda que a entidade que preside ao acto ou qualquer dos participantes processuais conheçam a língua por aquela utilizada. A preterição da obrigação de nomeação de intérprete a (toda a) pessoa que não domine a língua portuguesa assume contornos especiais quando essa pessoa é o próprio arguido. Assim, o art. 6º, nº 3 - als. c) e e) da Convenção Europeia dos Direitos Humanos – que é direito interno com valor superior à lei ordinária - assegura ao acusado o direito de ser informado em língua que entenda e de forma minuciosa da natureza e da causa contra ele formulada e o direito de se fazer assistir gratuitamente por interprete se não compreender ou não falar a língua usada no processo. Como se disse, o processo contém um “auto de compromisso” do qual resulta que foi nomeado uma intérprete ao arguido. Este dado é comprovativo do cumprimento formal da lei. E, embora indiciante, não garante por si só que esta tenha sido materialmente observada. Os dados constantes do processo – incluindo a gravação da audiência a cuja audição procedemos – não certificam que tenha sido realmente assegurada a adequada tradução, no acto processual em causa. Ou seja, não permitem afirmar, desde já e sem mais, que o arguido mente em recurso. Não é, assim, possível atestar que tenha sido traduzida a comunicação e a indicação previstas no nº 2 do art. 58º do Código de Processo Penal, nem que tenha sido feita a tradução dos documentos cujo recebimento o arguido recusou (e que não assinou). É certo que a lei se basta com uma tradução oral, não se exigindo tradução escrita mesmo dos documentos que sejam entregues ao arguido. Este entendimento não mereceu juízo de inconstitucionalidade (para a notificação da acusação - acórdão do Tribunal Constitucional nº 547/98) e mesmo a tradução oral da própria sentença condenatória foi considerada pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos como conforme à Convenção (ac. TEDH Kamasinskyn v. Áustria, de 19.12.1989). Mas o processo não contém elementos que permitam, neste momento, afastar a dúvida que o arguido criou em recurso. Desconhece-se, também, se foram realmente traduzidas, pelo menos oralmente, quer a notificação da data e local do julgamento, quer as obrigações decorrentes do T.I.R.. A garantia de uma compreensão efectiva por parte do arguido, relativamente a actos processuais de tão sérias consequências, não se reduz a uma aparência de possibilidade de compreensão. O incumprimento das funções de intérprete, ou um cumprimento insuficiente ou deficiente de molde a inviabilizar ou prejudicar a adequada compreensão dos actos cuja comunicação é legalmente obrigatória, equivale à omissão de tradução. Corresponde a uma falta de nomeação de intérprete e a ela deve ser equiparada. Mas a falta de nomeação de intérprete constitui nulidade que deve ser arguida logo no início da audiência, nas formas de processo especiais (art. 120º, nº3, al. d) do Código de Processo Penal). A lei exige que o interessado reaja até ao início do julgamento, não o podendo fazer posteriormente. Trata-se de uma reacção jurídica, que pressupõe os conhecimentos técnico-jurídicos do advogado, pelo que não será exigível uma imediata oposição do arguido quando desacompanhado de defensor (não sendo, por exemplo, de considerar preclusiva a não arguição no acto a que o próprio assista, prevista no art. 120º, nº 3 – a), se ou quando desacompanhado de advogado). Mas, por outro lado, ao defensor é também necessário conhecer as circunstâncias factuais em que o vício assentará. Só se pode reagir no início da audiência contra ilegalidade que se conhece, ou seja, quando se sabem as circunstâncias que lhe deram causa. A possibilidade de reacção efectiva não se reduz a uma aparência de possibilidade de reacção, como já dissemos. Ora, não resulta dos autos que o arguido tenha tido qualquer contacto com o seu defensor em momento prévio ao julgamento e à leitura da sentença. Também não resulta que a defensora nomeada tenha tido oportunidade de contactar o arguido antes do julgamento. Ela foi nomeada no início da audiência, a que o arguido faltou. A ser verdadeira a alegação em recurso, tal ausência de contacto a nenhum dos dois – arguido e seu defensor – é imputável. E só o advogado conhecedor das circunstâncias que configuram ilegalidade processual reúne condições para poder reagir “logo no início da audiência”. Só a assistência de advogado informado investe o arguido na plena capacidade de exercício dos seus direitos processuais, nos quais se incluem o direito de arguição de nulidade como a presente. Mas a inicial simplicidade da questão ainda mais se esbate se se atender a que uma das notificações alegadamente não traduzidas é a da data designada para julgamento. Notificação que a lei exige seja feita ao defensor e ao arguido (art. 113º, nº 9 do Código de Processo Penal). Feita ao arguido, entenda-se, em condições de ser por ele percebida. A falta de notificação para julgamento equivale a impedimento de estar presente e, consequentemente, a ausência em acto em que a lei exige a respectiva comparência (arts. 332º, nº1 e, 386º, nº1 do Código de Processo Penal). Configura, esta já, nulidade insanável (art. 119º, al. c) do Código de Processo Penal). O julgamento ocorreu no tribunal de Silves, dizendo agora o arguido ter comparecido nesse mesmo dia em Albufeira. O que, a ser verdade, poderá indiciar, não renúncia ao direito de presença, mas antes falha na percepção de mensagem deficientemente (?) comunicada. A ausência voluntária a julgamento pressupõe o asseguramento prévio do direito de intervir nessa audiência, o que envolve notificação válida, esclarecedora e esclarecida. À mesma solução conduzem os valores ou princípios do “fair trial”, do processo transparente, leal e justo. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos já fez notar que “embora não mencionada em termos expressos no §1º do art. 6º, a faculdade do arguido tomar parte na audiência decorre do objecto e da finalidade do conjunto das disposições; as als. c), d) e e) do § 3º, reconhecem ao arguido o direito a defender-se pessoalmente, interrogar e fazer interrogar as testemunhas e fazer-se assistir gratuitamente de um intérprete, se não compreender a língua empregue na audiência, o que não se concebe sem a sua presença”. Mais o Tribunal sublinhou que “ dar conhecimento a uma pessoa do processo intentado contra si constitui um acto jurídico de uma tal importância que deve corresponder a condições de forma e de fundo apropriadas” (Henriques Gaspar, Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, Jurisprudência Crítica, RPCC, 15º, p. 647). O art. 6º, nº 3 - al. a) da Convenção Europeia dos Direitos Humanos assegura ao acusado o direito de ser informado no mais curto prazo em língua que entenda e de forma minuciosa da natureza e da causa contra ele formulada, reconhecendo a al. e) o direito de se fazer assistir gratuitamente por interprete se não compreender ou não falar a língua usada no processo. Este direito, que visa obstar à desigualdade entre um acusado que conheça a língua utilizada no processo e outro que a desconheça, estende-se “a todos os actos do processo que o acusado tenha necessidade de compreender para beneficiar de um processo equitativo” (Ireneu Cabral Barreto, Convenção Europeia dos Direitos Humanos anotada, 2005, p. 177) Não estamos, com isto tudo, a afirmar que foi cometida nulidade no presente caso – o arguido recusou-se a receber a documentação que o órgão de polícia criminal lhe pretendeu entregar, admitindo-se até que possa ter contribuído para as deficiências que ora aponta. Mas o processo não contém os elementos indispensáveis a uma decisão conscienciosa sobre a nulidade suscitada em recurso, que não pode deixar de se considerar tempestivamente arguida no caso, pelas razões expostas. A decisão pressupõe a clarificação (prova) dos factos processuais supra elencados como factos relevantes e não demonstrados. Particularmente, a certificação de que ao arguido foi efectivamente assegurada a tradução na sua língua de todas as legais comunicações e informações efectuadas pelo o.p.c., da constituição de arguido, da prestação de T.I.R. e da notificação da data e local do julgamento e consequências da eventual falta à audiência. O que só pode ser feito na 1ª instância, à qual os autos deverão ser, em conformidade e para esse efeito, devolvidos. 3. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em: - Considerar tempestivamente arguida a nulidade de falta de constituição de intérprete, na dimensão exposta. - Ordenar a devolução dos autos à 1ª instância para que conheça desta nulidade (bem como, se for caso disso, da nulidade insanável do art. 119º, al. c) do Código de Processo Penal), procedendo para tanto às diligências de prova que se revelarem necessárias, e dela(s) retirando as legais consequências. Sem custas. Évora, 08.01.2013 (Ana Maria Barata de Brito) (António João Latas) |