Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | BERNARDO DOMINGOS | ||
Descritores: | INCOMPATIBILIDADE DE PEDIDOS FACTO NÃO ARTICULADO PRINCÍPIO DA CONTROVÉRSIA | ||
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Data do Acordão: | 03/31/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA A SENTENÇA | ||
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Sumário: | I - O princípio da controvérsia, que constitui uma vertente do princípio do dispositivo, consagrado nos arts. 664º e 264º, nºs 1 e 2, 1ª parte do CPC, veda ao juiz a consideração de factos principais diversos dos alegados pelas partes. São factos essenciais os que às partes, no uso do dispositivo, cumpre alegar para preenchimento da substanciação da causa de pedir – e sem os quais a petição será inepta, exactamente por falta de causa de pedir. A alegação da pratica de certos actos, no convencimento do exercício de um determinado direito real, é um facto essencial para o reconhecimento da sua aquisição originária. Não tendo o A. alegado tal facto, era vedado ao juiz incluí-lo, “motu proprio”, na base instrutória. II - A infracção da regra contida no art. 664º do CPC, (que veda ao juiz a utilização de factos não alegados pelas partes) acarreta uma sanção. Esta, ao contrário do que por vezes se vê invocado, não é a da nulidade da sentença (ex vi do disposto na al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC), mas antes, por aplicação analógica do que se prescreve no art. 646º-A do mesmo diploma, a de se ter por não escrita a fixação desses factos. III – Quando alguém, numa acção, visa e pede a título principal a execução específica de um dado contrato promessa de compra e venda de um imóvel e na mesma acção pede a título subsidiário o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o mesmo prédio a que se reporta o contrato promessa verifica-se contradição ou incompatibilidade substantiva, entres os dois pedidos e consequentemente há ineptidão da petição. IV – A incompatibilidade substantiva entre um pedido de execução específica de um contrato promessa de compra e venda e um pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel visado naquele contrato, é manifesta. Uma dada realidade de facto, pode ser essa realidade e o seu contrário..!!! | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: Proc.º N.º 773/05.4TBETZ.E1 Apelação 3ª Secção Recorrentes: Idalina ...................., Maria Idalina .................... e Maria João ..................... Recorrido: Manuel ..................... * Relatório ([1]) «Manuel ...................., residente no Largo.................., propôs acção de condenação, sob a forma de processo sumário, contra Idalina ...................., Maria Idalina .................... e Maria João ...................., todas residentes na Rua António ............... em Estremoz, pedindo que: Sejam as rés condenadas a celebrar a escritura pública de compra e venda que se recusam a celebrar; Em alternativa declarar-se o autor dono e legítimo proprietário do lote de terreno, por o ter adquirido por usucapião. Para tanto alegou, em síntese, que: No dia 15 de Outubro de 2007, João .......... e a sua mulher, a ora ré Idalina ...................., na qualidade de promitentes vendedores, ajustaram com o autor, na qualidade de promitente comprador, um contrato de compra e venda de um prédio sito em Casa Branca; O preço foi pago logo aquando da assinatura do contrato promessa; O autor ficou logo na posse do terreno, tendo efectuado naquele diversas benfeitorias; As rés recusam-se a celebrar a escritura de compra e venda do referido prédio. Regularmente citadas, as rés apresentaram contestação conjunta (fls. 35 e ss.), onde, para além de procederam à impugnação de alguns dos factos alegados pelo autor, invocam ainda verificarem-se as seguintes circunstâncias: - Nulidade do processo, decorrente da ineptidão da petição inicial; - Prescrição do contrato-promessa de compra e venda; - Revogação de tal contrato. Para além de pugnarem pela improcedência da acção, pedem ainda a condenação do autor como litigante de má-fé. Notificado da apresentação da contestação das rés, veio o autor apresentar resposta àquela (fls. 55 e ss.). Em tal articulado responde às excepções invocadas pelas rés e pede também que estas sejam condenadas como litigantes de má-fé. A fls. 80-81 foi proferido despacho a convidar o autor a aperfeiçoar a sua petição inicial (parte respeitante à alegação de factos consubstanciadores da usucapião), sendo que em tal despacho, procedendo-se à interpretação do primeiro pedido do autor, consignou-se que aquele consistia na obtenção da execução específica do contrato promessa. O autor veio aperfeiçoar a sua petição inicial nos termos constantes de fls. 94 e ss., tendo as rés exercido o contraditório a fls. 108-109. * Não foi realizada audiência preliminar, por si considerar que acção se revestia de simplicidade e que não havia necessidade de fazer actuar o contraditório – cfr. fls. 114.A fls. 114 e ss. foi proferido despacho saneador, nele se declarando válidos os pressupostos de validade e regularidade da instância (foi declarada improcedente a invocada excepção dilatória de nulidade do processo, decorrente da alegada ineptidão da petição inicial). Em tal momento foi ainda conhecida a excepção peremptória de prescrição aludida pelas rés, tendo o tribunal declarado prescrito o direito à execução específica do contrato ». Este despacho não foi impugnado. Seleccionada a matéria de facto assente e fixada a base instrutória, as rés apresentaram reclamação (fls. 123-127), sendo que a sua pretensão foi indeferida – cfr. fls. 143 a 145. Foi realizada audiência final, tendo sido proferida decisão sobre a matéria de facto (fls. 220 a 225). a) De seguida foi proferida sentença julgando procedente o pedido “subsidiário” e declarando que « ... o autor Manuel .................... adquiriu, em 15 de Outubro de 1977, por usucapião, o direito de propriedade sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Sousel sob o nº 01175/040223 e inscrito na matriz predial da freguesia de Casa Branca sob o artigo 1568, a que corresponde um lote de terreno para construção, sito na Rua Nova, em Sousel..» * Inconformadas vieram as RR. interpor recurso de apelação, tendo nas suas alegações formulado as seguintes Conclusões: 1 - O presente recurso foi interposto da douta sentença proferida nos presentes autos que julgou procedente o pedido subsidiário formulado e, em consequência reconheceu e declarou que o autor Manuel .................... adquiriu, em 15 de Outubro de 1977, por usucapião, o direito de propriedade sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Sou sei sob o n.º 01] 75/040223 e inscrito na matriz predial da freguesia de Casa Branca sob o artigo 1568, a que corresponde um lote de terreno para construção. 2 - Em sede de despacho saneador o Meritíssimo Juiz a quo pronunciou-se sobre o pedido principal formulado nos autos - a execução específica do contrato promessa - que considerou improcedente por se encontrar prescrito o direito à obtenção da execução específica do contrato. 3 - Decidiu o juiz a quo que na selecção da matéria de facto, se atenderia somente aos factos consubstanciadores do pedido subsidiário. 4 - As RR. ora apelantes apresentaram reclamação da selecção da matéria de facto incluída na base instrutória, nos termos do disposto no art. 511 °/2 do CPC, reclamação que foi considerada improcedente 5 - Entendem as apelantes que muitos dos factos alegados pelas partes e que mais directamente se relacionavam com o pedido principal não são indiferentes à solução jurídica desta causa, sendo alguns de crucial importância. 6 - Não eram indiferentes à boa decisão da causa os factos que foram vertidos nos artigos 52°, 53°, 64° a 70°, 72° a 78° da Contestação das RR. em que marcaram a sua posição face às alegações do A. e suas pretensões. 7 - Os factos não controvertidos, alegados pelo autor e rés e não impugnados e alegados por ambas as partes, deviam ter sido integrados na matéria assente. 8 - Deviam ter sido incluídos na matéria assente, por não serem controvertidos, pelo menos os seguintes factos: - as tentativas do A. de adquirir o prédio das RR. sempre esbarraram na vontade de estas não lho venderem (art. 78° da Contestação; 8°, 9°, 10° da P.I) . - O A. Notificou judicialmente as RR. em 18 de Outubro de 2005 e em 25 de Outubro de 2005 para que comparecessem no Cartório Notarial de Estremoz no dia 4 de Novembro de 2005, a fim de outorgarem na qualidade de vendedoras a escritura pública de compra e venda prometida (art. 68° da Contestação ); - A escritura não se realizou por falta de comparência das rés. 9 - Logo em sede de saneador, em face da factualidade alegada pelas partes e o direito aplicável, o Meritíssimo juiz a quo podia e devia ter conhecido do mérito de ambos os pedidos formulados pelo autor, declarando a acção completamente improcedente. 10 - A selecção da matéria de facto enfermou assim do vício de deficiência. 11 - As apelantes reclamaram também da selecção da matéria de facto por excesso, por ter o Meritíssimo Juiz incluído na Base Instrutória, no seu ponto 8° o seguinte facto: "o autor efectuou tais tarefas na convicção de que o terreno referido em A) lhe pertence?". 12 - Tal facto nunca foi alegado pelo A. quer na primeira versão da sua P .1., quer na versão aperfeiçoada. 13 - Em Processo Civil vigora o princípio do dispositivo consagrado no art. 264° do CPC, nos termos do qual é ónus das partes alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções. 14 - Nos termos do disposto no n.º 2 desse preceito, o Juiz só pode fundar a sua decisão nos factos alegados pelas partes. 15 - Ao definir o quesito 8° da Base Instrutória o Meritíssimo Juiz carreou para a factualidade em discussão um facto que o próprio Autor nunca alegou. 16 - Assim, o Meritíssimo Juiz substituiu o Autor na sua obrigação de alegar factos em que funda a sua pretensão, padecendo a selecção da matéria de facto do vício de excesso. 17 - É errada a utilização que faz o Juiz a quo do disposto no artigo 1252°, n.º 2 do Código Civil, porque n.º 2 deste dispositivo estabelece uma presunção da posse daquele que exerce um poder de facto, em caso de dúvida, mas não permite ao julgador nele fundamentar a quesitação de facto não alegado pelas partes. 18 - Ao contrário do que afirma o Meritíssimo Juiz a quo para haver aquisição por usucapião não "basta invocar a factualidade da qual se presume o animus para estar preenchida a causa de pedir". 19 - A presunção de posse não dispensa o interessado de alegar todos os factos em que a fundamenta, seja no seu elemento material (corpus), seja no seu elemento subjectivo (animus). 20 - As apelantes tinham a seu favor a presunção derivada do registo predial do prédio a seu favor na Conservatória do Registo Predial competente, conforme resulta quer da documentação junta aos autos, quer das próprias alegações de autor e rés. 21 - A presunção derivada do registo sempre deveria ter-se por mais forte que a presunção do n.º 2 do art. 1252° do CC, mas o Meritíssimo Juiz a quo não explicou porque a afastou. 22 - Existe posse de um imóvel com as características próprias e os requisitos precisos para conduzir à usucapião, quando o detentor dos bens em tudo proceda como verdadeiro proprietário - art. 1251° do CC. 23 - Na P.I. o A. não alega a prática por si de actos materiais sobre o lote de terreno objecto da causa que evidenciem um comportamento igual ao do titular do correspondente direito de propriedade. 24 - Do que o próprio autor alega ressalta que nunca agiu sobre o prédio com o animus necessário à aquisição por usucapião, desde logo porque alega ter interpelado as rés por diversas vezes, por carta e notificação judicial junta aos autos, para celebrar a escritura e que estas sempre se recusaram a outorgá-la. 25 - Também da factualidade alegada pelo próprio A. na sua Petição, bem como dos documentos que juntou, resulta que nunca as RR. ora apelantes deixaram de agir e de se assumir plenamente como proprietárias do terreno, porque procederam ao destaque e registo na Conservatória competente e porque sempre se opuseram à venda .. 26 - O próprio A. afirma que as suas tentativas para adquirir o prédio sempre esbarraram na vontade das RR. de não lho venderem, pelo que não pode alegar exercer uma posse pacífica e de boa-fé. 27 - Não pode o A. afirmar que desde 15 de Outubro de 1977, data da outorga do contrato promessa de compra e venda do terreno em causa, sempre esteve na posse pacífica, pública, contínua e de boa-fé do lote de terreno para construção e que por isso adquiriu o prédio por usucapião. 28 – O estabelecimento da cláusula penal no contrato promessa junto aos autos mostra que as partes configuraram a possibilidade de o contrato prometido não se vir a realizar, estabelecendo uma penalização para o seu incumprimento. 29 - A estipulação da cláusula penal demonstra inequivocamente que o autor na data da outorga do contrato promessa, tenha-lhe sido entregue ou não a posse do imóvel, tenha pago a totalidade do preço ou não, não se sentia proprietário do prédio, tendo apenas uma expectativa de o vir a adquirir. 30 - "0 promitente comprador investido prematuramente no gozo da coisa, que lhe é concedido na pura expectativa da futura celebração do contrato prometido, não é possuidor dela, precisamente porque, sabendo ele, como ninguém, que a coisa pertence ainda ao promitente vendedor e só lhe pertencerá a ele depois de realizado o contrato translativo prometido, não pode agir seriamente com a intenção de um titular da propriedade ou de qualquer outro direito real sobre a coisa" - Antunes Varela, in RLJ, 128, pág. 146. 31 - 0 promitente comprador, autor na presente acção, mesmo tendo o corpus, não tem o animus de possuidor, pelo que exerce sobre a coisa um direito pessoal de gozo, conferido pelo promitente vendedor, mas insusceptível de posse. 32 - Não pode adquirir por usucapião. 33 - 0s factos alegados pelo autor quando instado a aperfeiçoar a sua Petição Inicial, configuram uma situação de mera detenção e não uma verdadeira posse. 34 - 0 autor alega que tem o corpus, mas não alega que tem o animus de possuidor. 35 - Não alega o autor e não resultou de qualquer forma dos autos que tenha havido um momento em que se deu a inversão do título da posse, pelo que há que concluir que nunca passou de um mero detentor da coisa. 36 - Com o devido respeito, a inclusão do facto - O autor efectuou tais tarefas na convicção de que o terreno referido em A) lhe pertence? na base instrutória, facto que, não obstante as muitas evidências em contrário resultantes dos autos, consubstancia excesso, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 511° do CPC, sendo fundamento para a reclamação da selecção da matéria de facto, é fundamento para o presente recurso. 37 - Não tivesse o Meritíssimo juiz a quo incluído na Base Instrutória o quesito 8° - O autor efectuou tais tarefas na convicção de que o terreno referido em A) lhe pertence? - e o destino da presente acção não poderia ter sido outro que não a sua total improcedência. 38 - 0 Juiz não podia por sua iniciativa e sem dar à outra parte o direito ao contraditório, introduzir no pleito factos essenciais não alegados pelas partes. 39 - Ao fazê-lo, como se disse, violou o princípio da livre disponibilidade das partes e o princípio do contraditório, pelo que o quesito 8° e a factualidade nele vertida, deverão considerar-se não escritos. 40 - 0 autor deduziu na Petição Inicial pedidos que em SI eram contraditórios, sendo que um inviabilizava o outro e tornava, em consequência, ininteligível a posição daquele. 41 - Para o pedido formulado em primeiro lugar o A. Apelado alegou factos que contrariavam os requisitos necessários para que fosse reconhecida a aquisição por usucapião. 42 - No mesmo articulado alegou o apelado que incumpriram as apelantes um contrato que as obrigava a vender àquele um lote de terreno, reconhecendo o direito de propriedade destas, e pretendendo assim que lhe fosse transmitido esse direito e, adiante, pediu que lhe fosse reconhecido o direito de propriedade com fundamento na usucapião, que é uma forma de aquisição originária do direito. 43 - Nos termos do n.º 1 do referido preceito do C.C., é nulo o processo quando a P.I. é inepta. 44 - Entendeu o Meritíssimo Juiz que, tratando-se de um pedido principal e de um pedido subsidiário, tendo o pedido principal caído logo em sede de saneador, prosseguiam os autos para apreciação do mérito do pedido subsidiário, excluindo toda a factualidade relacionada com o primeiro pedido. 45 - Ao decidir como decidiu, considerando que o autor adquiriu o terreno por usucapião, o Meritíssimo Juiz absteve-se de se deter e de apreciar as afirmações que o autor fizera para conseguir a pretendida execução especifica do contrato promessa, bem como os documentos juntos aos autos. 46 - Havia intolerável contradição entre os pedidos formulados e as respectivas causas de pedir que atentavam mesmo contra a boa-fé. 47 - Nos termos do disposto no art. 334° do CC é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Dispõe o art. 266-A do CPC que as partes devem agir de boa-fé. 48 - Com o devido respeito, olvidar as alegações feitas pelo autor ao deduzir o seu pedido principal e a sua actuação daí resultante, bem como patente na sua actuação documentada nos próprios autos e que inequivocamente demonstram que agiu no máximo como mero detentor, implica exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé. 49 - A douta sentença recorrida violou as normas dos artigos 264°, 266A do Código de Processo Civil, e artigos 1251° e 1252° do Código Civil, prejudicando assim gravemente os direitos das rés e suas legítimas expectativas. Termos em que, nos melhores de Direito e com o sempre mui douto suprimento de V.Exas., deve a decisão da lª Instância ser revogada e, em consequência, ser a acção julgada improcedente, com o que se fará JUSTIÇA!» * Não houve contra-alegações.* Na perspectiva da delimitação pelo recorrente [2] , os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) [3] , salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).Das conclusões do recurso resulta que as questões a decidir são: - insuficiência da base instrutória por falta de inclusão de facto relevantes controvertidos; - omissão de inclusão, “na especificação”, de factos relevantes admitidos por acordo das partes; - inclusão na base instrutória de factos não articulados pelas partes; - erro no julgamento de facto, por contradição dos fundamentos dos pedidos e incompatibilidade dos pedidos. * Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.Antes de iniciarmos a análise de cada uma das questões e sem prejuízo da força do caso julgado formado com a decisão proferida no despacho saneador acerca da ineptidão da petição, não podemos deixar de referir que não se entende como é possível defender a inexistência de contradição ou incompatibilidade substantiva, entre um pedido de execução específica de um contrato promessa de compra e venda e um pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel visado naquele contrato. Fazê-lo é admitir que, uma dada realidade de facto, pode ser essa realidade e o seu contrário..!!! Uma pessoa afirma-se não proprietário de uma coisa para formular um dado pedido e, no mesmo processo, afirma-se proprietário da mesma coisa para deduzir, contra os mesmos RR., um outro pedido. É, no mínimo, estranho...! O sr. Juiz entendeu que não haveria incompatibilidade entre os pedidos ou entre os fundamentos destes e algum ou ambos e, por isso, resolveu prosseguir com a acção para apreciar o pedido de reconhecimento do direito de propriedade do A.. sobre o prédio a que se reportava o contrato promessa, cuja execução específica pedia a título principal. Decidiu, então, que apenas haveria que levar à base instrutória os factos constitutivos do direito invocado – aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre o prédio em causa. Mas fê-lo erradamente, porquanto as RR., na sua defesa, tinham articulado factos contrários aos alegados pelo A. e que poderiam ser relevantes para inviabilizar a pretensão do A.. Entre outros, todos aqueles que revelam, terem as RR. agido como proprietárias do terreno e como tal terem sido reconhecidas pelo próprio A.. A falta de quesitação destes factos, era suficiente para a anulação do julgamento, com vista à ampliação da matéria de facto controvertida. Mas também se verifica que, por outra parte, também houve omissão de especificação de factos admitidos por acordo, relevantes para a decisão da causa e que por si só (ou conjuntamente com outros a provar) seriam suficientes para fazer naufragar o pedido do A., em ver reconhecido o seu direito de propriedade sobre o prédio, porquanto, tratando-se de factos “confessados” em juízo, fazem prova plena contra o confitente (art.º 355º n.º 1 356º e 358º n.º do CC). Fazem parte deste “lote”, entre outros, os factos constantes dos art.ºs 8º, 9º e 10º da PI. A inclusão destes factos na especificação impunha-se para a boa decisão da causa. Mas as irregularidades não se ficam por aqui. O sr. Juiz, apercebendo-se que, apesar do convite ao aperfeiçoamento da petição, a que foi apresentada, corrigida, ainda era deficiente quanto aos fundamentos de facto, resolveu interpretar a petição e levou à base instrutória um facto novo, que não consta dos articulados e cuja alegação e prova é fundamental à procedência do pedido, qual seja o constante do quesito 8º, onde se pergunta se « O autor efectuou tais tarefas [4] na convicção de que o terreno referido em A) lhe pertence? ». Este facto não consta dos articulados. O princípio da controvérsia, que constitui uma vertente do princípio do dispositivo, consagrado nos arts. 664º e 264º, nºs 1 e 2, 1ª parte do CPC, veda ao juiz a consideração de factos principais diversos dos alegados pelas partes. São factos essenciais os que às partes, no uso do dispositivo, cumpre alegar para preenchimento da substanciação da causa de pedir – e sem os quais a petição será inepta, exactamente por falta de causa de pedir. A alegação da pratica de certos actos, no convencimento do exercício de um determinado direito real, é um facto essencial para o reconhecimento da sua aquisição originária. Não tendo o A. alegado tal facto, era vedado ao juiz incluí-lo, “motu proprio”, na base instrutória. Não sendo lícito fazê-lo, também não é admissível responder a tal quesito! Na verdade a infracção da regra contida no art. 664º do CPC, que, exceptuados os factos notórios (art. 514º, nº 1, do CPC), os factos de conhecimento oficial do tribunal (nº 2 do mesmo art. 514º), os factos indiciadores de uso anormal do processo (art. 665º do CPC), os factos instrumentais resultantes da instrução e discussão da causa (art. 264º, nº 2, do CPC) e os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam, oportunamente, alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório (nº 3 do mesmo art. 264º) veda ao juiz a utilização de factos não alegados pelas partes acarreta uma sanção. Esta, ao contrário do que por vezes se vê invocado, não é a da nulidade da sentença (ex vi do disposto na al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC), mas antes, por aplicação analógica do que se prescreve no art. 646º-4 do mesmo diploma, a de se ter por não escrita a fixação desses factos [5] [6] [7] . Assim há que anular o quesito e a respectiva resposta. Ora anulando-se o quesito e a resposta e sendo o facto em causa essencial à procedência do pedido, é óbvia a improcedência deste, por falta da causa de pedir, como acima se deixou dito. O conhecimento da questão do erro de julgamento de facto, fica naturalmente prejudicada, sendo certo que tal realidade é, como se deduz do enquadramento da acção, por demais evidente, afinal não se pode ser, simultaneamente, “Senhor e Escravo”... !! * Deste modo e pelo exposto, acorda-se na procedência da apelação, revoga-se a sentença e absolvem-se as RR. do pedido.Concluindo Custas pelo A., tanto nesta como na primeira instância. Registe e notifique. Évora, em 31 de Março de 2009. -------------------------------------------------- (Bernardo Domingos – Relator) --------------------------------------------------- (Silva Rato – 1º Adjunto) --------------------------------------------------- (Sérgio Abrantes Mendes – 2º Adjunto) ______________________________ [1] Correspondente ao da sentença da 1ª instância. [2] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa -1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra - 2000, págs. 103 e segs. [3] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56. [4] As constantes dos quesitos anteriores e atinentes ao uso do prédio. [5] Cfr., explicitamente neste sentido, o Ac. da Rel. do Porto de 11/6/1987 (sumariado in BMJ nº 368, p. 613). [6] Cfr., igualmente no sentido de que, «não se tratando de quaisquer dos casos excepcionais referidos nos arts. 514º e 661º do CPC, e tendo o juiz acolhido, nos factos que deu como provados, a nova realidade construtiva que se lhe deparou aquando da inspecção judicial ao local, em sede de audiência de julgamento, realidade essa não coberta por qualquer alegação das partes, nem, obviamente, submetida ao contraditório, não é ela de atender, devendo ter-se, pois, por não escrita a matéria que extravasa a factualidade originária, só ela coberta pela alegação das partes e legitimada pelo princípio dispositivo», o Ac. da Rel. do Porto de 18/11/1999 (in Col. Jur., 1999, tomo 5, p. 202). [7] Cfr., de igual modo no sentido de que «a omissão de pronúncia a que alude o art. 668º, nº 1, alínea d), do Cód. Proc. Civil respeita a questões e não a factos; e esta, a omissão de factos, só integra a nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo citado se se traduzir na falta absoluta da respectiva fundamentação», o Ac. desta Rel. de Évora de 7/3/1991 (sumariado in BMJ nº 405, p. 554). |