Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO | ||
Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO FORMA ESCRITA FORMALIDADES AD PROBATIONEM | ||
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Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | i) Resulta do regime inserto no n.º 2 do artigo 1069.º do Código Civil que a forma escrita do contrato de arrendamento constitui formalidade ad probationem, pois o contrato, ainda que celebrado verbalmente, pode ser invocado pelo arrendatário que demonstre a utilização do locado sem oposição do senhorio e o pagamento de rendas há mais de seis meses; ii) Desde que a factualidade provada não implique se considere imputável ao arrendatário a falta de redução a escrito do contrato de arrendamento, demonstrada que seja a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis meses, a inexistente forma escrita do contrato pode ser substituída por qualquer outro documento que contenha confissão expressa do senhorio que reconheça o contrato de arrendamento. (Sumário da Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Évora I – As Partes e o Litígio Recorrente / Ré: (…) Recorrida / Autora: (…) Réu: (…) Trata-se de uma ação declarativa de condenação no âmbito da qual a A. formulou os seguintes pedidos: a) o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a fração autónoma designada pela Letra “O“, correspondente ao 4.º andar Esquerdo, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Rua Professor (…), n.º 3, freguesia da União das Freguesias de Setúbal, Concelho de Setúbal, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo matricial (…) e descrita na CRP de Setúbal (1.ª) sob a ficha n.º (…), da freguesia de Setúbal (Santa Maria da Graça), Concelho de Setúbal; b) a condenação dos RR a restituir de imediato o imóvel à A, nos termos do disposto no artigo 1311.º/1, do CC; c) a condenação dos RR a pagar todas as despesas de consumo de eletricidade e água desde agosto de 2022 até à efetiva desocupação do imóvel, cujo valor vencido ascende ao montante de € 186,48; d) a condenação dos RR a pagar à A, a título de indemnização pela utilização e ocupação do imóvel em causa, a quantia mensal de € 1.000,00 até à efetiva entrega do imóvel, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vincendos desde a citação dos RR até à sua efetiva desocupação do imóvel. Para tanto, invocou o seguinte: - a qualidade de dona e proprietária da referida fração autónoma; - a cedência temporária à Ré, em dezembro de 2018, do uso do imóvel mediante o pagamento do valor mensal de € 400,00 pelo uso do imóvel, acrescido de todas as despesas inerentes ao consumo de água e eletricidade, por esta Ré necessitar de habitação por um período de tempo; - o acordo no sentido de que quando a Autora necessitasse da casa a Ré e o filho com quem vivia, o Réu (…), desocupariam o imóvel quando a Autora lhes comunicasse tal necessidade; - a comunicação verbal da A aos RR, em meados de 2021, de que iria necessitar do imóvel para aí habitar logo no início de 2022, pelo que os RR deveriam desocupar o imóvel até ao dia 31 de dezembro de 2021; - a não entrega do imóvel nessa data, adiando sempre os Réus a entrega para o mês seguinte; - a intimação aos RR para que desocupassem o imóvel, quer verbalmente, quer por carta, quer mediante notificação judicial avulsa; - a não desocupação do imóvel pelos RR; - o pagamento pela A, desde agosto de 2022, das despesas dos consumos que os RR fazem de eletricidade e água na fração da A, valor que já ascende a € 186,48; - a necessidade do imóvel para a A nele residir, estando obrigada a residir em casa de seus pais por se ver impedida de habitar na sua propriedade. A Ré (…) apresentou-se a contestar, pugnando pela improcedência da ação. Sustentou que a Autora deu a fração de arrendamento, pela renda mensal de € 400,00, por tempo indeterminado e para sua habitação, mediante acordo verbal; sempre foram pagas as rendas, por transferência bancária, nunca a Autora tendo entregado recibo comprovativo desse pagamento; as faturas dos consumos seriam reembolsadas à A. mediante apresentação delas pela A.; desde agosto de 2022, a A. deixou de enviar as faturas para reembolso. II – O Objeto do Recurso Decorridos os trâmites processuais documentados nos autos, foi proferida sentença julgando a ação procedente, decidindo: «A) Reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre a fração autónoma designada pela Letra “O“, correspondente ao 4º andar Esquerdo, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua Professor (…), n.º 3, freguesia da União das Freguesias de Setúbal, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo matricial (…), e descrita na Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob a ficha n.º (…), da freguesia de Setúbal (Santa Maria da Graça), concelho de Setúbal. B) Condenar os RR. a restituir à A. o referido imóvel, livre de pessoas e bens; C) Condenar os RR. a pagar à A. todas as despesas de consumo de eletricidade e água efetuadas pelos mesmos, desde agosto de 2022 até à efetiva desocupação do imóvel, cujo valor foi suportado pela A., e que até ao momento da entrada da ação, ascendiam ao montante de € 186,48; D) Condenar os RR. numa indemnização à A. equivalente ao montante de rendas vencidas (que ainda não tenham sido pagas por aqueles) e vincendas, de € 400,00 mensais, até à entrega do imóvel à A., livre de pessoas e bens, e respetivos juros de mora, à taxa legal em vigor, vencidos e vincendos até integral pagamento.» Inconformada, a Ré apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que determine a manutenção dos RR na posse da fração autónoma, que é a casa de habitação permanente. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes: «- a douta decisão recorrida omite nos factos dados como provados uma decisiva intervenção processual da A., em sede de tomada de declarações de parte, a qual consubstancia a prática de dois crimes – especulação e fraude fiscal – e convoca a chamada à colação do instituto do abuso do direito na vertente “venire contra factum proprium”; - o conhecimento desse facto a passar a constar dado como provado – “a não redução do contrato de arrendamento a escrito é imputável à A.” – como alegado e se impõe, é essencial para a prolação de uma decisão judicial que impeça a condenação dos RR. a restituir a fração em apreço livre de pessoas e bens.» A Recorrida apresentou contra-alegações sustentando que o recurso deverá ser rejeitado quer por ser extemporâneo quer por não conter conclusões, ou ser julgado improcedente, uma vez que a questão de não lhe ser imputável a falta de redução a escrito do contrato só agora foi suscitada, nenhum reparo merecendo a decisão recorrida que considerou nulo o contrato por vício de forma. O requerimento de interposição do recurso foi deferido. Cumpre conhecer das seguintes questões: i) da impugnação da decisão relativa à matéria de facto; ii) da reapreciação jurídica da causa: se é de revogar a decisão de entrega da fração. III – Fundamentos A – Os factos provados em 1.ª Instância 1. Encontra-se inscrita a favor da A. a propriedade da fração autónoma designada pela Letra “O“, correspondente ao 4.º andar Esquerdo, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua Prof. (…), n.º 3, freguesia da União das Freguesias de Setúbal, Concelho de Setúbal, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo matricial (…), e descrita na Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob a ficha n.º (…), da freguesia de Setúbal (...), concelho de Setúbal. 2. Em dezembro de 2018, a Autora deu de arrendamento à Ré, por acordo verbal entre ambas e por tempo indeterminado, a referida fração autónoma, para habitação, mediante o pagamento mensal de uma renda, no valor atual € 400,00 (quatrocentos euros), que a R. paga por transferência bancária para conta da A., com o IBAN (…), fornecido pela A. à R.. 3. Pagamentos mensais que a Ré tem feito desde dezembro de 2018, dos quais a A. nunca entregou recibo comprovativo. 4. Além da renda, ficou acordado que a Ré também pagava consumos mensais de energia elétrica e água, cujas faturas a A. enviaria para aquela. 5. Em data não apurada do ano de 2021 a A. comunicou verbalmente aos R.R. de que iria necessitar do imóvel para aí habitar logo no início de 2022, pelo que os R.R. deveriam desocupar o imóvel até ao fim desse ano. 6. Os R.R. não lhe entregaram o imóvel, pelo que durante os primeiros meses de 2022, a A. foi solicitando, quer verbalmente, quer telefonicamente, aos R.R. que desocupassem o imóvel, comunicando-lhes que se encontravam a ocupar o imóvel contra a sua vontade. 7. A 05 de maio de 2022 a A. requereu a notificação judicial avulsa dos R.R., com vista à desocupação do imóvel, estipulando o prazo de 60 dias, a contar da notificação dos R.R., para a entrega do mesmo livre de pessoas e bens e no bom estado de conservação em que o mesmo se encontrava à data da sua ocupação, conforme notificação judicial avulsa que correu termos sob o n.º 2940/22.7T8STB no Tribunal Judicial de Setúbal – Juízo Local Cível de Setúbal – Juiz 2. 8. Mais requereu que os RR. fossem notificados de que, decorridos os 60 dias a contar da notificação judicial avulsa, não entregando o imóvel livre de pessoas e bens e no estado em que o receberam, seria intentada ação judicial competente, na qual seria requerida indemnização pelos danos e prejuízos que adviessem da não entrega do imóvel, que respeitam á violação dos direitos de propriedade da Requerente, a que acrescerão as despesas judicias, custas de parte e honorários de advogado. 9. Os requeridos foram notificados pessoalmente, no âmbito da referida Notificação Judicial Avulsa, por intermédio de Agente de Execução, no dia 2 de junho de 2022. 10. Após o decurso do aludido prazo de 60 dias para a desocupação da casa, os RR. mantiveram-se a ocupar a mesma contra a vontade da A. 11. Num esforço de resolução extrajudicial da situação e para lhe ser restituída a sua fração pelos Réus, a Autora enviou as seguintes cartas, com vista a alcançar acordo, nos termos seguintes: a) Em 14-09-2022 foi remetida pela mandatária da A. carta registada com aviso de receção, rececionada pelo Réu (…) a 16-09-2022, do seguinte teor: “Exmos. Senhores (…) e (…), Rua Prof. (…), n.º 3, 4º-Esq., 2900-289 Setúbal Setúbal, 14 de setembro de 2022 C.R. c/ A.R. n.º RH948683334PT ASSUNTO: reunião Exmos. Senhores, Na qualidade de mandatária da proprietária da fração autónoma designada pela Letra “O“, correspondente ao 4º andar Esquerdo que V.ª Exas. têm ocupado, venho solicitar a comparência de V/Exas. numa reunião no meu escritório, a fim de nos ser apresentada, por vós, proposta para a melhor resolução do caso que me foi incumbido solucionar. Entendemos que, previamente a avançar com uma solução judicial, deverão V/Exas. apresentar a vossa proposta, o que vos convido a fazer no próximo dia 30 de setembro de 2022, pelas 16h00, no meu escritório, podendo, se o entender, comparecer acompanhados de advogado. Assim, aguardo por V/Exas. no meu escritório, no dia 30 de setembro de 2022, às 16h00, para a realização de uma reunião, a fim de nos ser apresentada uma proposta da vossa parte com vista a colocar termo extrajudicial á situação de que foi incumbida de resolver judicialmente. Sem outro assunto de momento, A Advogada”. b) Em 27-10-2022 foi remetida pela mandatária da ora A. nova carta registada com aviso de receção, rececionada pela Ré (…) a 28-10-2022, com o seguinte teor: “Exmos. Senhores (…) e (…), Rua Prof. (…), n.º 3, 4º-Esq., 2900-289 Setúbal Setúbal, 27 de outubro de 2022 C.R. c/ A.R. n.º RH948683728PT Assunto: Proposta para desocupação do 4º andar Esquerdo, Rua Prof. (…), n.º 3, 4º esq., 2900-289 Setúbal Exmos. Senhores, Na qualidade de mandatária da proprietária da fração autónoma supra identificada que V.ª Exas. têm ocupado contra a vontade da minha cliente, somos a apresentar a seguinte proposta: 1. A minha cliente propõe o pagamento a V/exas. da quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) para efeitos de acordo extrajudicial de desocupação por V.ª Exas. da casa supra identificada, contra a entrega das chaves no escritório da mandatária, ora signatária e a entrega da casa devoluta de pessoas e bens por V.ª Exas., tudo no dia 11 de novembro de 2022, às 10h00. 2. Caso V/Exas. aceitem, devem contactar telefonicamente o escritório da mandatária comunicando tal aceitação até o dia 4 de novembro de 2022, sem o que presumimos que não aceitam a proposta. 3. Mais se comunica que, após a entrega das chaves nos deslocaremos ao imóvel para efetuar a inspeção do estado do mesmo, para efeitos de serem aferidas as condições de habitabilidade e do seu estado de conservação, sendo efetuado auto de vistoria, de que serão notificados V/Exas. para procederem a reparações, caso as mesmas se mostrem necessárias, ou para os efeitos que sejam legalmente exigíveis e decorrentes do estado de conservação do imóvel. 4. No mais mantemos o teor da anterior carta já remetida em setembro de 2022. Sem outro assunto de momento, A Advogada”. 12. No dia e hora agendados para a reunião, de 30 de setembro de 2022 os R.R. não compareceram no escritório da mandatária, mas um terceiro, que se apresentou como o filho e irmão dos R.R., comunicando que a R. (…) se encontrava acamada e o R. (…) havia sofrido um AVC em agosto, sem estar munido de instrumento de representação ou documento/relatório médico a comprovar a impossibilidade de comparência dos R.R., o que lhe foi solicitado. 13. E, quer no dia e hora agendados indicados na segunda carta, a 4 de novembro de 2022 para o contacto telefónico, quer para a reunião do dia 11 de novembro de 2022, os R.R. não contactaram nem compareceram no escritório da mandatária, nem comunicaram com a A.. 14. Os contratos de consumos de Eletricidade e Água do imóvel em causa, continuam titulados pela A.. 15. Desde agosto de 2022 tem sido a Autora quem tem liquidado as despesas dos consumos que os Réus fazem de eletricidade e água na fração da Autora, que são cobradas à Autora pelas empresas prestadoras, (…) e Águas do (…), respetivamente, no valor global que até à data da entrada desta ação era de € 186,48. 16. A Autora necessita do imóvel para aí residir, pois não tem outra casa para viver. B – As questões do Recurso i) Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto A Recorrente sustenta que deve dar-se como provado que a não redução a escrito do contrato de arrendamento é imputável à A. Alude, para tanto, as declarações prestadas pela A em audiência final, designadamente ao minuto 12, em que referiu que não queria um compromisso, não queria um vínculo que fosse formal. A reapreciação do julgamento realizado em 1.ª instância no que tange à matéria de facto visa apurar se os factos concretos submetidos à instrução foram incorretamente julgados, impondo-se decisão diversa – artigos 640.º e 662.º, n.º 1, do CPC. Nos termos do disposto no artigo 607.º, n.º 3, do CPC, os fundamentos da sentença devem incluir o rol dos factos que são julgados provados e o dos que são julgados não provados. Os factos a enunciar como provados hão de ser colhidos entre os factos essenciais que as partes alegaram[1], conforme determinado pelo artigo 552.º, n.º 1, alínea d), do CPC. São esses os factos de que é lícito ao juiz conhecer (artigo 411.º do CPC), e é sobre esses que se impõe profira juízo de provado ou de não provado. O juiz atenderá ainda à prova tabelada produzida nos autos, atento o disposto na 2.ª parte do n.º 4 do artigo 607.º do CPC, podendo lançar mão de algum facto demonstrado por documento que repute relevante para a matéria em discussão – sendo certo, porém, que a junção de documento não é apta a suprir a lacuna de alegação do facto. Para além desses, cabe ao juiz conhecer de factos que não dependem de alegação pelas partes: são os factos que não carecem de alegação ou de prova, conforme estatui o artigo 412.º do CPC, e ainda aqueles que não carecem de alegação por via do artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPC. Por conseguinte, os factos essenciais não alegados não podem ser incluídos no rol dos factos julgados provados, sob pena de excesso de pronúncia; tais factos não podem ser considerados, implicando, nessa parte, na nulidade da decisão[2] – artigos 195.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC. Ora, não tendo sido alegado pelos RR que a não redução a escrito do contrato de arrendamento é imputável à A, não pode considerar-se ter o tribunal de 1.ª Instância incorrido em erro por não dar como provada tal segmento. Segmento que, de todo o modo, tem cariz conclusivo. A questão de saber se a não redução a escrito do contrato de arrendamento é ou não imputável a qualquer uma das partes é aferida através de factos eventualmente alegados e apurados no processo dos quais resulte a essa imputabilidade. Termos em que, não se verificando estar em causa ponto de facto incorretamente julgado, resulta improcedente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto. ii) Da reapreciação jurídica da causa: se é de revogar a decisão de entrega da fração A Recorrente sustenta que deve ser proferida decisão que impeça a condenação dos RR a restituir a fração, devendo, antes, determinar-se a manutenção deles na posse da fração. A 1.ª Instância considerou que, impondo a lei a redução a escrito do contrato de arrendamento, o arrendatário tem que alegar e provar que a falta de redução a escrito não lhe é imputável e que utilizou o locado sem oposição do senhorio, pagando renda mensal, por um período de seis meses. Mais considerou que, não tendo a Ré invocado a referida não imputabilidade, não pode demonstrar a existência de um contrato de arrendamento válido, pelo que o contrato é nulo por falta de forma, determinando a restituição da fração autónoma à Autora. Argumentos que, porque destituídos de sustentação jurídica, não podemos acompanhar. Vejamos. Nos termos do artigo 1069.º do CC, na redação dada pela Lei n.º 13/2019, de 12/02: 1 - O contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito. 2 - Na falta de redução a escrito do contrato de arrendamento que não seja imputável ao arrendatário, este pode provar a existência de título por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis meses. O disposto no n.º 2 aplica-se a arrendamentos existentes à data de entrada em vigor da mesma.[3] Resulta do regime inserto no n.º 2 que a forma escrita do contrato de arrendamento constitui formalidade ad probationem, pois o contrato, ainda que celebrado verbalmente, pode ser invocado pelo arrendatário que demonstre a utilização do locado sem oposição do senhorio e o pagamento de rendas há mais de seis meses. Conforme decorre do regime inserto no art.º 364.º do CC, não se trata de formalidade ad substantiam, a que alude o n.º 1 desta disposição legal. Está em causa a previsão do n.º 2 do artigo 364.º do CC, estatuindo o n.º 2 do artigo 1069.º do CC que a existência do contrato pode ser provada nos moldes ali referidos. Na verdade, «No artigo 1069.º, foi acrescentado o n.º 2 (tendo o anterior corpo do artigo passado a ser o seu n.º 1). Esta norma, ao admitir a prova do contrato de arrendamento por qualquer meio, revela que a forma do contrato tem agora natureza inequivocamente ad probationem. Os arrendatários que celebraram contratos verbais, mas que demonstrem (por exemplo, através de transferência bancária) que já pagam rendas há mais de seis meses (ainda que sem recibo de quitação) podem fazer valer o contrato (desde que a falta de redução a escrito não lhe seja imputável).»[4] Por conseguinte, mesmo que não se demonstre que a falta de observância de forma é imputável ao senhorio, a celebração do contrato de arrendamento pode ser provada por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório – artigo 364.º/2, do CC. Excluída está, portanto, a confissão resultante da não impugnação de factos nos articulados, configurando já confissão expressa aquela que for prestada em depoimento de parte prestado na audiência de julgamento[5] ou em documento subscrito pelo senhorio no qual reconheça a existência do contrato de arrendamento.[6] Desde que a factualidade provada não implique se considere imputável ao arrendatário a falta de redução a escrito do contrato de arrendamento, demonstrada que seja a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis meses, “a inexistente forma escrita do contrato pode ser substituída por qualquer outro documento em que se contenha uma confissão expressa pelo senhorio do contrato de arrendamento.”[7] Não se verificando as circunstâncias versadas no n.º 2 do artigo 1069.º do CC, não poderá o arrendatário ver declarada a existência do contrato de arrendamento. No caso em apreço a Autora alegou na petição inicial que cedeu à Ré, temporariamente e mediante o pagamento da renda mensal de € 400,00, o uso da fração reivindicada, tendo ficado acordado que, quando precisasse da fração, esta seria restituída. O que consubstancia a confissão judicial expressa espontânea[8], reconhecendo a A ter sido celebrado contrato de arrendamento, nos termos exarados no n.º 2 dos factos provados. Tal confissão, que configura a prova da existência do contrato de arrendamento, a par da utilização do locado pelos RR sem oposição da A, mediante o pagamento de renda mensal desde dezembro de 2018 em diante, sem que tenha resultado ser imputável à R a falta de redução a escrito do contrato, implica na afirmação da existência do contrato de arrendamento que legitima a ocupação da fração pelos RR. Assiste, assim, aos RR o direito a invocar a qualidade de arrendatários para obstar a reivindicação da fração pela A. Uma vez que não assiste à A o direito a reivindicar a fração dos RR, não há que apreciar se o instituto do abuso do direito obsta ao exercício do referido direito. Termos em que improcede o pedido de restituição da fração, formulado que foi no âmbito do regime inserto no artigo 1311.º do Código Civil. Consequentemente, resulta não ser devida a indemnização pela ocupação indevida do imóvel, sem prejuízo, claro está, do pagamento da renda mensal correspondente ao uso do imóvel objeto do contrato de arrendamento. Sumário: (…) IV – DECISÃO Nestes termos, decide-se pela total procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida na parte em que condenou os Réus a restituir a fração à Autora e pagar indemnização à razão mensal de € 400,00, absolvendo os Réus de tais pedidos. Custas pela Recorrida. Évora, 10 de julho de 2025 Isabel de Matos Peixoto Imaginário Mário João Canelas Brás Eduarda Branquinho __________________________________________________ [1] V. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2013, I vol. pág. 541. [2] Cfr. Acórdão do TRC de 19/06/2001, de 14/01/2014. [3] Cfr. artigo 14.º/2, da citada Lei. [4] Maria Olinda Garcia, Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, “Julgar online”, março de 2019, pág. 8. [5] A confissão expressa é suscetível de ser obtida por depoimento de parte, o que o juiz pode determinar em qualquer estado do processo, nos termos do artigo 452.º, n.º 1, do CPC – cfr. Ac. do STJ de 12/01/2022 (Catarina Serra). [6] Cfr. Ac. do TRC de 25/10/2024 (Fonte Ramos). [7] Ac. TRC suprarreferido. [8] Cfr. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 568, nota (2). |