Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2873/06-2
Relator: GAITO DAS NEVES
Descritores: DIVÓRCIO LITIGIOSO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 10/04/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO CÍVEL
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE A SENTENÇA
Sumário:
O decretar de um divórcio poderá motivar para o cônjuge não culpado dois tipos de danos não patrimoniais:

A – Uns derivados da dissolução do casamento e tem por fundamento a desconsideração social que tal dissolução terá trazido para “o divorciado”, a dor sofrida por ver destruído o casamento; São os previstos no artigo 1792º, do Código Civil e podem ser pedidos na própria acção de divórcio.

B – Outros derivados dos próprios factos que conduziram à dissolução. Têm como fundamento a violação dos deveres conjugais, estipulados pelo artigo 1672º, do Código Civil e só podem ser pedidos, em acção autónoma, nos termos gerais de direito, com base no artigo 483º, do Código Civil
Decisão Texto Integral:
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PROCESSO Nº 2873/06 - 2

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
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“A”, casado, residente na Rua …, nº …, em …, instaurou a presente acção contra
“B”, casada, residente na Travessa …, nº …, em …, alegando:
O Autor e a Ré casaram no dia 24 de Agosto de 1968 e desde Dezembro de 1989, que se encontram separados de facto, não mais tendo existido entre eles comunhão de cama, mesa e habitação, estando, definitivamente, quebrados os laços conjugais, não pretendendo o Autor reatá-los.
Tal situação fundamenta o divórcio, o que requereu.

Frustrada a tentativa de conciliação, contestou a Ré, alegando:

Aceita a separação de facto.
No ano de 1989, sobreveio à Ré um mioma uterino, tornando-se necessária uma intervenção cirúrgica. A partir de Novembro desse ano, o Autor deixou de contactar com a Ré, não se preocupando com o seu estado de saúde, nem a tendo visitado no Hospital, quando aí esteve internada para ser submetida à referida operação.
Aproveitando a ausência da Ré, acolheu em casa uma outra mulher, com quem passou a ligar-se sexualmente.
Após ter tido alta do hospital, a Ré tentou restabelecer o relacionamento com o Autor, tendo este recusado, mantendo o relacionamento com a outra mulher até hoje.
À data da separação, o casal explorava o rendimento dum rebanho com 350 cabeças e tinha outros bens, não mais tendo o Autor prestado contas.
Tudo isto motivou a que Ré tivesse tido necessidade de procurar trabalho, como serviçal doméstica e deixasse de viver no local que foi residência do casal.

Formulou a Ré um pedido reconvencional alegando:
O marido violou de forma grave, sistemática e continuada os deveres de fidelidade, respeito, coabitação, cooperação e assistência a que pelo casamento ficou adstrito, tendo dado causa à separação de facto.
Tal conduta fundamenta que deve o Autor ser condenado a pagar à Ré/Reconvinte uma indemnização que, nos termos do artigo 483º, do Código Civil, deve ser fixada em 10.000 €.

Acresce que sempre a Ré foi uma pessoa educada e dedicada ao marido e filho do casal.
O lugar onde vivia com o seu marido é pequeno, onde tudo se sabe.
Havia idealizado uma vida comum que agora vê fracassada, sentindo-se angustiosa e receosa quanto ao futuro.
Tem, por isso, a Ré direito a reclamar do marido uma indemnização, a fixar nos termos do artigo 1792º, do Código Civil, em 10.000 €.

Termina pedindo que seja decretado o divórcio com culpa exclusiva do Autor, bem como a condenação deste nas indemnizações.
Que seja fixada a data de 30 de Novembro de 1989, como termo de coabitação, para efeitos patrimoniais.

Respondeu o Autor.
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Seguiram-se os demais termos processuais e procedeu-se a audiência de discussão e julgamento.
Na Primeira Instância foram dados com provados os seguintes factos:

1- O autor “A” e a ré “B” contraíram entre si casamento católico, sem precedência de convenção antenupcial, em 24 de Agosto de 1968 (Al. A) da matéria de facto assente).
2- Durante a constância do referido casamento nasceu um filho do autor e da ré, em 16 de Fevereiro de 1965, o “C” (Al. B) da matéria de facto assente).
3- Pelo menos há catorze anos que autor e ré não vivem na mesma casa (resposta ao quesito 1º).
4- Não tendo desde essa data comunhão de cama, mesa e habitação (resposta ao quesito 2º).
5- O autor não tem o propósito de restabelecer a vida em comum com a ré (resposta ao quesito 3º).
6- O autor e a ré viviam da exploração de um rebanho na Herdade da … (resposta ao quesito 4º).
7 - Durante parte do ano o autor e a ré residiam na Herdade da … (resposta ao quesito 5º).
8- No decurso do ano de 1989 a ré passou a padecer dum mioma uterino (resposta ao quesito 6º).
9- A partir de momento não concretamente apurado, mas no decurso do ano de 1989, a ré deixou de poder ajudar o autor na actividade agrícola - exploração pecuária (resposta ao quesito 7º).
10- E ficou forçada a permanecer na localidade do …, em preparação para um cirurgia (resposta ao quesito 8º)
11- Quando a ré foi internada no Hospital de … a fim de ser submetida a cirurgia, o autor nunca a visitou (resposta ao quesito 11º).
12- Mesmo durante o seu estado de convalescença (resposta ao quesito 12º).
13- A partir de momento não concretamente apurado do ano de 1990, o autor passou a viver com outra mulher em comunhão de cama, mesa e habitação, na Herdade da … (resposta aos quesitos 13° e 14º).
14- Ali também passaram a viver os filhos daquela (resposta ao quesito 15º).
15- O autor e essa mulher passaram a apresentar-se publicamente como se de marido e mulher se tratassem (resposta ao quesito 16).
16- Relacionamento esse que se mantém até hoje (resposta ao quesito 17º).
17 - E deixou desde 1990 o autor de entregar dinheiro à ré (resposta ao quesito 18º).
18- O autor ficou com o rebanho (resposta ao quesito 19º).
19- Não mais entregando à ré qualquer quantia que auferia da exploração desse rebanho (resposta ao quesito 20º).
20- E não mais lhe prestando contas sobre os rendimentos que retirava da exploração desse rebanho (resposta ao quesito 21º).
21- Por não ter rendimentos a ré viu-se forçada a aceitar um emprego em Lisboa como empregada doméstica (resposta ao quesito 22º).
22- Exercendo hoje tal actividade em … por não possuir outros rendimentos (resposta ao quesito 23º).
23- O autor passou a utilizar em seu único proveito o veículo automóvel de matrícula …, registado na Conservatória do Registo de Automóveis de …, a seu favor, desde 19 de Dezembro de 1988 (resposta ao quesito 24º).
24- Deixando de pagar o empréstimo contraído pelo casal com recurso a hipoteca sobre a casa do filho de ambos (resposta ao quesito 25º).
25- Razão pela qual a ré e o filho do casal pagaram o empréstimo em causa (resposta ao quesito 26º).
26- A ré foi sempre dedicada ao marido e à família (resposta ao quesito 28º).
27- Nunca tendo tido até à data qualquer relacionamento com outro homem (resposta ao quesito 30º).
28- Na sequência dos factos a que aludem os números 3) a 5), inclusive, a ré sentiu angústia e tristeza (resposta aos quesitos 31º e 32º).
29- E a ré encara o divórcio como quebra das suas expectativas afectivas, conjugais e familiares (resposta ao quesito 34º).
30- Por decisão datada de 16/05/2005 proferida nos autos de procedimento cautelar de arrolamento em apenso, em que é requerente a aqui ré e requerido o autor, determinou-se o arrolamento do rebanho ovino existente parte dele, na Herdade dos … (situada entre … e …, concelho de …) e a outra parte na Herdade da … (entre … e …, concelho de …), o qual foi efectuado por auto de arrolamento datado de 20/05/2005 (al. C) da matéria de facto assente).
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Perante tal factualidade foi decretado o divórcio entre Autor e Ré, sendo o Primeiro declarado único culpado.
Foi fixada a data de 31 de Dezembro de 1990, como aquela em que cessou a coabitação.
Foi ainda o Autor condenado a pagar à Ré uma indemnização de 5.000 €, por danos não patrimoniais, nos termos do artigo 1792º do Código Civil, com juros acrescidos desde a data em que o Autor foi notificado para contestar o pedido reconvencional e ainda na indemnização de 5.000 € por actos ilícitos, nos termos do artigo 483º do Código Civil, com juros acrescidos desde a data da mesma notificação.
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Não concordou o Autor com a sentença, tendo interposto o respectivo recurso, onde formulou as seguintes CONCLUSÕES:

1 - Defendeu a Meritíssima Juiz a Quo pela admissão do pedido de indemnização em questão, basicamente fundamentando a sua postura no princípio da economia processual, com o que não nos conformamos.
2 - Prevê o artigo 1792° C.C. que o cônjuge declarado culpado (caso dos autos) deve reparar os danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento.
3 - Quanto à interpretação do que sejam os danos resultantes da dissolução do casamento, dúvidas não existem nem doutrinária nem jurisprudencialmente de que não se confundem com os danos originados pela violação dos factos que em concreto constituem o fundamento, a causa do divórcio.
4 - A dissolução do casamento provoca danos morais pelo rompimento do vínculo em si, sendo também unânime que apesar desta destrinça, naturalmente que para averiguar da procedência ou não de uma acção de divórcio, terão que se provar e apreciar os fundamentos daquela, ou sejam os factos ilícitos que irão conduzir ao rompimento do casamento.
5 - O STJ não admite a possibilidade de cumular os dois pedidos de indemnização - por exemplo: Acórdãos de 7 de Outubro de 2004 e 27 de Maio de 2003 e tantos outros em que a questão pura e simplesmente é tida como ponto assente - no site www.dgsi.pt - e salvo o devido respeito, parece-nos que não se trata apenas de uma questão jurisprudencial, mas acima de tudo uma questão de interpretação da lei.
6 - Lendo o artigo 1792° n° 1 C.C., nem mesmo com uma interpretação extensiva nos parece que possa ser possível admitir que o artigo 1792° admita a reparação de danos não patrimoniais na acção de divórcio que não sejam os resultantes da dissolução do casamento; o artigo é inequívoco.
7 - Acresce que o artigo 1792° no seu n° 2 estabelece especificamente que o pedido de indemnização referido no n° 1 deve ser deduzido na própria acção de divórcio,
8 - o que à partida nos obrigará a pensar que se o legislador previu uma norma que pela sua natureza tem mais de adjectiva do que de substantiva, foi certamente por querer demonstrar que a possibilidade constante do n° 2 do artigo 1792° tem um carácter efectivamente excepcional que não poderá servir para outras situações nem ser objecto de interpretação extensiva ou analógica.
9 - A própria alteração do C.P.C. dada pelo DL n° 180/96 de 25/09 ao permitir no artigo 470° n° 2 a possibilidade de nos processos de divórcio ser deduzido pedido para fixação de alimentos revestiu ela carácter excepcional, como se refere na Douta sentença a quo.
10 - Se o legislador quisesse prever a possibilidade da cumulação dos pedidos sub judice, o teria previsto expressamente, pois não nos podemos esquecer do carácter especial do processo de divórcio.
11 - O princípio da economia processual fica ultrapassado pela natureza especial do processo de divórcio, pois se assim não fosse aquele princípio quase que poderia subverter quaisquer normas de processo civil e se o processo de divórcio tem carácter de processo especial foi porque o legislador entendeu que este processo deveria ter apenas e especificadamente a finalidade de dissolver o vínculo conjugal.
12 - Na douta sentença a quo não são apresentados fundamentos que suportem a existência do interesse relevante referido no n° 2 do artigo 31º ou que justifiquem a necessidade da cumulação para a justa composição do litígio, não esquecendo que tal argumentação teria que suplantar a natureza especial do processo de divórcio que não pode dissociar-se dos especiais fins a que se destina.
13 - Assim sendo, a regra prevista no artigo 31° C.P.C. é a da não admissibilidade da cumulação.
14 - A cumulação ou não destes dois pedidos de indemnização, não tem que ver apenas com uma questão meramente processual, mas também com uma questão substantiva, designadamente com a aplicação das regras da responsabilidade civil.
15 Somos assim da opinião de que aquele pedido de indemnização não pode ser levado em conta.
16 - Quanto ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais decorrentes da dissolução do casamento, não se provaram factos que justifiquem a condenação do Réu no seu pagamento.
17 - À data do divórcio, Autor e Ré estavam separados pelo menos há 14 anos - facto 3 da matéria de facto provada.
18 - É unânime em termos jurisprudenciais que o direito ao ressarcimento pelos danos não patrimoniais previsto no artigo 1792° C.C. não decorre de forma automática e ope legis da declaração de culpa de um dos cônjuges, tendo o cônjuge inocente que provar a efectiva existência desse dano.
19 - Na matéria dada como provada e relevante para a questão em apreciação ficou assente sob os nºs 26, 27, 28 e 29 que a ré sempre foi dedicada ao marido e à família, nunca tendo tido até à data qualquer relacionamento com outro homem, que na sequência dos factos a que aludem os números 3 a 5 inclusive, a ré sentiu angústia e tristeza e que encara o divórcio como quebra das suas expectativas afectivas, conjugais e familiares.
20 - Coloca-se em crise a matéria provada sob o n° 29 e a conclusão para efeitos da citada indemnização que foi retirada pelo Douto Tribunal a Quo dos factos provados sob os nºs 26 a 28, inclusive.
21 - A esse propósito assume relevância a gravação dos depoimentos das testemunhas da Ré no que se refere à matéria colocada em causa - Voltas 304 até ao fim do lado B.
22 - Os mesmos não são suficientes para provar que a Ré à data do divórcio sofreu pelo marido encarando a dissolução do matrimónio como quebra das suas expectativas afectivas, conjugais e familiares.
23 - O depoimento do filho do casal é um depoimento parcial, não é isento e é natural que não seja; o filho viu certamente com mágoa a separação dos pais e é quase caricato quando afirma antes da inquirição que se apresenta a depor pela mãe, mas que poderia igualmente depor pelo pai dizendo logo de seguida que se encontra de relações cortadas com aquele.
24 - As duas testemunhas da Ré, que se seguiram nem falam muito com a Ré, prestando quase um depoimento de quem ouviu dizer, mas a Testemunha “D” afirma mesmo que a sobrinha já não se importa com o divórcio, "pois já não há outro remédio", deixando transparecer que a Ré se adaptou bem no seu novo emprego em Lisboa e quando se viam a Ré mostrava-se satisfeita.
25 - Atente-se no n° 28 da resposta aos quesitos em que se afirma que "Na sequência dos factos a que aludem os números 3) a 5), inclusive a ré sentiu angústia e tristeza."
26 - Ora, os factos 3) a 5) fazem referência ao facto de Autor e Ré não viverem na mesma casa há 14 anos, não tendo desde essa data comunhão de cama, mesa e habitação e o autor não ter o propósito de restabelecer a vida em comum com a Ré, ou seja; na sequência da separação, a Ré sentiu angústia e tristeza, não se põe em causa que assim tenha sido, mas a Ré não teve esses sentimentos agora, à data do divórcio, a Ré mostrou-se conformada.
27 - Inclusivamente, a Ré não alegou que tivesse insistido pelo casamento ou tentado uma reconciliação.
28 - Salvo o devido respeito, provou-se o contrário, que a Ré naturalmente que na altura da separação terá sofrido, mas contudo seguiu com a sua vida em diante, empregou-se, adaptou-se à sua nova vida.
29 - Veja-se o que nos diz o Acórdão datado de 11 de Julho de 2006 do STJ recolhido no site www.dgsi.pt: "A separação de facto, sem sinais recíprocos de aproximação, significa o fim da relação conjugal surgindo o divórcio como uma terapia (divórcio-remédio)", repare-se na expressão utilizada pela testemunha “D”, ao dizer que a sobrinha agora está disposta a tudo, não tem outro remédio.
30 - Mais uma vez, salvo o devido respeito, atentos os depoimentos das testemunhas não se concebe como pôde dar-se por provado que o divórcio para a Ré foi uma quebra das suas expectativas afectivas, conjugais e familiares, pois mais uma vez se se voltar a atentar no depoimento de “D” esta afirma mesmo que a Ré sabia que o Autor nunca mais quis saber dela. Como poderá ser o divórcio uma quebra de expectativas afectivas? Quais expectativas afectivas?
31 - A última testemunha da Ré afirma que esta vive deprimida, mas ao mesmo tempo também diz que aquela é "daquelas pessoas que não fala sobre o divórcio" e retrata a ré como uma pessoa ansiosa, logo não se consegue concluir se o modo deprimido com que a Ré vive terá a ver com o divórcio ou não.
32 - Pelos motivos expostos o quesito 34° não deveria ter sido considerado provado, o que se requer.
33 - Assim sendo, foram violados os artigos 1792° C.C., 31° C.P.C. e 470° C.P.C, devendo os mesmos ser interpretados e aplicados nos moldes atrás expostos,

Só assim se fazendo JUSTIÇA!
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Foram mandadas desentranhar as contra-alegações.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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As conclusões de recurso limitam o objecto do mesmo – artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Três são as questões suscitadas. Entendemos, porém, inverter a posição com que foram apresentadas nas alegações/conclusões pelo Recorrente. E assim:
A - Alteração da matéria de facto;
B – Cumulação das indemnizações.
C – Indemnização nos termos do artigo 1792º C.C.
A – ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Restringe-se este item ao quesito 34º.

Perguntava-se: “E a Ré encara o divórcio como quebra das suas expectativas afectivas, conjugais e familiares?

Resposta: “Provado.”

Opina o Apelante, que a resposta deveria ter sido “Não provado”.

Vejamos.
Segundo o Apelante, o depoimento do filho de Autor e Ré mostra-se “parcial, não é isento e é natural que não seja” … “é quase caricato quando afirma … que se apresenta a depor pela mãe, mas que poderia igualmente depor pelo pai dizendo logo de seguida que se encontra de relações cortadas com aquele”.

Ouvida a gravação do seu depoimento, não vislumbramos que o aludido “corte de relações” transpareça quando elucida o Tribunal.
Comparemos o depoimento do filho, com outros. “E” vai ao ponto de dizer que apesar de tudo o que provado está quanto ao comportamento do Autor a Ré ainda estaria na disposição de recebê-lo outra vez …; “D”, tia da Ré, diz que “A minha “B” agora já está disposta a tudo. E perante a pergunta se ainda continua a ficar triste com a separação foi precisa “Oh, se fica!”; A testemunha “F” diz que a Ré está permanentemente angustiada … chora muitas vezes, não consegue falar na separação e no divórcio.

Pois bem. Que diz o filho “C”? Que apesar dos anos decorridos após a separação de facto, sua mãe ainda hoje “quando se fala no assunto lhe vêm as lágrimas aos olhos”; Que nunca aceitou a separação, que sempre depositou uma grande confiança na família.
Será tal depoimento parcial? Ele está totalmente em conformidade com os outros … Acaso estivesse a “depor pelo pai”, já olvidava as lágrimas da mãe? Recordamos um poeta quando diz “Quem me dera ter uma mãe, ainda que fosse uma silva. Mesmo que me picasse, continuava a ser minha mãe …”.
Aliás, o Apelante limita-se a dizer que o depoimento do filho foi parcial. Já não precisa é donde lhe advém tal convicção …
Por seu turno o Exmº Juiz na Primeira Instância explicita na fundamentação do julgamento de facto (e com ele concorda esta Relação), que o depoimento do filho foi “coerente, preciso e objectivo, tendo no início do respectivo depoimento referido que estava a testemunhar em julgamento indicado pela mãe, mas que também poderia ter sido indicado pelo seu pai … sendo que o seu depoimento sobre as questões que expressamente se deixaram indicadas foi corroborado genericamente pelo depoimento doutras testemunhas …”.
Perante os depoimentos já referenciados, entende-se nesta Relação em manter a resposta tal como foi dada na Primeira Instância.
B - CUMULAÇÃO DE INDEMNIZAÇÕES

Importa distinguir duas indemnizações por danos não patrimoniais:
Uma é atribuída pela dissolução do casamento;
Outra resulta dos factos que conduziram à dissolução.

A primeira tem por fundamento a desconsideração social que a dissolução terá trazido para “o divorciado”, a dor sofrida por um cônjuge que viu destruído o casamento e está prevista no artigo 1792º, do Código Civil;
A segunda poderá ser impetrada pela falta dos deveres conjugais, estipulados no artigo 1672º, do Código Civil e será pedida nos termos gerais de direito.

Pretende a Ré ser indemnizada por estas duas espécies e assim foi aceite na Primeira Instância.
Tudo parece justificar, que instaurada uma acção visando pôr fim a um casamento, todas as questões ficassem definitivamente resolvidas. O Juiz, ao analisar a conduta de um dos cônjuges e ao decidir ser esta violadora dos deveres conjugais por tal forma grave que torna impossível a continuação da vivência comum, estará desde logo em condições de fixar as duas indemnizações acima referenciadas. A economia processual e a resolução rápida do litígio apontarão nesse sentido. Na verdade interrogamo-nos: Para quê instaurar uma acção comum a pedir indemnização por, v.g., violação do dever conjugal de fidelidade e outra, de divórcio, onde igualmente se discuta a violação de tal dever por parte de um dos cônjuges, onde (para além do pedido principal do decretamento do divórcio) só poderá ser pedida uma indemnização alicerçada nos efeitos resultantes da dissolução do casamento, utilizando meros argumentos de formalismo processual ou uma “forçada” incompetência do Tribunal?
E, por isso, já vêm surgindo posições jurisprudências nesse sentido – Ac. desta Relação de 07.02.2002, subscrito, na altura, por dois Desembargadores e hoje Exmºs Conselheiros Mota Miranda (Relator) e Rodrigues dos Santos e outro da Relação de Guimarães, de 28.05.2003, no qual foi Relator o Exmº Desembargador Gomes da Silva (este pode ser consultado in www.dgsi.pt).
Lê- se no citado Acórdão desta Relação: “… anteriormente às alterações processuais introduzidas pelos referidos dec.-lei 329-A/95 e o dec-lei 180/96, resultava dos art. 31º, 274º e 470º do CPC a impossibilidade de dedução de vários pedidos quando lhe correspondesse formas de processo diferentes, o que era o caso, porquanto ao pedido de divórcio correspondia e corresponde um processo especial (cf. art. 1407º e 1408º do CPC) enquanto que ao pedido de indemnização por factos ilícitos corresponde a forma de processo comum (cf. art. 460º do CPC).
Ora, em face dessas alterações, …, a diversidade da forma de processo, segundo o que se dispõe nos referidos preceitos legais, já não constitui necessariamente impedimento à dedução de vários pedidos.
Essa dedução de vários pedidos, face àquelas modificações processuais, é já possível quando, como «in casu» os pedidos não são incompatíveis, a tramitação processual se harmonize perfeitamente e ocorre interesse na apreciação conjunta das pretensões.
Na verdade, para além de o pedido reconvencional não ter sido, processualmente, objecto de decisão de inadmissibilidade, a tramitação do processo imposta pelo pedido de indemnização não colide, como não colidiu, com os termos próprios do processo de divórcio.
Por outro lado, o pedido de indemnização funda-se nos factos alegados pela Ré como defesa ao pedido do A. e, simultaneamente, como causa de pedir do pedido reconvencional do divórcio (cf. art. 274º, nº 2, al. a) do CPC)”.

Embora assim, a verdade é que a Jurisprudência pacífica no Supremo Tribunal de Justiça continua no sentido que só a indemnização por danos patrimoniais resultantes da dissolução do casamento são susceptíveis de ser fixada na acção de divórcio, nos termos do artigo 1792º, do Código Civil. Quanto aos demais, baseados no artigo 483º, do mesmo Diploma, terão que ser pedidos num processo comum – cfr. V.g. Ac. de 14.11.06 (Relator Exmº Conselheiro Faria Antunes) e de 08.02.2001 (Relator Exmº Conselheiro Fernandes Magalhães), que podem ser consultados in www.dgsi.pt.

Haverá, pois, que revogar a sentença proferida na Primeira Instância na parte em que atribuiu uma indemnização pelos actos ilícitos causadores do divórcio, nos termos do artigo 483º, do Código Civil.
C – INDEMNIZAÇÃO NOS TERMOS DO ARTIGO 1792º DO C.CIVIL

Segundo o Apelante, não deparamos na factualidade dada como provada com elementos que permitam fundamentar uma indemnização por danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento.
Vejamos.
Uma indemnização por danos não patrimoniais fixada nos termos do artigo 1792º, do Código Civil tem que estar alicerçada em factos que constituam infracção a direitos ou interesses de natureza espiritual do cônjuge inocente.
Será o pretium doloris da repercussão do divórcio na consideração social e familiar deste.
Considerando que o filho de Autor e Ré nasceu em Fevereiro de 1965, o relacionamento de Apelante e Apelada ter-se-á iniciado, pelo menos, por volta de Junho de 1964.
Quatro anos volvidos, “B” viu concretizada a união com a celebração do casamento, católico, em Agosto de 1968.
Sempre se manteve dedicada ao marido e à família e, apesar da longa separação de facto, que perdurou durante 14 anos, não é conhecido qualquer relacionamento entre a Apelada e outro homem.
E bem se compreende que assim seja. Quando analisámos o ponto referente à modificabilidade da matéria de facto foram focados depoimentos prestados na audiência de discussão e julgamento que ora nos voltam à lembrança, designadamente “E” (“B” ainda estaria disposta a receber novamente o marido); “D” com a expressão “Oh, se fica!”, quando lhe é perguntado se a Ré, apesar de tanto tempo separada, ainda se sente triste com o divórcio; “F”, quando diz que a Ré não quer falar no divórcio; do filho “C” quando diz que a mãe chora quando fala do divórcio.
Daí que se compreenda o que provado ficou sob o número 29: Que a Ré encara o divórcio como o findar das suas expectativas.
Ver dissolvido o seu casamento sem que, em nada, tenha contribuído para isso, será fonte de forte abalo moral, gerador de um desequilíbrio emocional a um qualquer ser que não seja insensível, tal como resulta da experiência comum, é do conhecimento geral e, por isso, facto notório (artigo 514º, do Código de Processo Civil), pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Junho de 2003, no qual foi Relator o Exmº Conselheiro Ponce de Leão, in www.dgsi.pt). Ou, como pode ainda ler-se no Acórdão do mesmo Alto Tribunal de 20.09.94, relatado pelo Exmº Conselheiro Miguel Montenegro, in www.dgsi.pt, não pode aceitar-se a teoria que “a confiança na permanência do casamento é uma mera expectativa que não merece a tutela do direito. Na verdade, mesmo que se não considere um verdadeiro direito o advindo da declaração do cônjuge no acto de celebração do casamento (sobretudo quando, como é o caso, sob a forma canónica) de que «permanecerá fiel na saúde e na doença por todos os dias da nossa vida», a verdade é que a dissolução culposa do casamento constitui relativamente aos danos dela decorrentes para o outro cônjuge fundamento de um real direito à indemnização pelos danos sofridos, como tal claramente tutelados pelo direito”.
Só o decorrer do período de separação colocou “B” perante a inevitabilidade do divórcio, pedido por “A” em 2004. Nunca ela tomou a iniciativa, apesar de, desde 1989, se sentir abandonada pelo marido, quando se viu doente, com necessidade de ser intervencionada cirurgicamente, de a partir de 1990 saber que seu marido se havia ligado a outra mulher, ver esta outra mulher instalada com os filhos dela no lar que foi o dela, “B”. E lá nos vem à lembrança o depoimento da testemunha “D”: “A minha “B” … gostava dele”.

DECISÃO

Atentando em tudo quanto se procurou deixar esclarecido, acorda-se nesta Relação em revogar parcialmente a sentença proferida na Primeira Instância, na parte em que condenou o Autor a pagar à Ré/Reconvinte uma indemnização de 5.000 € por actos ilícitos, nos termos do artigo 483º do Código Civil e dos respectivos juros acrescidos, mantendo-se na parte restante o que decidido foi.

Custas pelas partes na proporção do decaimento.
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Évora, 04.10.2007