| Acórdão do Tribunal da Relação de  Évora | |||
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| Relator: | MANUEL BARGADO | ||
| Descritores: | CONTRATO-PROMESSA DESISTÊNCIA REVOGAÇÃO ABUSO DE DIREITO | ||
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| Data do Acordão: | 10/02/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA | ||
| Área Temática: | CÍVEL | ||
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| Sumário: | Sumário: I - Com a desistência por parte dos promitentes-compradores da celebração do contrato de compra e venda do imóvel em causa, ocorreu a chamada “revogação real” do contrato-promessa, modo de cessação para o qual não é necessária a observância de qualquer forma. II - Não tinham, assim, os réus, promitentes-vendedores de resolver o contrato-promessa antes de procederem à venda do prédio a um terceiro, sendo que a desistência do negócio pelos autores, promitentes-compradores, acompanhada da devolução da posse do prédio, tornou desnecessária a resolução do contrato-promessa. III – A instauração da presente ação pelos promitentes-compradores, pretendendo prevalecer-se da resolução contratual, pedindo a devolução do sinal em dobro, constitui um abuso na modalidade do tu quoque. | ||
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| Decisão Texto Integral: | Proc. nº 317/24.9T8ORM.E1 Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO AA e BB instauraram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra CC e DD, pedindo que seja declarada a resolução do contrato-promessa em discussão nos autos, e os réus condenados a pagarem aos autores o dobro do sinal por eles entregue, no montante de € 20.500. Alegam, em síntese, que: - celebraram com os réus um contrato-promessa de compra e venda através do qual os réus prometeram vender aos autores um imóvel da sua pertença; - posteriormente celebraram outro contrato promessa que substituiu o anterior, tendo os autores pago aos réus a quantia de quantia total de 10.250 euros a título de sinal; - registaram-se atrasos na celebração do contrato definitivo de compra e venda, primeiro pelo atraso na regularização pelos réus da identificação do prédio na matriz e no registo predial, e depois devido às dificuldades sentidas pelos autores na obtenção de um crédito bancário para pagar o preço do imóvel; - os réus aceitaram estes atrasos na celebração do contrato definitivo e comunicaram aos autores que apenas a eles venderiam o imóvel; - os réus venderam entretanto o bem imóvel prometido vender a um terceiro. Os réus contestaram, contrapondo que nunca aceitaram a prorrogação do prazo para a celebração do contrato definitivo até estarem reunidas as condições, designadamente a concessão de um crédito bancário aos autores para o efeito, sendo que aquilo que os autores transmitiram aos réus foi que a celebração do contrato definitivo de compra e venda estava pendente da venda do apartamento onde eles viviam. Mais alegaram que os autores venderam o referido apartamento, estando assim em condições de celebrar o contrato de compra e venda do imóvel em causa, mas desistiram de o fazer, adquirindo um outro imóvel. Terminam solicitando que a ação seja julgada improcedente, e pediram que os autores sejam condenados como litigantes de má-fé em multa e numa indemnização. Os autores responderam ao pedido de condenação como litigantes de má-fé, concluindo pela sua improcedência e, por sua vez, pediram a condenação dos réus como litigantes de má-fé em multa e numa indemnização. Foi elaborado despacho saneador com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, sem reclamação. Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Por todo o exposto, decide-se julgar totalmente improcedente, por não provada, a presente acção. Em consequência, decide-se indeferir todos os pedidos formulados pelos AA. nos autos. Além disso, decide-se absolver os RR. de todos os pedidos formulados pelos AA. nos autos. * Custas da acção pelos AA. ( cfr. artigo 527º, do Código de Processo Civil). *** Decide-se declarar improcedente o pedido deduzido pelos AA. de condenação dos RR. como litigantes de má fé, absolvendo-se, como tal estes últimos do mesmo. Custas pelos AA. nesta parte referente a este incidente de litigância de má fé. Fixa-se a taxa de justiça para efeito deste incidente em 1 UC. *** Decide-se declarar improcedente o pedido deduzido pelos RR. de condenação dos AA. como litigantes de má fé, absolvendo-se, como tal estes últimos do mesmo. Custas pelos RR. nesta parte referente a este incidente de litigância de má fé. Fixa-se a taxa de justiça para efeito deste incidente em 1 UC.» Inconformados, os autores apelaram do assim decidido, finalizando as alegações com a formulação de cento e oitenta e duas conclusões, ao longo de trinta e três páginas, tendo, por isso, sido convidados a sintetizar as conclusões nos termos do despacho do relator de 17.06.2025. Não obstante a clareza desse despacho, os autores vieram apresentar noventa e sete conclusões, em vinte e duas páginas, as quais continuam a não satisfazer a enunciação sintética ou abreviada dos fundamentos do recurso, tal como exige o disposto no art. 639º, nº 1, do CPC, e, por isso, não serão aqui transcritas. Das mesmas conclusões consegue, não obstante, respigar-se que as questões submetidas à apreciação deste Tribunal da Relação têm a ver com a nulidade da sentença e o alegado erro de julgamento da matéria de facto. Assim, e porque os autores/recorridos exerceram de forma efetiva o respetivo contraditório1, considerando ainda o princípio da proporcionalidade, não deixará de se conhecer do objeto do recurso dos réus. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II – ÂMBITO DO RECURSO Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), são as seguintes as questões a decidir: - nulidade da sentença; - impugnação da matéria de facto; -se assiste aos autores o direito a resolverem o contrato-promessa e a exigirem o pagamento do dobro do sinal prestado ou, pelo menos, do sinal em singelo. III – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURÍDICA Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos2: 1- Os AA., na qualidade de segundos outorgantes e promitentes compradores, e os RR., na qualidade de primeiros outorgantes e promitentes vendedores, outorgaram e assinaram o documento que se encontra junto a fls. 23, verso a 25, denominado de “Contrato promessa de Compra e venda”, datado de 13 de Dezembro de 2020, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, no qual consta, designadamente, as seguintes cláusulas: “CLÁUSULA PRIMEIRA: O primeiro outorgante é dono e legítimo proprietário do prédio rústico com uma área de aproximadamente 330 m2, e uma área descoberta circundante de aproximadamente 1.800 m2, sito no lugar de Local 1, freguesia de Vila 1, concelho de Cidade 1…com uma área total de aproximadamente 2.130 m2…CLÁUSULA SEGUNDA: 1- Pelo presente contrato o primeiro outorgante promete vender aos segundos outorgantes, que prometem comprar, o imóvel identificado na Cláusula Primeira, livre de quaisquer ónus e encargos e no estado em que se encontra. 2- Nos termos do disposto no número anterior, a esposa do primeiro outorgante declara que presta o devido consentimento ao respectivo cônjuge. CLÁUSULA TERCEIRA: O preço de venda do imóvel ora prometido é realizado pelo montante global de 120.000 euros…que será pago da seguinte forma: a) Como sinal, os segundos outorgantes pagam ao primeiro outorgante, no acto da assinatura do presente contrato promessa, a quantia de 250 euros, através de cheque, do qual será dada quitação após boa cobrança. B) O remanescente do preço, no montante de 119.750 euros será pago no acto da celebração do título de compra e venda, mediante a entrega de cheque. CLÁUSULA QUARTA: 1- Acordam os outorgantes que o respetivo título de compra e venda deverá realizar-se no prazo máximo de 120 dias contados da data da assinatura do contrato. 2- A marcação da data, hora e local para a realização do título de compra e venda será agendada pela segunda outorgante, que deverá avisar o primeiro outorgante, com uma antecedência não inferior a 10 dias úteis. CLAUSULA QUINTA: O primeiro outorgante aceita autorizar que os segundos outorgantes tomem posse imediata do prédio, a partir da data da assinatura do presente contrato, por forma a que este possa vedar, limpar e cuidar do solo dos mesmos. CLÁUSULA SEXTA: 1- Em caso de incumprimento do presente contrato promessa por motivos imputáveis aos segundos outorgantes, assistirá ao primeiro outorgante a faculdade de fazer sua a quantia recebida a título de sinal e princípio de pagamento. 2- Em caso de incumprimento do presente contrato promessa por motivos imputáveis ao primeiro outorgante, assistirá aos segundos outorgantes a faculdade de exigir daquele a quantia paga a título de sinal e princípio de pagamento, em dobro. 3- O incumprimento definitivo do presente contrato, depende da interpelação do promitente faltoso…CLÁUSULA OITAVA: 1- Nada foi convencionado entre os outorgantes, directa ou indirectamente relacionado com a matéria do presente contrato, para além do que fica escrito nas suas cláusulas. 2- Quaisquer alterações a este contrato só serão válidas desde que convencionadas por escrito, com menção expressa de cada uma das cláusulas eliminadas e da redacção que passam a ter depois de modificadas ou aditadas”. 2- Na data da celebração do contrato referido em 1), o A. entregou ao R. um cheque com a quantia de 250 euros, para pagar o sinal referido no contrato mencionado em 1). 3- O imóvel referido no contrato mencionado em 1), tem actualmente natureza urbana, sito na Rua 1, em Local 1, freguesia de Vila 1, concelho de Cidade 1, composto casa baixa de habitação de rés-do-chão, e dependência, com a área coberta total de 220,35 m2, e logradouro com a área descoberta de 1.962,65 m2, com a área total 2.183 m2, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Vila 1 sob o artigo 320, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob o nº 3874, da freguesia de Vila 1, sobre o qual existe uma inscrição de aquisição a favor da testemunha EE, por compra aos RR., realizada através da apresentação nº 5460, de 24-8-2023, e ainda uma inscrição de aquisição de ½ indivisa a favor de FF, por compra ao referido EE, realizada através da apresentação nº 218, de 30-12-2023. 4- Na data da assinatura do contrato promessa referido em 1), os RR. encontravam-se a regularizar as áreas e composição do prédio referido em 1), na matriz e no registo predial. 5- Em Dezembro de 2020, os AA. contrataram os serviços da empresa M... Arquitectura, representada pelos arquitectos e testemunhas GG e HH, para que estes elaborassem um projecto de arquitectura e especialidades referentes a uma “moradia unifamiliar isolada e muro de vedação”. 6- Foi acordado entre os AA., os aquitectos referidos em 5), e os RR. que o projecto referido em 5) daria entrada na Câmara Municipal de Cidade 1, em nome destes últimos, na qualidade de proprietários do imóvel. 7- Os AA. solicitaram ao Banco Comercial Português a concessão de um empréstimo bancário para pagamento de parte do preço de aquisição do imóvel referido em 1), e para a realização das obras de reabilitação do edifício construído nesse imóvel. 8- Em Janeiro de 2021 um representante do Banco Comercial Português fez a visita ao imóvel mencionado em 1). 9- Na sequência da rectificação das mesmas que constavam na matriz predial, a rectificação das áreas do prédio referido em 3) no registo predial foi efectuada através da apresentação nº 106, de 28-4-2021. 10- O projecto de arquitectura referido em 5) deu entrada na Câmara Municipal de Cidade 1 em Agosto de 2021, através de requerimento assinado pelo R. CC, tendo sido aprovado em Dezembro de 2021. 11- O projecto das especialidades, referido em 5), deu entrada na Câmara Municipal de Cidade 1 no início do ano de 2022, tendo sido aprovado em 1 de Junho de 2022. 12- Os RR. aceitaram celebrar um segundo contrato promessa, para substituir o referido em 1), com um reforço do sinal a pagar pelos AA. no valor de 10.000 euros. 13- Na sequência, os AA., na qualidade de segundos outorgantes e promitentes compradores, e os RR., na qualidade de primeiros outorgantes e promitentes vendedores, outorgaram e assinaram o documento que se encontra junto a fls. 46 e 47, denominado de “Contrato promessa de Compra e venda”, datado de 1 de Dezembro de 2021, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, no qual consta, designadamente, as seguintes cláusulas: “CLÁUSULA PRIMEIRA: O primeiro outorgante é dono e legítimo proprietário de prédio em propriedade total sem andares nem divisórias susceptíveis de utilização independente, com uma área de implantação do prédio de 220,35 m2, área bruta dependente de 75 m2, área bruta de construção de 297,85 m2, área bruta privativa de 222,85 m2, a área total do terreno de 2.183 m2, sito na Rua 1, no lugar de Local 1, freguesia de Vila 1, concelho de Cidade 1…com uma área total de 2.183 m2, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Vila 1 sob o artigo 320, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob o nº 2127, da freguesia de Vila 1. CLÁUSULA SEGUNDA: 1- Pelo presente contrato o primeiro outorgante promete vender aos segundos outorgantes, que prometem comprar, o imóvel identificado na Cláusula Primeira, livre de quaisquer ónus e encargos e no estado em que se encontra. 2- Nos termos do disposto no número anterior, a esposa do primeiro outorgante declara que presta o devido consentimento ao respectivo cônjuge. CLÁUSULA TERCEIRA: O preço de venda do imóvel ora prometido é realizado pelo montante global de 120.000 euros…que será pago da seguinte forma: a) Como sinal, os segundos outorgantes pagam ao primeiro outorgante, no acto da assinatura do presente contrato promessa, a quantia de 10.000 euros, através de transferência bancária, do qual será dada quitação após boa cobrança. B) O remanescente do preço, no montante de 110.000 euros será pago no acto da celebração do título de compra e venda, mediante a entrega de cheque. CLÁUSULA QUARTA: 1- Acordam os outorgantes que o respetivo título de compra e venda deverá realizar-se no prazo máximo de 90 dias contados da data da assinatura do contrato. 2- A marcação da data, hora e local para a realização do título de compra e venda será agendada pelos segundos outorgantes, que deverão avisar o primeiro outorgante, com uma antecedência não inferior a 10 dias úteis. CLAUSULA QUINTA: O primeiro outorgante aceita autorizar que os segundos outorgantes tomem posse imediata do prédio, a partir da data da assinatura do presente contrato, por forma a que este possa vedar, limpar e cuidar do solo dos mesmos…CLÁUSULA SÉTIMA: 1- Nada foi convencionado entre os outorgantes, directa ou indirectamente relacionado com a matéria do presente contrato, para além do que fica escrito nas suas cláusulas. 2- Quaisquer alterações a este contrato só serão válidas desde que convencionadas por escrito, com menção expressa de cada uma das cláusulas eliminadas e da redacção que passam a ter depois de modificadas ou aditadas”. 14- Os AA. entregaram ao R., por transferência bancária, a quantia de 10.000 euros, para pagar o sinal referido no contrato mencionado em 13). 15- Os RR. outorgaram uma procuração, datada de 2-12-2021, com termo de autenticação, a favor da testemunha GG, á qual concederam poderes para, em nome e em representação dos RR., “vender, nos termos, condições e preço que entender, o prédio urbano dos mandantes, situado na Rua 1, lugar de Local 1, freguesia de Vila 1, inscrito na respectiva matriz sob o artigo urbano nº 320, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob o nº 3.874, da freguesia de Vila 1, podendo a mandatária outorgar a competente escritura notarial de compra e venda…”. 16- As prestações bancárias do contrato de financiamento a favor dos AA. aumentaram exponencialmente após a data em que eles solicitaram a celebração do contrato, não tendo assim sido obtido o acordo entre os AA. e o Banco Comercial Português para a celebração desse contrato. 17- Por escritura de compra e venda, lavrada no dia 24 de Agosto de 2023, a fls. 97, do livro 73-A, do Cartório Notarial de Vila 1, os RR. venderam o prédio referido em 3) à testemunha EE, pelo preço de 100.000 euros. 18- A casa que faz parte do prédio referido em 3) foi inscrita na matriz no ano de 1951. 19- A casa referida em 18) encontrava-se em ruínas, com o telhado parcialmente destruído, e as janelas e as portas bastante degradadas. 20- No dia 9 de Fevereiro de 2021, os RR. apresentaram no serviço de Finanças de Cidade 1 um pedido de alteração das áreas do prédio referido em 3). 21- Na altura das negociações para a venda do prédio referido em 1), os AA. comunicaram aos RR. que tinham colocado à venda um bem imóvel de que eram proprietários, correspondente à fracção autónoma designada pela letra “O”, sita na Rua 2, Lote 5 – 4B, em Cidade 2, correspondente ao 4º andar “B”, para habitação, com uma arrecadação no sótão e uma garagem na cave designada perla letra “O”, inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de Cidade 2 sob o artigo 8272, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 2 sob o nº 1845, da freguesia de Cidade 2. 22- Os AA. nunca requereram a licença de obras para a realização da reabilitação da casa que faz parte do prédio referido em 3), tendo comunicado aos arquitectos que realizaram o projecto de arquitectura e das especialidades que tinham desistido de fazer essas obras. 23- Os AA. venderam o imóvel referido em 21) a II no início do ano de 2022. 243- Durante o 3º trimestre do ano de 2022, os AA. comunicaram aos RR. que iriam desistir da compra do prédio referido nos contratos promessa mencionados em 1) e 13), porque a prestação que o Banco exigia para a concessão do empréstimo bancário era muito alta. 254- No início do ano de 2022, os AA. ganharam um prémio monetário concedido pela empresa LIDL, que consistia no financiamento da aquisição de um imóvel através da empresa REMAX. 26- Os AA. utilizaram o prémio referido em 25) para adquirirem, no Verão de 2022, para a sua habitação, uma moradia, onde actualmente residem, dita na ..., em Local 2, Vila 1 Cidade 1, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Vila 1 sob o artigo 3356, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob o nº 8621, da freguesia de Vila 1. 27- Os RR. contactaram a testemunha JJ, na qualidade de mediador imobiliário, para promover a venda do seu prédio referido em 1), 3) e 13). 28- Na sequência da intervenção do mediador referida em 27), os RR. venderam à testemunha EE, através da escritura mencionada em 17). 29- Os AA. fizeram uma proposta à testemunha EE para serem eles a adquirir o prédio referido em 1), 3) e 13), com a testemunha a pagar o respectivo preço, sendo que posteriormente os AA. venderiam o prédio à testemunha. 30- Na sequência, a testemunha EE ficou de pensar na proposta referida em 29), nunca tendo dado uma resposta à mesma. 31- No ano de 2021, os AA. procederam à limpeza do terreno do logradouro do prédio referido em 3). Por outro lado, o Tribunal considera que não ficaram provados os seguintes factos com relevância para o objecto em causa nos presentes autos: A- A regularização da situação do imóvel referida em 4) era condição necessária para formalizar a concessão de empréstimo bancário aos AA. para pagamento de parte do preço de aquisição do imóvel e para a outorga do contrato definitivo. B- Era do conhecimento dos RR. que os AA. iriam recorrer a financiamento bancário para pagar parte do preço de aquisição do imóvel referido em 1) e para reabilitar e ampliar o edifício que estava construído nesse imóvel. C- Em meados de Fevereiro de 2021, o Banco Comercial Português aprovou o crédito bancário requerido pelos AA., tendo estes dado conhecimento de tal facto aos RR. D- Em cada ano, nos meses de Abril e de Outubro, as condições bancárias alteram-se. E- Após Abril de 2021, era necessário apresentar o projecto de arquitectura aprovado, para ser concedido o crédito bancário pelo Banco Comercial Português, para além de outras exigências e formalidades que foram sendo feitas pelo Banco. F- Os AA. deram conhecimento aos RR. da situação referida em E), e estes aceitaram aguardar o tempo necessário. G- Com a prévia autorização dos RR., os AA. levaram a cabo os seguintes trabalhos no prédio referido em 1): a) Remoção do reboco de uma parede; b) Demolição de uma casa de banho. H- Em Dezembro de 2021, quando já tinha sido ultrapassado o prazo limite para a concessão do empréstimo, aprovado em Fevereiro, nos termos mencionados em C), o Banco Comercial Português exigiu que fosse celebrado um segundo contrato promessa de compra e venda do prédio referido em 1). I- O Banco Comercial Português comunicou aos AA. que para a concessão do crédito bancário não seria suficiente o projecto de arquitectura, mas também os projectos de especialidades devidamente aprovados. J- Quando os AA. se deslocaram ao Banco, a fim de contratualizar o empréstimo, foi-lhes comunicado que tal apenas seria possível mediante a apresentação da licença de construção referente ao prédio em causa. K- Os AA. comunicaram aos RR. a situação referida em J). L- A situação referida em J) provocou um atraso na concessão do crédito, e da conclusão do negócio para a compra do prédio referido em 13). M- Os AA. sempre mantiveram os RR. informados de tudo o que se passava e do andamento das questões pendentes, designadamente referente à aprovação do financiamento bancário dos AA. N- Os RR. sempre aceitaram os condicionamentos para a celebração do negócio de aquisição do prédio referido em 13). O- Quando os AA. foram rever os orçamentos para a realização das obras no prédio referido em 1), para, posteriormente, levantarem o alvará de construção, verificaram que os mesmos aumentaram exponencialmente, ultrapassando o seu budget inicialmente pensado. P- Os AA. comunicaram aos RR. a situação referida em 16). Q- Os RR. sempre referiram aos AA. que se não vendessem o prédio a estes não o venderiam a mais ninguém. R- Atenta a manutenção da vontade dos AA. em comprar o imóvel referido em 13) e atento a manutenção do interesse dos RR. em realizar o negócio com os AA., o mesmo foi se prorrogando e prolongando no tempo, ainda que de forma informal, mas sempre se mantendo os contactos e as reuniões entre as partes, transmitindo-se sempre as actualizações sobre os assuntos pendentes. S- No início do ano de 2023, os AA. procuraram um investidor que se interessasse pelo negócio em causa, tendo informado o R. desta proposta, e este aceitado a mesma. T- Na sequência, os AA. contactaram a testemunha EE, na qualidade de potencial investidor, informando-o dos termos do negócio prometido com os RR., nomeadamente o objecto, o preço, e o sinal que já havia sido pago, ou seja a quantia de 10.250 euros. U- Na sequência, a testemunha EE mostrou-se interessado no negócio e disponibilizou-se para financiar a aquisição pelos AA. do prédio referido em 13). V- No âmbito das negociações para a celebração do segundo contrato promessa referido em 13), os RR. declaram aos AA. que o negócio se podia concretizar no prazo de, pelo menos, dois anos. W- Como justificação para o decurso do prazo de 120 dias previsto no contrato promessa referido em 1) sem que tivessem marcado a escritura do contrato definitivo de compra e venda, os AA. comunicaram aos RR. que ainda não tinham vendido o imóvel referido em 21), e pediram o prolongamento do prazo para a celebração do contrato definitivo. X- Os AA. comunicaram aos RR. que o valor de 250 euros que lhes entregaram a título de sinal na altura da celebração do contrato referido em 1) ficava para os RR. como compensação pelo atraso na celebração do contrato definitivo de compra e venda. Y- Os AA. fizeram uma proposta aos RR. no sentido de aqueles colocarem o prédio referido em 1), 3) e 13), à venda numa agência de mediação imobiliária, com a pretensão de recuperarem o montante que haviam pago a título de sinal e os valores que despenderam com as obras. Z- Os RR. recusaram a proposta referida em Y), comunicando aos AA. que o contrato previa a venda do imóvel a estes últimos, e que se os AA. não queriam o prédio para eles o negócio ficava sem efeito por incumprimento dos AA. Da nulidade da sentença Segundo os recorrentes, a sentença encontra-se ferida de nulidade, por se verificar uma oposição entre os seus fundamentos e a decisão, o que ocorre, nomeadamente, «na parte dos factos dados como provados, no ponto 8, página 6, fundamentando a prova de tal facto, na parte da “Motivação de Facto e Exame Crítico das Provas”, página 17 da sentença, em contradição com a parte da integração jurídica dos factos provados, na página 37, na qual se refere que “Na verdade, ao contrário do que foi sustentado pelos AA. não ficou demonstrado nos autos, que em Janeiro de 2021 um representante do Banco Comercial Português fez a visita ao imóvel mencionado em 1) (…)”». Ora, ao invés do que entendem os recorrentes, não estamos perante um caso de nulidade da sentença, tratando-se antes de um mero lapso de escrita, como reconheceu o Sr. Juiz a quo no despacho de 16.05.2025, no qual decidiu «proceder à eliminação do trecho da sentença constante da página 37 da mesma, na parte onde consta que “não ficou demonstrado nos autos, que em Janeiro de 2021 um representante do Banco Comercial Português fez a visita ao imóvel mencionado em 1)”.» Dizem ainda os recorrentes que a sentença é nula, por se verificar «incongruência/obscuridade entre os pontos 29 e 30 dos factos dados como provados, e a parte da motivação da decisão de facto, onde se diz que para a prova dos factos referidos em 29 e 30, se teve em consideração o depoimento da testemunha EE, bem como com os factos que foram dados como não provados constantes das alíneas S) e T)», mas sem razão. Na verdade, o facto de se dar como provado que os autores fizeram uma proposta à testemunha EE, e que esta testemunha ficou de pensar nessa proposta, não significa que os réus tenham sido informados dessa proposta e que a tenham aceitado [alínea S) dos factos não provados], nem tão pouco que os autores tenham informado aquela testemunha, enquanto potencial investidor, dos termos do negócio prometido com os réus. Estamos evidentemente perante coisas distintas, estando excluída, à partida, qualquer hipótese de contradição entre as duas realidades. Sustentam ainda os autores/recorrentes que ocorre nulidade da sentença pela incongruência verificada entre o ponto 24 e o ponto 29 dos factos provados. Em primeiro lugar estamos perante dois factos distintos, pois uma coisa é dar como provado que «[d]urante o 3º trimestre do ano de 2022, os AA. comunicaram aos RR. que iriam desistir da compra do prédio referido nos contratos promessa (…), porque a prestação que o Banco exigia para a concessão do empréstimo bancário era muito alta» [ponto 24], e outra dar como provado que «Os AA. fizeram uma proposta à testemunha EE para serem eles a adquirir o prédio referido em 1), 3) e 13), com a testemunha a pagar o respectivo preço, sendo que posteriormente os AA. venderiam o prédio à testemunha». Em segundo lugar, como se afigura de todo evidente, não ocorre no caso qualquer ambiguidade/obscuridade/incoerência. Da lição de José Alberto dos Reis, resulta que uma sentença «é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes: Num caso não se sabe o que o juiz quiz dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos»5”. O mesmo sentido e interpretação daquele normativo é formulado por Rodrigues Bastos6, que acrescenta apenas, quanto à ambiguidade, a expressão “podem razoavelmente atribuir-se dois sentidos diferentes”. Ora, a esta luz, face ao acima exposto, não pode deixar de se reconhecer a total falta de razão dos recorrentes, visto a situação descrita ser de uma clareza cristalina. Por último, defendem os recorrentes «ter ocorrido uma omissão de um ato/formalidade que a lei prescreve e que a essa mesma omissão influenciaria no exame e na decisão da causa, conforme artigo 195.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, devendo a mesma culminar em nulidade da referida omissão ou, caso assim não se entendam, (…), deverá entender-se verificar-se nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, conforme artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC). Isto porque, segundo os recorrentes, na audiência de julgamento, «o Tribunal recorrido deveria ter realizado o interrogatório preliminar às testemunhas inquiridas, conforme artigo 513.º, n.º 1 do CPC», o que não fez. Lê-se no despacho em que o Sr. Juiz a quo se pronunciou sobre as nulidades invocados pelos recorrentes: «(…), consideramos que não tem qualquer fundamento a alegação dos AA. que o Tribunal não teria feito todas as perguntas à testemunha (…) HH no interrogatório preliminar. Na verdade, o Tribunal fez todas as perguntas necessárias para tomar conhecimento da situação e do relacionamento desta testemunha com as partes. Acresce que o sr. mandatário esteve presente na altura da realização pelo Tribunal do interrogatório preliminar à testemunha HH. Deste modo, se teria sido omitida alguma pergunta à testemunha para efeito do conhecimento da situação da mesma quanto às partes, o sr mandatário poderia ter solicitado ao Tribunal que a fizesse. Além disso, quando passou a ter as instâncias, o sr. mandatário poderia ter efectuado as perguntas que entendesse por convenientes para esclarecer o relacionamento desta testemunha com as partes, nomeadamente se era parente de alguma delas. Por fim, se o interrogatório preliminar padecesse de qualquer vício, designadamente por não ter sido efectuada alguma pergunta do relacionamento desta testemunha com as partes, o A. mandatário dos AA. poderia e deveria ter legalmente invocado na audiência de julgamento a existência desse vício, na medida em que estava presente. Como não o fez, o eventual vício ficou sanado. Logo a invocação da existência de um vício no interrogatório preliminar a esta testemunha apenas agora nas alegações de recurso é manifestamente extemporânea, não podendo assim ser admitida.» Porque nos revemos integralmente nas palavras do Sr. Juiz, acrescentaremos apenas que as mesmas encontram o devido respaldo legal nos artigos 195º, nº 1 e 199º, nº 1, do CPC. Em suma, a sentença recorrida não enferma de nenhuma das nulidades que lhe são imputadas pelos recorrentes. Da impugnação da matéria de facto Como resulta do artigo 662º, nº 1, do CPC, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se os factos tidos como assentes e a prova produzida impuserem decisão diversa. Do processo constam os elementos em que se baseou a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto: prova documental e depoimentos das testemunhas registados em suporte digital. Considerando o corpo das alegações e as suas conclusões, pode dizer-se que os recorrentes cumpriram formalmente os ónus impostos pelo artigo 640º, nº 1, do CPC, já que especificaram os concretos pontos da matéria de facto que consideram incorretamente julgados, indicaram os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por elas propugnados, referiram a decisão que no seu entender deveria sobre eles ter sido proferida e indicaram as passagens da gravação em que fundam o recurso, que transcreveram em parte, pelo que nada obsta ao conhecimento deste na parte atinente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto. No que respeita à questão da alteração da matéria de facto face à incorreta avaliação da prova produzida, cabe a esta Relação, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artigo 662º do CPC, e enquanto tribunal de 2ª instância, avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto. Infere-se das alegações/conclusões dos recorrentes, que estes discordam da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, relativamente aos pontos 12, 22, 24 e 25 dos factos provados e às alíneas B, E, I, J, F, K, L, M, N, P, R, S, T e Y, dos factos não provados. No ponto 12 deu-se como provado que «[o]s RR. aceitaram celebrar um segundo contrato promessa, para substituir o referido em 1), com um reforço do sinal a pagar pelos AA. no valor de 10.000 euros». O Sr. Juiz fundamentou assim a decisão de dar como provado o facto em causa: «(…), a prova dos factos referidos nos pontos 2), 4), 12), 14), 20) e 31), foi realizada com base fundamentalmente na falta de impugnação dos mesmos por parte dos RR. na sua contestação. Na verdade, os RR. não vieram impugnar expressamente, nem tacitamente, esses factos na contestação que apresentaram. Registou-se assim uma situação designada pela doutrina de confissão ficta por parte dos RR. em relação a esses factos, resultantes da falta de impugnação dos mesmos.» (destaque nosso). Segundo os recorrentes, não devia ter sido dado como provado este facto, porquanto os mesmos nunca alegaram que o segundo contrato promessa de compra e venda tenha sido celebrado em substituição do primeiro, tendo apenas alegado que existiu um acordo entre as partes para se celebrar o segundo contrato promessa de compra e venda, por exigências do banco, pelo que não haveria a confissão ficta, não podendo o Tribunal ter decidido pela existência da referida confissão. Concluem, assim, que deveria ter sido dado como provado no ponto 12 que «[o]s RR. aceitaram celebrar um segundo contrato promessa, com um reforço do sinal a pagar pelos AA. no valor de 10.000 euros», retirando-se a parte em que se diz «substituir o referido em 1)» Ora, se é certo que os réus não impugnaram a celebração dos dois contratos-promessa, não corresponde à verdade que tenham aceite que com a celebração do segundo contrato-promessa se manteve em vigor o primeiro contrato-promessa. Com efeito, os réus tomaram posição expressa sobre a substituição do primeiro contrato-promessa pelo segundo na contestação, designadamente nos artigos 79º, 80º e 122º daquele articulado, a que acresce terem sido os próprios autores, ora recorrentes, que alegaram na petição inicial que o segundo contrato-promessa substituiu o primeiro (cf. artigos 36º e ss.) Mantém-se assim intocado o ponto 12 dos factos provados. No ponto 22, também objeto de impugnação por parte dos recorrentes, deu-se como provado que «[o]s AA. nunca requereram a licença de obras para a realização da reabilitação da casa que faz parte do prédio referido em 3), tendo comunicado aos arquitectos que realizaram o projecto de arquitectura e das especialidades que tinham desistido de fazer essas obras». Segundo os recorrentes, este facto devia ter sido considerado não provado. O Tribunal fundamentou a decisão de facto quanto a este ponto concreto, nos depoimentos das testemunhas GG e HH, que foram os arquitetos contratados pelos autores para realizar o serviço em causa, o que se afigura de todo correto. Na verdade, estas testemunhas esclareceram devidamente que o processo na Câmara Municipal, designadamente o pedido e a concessão da licença de obras não teve seguimento, porque os autores lhes comunicaram que tinham desistido de adquirir o imóvel pertencente aos réus. A testemunha HH foi, aliás, bem convincente no seu depoimento, esclarecendo que insistiu diversas vezes para que os autores requeressem a emissão da licença de construção para se dar início às obras. Assim, permanece inalterado o ponto 22 dos factos provados. No ponto 24, também objeto de impugnação pelos recorrentes, deu-se como provado que «[d]urante o 3º trimestre do ano de 2022, os AA. comunicaram aos RR. que iriam desistir da compra do prédio referido nos contratos promessa mencionados em 1) e 13), porque a prestação que o Banco exigia para a concessão do empréstimo bancário era muito alta». O Sr. Juiz fundamentou a decisão de dar como provado este facto, com base nos depoimentos das já referidas testemunhas HH e GG que, como se viu, referiram que os autores desistiram de fazer as obras e de comprarem o imóvel em causa. Sucede, porém, que nenhuma prova concreta foi produzida no sentido de que os autores comunicaram diretamente aos réus que iam desistir da compra do imóvel em causa, nem tal se pode presumir apenas por aquilo que disseram às aludidas testemunhas, pelo que o facto em causa não pode constar do elenco dos factos provados. Assim, elimina-se o ponto 24 do elenco dos factos provados. No que respeita ao ponto 25, dizem os recorrentes que o mesmo deveria ter sido julgado provado noutro sentido, ou seja, de que «[e]m novembro de 2021, os AA. ganharam um prémio monetário concedido pela empresa LIDL, que consistia no financiamento da aquisição de um imóvel através da empresa REMAX”: Mais alegam que nenhuma prova testemunhal ou por declarações de parte foi produzida, sobre o momento ou a data em que o referido prémio foi ganho pelos recorrentes, sendo que a testemunha KK, agente da Remax que intermediou a aquisição de uma moradia aos recorrentes, em consequência daquele prémio, referiu em sede de audiência de julgamento que o prémio foi ganho por aqueles em 2021, e a testemunha LL não soube informar sobre aquela data, acrescendo que o documento nº 3 da contestação ao pedido de litigância de má-fé apresentado pelos recorrentes em 03.09.2024, que diz respeito “Cheque- Oferta Casa- Concurso Casa Lidl”, apresentar a data de 26.11.2021. Aduzem, por último, os recorrente que se trata de facto com «enorme relevância nos autos, uma vez que se os Recorrentes ganharam o prémio do LIDL/REMAX em novembro de 2021 (ao invés de 2022), significa que os mesmos, mesmo após o referido prémio, mantiveram todas as demais diligências para que fosse possível a conclusão do negócio prometido: celebraram o segundo contrato promessa de compra e venda, em data posterior, a 01/12/2021». A prova produzida parece dar razão aos recorrentes quanto à data em que os recorrentes receberam o prémio do Lidl, para tal apontando, decisivamente, o “cheque” a que aludem os recorrentes, pelo que, até por uma questão de rigor, haverá que alterar a data constante do facto. Saber se esta alteração tem ou não a relevância que lhes é atribuída pelos recorrentes, é o que se verá em sede de julgamento de direito. Assim, o ponto 25 passa a ter a seguinte redação (alteração a negrito): «Em 26.11.2021, os AA. ganharam um prémio monetário concedido pela empresa LIDL, que consistia no financiamento da aquisição de um imóvel através da empresa REMAX». Defendem também os recorrentes que alguns dos factos dados como não provados deveriam ser julgados provados. Assim, quanto à alínea B, de acordo com os recorrentes devia ser dado como provado que «[e]ra do conhecimento dos RR. que os AA. iriam recorrer a financiamento bancário para pagar parte do preço de aquisição do imóvel referido em 1) e para reabilitar e ampliar o edifício que estava construído nesse imóvel». Sustentam este seu entendimento com base nas declarações de parte dos autores, das quais resulta que tiveram lugar várias reuniões entre aqueles e os réus, durante as negociações dos contratos-promessa de compra e venda, e que após a celebração dos mesmos os autores sempre colocaram os réus a par da operação que iria ser levada a cabo e do recurso a empréstimo bancário de que necessitavam para pagamento do preço do negócio. Ora as declarações de parte dos autores, ainda que que se pudesse extrair das mesmas o facto em causa, o certo é que não encontram respaldo em nenhuma outra prova, pelo que não seriam merecedoras de credibilidade no contexto destes autos. Ademais, são os próprios autores/recorrentes a alegar no artigo 17º da petição inicial, que «não se condicionou o contrato de compra e venda à obtenção/aprovação do empréstimo junto de uma instituição de crédito», não se podendo concluir, sem mais, que era do conhecimento dos réus que os autores iriam recorrer a financiamento bancário para pagar parte do preço de aquisição do imóvel. Mantém-se, pois, intocada a alínea B dos factos não provados. Discordam ainda os recorrentes da decisão de dar como não provada a matéria constante das alíneas E, I e J dos factos não provados, que rezam assim: «E- Após Abril de 2021, era necessário apresentar o projecto de arquitectura aprovado, para ser concedido o crédito bancário pelo Banco Comercial Português, para além de outras exigências e formalidades que foram sendo feitas pelo Banco. I- O Banco Comercial Português comunicou aos AA. que para a concessão do crédito bancário não seria suficiente o projecto de arquitectura, mas também os projectos de especialidades devidamente aprovados. J- Quando os AA. se deslocaram ao Banco, a fim de contratualizar o empréstimo, foi-lhes comunicado que tal apenas seria possível mediante a apresentação da licença de construção referente ao prédio em causa». Porque se trata de matéria com uma conexão estreita - através dos factos em causa pretende-se fazer crer que as alegadas exigências do Banco foram o motivo da não celebração do contrato de compra e venda –, será analisada em conjunto a impugnação quanto a estas três alíneas. Os recorrentes começam por assentar o seu entendimento no depoimento do gestor da sucursal bancária do BCP em Vila 1, MM, que teria dito ser procedimento normal do banco solicitar aos clientes que se encontrem a pedir financiamento o projeto de arquitetura, de especialidades e o licenciamento de obra, para que seja possível avaliar que obras é que vão ter lugar no imóvel. Ora, esta testemunha limitou-se a referir aquilo que é normal suceder nos casos em que é solicitado empréstimo ao Banco, mas nada sabia sobre a situação concreta dos autos, que reveste algumas especificidades bem evidenciadas na matéria de facto apurada. Acresce que a testemunha, que acompanhou o processo de empréstimo pedido pelos autores, disse que o financiamento não se concretizou devido à falta de acordo relativamente ao montante das prestações a pagar pelos autores, o que, aliás, está em consonância com que se deu como provado no ponto 24, que não foi sequer objeto de impugnação por parte dos recorrentes. Ademais, como se viu supra, a celebração do contrato-promessa não ficou condicionada à concessão de qualquer empréstimo bancário e provou-se ainda que os autores/recorrentes nunca requereram a licença de obras para a realização da reabilitação da casa que faz parte do prédio referido no ponto 3 dos factos provados, tendo comunicado aos arquitetos que realizaram o projeto de arquitetura e das especialidades, que tinham desistido de fazer essas obras7. Por último, a proposta apresentada pela empresa M... Arquitectura, que constitui o “doc. 7” da petição inicial, datada de 19.12.2020, feita a pedido dos autores (cf. artigos 18º a 20º da p.i.), tinha como finalidade a realização do projeto de arquitetura e dos projetos de especialidades, pelo que aquando da assinatura do primeiro contrato-promessa, em 13.12.2020, os recorrentes não podiam deixar de prever a execução destes trabalhos. Intocadas ficam, pois, as alíneas E, I e J. Consideram também os recorrentes que a factualidade das alíneas F e K, ao invés do decidido, devia ser julgada provada, mas sem razão. Na verdade, não decorre da prova testemunhal ou documental existente nos autos, que os autores tenham dado conhecimento aos réus da situação referida na alínea E8, e que estes tenham aceitado aguardar o tempo necessário. Resta-nos, assim, as declarações de parte dos autores que, por si só, e pelas razões acima expostas, são insuficientes para fundamentar a prova dos factos em causa, sobre os quais as partes têm entendimento oposto. Permanecem assim inalteradas as alíneas F e K dos factos não provados. Pelas mesmas razões não há que dar como provado o facto da alínea L relativo a um alegado atraso na concessão do crédito, e da conclusão do negócio para a compra do prédio referido no ponto 13, causado pela situação descrita em J, que como se viu, não resultou provado. Mantém-se assim inalterada à alínea L dos factos não provados. Ao contrário do entendimento dos recorrentes, mostram-se corretamente julgados, como não provados, os factos das alíneas M, N, P e R, cuja alteração para factos provados é sustentada pelos recorrentes com base unicamente nas suas declarações de parte, valendo a este propósito tudo o que deixámos dito supra e que aqui se reitera. Intocadas ficam, pois, as alíneas M, N, P e R dos factos não provados. Pretendem os recorrentes que sejam dados como provados os factos das alíneas S e T, com fundamento no depoimento da testemunha EE, pessoa a quem os réus venderam o seu imóvel referido nos pontos 1, 3 e 13, e ainda nas declarações de parte dos recorrentes. Ora, além da matéria em causa nada interessar à boa decisão da causa, não decorre do depoimento da referida testemunha que os autores tenham informado da situação descrita na alínea S, resultando desse mesmo depoimento que aquela testemunha não aceitou a proposta dos autores. Ademais, são irrelevantes para a decisão da causa os contactos havidos entre os autores e a dita testemunha enquanto potencial investidor dos termos do negócio prometido com os réus. Nada se altera, pois, nas alíneas S e T dos factos não provados. Resta, por último, a impugnação da alínea Y, onde se deu como não provado que os autores fizeram uma proposta aos réus, no sentido de aqueles colocarem o prédio objeto do contrato-promessa à venda numa agência de mediação imobiliária, com a pretensão de recuperarem o montante que haviam pago a título de sinal e os valores que despenderam com as obras. Tal prova, segundo os recorrentes assenta unicamente nas suas declarações, não suportadas em qualquer outra prova, pelo que, por tudo quanto dissemos supra, é insuficiente para dar como provado o facto em causa, pelo que permanece intocada a alínea Y dos factos não provados. Em suma, procede parcialmente a impugnação da matéria de factos nos dois pontos acima referidos e improcede no restante. O DIREITO Com a presente ação pretendem os autores que seja declarada a resolução do contrato-promessa de compra e venda que celebraram com os réus, e estes condenados a pagarem-lhes a quantia de € 20.500,00, correspondente ao dobro do sinal por eles entregue aquando da assinatura daquele contrato. O Tribunal a quo negou a pretensão dos autores, aduzindo, nomeadamente, que durante o 3º trimestre do ano de 2022, os autores comunicaram aos réus que iriam desistir da compra do prédio referido nos contratos-promessa dos autos, porque a prestação que o Banco exigia para a concessão do empréstimo bancário era muito alta. Ora, este facto, como se viu supra aquando da discussão sobre a impugnação da matéria de facto, foi considerado não provado por esta Relação, pelo que, prima facie, poder-se-ia pensar que não houve desistência por parte dos autores, como estes, aliás, defendem no recurso. Mas será que a restante factualidade apurada permite esse entendimento? Provou-se que os autores nunca requereram a licença de obras para a realização da reabilitação da casa que faz parte do prédio objeto dos contratos-promessa, tendo comunicado aos arquitetos que realizaram o projeto de arquitetura e das especialidades que tinham desistido de fazer essas obras [ponto 22] . Provou-se também que no início do ano de 2022, os autores ganharam um prémio monetário concedido pela empresa LIDL, que consistia no financiamento da aquisição de um imóvel através da empresa REMAX, e que utilizaram esse prémio para adquirirem, no Verão de 2022, para sua habitação, uma moradia, onde atualmente residem [pontos 25 e 26 dos factos provados]. Estamos, a nosso ver, perante factos concludentes (facta concludentia)9 que apontam inequivocamente no sentido da desistência dos autores relativamente à celebração do contrato prometido. Com efeito, se os autores adquiriram um outro imóvel para instalarem a sua residência permanente, é de aceitar que não iriam adquirir o prédio dos autos para o mesmo efeito, tanto mais que, antes de instalarem a sua habitação no imóvel, teriam de previamente realizar obras de reabilitação da casa em ruínas que fazia parte daquele imóvel. Com efeito, se os autores desistiram de realizar as obras de reabilitação da casa em ruínas que fazia parte do prédio dos autos, sem nunca terem pedido a respetiva licença, é porque deixaram de ter interesse na aquisição daquele prédio, pois só após a realização dessas obras poderiam aí passar a residir. Porém, ao invés do que se considerou na sentença recorrida, não estamos perante um verdadeiro incumprimento contratual dos autores, que permitisse aos réus resolver o contrato-promessa, pois com a desistência do negócio por parte dos autores, o que ocorreu foi a chamada “revogação real”, modo de cessação do contrato para o qual não é necessária a observância de qualquer forma10. Não tinham, assim, os réus, ao invés do que defendem os recorrentes, de resolver o contrato11 antes de procederem à venda do prédio objeto do contrato-promessa a um terceiro e, ademais, no segundo contrato-promessa celebrado entre as partes, foi eliminada a necessidade de interpelação da parte faltosa12, sendo que a desistência do negócio pelos autores, acompanhada da devolução da posse do imóvel, tornou desnecessária a resolução do contrato-promessa. Por último, tendo os autores desistido do negócio e virem com a presente ação pretender prevalecer-se da resolução contratual, pedindo a devolução do sinal em dobro ou até em singelo, tal constitui um abuso na modalidade do tu quoque13. Por conseguinte, o recurso improcede, ainda que com fundamentos não totalmente coincidentes com os da sentença recorrida. Vencidos no recuso, suportarão os réus/recorridos as respetivas custas – art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC. 
 IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida, ainda que com fundamentos não inteiramente coincidentes. Custas pelos recorrentes. * Évora, 2 de outubro de 2025 Manuel Bargado (relator) Ricardo Miranda Peixoto Susana da Costa Cabral (documento com assinaturas eletrónicas) 
 _________________________________ 1. Os réus/recorridos responderam ao recurso dos réus, apresentando as respetivas contra-alegações.↩︎ 2. Mantém-se a numeração e redação da sentença recorrida.↩︎ 3. Este ponto foi eliminado do elenco dos factos provados, conforme discussão infra.↩︎ 4. Este ponto passou, conforme discussão infra, a ter a seguinte redação: «Em 26.11.2021, os AA. ganharam um prémio monetário concedido pela empresa LIDL, que consistia no financiamento da aquisição de um imóvel através da empresa REMAX» (sublinhado nosso).↩︎ 5. Código de Processo Civil Anotado, volume V, Coimbra Editora, 1984 – reimpressão -, p. 151.↩︎ 6. Notas ao Código de Processo Civil, III, Lisboa, 1972, p. 249↩︎ 7. Cf. ponto 22 dos factos provados, que permaneceu inalterado apesar da impugnação dos recorrentes.↩︎ 8. Ou seja, que após abril de 2021, era necessário apresentar o projeto de arquitetura aprovado, para ser concedido o crédito bancário pelo Banco Comercial Português, para além de outras exigências e formalidades que foram sendo feitas pelo Banco.↩︎ 9. Como se lê no sumário do Acórdão do STJ de 09.07.2014, proc. 299709/11.0YIPRT.L1S1, in www.dgsi.pt, «Os factos de que a vontade se deduz são os factos concludentes ou significativos, no sentido de se poder afirmar que, segundo os usos da vida, há toda a probabilidade de que o sujeito tenha querido, realmente, o negócio jurídico cuja realização deles se infere».↩︎ 10. Para casos de revogação real em contratos de arrendamento, cf. os Acórdãos desta Relação de 08.06.2017, proc. 349/16.0T8PTM.E1, e de 13.03.2025, proc. 1095/22.1T8BNV-E1, in www.dgsi.pt.↩︎ 11. A resolução legal só pode ser exercida por quem, tendo cumprido o contrato, pretende ver destruído o vínculo em virtude de uma quebra do sinalagma gerada pela contraparte, sendo que o art. 432º do Código Civil nada refere sobre a culpa.↩︎ 12. Como constava da cláusula 6ª, nº 3, do primeiro contrato-promessa de compra e venda.↩︎ 13. O conteúdo do princípio da proibição do tu quoque é o de que quem atua ilicitamente, em desconformidade com o direito, não pode prevalecer-se das consequências jurídicas (sancionatórias) de uma atuação ilícita da contraparte, que no caso, aliás, nem se verifica.↩︎ |