Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2161/23.1T8STR-D.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: INSOLVÊNCIA
LISTA DE CREDORES
IMPUGNAÇÃO
PRAZO
Data do Acordão: 05/31/2024
Votação: RELATOR
Texto Integral: S
Sumário: 1 – Nos termos do n.º 1 do artigo 130.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, nos 10 dias subsequentes ao termo do prazo estabelecido para o Administrador de Insolvência apresentar a lista, qualquer interessado pode impugnar a lista de créditos reconhecidos.
2 – O prazo para impugnar a lista conta-se a partir do 3.º dia útil posterior à data da respetiva expedição, nos termos do n.º 2 do indicado preceito legal.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2161/23.1T8STR-D.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo de Comércio de Santarém – J1
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Recurso com efeito e regime de subida adequados.
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Decisão nos termos dos artigos 652.º, n.º 1, alínea c) e 656.º do Código de Processo Civil:
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I – Relatório:
Na presente acção de insolvência de (…) e de (…), a sociedade “(…) – Sociedade de (…), SA” apresentou recurso da decisão que indeferiu a impugnação apresentada a reclamação à lista de créditos reconhecidos por extemporaneidade.
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Em 20/11/2023, o administrador judicial apresentou a lista de credores reconhecidos nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 129.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a lista de moradas dos credores e mandatários e a proposta de graduação de créditos.
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À sociedade “(…) – Sociedade de (…), SA” foi reconhecido pelo administrador de insolvência um crédito reconhecido no valor de € 2.000,00 (dois mil euros), sem qualquer acréscimo de juros.
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Para efeitos de impugnação foi remetida carta pelo administrador de insolvência à sociedade “(…) – Sociedade de (…), SA”
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A carta foi endereçada para a Rua (…), Cova da Iria, em Fátima.
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A referida carta foi devolvida.
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Consta da certidão da matrícula comercial – inscrição 11, Ap. (…), de 03/06/2015 – que a apelante alterou a sua sede para a Zona Industrial da (…), Lote 12, (…), Mealhada, Aveiro.
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Face à devolução da carta acima referida, por comunicação datada de 23/11/2023, expedida em 27/11/2023 e recepcionada pela impugnante em 28/11/2023, o Administrador de Insolvência enviou nova comunicação com o mesmo conteúdo.
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Em 07/12/2023, “(…) – Sociedade de (…), SA” apresentou impugnação à lista provisória de credores, solicitando-lhe que fosse reconhecido um crédito no montante de € 5.959,41 (cinco mil, novecentos e cinquenta nove euros e quarenta e um cêntimos).
Além de outras despesas, a credora pretendia receber juros moratórios no valor de € 1.989,32 (mil e novecentos e oitenta e nove euros e trinta e dois cêntimos) e juros compulsórios no montante de € 1.196,85 (mil e cento e noventa e seis euros e oitenta e cinco cêntimos).
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Esta reclamação tinha por base a Injunção registada sob o n.º 60960/12.6YIPRT, que correu termos no Balcão Nacional de Injunções, onde foi aposta a fórmula executória relativamente a uma dívida no valor de € 2.002,51 (dois mil e dois euros e cinquenta e um cêntimos), acrescida dos juros de mora calculados às taxas de juros de créditos titulados por sociedades comerciais e dos compulsórios calculados à taxa de 5% ao ano até efectivo e integral pagamento.
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Posteriormente, em 25/04/2013, a exequente interpôs a competente execução, a qual correu termos no Juízo de Execução de Abrantes – Juiz 1, sob o número 506/13.1TBABT, no valor global de € 2.252,97 (dois mil e duzentos e cinquenta e dois euros e noventa e sete cêntimos), correspondendo € 2.002,51 (dois mil e dois euros e cinquenta e um cêntimos) a capital, € 143,86 (cento e quarenta e três euros e oitenta e seis cêntimos) a juros de mora vencidos entre a data de propositura da injunção e a data de propositura da execução, € 81,10 (oitenta e um euros e dez cêntimos) a juros compulsórios vencidos desde a data de aposição de “fórmula executória” e a data de propositura da execução e € 25,50 (vinte e cinco euros e cinquenta cêntimos) a título de taxa de justiça paga com a propositura da execução.
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Em 15/12/2023, foi prolatado um despacho com o seguinte conteúdo:
«(…) – Sociedade de (…), SA foi notificada do não reconhecimento do seu crédito por carta registada expedida em 16-11-2023 (20-11-2023 [10176711]), o prazo de 10 dias supra referido havia já terminado quando a mesma impugnou em 07-12-2023 através do requerimento em epígrafe a lista de créditos apresentada pelo Sr. AI, nos termos do artigo 129.º do CIRE.
Face ao exposto, a impugnação apresentada por (…) – Sociedade de (…), SA é manifestamente extemporânea».
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Seguidamente, foi proferida sentença que reconheceu a existência de um crédito no valor de € 2.000,00 (dois mil euros), que foi graduado como crédito comum.
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A recorrente não se conformou com a referida decisão e apresentou alegações de recurso que continham as seguintes conclusões:
«1 – A reclamante tem como objeto, entre outros o comércio de combustíveis rodoviários, tal como resulta da certidão permanente com o código (…).
2 – O Senhor Administrador de Insolvência comunicou aos autos que a notificação da reclamante foi efetuada por carta datada de 15 de novembro de 2023 e expedida em 16 de novembro de 2023, com o código de registo RF801259195PT, a qual não foi rececionada pela apelante.
3 – Nessa sequência o Sr. Administrador de Insolvência remeteu nova notificação, datada de 23 de novembro de 2023, com o código de registo RL076088033PT, expedida em 27 de novembro de 2023 e rececionada pela impugnante em 28 de novembro de 2023.
4 – Existindo divergência nos argumentos apresentados nos autos, deverias as partes ter sido notificadas para dissiparem as dúvidas existentes.
5 – Não tendo sido dada tal faculdade às partes, foi violado o Princípio de Contraditório.
6 – A Apelante apresentou a impugnação à lista de credores em 7 de dezembro de 2023, pelo que deve a mesma ser admitida, reconhecido o seu crédito e graduando-o no lugar que competir.
7 – A apelante apresentou a sua impugnação à lista de credores no prazo definido no artigo 130.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas.
8 – A douta sentença ao indeferir a impugnação deduzida pela apelante, violou o preceituado no artigo 130.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, pelo que deverá, nesta parte, ser revogada e substituída por outra que admita o crédito nos exatos termos reclamados pela apelante e graduando-o no lugar que lhe competir.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a sentença que indeferiu a impugnação à lista de credores, devendo ser substituída por outra que o reconheça e gradue no lugar que lhe competir, pelo que decidindo desta forma, farão Vossas Exas. serena e a costumada Justiça…!!!».
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Não houve lugar a resposta.
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as conclusões das alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da apresentação tempestiva da reclamação à lista de créditos reconhecidos.
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III – Factos com interesse para a decisão da causa:
Os factos com interesse para a justa decisão da causa constam do relatório inicial.
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IV – Fundamentação:
O presente recurso entrelaça as questões da reclamação de créditos prevista no artigo 128.º[1] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, da relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos[2], da resposta à impugnação[3] e dos termos posteriores do processo.
Como resulta da lei e é correctamente perspectivado pela sentença recorrida, nos termos do n.º 1 do artigo 130.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, nos 10 dias subsequentes ao termo do prazo estabelecido para o Administrador de Insolvência apresentar a lista, qualquer interessado pode impugnar a lista de créditos reconhecidos.
No caso dos credores avisados nos termos do artigo 129.º, n.º 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o prazo para impugnar a lista conta-se a partir do 3.º dia útil posterior à data da respectiva expedição, nos termos do n.º 2 do indicado preceito legal.
É certo que o Senhor Administrador de Insolvência comunicou aos autos que a notificação da reclamante foi efectuada por carta datada de 15/11/2023 e expedida em 16/11/2023.
Porém, essa carta não foi recepcionada pela apelante, por motivo não imputável à credora, ao ter sido enviada para local diverso da sede da reclamante. E, por isso, ao ser devolvida a referida carta, foi remetida nova notificação, datada de 23/11/2023, expedida em 27/11/2023 e recebida pela impugnante em 28/11/2023.
Desta sorte, resulta que, certamente, por não ter tido conhecimento desta segunda notificação, a Meritíssima Juíza de Direito lavrou o despacho que antecede a sentença de verificação e graduação de créditos, quando a pronúncia apresentada era tempestiva. Por força dessa impugnação, os trâmites processuais subsequentes seriam distintos e, de imediato, não haveria lugar à prolação dessa sentença.
Deste modo, cumpre revogar o despacho em causa e, consequentemente, a sentença proferida, ordenando-se o prosseguimento dos autos de acordo com a tramitação prevista na lei.
Não se discute aqui se a reclamante tem direito a juros e mais despesas, nem está aqui em causa que o Tribunal da Relação reconheça e gradue o crédito da recorrente nos termos pretendidos. Esta decisão será tomada oportunamente pelo Juízo de Comércio de Santarém.
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V – Sumário: (…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida.
Sem tributação, atento o disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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Processei e revi.
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Évora, 31/05/2024
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho


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[1] Artigo 128.º (Reclamação de créditos):
1 - Dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, no qual indiquem:
a) A sua proveniência, data de vencimento, montante de capital e de juros;
b) As condições a que estejam subordinados, tanto suspensivas como resolutivas;
c) A sua natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida, e, neste último caso, os bens ou direitos objecto da garantia e respectivos dados de identificação registral, se aplicável;
d) A existência de eventuais garantias pessoais, com identificação dos garantes;
e) A taxa de juros moratórios aplicável.
f) O número de identificação bancária ou outro equivalente.
2 - O requerimento é endereçado ao administrador da insolvência e apresentado por transmissão eletrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 17.º.
3 - Sempre que os credores da insolvência não estejam patrocinados, o requerimento de reclamação de créditos é apresentado no domicílio profissional do administrador da insolvência ou para aí remetido por correio eletrónico ou por via postal registada, devendo o administrador, respetivamente, assinar no ato de entrega, ou enviar ao credor no prazo de três dias da receção, comprovativo do recebimento, sendo o envio efetuado pela forma utilizada na reclamação.
4 - A reclamação de créditos prevista no n.º 1 pode efetuar-se através do formulário disponibilizado para o efeito no portal a definir por portaria do membro do governo responsável pela área da justiça ou através do formulário-tipo de reclamação de créditos previsto nos artigos 54.º e 55.º do Regulamento (UE) n.º 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, nos casos em que aquele regulamento seja aplicável.
5 - A verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.
[2] Artigo 129.º (Relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos):
1 - Nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, ambas por ordem alfabética, relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento, bem como uma proposta de graduação dos credores reconhecidos, que tenha por referência a previsível composição da massa insolvente e respeite o disposto no n.º 2 do artigo 140.º e na alínea d) do n.º 1 do artigo 241.º.
2 - Da lista dos credores reconhecidos consta a identificação de cada credor, a natureza do crédito, o montante de capital e juros à data do termo do prazo das reclamações, as garantias pessoais e reais, os privilégios, a taxa de juros moratórios aplicável, as eventuais condições suspensivas ou resolutivas e o valor dos bens integrantes da massa insolvente sobre os quais incidem garantias reais de créditos pelos quais o devedor não responda pessoalmente.
3 - A lista dos credores não reconhecidos indica os motivos justificativos do não reconhecimento.
4 - Todos os credores não reconhecidos, bem como aqueles cujos créditos forem reconhecidos sem que os tenham reclamado, ou em termos diversos dos da respetiva reclamação, devem ser disso avisados pelo administrador de insolvência, por carta registada ou por um dos meios previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 128.º e tratando-se de credores conhecidos que tenham a residência habitual, o domicílio ou a sede estatutária num Estado-membro diferente daquele em foi aberto o processo, incluindo as autoridades fiscais e os organismos da segurança social desses Estados-membros, o aviso é efetuado, ainda, em conformidade com o artigo 54.º do Regulamento (UE) n.º 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015.
5 - A comunicação referida no número anterior pode ser feita por correio eletrónico nos casos em que a reclamação de créditos haja sido efetuada por este meio e considera-se realizada na data do seu envio, devendo o administrador da insolvência juntar aos autos comprovativo do mesmo.
[3] Artigo 131.º (Resposta à impugnação):
1 - Pode responder a qualquer das impugnações o administrador da insolvência e qualquer interessado que assuma posição contrária, incluindo o devedor.
2 - Se, porém, a impugnação se fundar na indevida inclusão de certo crédito na lista de credores reconhecidos, na omissão da indicação das condições a que se encontre sujeito ou no facto de lhe ter sido atribuído um montante excessivo ou uma qualificação de grau superior à correcta, só o próprio titular pode responder.
3 - A resposta deve ser apresentada dentro dos 10 dias subsequentes ao termo do prazo referido no artigo anterior ou à notificação ao titular do crédito objecto da impugnação, consoante o caso, sob pena de a impugnação ser julgada procedente.