Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
346/24.2T8ELV.E1
Relator: MIGUEL TEIXEIRA
Descritores: CRÉDITO AO CONSUMO
PERSI
CESSÃO DE CRÉDITO
Data do Acordão: 10/02/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - A declaração de resolução, no contexto de um contrato de crédito ao consumo, deve ser expressa, clara e inequívoca;
- Não preenche tais requisitos uma declaração onde o credor manifesta que, mantendo-se o incumprimento, serão tomadas de imediato, sem precedência de qualquer outra notificação, as medidas necessárias às defesas dos seus interesses recorrendo à cobrança coerciva dos créditos em dívida;
- A cessão de créditos para titularização respeita sempre as situações jurídicas de que emergem os créditos objeto de cessão e todos os direitos e garantias dos devedores oponíveis ao cedente dos créditos;
- Subsiste a necessidade de integração no PERSI, ainda que o crédito em incumprimento tenha sido transmitido a uma instituição não financeira.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 346/24.2T8ELV.E1 - Recurso de Apelação
Tribunal Recorrido - Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, Juízo Local Cível de Elvas - Juiz 1
Recorrente – (…) Credit (…)
Recorridos – (…)
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Sumário: (…)
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Acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
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I – RELATÓRIO
(…) Credit (…) instaurou contra (…) execução para pagamento de quantia certa.
Em síntese, alega que:
(…) 1 - Por contrato de cessão de créditos, a ora Requerente (…) Credit (…) adquiriu do Banco (…), S.A. diversos créditos, bem como todos as garantias dos mesmos, onde se inclui o contrato de mútuo n.º (…).
2 - A 19-06-2014 o Exequente, então Requerente apresentou, junto do Balcão Nacional de Injunções, Requerimento de Injunção, ao qual foi atribuído o n.º 92056/14.0YIPRT, em que é Requerida (…).
3 - No referido requerimento de injunção pedia o ora Exequente que fosse a ora Executada notificada para lhe pagar a quantia de € 5.184,08 (…), reportando-se € 3.730,63 a capital, € 1.300,45 a juros de mora vencidos sobre o referido montante de capital, contados à taxas de juro de 15% e ainda € 153,00 de taxa de justiça.
4 - A Executada não pagou a quantia peticionada nem deduziu oposição, pelo que, em 22-10-2014 foi aposta fórmula executória ao referido requerimento de injunção, ora título executivo. (…)”.

Por despacho de 05.05.2025, a exequente foi convidada a “(…) querendo, no prazo de 10 (dez) dias, esclarecer e documentar nos autos se a Executada foi, em momento prévio à instauração dos presentes autos, integrada no PERSI” e a “(…), querendo, no prazo de 10 (dez) dias, exercer o contraditório quanto à aludida excepção da preterição de sujeição da Executada ao PERSI”.

A exequente, por requerimento de 08.05.2025 (Ref.ª 2786803), tomou posição sobre a questão suscitada. Diz que “o contrato em execução nos autos em apreço foi celebrado em 20/09/2011, como bem consta do contrato em anexo ao requerimento executivo.
Com efeito, o contrato foi resolvido em 16/11/2011 pelo incumprimento da executada, conforme carta que se junta como doc. 1.
Assim, o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro entrou em vigor em 01/01/2013, pelo que não se aplica ao contrato executado nos presentes autos”.

Por decisão de 14.05.2025, o Tribunal conheceu da “excepção dilatória inominada de preterição de sujeição do devedor ao PERSI” e, em consequência, absolveu da instância a executada.

A exequente, inconformada com esta decisão, dela veio interpor o presente recurso, cuja motivação concluiu do seguinte modo:
1. Em 15/05/2025 foi proferida sentença com a Ref.ª 34404479, na qual se absolve a executada nos presentes autos, com fundamento em exceção dilatória inominada, por entender que não foi respeitada a obrigação legal de sujeição da Executada ao PERSI, prevista no DL n.º 227/2012, de 25 de outubro. A Exequente não se conforma com tal entendimento, conforme se passará a demonstrar.
2. Ora, tal sentença assenta no pressuposto que o contrato de mútuo que serve de título executivo à presente execução ainda se encontrava em vigor aquando da entrada em vigor do DL 227/2012, de 25 de outubro.
3. No entanto, esse pressuposto encontra-se erradamente avaliado, já que, como a Exequente demonstrou nos autos, o contrato em questão foi resolvido em 16/11/2011, através de carta remetida à Executada.
4. A sentença em crise considera que a referida carta corresponde apenas a uma interpelação admonitória, e não uma resolução definitiva do contrato em causa.
5. Ora, conforme resulta dos autos, o teor da carta remetida à executada em 16/11/2012, é bastante claro no que toca à manifestação clara da vontade do Banco em resolver o contrato definitivamente, uma vez que contém trechos que evidenciam isso mesmo, tais como: “Se decorridos que sejam 15 dias sobre a data de emissão desta carta se mantiverem por regularizar as responsabilidades de crédito abaixo identificadas, tomaremos, de imediato, sem precedência de qualquer outra notificação, as medidas necessárias às defesas dos nossos legítimos interesses recorrendo à cobrança coerciva dos créditos em dívida, executando as garantias que lhe estejam associadas, reservando-nos, ainda, a faculdade de apresentar a protesto os títulos em dívida.”
6. Não se trata de uma simples interpelação, mas antes de declaração resolutiva tácita, feita com base em incumprimento definitivo, nos termos do artigo 808.º do Código Civil.
7. O homem médio diligente, colocado na posição da executada, consegue perfeitamente compreender que caso não regularize o incumprimento em 15 dias, não haverá outra notificação, e com isso, não havendo outra comunicação, é mais do que claro que o Banco não terá qualquer interesse na manutenção do contrato, pelo que o mesmo se considera resolvido por incumprimento.
8. A jurisprudência é unânime no sentido de que a resolução não exige forma sacramental, podendo ser expressa ou tácita, bastando que se revele uma vontade clara do credor de pôr termo ao vínculo contratual (TRP, Ac. de 28/06/2012, Proc. n.º 4496/08.2TBSTS.P1).
9. Assim, a Recorrente considera o contrato resolvido em 16/11/2012, não sendo, por isso, de aplicar o DL 227/2012, de 25 de outubro, já que este diploma apenas entrou em vigor em 01/01/2013, prevendo no seu artigo 39.º, n.º 1, que “São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.”
10. A sentença recorrida incorre, assim, em erro de direito ao ampliar o âmbito de aplicação do diploma, violando o princípio da legalidade e a interpretação restritiva de normas que limitam o acesso à via judicial.
11. Em alternativa, e por mera questão de cautela que se considere a necessidade de integração da executada em PERSI, a realidade é que a aqui Recorrente/Exequente, não se tem esse dever de integração, uma vez que não é uma instituição bancária, não lhe sendo aplicável o DL 227/2012, de 25 de outubro.
12. Ora, o DL 227/2012, n.º 18.º, n.º 3, apenas impõe à cessionária o prosseguimento do PERSI quando a cessão é feita entre instituições de crédito – o que manifestamente não é o caso: “Caso a instituição de crédito ceda o crédito ou transmita a sua posição contratual nos termos previstos na alínea c) do número anterior, a instituição de crédito cessionária está obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual.”
13. Não sendo a Exequente/Recorrente uma instituição de crédito, não se encontra abrangida pelo referido diploma legal. E se dúvidas existirem, o artigo 1.º do DL em questão prevê os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito, sendo que o conceito de instituições de crédito encontra-se regulamentada no artigo 3.º do mesmo diploma: “qualquer entidade habilitada a efetuar operações de crédito em Portugal, nos termos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, na sua redação atual (RGICSF). Ora, a aqui Exequente/Recorrente não está habilitada a efetuar qualquer operação de crédito, não assume, por isso, a posição de instituição de crédito.
14. Posto isto, se por mera hipótese se considerar o contrato não resolvido em 16/11/2011, a realidade é que a Exequente / Recorrente não se encontra abrangida pelo DL 227/2012, já que o mesmo apenas se aplica às instituições de crédito. Com a cessão do crédito em causa a uma instituição não financeira, com a consequente aquisição do crédito por parte da aqui Exequente / Recorrente, “caiu” assim a obrigação desta dar cumprimento ao PERSI e do DL 227/2012, podendo, por isso, executar a fórmula executória que serviu de título à presente execução, tal como sucedeu. Inexiste qualquer obrigatoriedade legal por parte da Exequente/Recorrente de integrar a executada em PERSI”.

Termina, dizendo que deve ser “Reconhecida a resolução do contrato de mútuo que serve de título à presente execução em 16/11/2012, não sendo por isso aplicável o DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro; e ainda em alternativa e hipoteticamente, se se considerar o contrato de mútuo ainda em vigor, ser reconhecida a não aplicabilidade do DL 227/2012, de 25 de Outubro à recorrente, por não se tratar de instituição de crédito”.

Não foi apresentada resposta.
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II – QUESTÕES A DECIDIR
Perante as conclusões das alegações da Recorrente há que apreciar as seguintes questões:
a) Saber se o contrato de mútuo invocado a que alude o requerimento executivo se encontrava em vigor em 01.01.2013, data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 272/2012, de 25 de outubro;
b) Saber se tal diploma e as obrigações dele resultantes são ou não aplicáveis à exequente.
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Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão, importa ter em consideração os seguintes factos:
a) Em 28.05.2024, (…) Credit (…) instaurou contra (…) a presente execução para pagamento de quantia certa;
b) Em resumo, alegou que:
(…) 1- Por contrato de cessão de créditos, a ora Requerente (…) Credit (…) adquiriu do Banco (…), S.A. diversos créditos, bem como todos as garantias dos mesmos, onde se inclui o contrato de mútuo n.º (…).
2 - A 19-06-2014 o Exequente, então Requerente apresentou, junto do Balcão Nacional de Injunções, Requerimento de Injunção, ao qual foi atribuído o n.º 92056/14.0YIPRT, em que é Requerida (…).
3 - No referido requerimento de injunção pedia o ora Exequente que fosse a ora Executada notificada para lhe pagar a quantia de € 5.184,08 (…), reportando-se € 3.730,63 a capital, € 1.300,45 a juros de mora vencidos sobre o referido montante de capital, contados à taxas de juro de 15% e ainda € 153,00 de taxa de justiça.
4 - A Executada não pagou a quantia peticionada nem deduziu oposição, pelo que, em 22-10-2014 foi aposta fórmula executória ao referido requerimento de injunção, ora título executivo”;
c) No requerimento de injunção, o ali requerente alegava que “A Requerida não efectuou o pagamento da prestação que se venceu em 2012/05/20. O não pagamento da prestação na data estipulada provocou o vencimento total da divida, nos termos dos artigos 781.º e 817.º do Código Civil”;
d) No dia 16.12.2012, o requerente da injunção enviou à executada uma carta com o seguinte teor: “Não obstante as diligências por nós já efectuadas, não foi ainda possível encontrar, conjuntamente, uma solução relativamente à situação de incumprimento que V. Exa(s). mantêm junto desta instituição de crédito. Se decorridos que sejam 15 dias sobre a data de emissão desta carta se mantiverem por regularizar as responsabilidades de crédito abaixo identificadas, tomaremos, de imediato, sem precedência de qualquer outra notificação, as medidas necessárias às defesas dos nossos legítimos interesses recorrendo à cobrança coerciva dos créditos em dívida, executando as garantias que lhe estejam associadas, reservando-nos, ainda, a faculdade de apresentar a protesto os títulos em dívida. Sem prejuízo do referido anteriormente, relembramos que ainda poderá contactar a Unidade de Recuperação através do telefone (…), com vista à regularização extrajudicial das referidas responsabilidades de crédito.”;
e) O Banco (…), S.A. e a executada não promoveram as diligências necessárias à implementação do PERSI;
f) O contrato que subjaz ao requerimento de injunção foi celebrado em 20.09.2011.
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.1. Em primeiro lugar, importa determinar se o contrato de mútuo a que alude o requerimento executivo se encontrava em vigor em 01.01.2013, data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 272/2012, de 25 de outubro.

O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10 que instituiu o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações.
Nos termos do artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do referido diploma, entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste, ou seja, na pendência do PERSI a instituição de crédito está impedida de “Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito”.
A respeito da aplicação no tempo deste regime legal, prevê o artigo 39.º que:
1. São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.
2 - Nas situações referidas no número anterior, a instituição de crédito deve, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 14.º.
3 - Os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora quanto ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito há menos de 31 dias são integrados no PERSI nos termos previstos no n.º 1 do artigo 14.º”.
O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10 entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2013.

No caso concreto, está assente que o credor – ao tempo em que se iniciou o incumprimento, o Banco (…), S.A. – não promoveu as diligências necessárias à implementação do PERSI relativamente à executada.
O Regime do PERSI só se aplica aos contratos ainda em vigor à data da entrada em vigor do referido diploma, ou seja, em 1 de janeiro de 2013.
O Tribunal recorrido sustenta que da declaração a que se refere a alínea d) dos factos provados “(…) não resulta que o contrato se consideraria denunciado/resolvido decorrido tal prazo, mas apenas a afirmação de que seriam adoptadas as “medidas necessárias às defesas” dos direitos do credor.
Não estamos perante qualquer denúncia ou resolução do contrato condicionadas ao não pagamento, pelo que tal declaração é uma mera interpelação admonitória, com intimação para o cumprimento e não contém uma declaração de denúncia ou resolução.
Assim, ainda que já existisse uma situação de incumprimento (ainda que definitivo) à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 272/2012, de 25 de Outubro, o contrato ainda estava em vigor.
A instituição de crédito mutuária não podia, a partir do momento em que entrou em vigor o aludido diploma legal (01/01/2013), deixar de cumprir, em relação ao devedor (o aqui Executado), as obrigações que lhe eram legalmente impostas, até porque as mesmas não surgem apenas com a expressa solicitação do devedor nos termos previstos no artigo 14.º, n.º 2, do referido diploma, uma vez que esta norma ressalva o disposto no n.º 1, do mesmo artigo, que estatui a integração obrigatória dos devedores no PERSI”.

Nas alegações de recurso, a Recorrente defende que o contrato se considera resolvido em 16/11/2012, não sendo, por isso, de aplicar o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro. Sustenta que o teor da carta remetida à executada em 16/11/2012, é bastante claro no que toca à manifestação da vontade do Banco em resolver o contrato definitivamente, uma vez que contém trechos que evidenciam isso mesmo, tais como “Se decorridos que sejam 15 dias sobre a data de emissão desta carta se mantiverem por regularizar as responsabilidades de crédito abaixo identificadas, tomaremos, de imediato, sem precedência de qualquer outra notificação, as medidas necessárias às defesas dos nossos legítimos interesses recorrendo à cobrança coerciva dos créditos em dívida, executando as garantias que lhe estejam associadas, reservando-nos, ainda, a faculdade de apresentar a protesto os títulos em dívida”.
Diz que não se trata de uma simples interpelação, mas antes de declaração resolutiva tácita, feita com base em incumprimento definitivo, nos termos do artigo 808.º do CC e que o homem médio, colocado na posição da executada, consegue perfeitamente compreender que caso não regularize o incumprimento em 15 dias, não haverá outra notificação, e com isso, não havendo outra comunicação, é mais do que claro que o Banco não terá qualquer interesse na manutenção do contrato, pelo que o mesmo se considera resolvido por incumprimento.

O contrato em análise – um contrato de “crédito pessoal” ou “crédito ao consumo” (cfr o doc. junto com o requerimento de 08.05.2025) – foi celebrado em 20.09.2011.
O artigo 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 02.06, sob a epígrafe “Não cumprimento do contrato de crédito pelo consumidor”, dispõe que:
1 - Em caso de incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor, o credor só pode invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato se, cumulativamente, ocorrerem as circunstâncias seguintes:
a) A falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10/prct. do montante total do crédito;
b) Ter o credor, sem sucesso, concedido ao consumidor um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato”.

Como se lê no Ac. da Relação de Lisboa de 09.04.2024, em www.dgsi.pt, “A resolução é uma das formas de extinção dos contratos por vontade unilateral de um dos contraentes, fundada na lei ou em convenção, e é regulada nos artigos 432.º a 436.º do Código Civil. É “a destruição da relação contratual, operada por um acto posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam, se o contrato não tivesse sido celebrado” – Antunes Varela, in “Das obrigações em Geral”, 2ª ed., II, 1974, n.º 336 (citado por Vaz Serra, in RLJ, Ano 11, n.º 3635, de 11/05/1979, pág. 29, nota 2).
A resolução exerce-se, como resulta do artigo 436.º do Código Civil, “mediante declaração à outra parte”.
Como evidencia Joana Farrajota, in “Os Efeitos da Resolução Infundada por Incumprimento do Contrato”, pág 31, acessível em https://run.unl.pt/bitstream/10362/18555/1/Farrajota_2013.pdf: “em resultado do carácter vinculado do exercício do direito de resolução, a declaração de resolução deve ser precisa quanto aos seus fundamentos, não bastando uma mera referência a uma situação de incumprimento. Com efeito, só desta forma será possível apreciar da respectiva validade.
A resolução opera por meio de uma declaração receptícia que, nos termos do artigo 224.º do CC, só produz efeitos quando chega ao destinatário ou deste é conhecida. Ao declarar que resolve o contrato o declarante não está pois (apenas) a descrever uma acção, mas a fazê-la, isto é, a resolver o contrato. Trata-se de um enunciado performativo56, elemento constitutivo da resolução”.

Perante o teor da declaração de 16.11.2012, pela qual a apelante sustenta que foi efetuada a declaração de resolução, não há dúvidas de que está em causa o incumprimento do contrato. Porém, não é o “aviso” de que, decorridos 15 dias, caso se mantivesse o incumprimento, seriam tomadas “de imediato, sem precedência de qualquer outra notificação, as medidas necessárias às defesas dos (…) legítimos interesses” do credor, “(…) recorrendo à cobrança coerciva dos créditos em dívida” que constitui causa de extinção do contrato, designadamente, por resolução (artigo 432.º do CC). Um declaratário normal, colocado na posição da real declaratária (cfr. o artigo 236.º, n.º 1, do CC), não entenderia, nem interpretaria, seguramente, o teor daquela declaração como uma declaração de resolução do contrato de crédito em causa, se persistisse no incumprimento, constituindo apenas o aviso de que, mantendo-se nessa situação, iriam ser desencadeadas diligências tendo em vista o cumprimento coercivo do contrato.
De resto, se é verdade que, como refere a Recorrente, a jurisprudência é unânime no sentido de que a resolução não exige forma sacramental, podendo ser expressa ou tácita, bastando que se revele uma vontade clara do credor de pôr termo ao vínculo contratual, não é menos verdade que, no contexto dos contratos a que se reporta o Decreto-Lei n.º 133/2009, de 02.06, os contratos de crédito aos consumidores, o legislador foi particularmente cauteloso, ao exigir a “expressa advertência (…) da resolução do contrato” para que o credor possa invocar a resolução.

Em suma, a declaração inserta na mencionada carta de 16.11.2012 consubstancia uma mera interpelação admonitória, com intimação para o cumprimento e não contém, ainda, uma declaração de resolução, o que significa que, não estando provado que o credor efetuou a resolução – incumbindo o respetivo ónus à Recorrente – o contrato em causa ainda estava vigente aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10.
E, por isso, encontrava-se sujeito ao PERSI (cfr. o artigo 39.º, n.os 1 e 2, daquele diploma), com a consequente obrigatoriedade do respetivo cumprimento, o que não ocorreu.

3.2.2. Finalmente, importa saber se Decreto-Lei n.º 272/2012, de 25 de outubro e as obrigações dele resultantes são ou não aplicáveis à exequente.
A Recorrente defende que não estaria obrigada a integrar a executada no PERSI, uma vez que não é uma instituição bancária, não lhe sendo aplicável o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro.
Invoca, em abono da sua tese, o disposto no artigo 18.º, n.º 3, do referido diploma, de onde resulta que “3 - Caso a instituição de crédito ceda o crédito ou transmita a sua posição contratual nos termos previstos na alínea c) do número anterior, a instituição de crédito cessionária está obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual”.
Não cremos que lhe assista razão.
Como se lê no Acórdão da Relação de Lisboa de 24.11.2022, “(…) o crédito que é transmitido quando da cessão de créditos é o mesmo que existe na titularidade do cedente. Se o crédito já estava em incumprimento quando da cessão de créditos e o cedente estava limitado no exercício do seu direito por força do regime do PERSI, designadamente por estar obrigado a integrar o devedor no PERSI, não podendo intentar contra ele ações judiciais com vista à cobrança coerciva do seu crédito até à extinção deste procedimento, nos termos previstos no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do diploma em questão, o direito de crédito que o mesmo transmitiu à cessionária não pode deixar de ter esta mesma limitação, veja aliás o regime geral da transmissão de créditos, que de acordo com o disposto no artigo 585.º do Código Civil, admite que o devedor venha a opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com a única ressalva daqueles que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão.
Esta garantia ou proteção do devedor está também contemplada no Decreto-Lei 453/99 de 5 de novembro, diploma que estabelece o regime jurídico das operações de transmissão de créditos com vista à subsequente emissão, pelas entidades adquirentes, de valores mobiliários destinados ao financiamento das referidas operações, que logo no seu preâmbulo refere: “Quanto aos legítimos direitos dos devedores, especialmente dos consumidores de serviços financeiros, consagram-se normas que visam a neutralidade da operação perante estes. É o que sucede, nomeadamente, no que respeita à manutenção, pela instituição financeira cedente, de poderes de gestão dos créditos e das respectivas garantias. Com efeito, em relação aos devedores, a titularização dos créditos não implica a diminuição de nenhuma das suas garantias, continuando aqueles, no que ao sector financeiro respeita e não obstante a ausência de notificação da cessão, a manter todos os seus direitos e todo o seu relacionamento com a instituição financeira cedente”.
Sobre os efeitos da cessão de créditos e na matéria que agora nos interessa, estabelece o artigo 6.º deste diploma nos seus n.ºs 6 e 7:
“6 - Dos meios de defesa que lhes seria lícito invocar contra o cedente, os devedores dos créditos objecto de cessão só podem opor ao cessionário aqueles que provenham de facto anterior ao momento em que a cessão se torne eficaz entre o cedente e o cessionário.
7 - A cessão de créditos para titularização respeita sempre as situações jurídicas de que emergem os créditos objecto de cessão e todos os direitos e garantias dos devedores oponíveis ao cedente dos créditos ou o estipulado nos contratos celebrados com os devedores dos créditos, designadamente quanto ao exercício dos respectivos direitos em matéria de reembolso antecipado, de renegociação das condições do crédito, cessão da posição contratual e sub-rogação, mantendo estes todas as relações exclusivamente com o cedente, caso este seja uma das entidades referidas no n.º 4”.
No mesmo sentido, o Ac. do STJ de 02.02.2023, em www.dgsi.pt, onde se lê:
Ou seja, o legislador foi, não apenas exigente, mas igualmente claro e peremptório: não é possível instauração de acção para cobrança do crédito (b) Intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito) sem que o cliente bancário tenha sido inserido no PERSI, e bem assim “Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito” – como ocorreu in casu, em que a instituição de crédito mutuante cedeu ao terceiro (isto é, a quem não é uma instituição de crédito – a exequente) a totalidade do crédito que detinha sobre o devedor/executado.
Em defesa da posição ora sustentada, a Recorrente chama à colação, com toda a pertinência, acórdãos das Relações (de Coimbra, de 8.3.2022 – proc. 824/20.2T8ANS.C1 – e de 30 .01.2020, disponível em www.dgsi.pt, e de Guimarães de 30.01.2022 – processo n.º 5520/18.8T8VNF-A.G1).
Como bem refere o primeiro dos dois arestos (num caso de todo similar ao destes autos) – acompanhando Andreia Sofia Lúcio Engenheiro, in “O crédito bancário: a prevenção do risco e gestão de situações de incumprimento”, Dissertação com vista à obtenção do grau de Mestre em Direito na área de Ciências Jurídicas Empresariais – Universidade Nova de Lisboa[8] – citada no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30.01.2020, disponível em www.dgsi.pt: “… a entidade bancária não podia ter cedido o crédito dos autos à exequente sem ter previamente cumprido as exigências legais, não podendo a ora exequente escudar-se na circunstância de não ser uma entidade de crédito para, desde modo, evitar que sejam cumpridas as exigências legais.
“Com efeito, de outro modo estaria encontrada uma via expedita para as instituições de crédito se subtraírem à obrigatória sujeição ao regime decorrente do Dec.-Lei n.º 227/2012, bastando para o efeito que, em violação do estatuído no citado diploma legal, se abstivessem de integrar obrigatoriamente o cliente bancário no PERSI e cedessem o seu crédito a um terceiro que não é uma instituição de crédito, o que permitiria que este (cessionário) não ficasse sujeito às proibições ou impedimentos elencados no artigo 18.º e pudesse obter de imediato a satisfação do crédito cedido, sendo-lhe, por isso, lícito, sem quaisquer restrições, resolver de imediato o contrato de crédito com fundamento em incumprimento (artigo 18.º, n.º 1, alínea a)), intentar ações judiciais contra o mutuário, tendo em vista a satisfação dos respetivos créditos (alínea b)), ceder a terceiros uma parte ou a totalidade do crédito em causa (alínea c)) ou transmitir a terceiro a sua posição contratual (alínea d)).
Tal representaria, fácil é de ver, uma autêntica fraude à lei, na medida em que frustraria por completo os objetivos que presidiriam à consagração daquele especial regime que visa tutelar as situações dos clientes bancários que se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, solução essa que deve ser rejeitada”.
Acrescentando o segundo dos arestos que “«A razão de ser desta última exceção – permitir a cedência ou a transmissão do crédito de cliente bancário integrado em PERSI –, justifica-se desde que seja possível dar continuidade à aplicação do referido procedimento – o que poderá ser vantajoso em situações em que o cliente bancário consiga melhores condições com outra instituição de crédito –, pois caso contrário a cedência ou a transmissão poderia importar uma desvirtuação do regime, na medida em que se o cessionário não for uma instituição de crédito abrangida pelo âmbito de aplicação do Regime Geral não estaria obrigado a dar cumprimento ao PERSI.(…)”.

Conclui-se, portanto, que apesar de não ser uma instituição bancária, à exequente pode ser oposta a circunstância de não ter, previamente à instauração da ação executiva, integrado a executada no PERSI.

Improcede, por isso, a apelação, sendo de confirmar a decisão recorrida.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal de Relação de Évora em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
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Custas pela Recorrente.
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Notifique.
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Évora, 2 de outubro de 2025
Miguel Jorge Vieira Teixeira
Maria Isabel Calheiros
Anabela Raimundo Fialho