Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4828/23.5T8STB.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: NÃO JUNÇÃO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE
PRAZO PEREMPTÓRIO
DIREITO DE DEFESA
TRABALHADOR
Data do Acordão: 03/27/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: SOCIAL
Sumário: Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):

I – Os despachos que não interferem no conflito entre as partes, por não tomarem qualquer decisão definitiva, são despachos de mero expediente e, por isso, insuscetíveis de recurso e de trânsito em julgado.


II – O prazo indicado no art. 98.º-I, n.º 4, al. a), do Código de Processo do Trabalho, para apresentar o procedimento disciplinar, é um prazo perentório, pelo que não admite que o procedimento disciplinar possa ser junto ao processo após o decurso desse prazo.


III – Integra o procedimento disciplinar tudo o que o compõe e que releva na defesa do trabalhador, concretamente documentos que fundamentaram o relatório final que culminou no despedimento do trabalhador.


IV – A não junção desses documentos com o procedimento disciplinar põe em causa o direito de defesa do trabalhador, visto que lhe impede o acesso a meios de prova em que assentou a decisão proferida no âmbito do procedimento disciplinar.


V – A não junção dessa documentação equivale à não junção do procedimento disciplinar pela entidade empregadora, nos termos do art. 98.º-I, n.º 4, al. a), do Código de Processo do Trabalho.

Decisão Texto Integral: Proc. n.º 4828/23.5T8STB.E1

Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1





Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:


I – Relatório


AA2 (Autor) intentou ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, manifestando, por via da apresentação do requerimento a que alude o artigo 98.º - C do Código de Processo do Trabalho, a sua oposição ao despedimento promovido por “Banco BPI, SA.” (Réu).





Em 06-09-2023, foi realizada a audiência de partes, não tendo sido possível resolver o litígio por acordo, pelo que o Réu foi notificado para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado a motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, sob pena de não o fazendo o despedimento ser logo declarado ilícito e ser proferida sentença (art. 98.º-J, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho).





Em 21-09-2023, o Réu apresentou articulado motivador, juntando ao mesmo o procedimento disciplinar; tendo o Autor respondido, em 10-10-2023, contestando e reconvindo; e tendo, posteriormente, o Réu respondido, em 30-10-2023, à reconvenção formulada.





Designada a realização de audiência prévia, veio a mesma a realizar-se em 18-12-2023, tendo durante a mesma sido requerido pelo Réu o seguinte:

Como questão Prévia o Banco apercebeu-se na preparação da presente audiência que por lapso não foram juntos com o procedimento disciplinar uma PEN que contém dois ficheiros. Detetado esse lapso o Banco requer agora a sua junção. Os ficheiros constantes na PEN correspondem aos Documentos 72 e 73 do procedimento disciplinar indicados como anexos.

Dada a palavra ao Autor, o mesmo opôs-se a tal junção, tendo o Réu se pronunciado sobre tal oposição.


De seguida, pelo tribunal a quo foi proferido o seguinte despacho judicial:

Sem prejuízo das consequências que se venham a retirar da apresentação, nesta audiência, dos documentos referidos no anexo ao processo disciplinar sobre os pontos 73 e 74, admito a sua junção aos autos, concedendo-se ao autor o prazo de 10 dias para querendo sobre os mesmos se pronunciar, na medida em que, não fazendo fé da sua tese, os mesmos poderem vir a ser utilizados na decisão a proferir a final.

Notifique.

Ainda em sede de audiência prévia a juíza da 1.ª instância ditou para a ata o seguinte:

Relativamente às questões suscitadas, a título de exceção, pelo trabalhador na contestação apresentada, sem prejuízo de uma melhor analise em sede de despacho saneador a proferir finda a presente audiência prévia cumpre dar conhecimento às partes do seguinte:

a) Após analise do Processo Disciplinar e do anexo contendo documentos, bem como da PEN hoje apresentada é nosso entendimento que tais elementos se encontram integralmente identificados e numerados, sendo que o conteúdo da PEN se mostra igualmente plasmado nos documentos impressos a que o autor teve acesso.

b) Sendo aplicável à relação laboral o ACT “bancários”, o prazo para prolação da decisão do processo disciplinar será o que consta da clausula 85 daquele ACT.

c) É nosso entendimento que o processo que correu termos na DAI não se destinava a averiguar a existência de matéria disciplinar por banda dos trabalhadores ali mencionados, mas sim verificar se o balcão Local 1 tinha cumprido as formalidades exigidas no âmbito da concessão de crédito pessoal, por se terem verificado disparidades entre os referidos processos e as instruções internas, sendo que só no decursos daquele processo teve o empregador conhecimento de que de facto foram incumpridos os procedimentos e identificou os trabalhadores envolvidos. Note-se que foi na sequência do relatório da DAI que foi decidido instaurar o processo disciplinar sendo que neste ainda foram feitas diligências tendentes a apurar a intervenção do trabalhador nos factos.

d) Considerando a complexidade da decisão a proferir em sede de saneador o mesmo será elaborado por escrito, sem prejuízo de neste momento, se designar já uma data consensual para realização da audiência de julgamento e de se conceder a ambas as partes a possibilidade de alterarem os requerimentos probatórios já apresentados, embora o rol de testemunhas ainda possa vir a ser aditado e alterado nos 20 dias que antecedem à audiência de julgamento. --

Após conciliação de agendas para audiência de julgamento designa-se o dia 22 de março de 2024, com início pelas 09:30 e continuação pelas 14:00 horas. Sendo notificadas para comparecer no período da manha as testemunhas do empregador e as duas primeiras testemunhas do trabalhador que não são comuns, e as restantes para comparecer no período da tarde.

Notifique.




Inconformado com tal despacho, o Autor veio interpor recurso, tendo o mesmo subido, em separado,3 a este Tribunal e sido proferido acórdão, em 23-04-2024, com o seguinte teor decisório:

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente, e, em consequência, revogar o despacho recorrido, o qual é substituído pelo seguinte despacho:

Por há muito se mostrar ultrapassado o prazo previsto no art. 98.º-I, n.º 4, al. a), do Código de Processo do Trabalho, e que estabelece o prazo de 15 dias para a junção do procedimento disciplinar, tratando-se os dois ficheiros, cuja junção se requer, de documentos que integram o procedimento disciplinar, por extemporâneo, não se admite tal junção.

Custas pelo Apelado, por ter decaído no recurso (art. 527.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

Notifique.




Voltados os autos à 1.ª instância, em 18-07-2024, foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:4

Em face do exposto, ao abrigo do disposto no art. 98.º-J n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, o tribunal decide:

a) Declarar ilícito o despedimento do Autor

b) Condenar a Ré na reintegração do Autor;

c) Condenar a Ré no pagamento das retribuições que o Autor deixou de auferir desde 20.06.2023 até à data do trânsito em julgado da presente decisão, a liquidar em incidente próprio.

d) Condenar a Ré no pagamento das custas processuais.

*

Valor da ação: € 30.000,01 (art. 98.º-P n.º 2 do Código de Processo do Trabalho).

*

Notifique o Autor nos termos e para efeitos do disposto no art. 98.º-J n.º 3 alínea c) do Código de Processo do Trabalho.

*

Notifique a Ré da sentença proferida (n.º 4 do art. 98.º-J do Código de Processo do Trabalho).




O Réu “Banco BPI, SA” inconformado com a sentença proferida, interpôs recurso de Apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem:

I. Na douta Sentença sob recurso, logo após breve referência a terem sido compulsados os autos e ao Acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido na senda de recurso interposto pelo A. sobre o decidido em sede de audiência prévia pelo Tribunal a quo quanto à admissão da junção pela R. de dois documentos integrantes do procedimento disciplinar, o Tribunal avançou, de imediato, com a aplicação da cominação prevista no n.º 3 do artigo 98.º-J do CPT.

II. Sucede que, na Sentença sob recurso não se enunciam os fundamentos de facto em que o Tribunal estribou o entendimento de que não foi junto aos autos o procedimento disciplinar que culminou no despedimento do A. com invocação de justa causa. E

III. Como requisito mínimo da fundamentação da Sentença quanto a tal matéria deveriam ser indicados que documentos integrantes do procedimento disciplinar não foram juntos aos autos, pois apenas mediante tal identificação se poderia, legitimamente, concluir se a integralidade do procedimento disciplinar foi, ou não, junto aos autos.

IV. A ausência, na Sentença sob recurso, de qualquer referência ao quadro factual em que foi proferida, torna-a em absoluto ininteligível, sobretudo se levarmos em linha de conta os próprios motivos pelos quais, de acordo com Sentença sob recurso, o legislador impôs ao empregador a junção do procedimento disciplinar aos autos em sede de ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, que ali são enunciados como sendo.

V. Não se conhecendo, por não constarem da Sentença, os fundamentos de facto pelos quais o Tribunal considerou que a falta de junção da pen tem impacto no cumprimento dos desideratos que, de acordo com a própria Sentença, o legislador visou com a imposição do ónus de junção integral do procedimento disciplinar, torna-se ininteligível o sentido da decisão.

VI. Neste contexto, por nela ser omitido o quadro factual em que assentou a decisão, a douta Sentença sob recurso é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, b) do CPC, nulidade que, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, expressamente se invoca.

VII. Entende ainda o Recorrente que a Sentença sob recurso se encontra em oposição com o decidido anteriormente pelo Tribunal em sede de Audiência Prévia e, nessa medida, foi violado o caso julgado formal, tal como previsto no artigo 620.º, n.º 1 do CPC.

VIII. Tal como resulta da Ata da Audiência Prévia, ali foram proferidos dois despachos. No primeiro, foi admitida a junção aos autos dos documentos referidos no anexo ao processo disciplinar sobre os pontos 73 e 74, concedendo-se ao A. o prazo de 10 dias para, querendo, sobre os mesmos se pronunciar. O A. interpôs recurso deste despacho, tendo o Tribunal da Relação de Évora, por douto Acórdão de 23 de abril de 2024, julgado procedente o mesmo e, em consequência, revogado tal despacho e substituindo-o, pelo seguinte: «Por há muito se mostrar ultrapassado o prazo previsto no art. 98.º-I, n.º 4, al. a) do Código de Processo do Trabalho, e que estabelece o prazo de 15 dias para a junção do procedimento disciplinar, tratando-se os dois ficheiros cuja junção se requer, de documentos que integram o procedimento disciplinar, por extemporâneo, não se admite tal junção.»

IX. Sucede que, também em sede de Audiência Prévia e como resulta da respetiva Ata, foi proferido um segundo Despacho, sob o qual não recaiu qualquer recurso e que, nessa medida, se encontra transitado em julgado.

X. Neste segundo Despacho, entendeu o Tribunal a quo que que o conteúdo da PEN cuja junção foi requerida pelo ora Recorrente naquela Audiência «(…) se mostra igualmente plasmado nos documentos impressos a que o autor teve acesso.»

XI. O Tribunal proferiu, assim, duas decisões contraditórias no mesmo processo, a primeira, já transitada em julgado, de 18 de dezembro de 2023, em que o Tribunal se pronuncia no sentido de que o conteúdo da PEN cuja junção foi requerida se encontra igualmente plasmado nos documentos impressos a que o autor teve acesso – o que apenas pode significar, se interpretado à luz das regras gerais, maxime, do estatuído no artigo 236.º do Código Civil, que o procedimento disciplinar foi integralmente junto aos autos -, e, uma segunda, a vertida na Sentença sob recurso, que entende exatamente o contrário.

XII. Pelo que, na Sentença sob recurso foi excedido o poder jurisdicional exercido no Despacho proferido na Audiência Prévia, o que é flagrantemente violador do caso julgado formado intra processo. O mesmo é dizer que a Sentença sob recurso é ineficaz, por violação do caso julgado, nos termos previstos no artigo 620.º, n.º 1 do CPC.

XIII. Mal andou o Tribunal a quo ao considerar, à luz da ratio legis, do regime previsto nos artigos 98.º-I, n.º 4, a) e 98.º-J, n.º 3, do CPT, no caso dos autos a Recorrente não juntou o procedimento disciplinar aos autos.

XIV. Não restam hoje dúvidas que, o procedimento disciplinar cuja junção se impõe deverá ser composto não apenas pelas suas peças essenciais, mas, também, de todos os documentos e demais elementos relevantes para a decisão de despedimento ou para a defesa do trabalhador.

XV. Mas resulta também do regime legal corretamente interpretado que apenas relevam para efeitos de aplicação da cominação prevista no artigo 98.º-J, n.º 3 do CPT, as omissões que tenham como efeito prejudicar a defesa do trabalhador ou impossibilitar ao tribunal aferir do cumprimento dos requisitos legais do procedimento.

XVI. O mesmo é dizer que a falta de junção de elementos do procedimento disciplinar que sejam meramente acessórios, cuja natureza seja inapta a afetar a defesa do trabalhador, não tem por consequência a aplicação da acima referida cominação.

XVII. Será, assim, perante o caso concreto, associado à defesa do trabalhador, que ao tribunal competirá aferir, em caso de omissão da junção de algum elemento do procedimento disciplinar, se, ainda assim, foi dado cumprimento ao ónus da sua junção, não sendo de aplicar o efeito cominatório se os documentos ou elementos em falta forem inúteis ou irrelevantes e se os elementos que foram juntos não deixarem de poder caracterizar-se por um procedimento sequencial e satisfazerem a motivação que se encontra na base da exigência legal de junção do procedimento disciplinar.

XVIII. Ora, no caso dos autos, se confrontado o procedimento disciplinar junto aos autos com o elemento (PEN) que não foi junto, é cogente a conclusão de que o procedimento junto é exaustivo, contempla todos os elementos essenciais e acessórios do procedimento, permite ao Tribunal aferir todo o iter procedimental seguido pela Recorrente e que culminou na aplicação da sanção disciplinar de despedimento com invocação de justa causa, quer desde um ponto de vista formal, quer desde um ponto de vista da materialidade e suporte documental existente.

XIX. Permite, também, e o que não é de somenos importância, aferir que foram garantidos ao Trabalhador todos os direitos de defesa no contexto do exercício do poder disciplinar pela Recorrente e, igualmente, o cabal exercício dos seus direitos no âmbito da ação judicial.

XX. Não sendo despiciendo reiterar que, conforme consta expressamente da ata da Audiência Prévia que teve lugar nos presentes autos que:«a) Após análise do Processo Disciplinar e do anexo contendo documentos, bem como da PEN hoje apresentada é nosso entendimento que tais elementos se encontram identificados e numerados, sendo que o conteúdo da PEN se mostra igualmente plasmado nos documentos impressos a que o autor teve acesso.» - destaque nosso.

XXI. Neste contexto, reitera-se, pese embora o requerido pelo ora Recorrente no âmbito da referida Audiência Preliminar quanto à junção da pen, tal em nada contende com a conclusão de que efetivamente foi dado cabal cumprimento ao ónus de junção do procedimento disciplinar, não sendo de aplicar, em consequência, a cominação prevista no artigo 98.º-J, n.º 3 do CPT.

XXII. Cumpre, aliás, sublinhar que a jurisprudência citada na douta Sentença em nada contende com a conclusão de que no caso dos autos foi dado pela Recorrente cumprimento ao ónus de junção do procedimento disciplinar, na medida em que o quadro factual subjacente a tais doutas decisões é substancialmente diverso do caso dos autos.

XXIII. No caso dos autos, o procedimento disciplinar junto permite cabalmente ao Tribunal aferir do cumprimento pela Recorrente das formalidades inerentes ao procedimento disciplinar e um cabal exercício do direito de defesa por parte do A./trabalhador.

XXIV. O que, evidentemente, deverá conduzir a solução diversa daquela em que se chegou nos Acórdãos citados na douta sentença sob recurso, todos proferidos com estribo em quadros factuais diametralmente diversos.

XXV. Ao decidir como decidiu, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, tendo violado o estatuído no artigo 98.º-J, n.º 3 do CPT , devendo, em consequência, ser revogada a Sentença, julgando-se que a Recorrente deu cumprimento ao ónus de junção do procedimento disciplinar, e ordenando-se o prosseguimento dos termos do processo, com prolação de despacho saneador e consequente realização do julgamento.

Termos em que deve julgar-se nula a douta Sentença recorrida por falta de fundamentação, sem prejuízo do conhecimento do objeto do Recurso – cfr. artigo 665.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do CPT – e, concedendo-se provimento ao recurso, revogar a douta sentença recorrida ordenando-se o prosseguimento dos autos com vista ao julgamento sobre a licitude do despedimento do Recorrido,

Assim se fazendo JUSTIÇA




O Autor AA apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, confirmando-se a sentença recorrida.





O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo (em face da caução prestada), tendo subido os presentes autos a este tribunal, onde foi dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do art. 87.º do Código de Processo do Trabalho, pugnando a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer pela improcedência do recurso.


O Réu, em resposta, pugnou pela procedência do recurso.


Tendo sido mantido o recurso nos seus precisos termos, foram colhidos os vistos, cumprindo agora apreciar e decidir.





II – Objeto do Recurso


Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).


No caso em apreço, as questões que importa decidir são:


1) Nulidade da sentença;


2) Violação do caso julgado; e


3) Erro de julgamento.





III – Matéria de Facto


O que releva para a decisão a proferir é o que consta do relatório que antecede.





IV – Enquadramento jurídico


Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso são as questões supra elencadas.


1 – Nulidade da sentença


Entende o recorrente que na sentença proferida não se enunciam os fundamentos de facto em que o tribunal a quo estribou o entendimento de que não foi junto aos autos o procedimento disciplinar que culminou no despedimento do Autor com invocação de justa causa, sendo, por isso, nula a sentença, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.


Referiu ainda que não se conhecendo os fundamentos de facto pelos quais o referido tribunal considerou que a falta de junção da pen implicava o ónus de não junção integral do procedimento disciplinar, torna tal decisão ininteligível.


Apreciemos.


Dispõe o art. 615.º, n.º1, als. b) e c), do Código de Processo Civil, que:

1 - É nula a sentença quando:

[…]

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

Dispõe ainda o art. 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, que:

4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.

Apesar de o recorrente apenas indicar a al. b) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil, como invoca igualmente a ininteligibilidade da sentença, apreciaremos igualmente a al. c).


a) Quanto à nulidade da sentença por falta de fundamentação, para que esta nulidade se verifique, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil, como resulta pacífico na nossa doutrina e jurisprudência, é necessário que se verifique uma situação de ausência de fundamentação de facto ou de direito, não bastando, assim, uma mera situação de insuficiência, mediocridade ou erroneidade de fundamentação.


Cita-se a este propósito o acórdão do STJ, proferido em 02-06-2016:5

II - Só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade – integra a previsão da al. b) do n.º 1 do art. 615.º do NCPC, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento.

De igual modo, se cita a explanação do professor Alberto do Reis6 sobre esta específica nulidade:

Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.

Deste modo, o não cumprimento na íntegra do disposto no n.º 4 do art. 607.º do Código de Processo Civil, só determina a nulidade da sentença por falta de fundamentação, se inexistir qualquer fundamentação sobre os factos e/ou sobre o direito, já não quando essa fundamentação é deficiente, medíocre ou errónea. Na realidade, a insuficiente fundamentação do percurso observado pelo tribunal a quo para chegar à decisão proferida, poderá vir a determinar, (i) se se reportar aos factos, uma eventual remessa do processo à 1.ª instância nos termos da al. d) do n.º 2 do art. 662.º do mesmo Diploma Legal ou uma eventual alteração dos factos em sede de apreciação da matéria de facto; e (ii) se se reportar ao direito, à revogação da decisão proferida; já não a determinar uma declaração de nulidade da sentença por falta de fundamentação.


No caso em apreço, importa referir que a presente sentença é proferida no âmbito do disposto no art. 98.º-J, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, segundo o qual, perante a não apresentação pela entidade empregadora do procedimento disciplinar, a lei determina, de imediato, determinadas consequências jurídicas, e no seguimento de um acórdão proferido por este Tribunal da Relação, já transitado, que não admitiu a junção de dois ficheiros que integravam o procedimento disciplinar, por tal junção ser extemporânea.


Por esse motivo, a decisão sob recurso inicia-se nos seguintes termos:

Compulsados os autos, e na senda do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora relativamente à junção de dois documentos integrantes do procedimento disciplinar, constata-se que a Ré não procedeu, no prazo legalmente consagrado, à junção aos autos do processo disciplinar integral.

Verifica-se, assim, que a decisão recorrida aplica a cominação prevista no art. 98.º-J, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, por os dois documentos, que integravam o procedimento disciplinar, não terem sido admitidos, nos termos do acórdão deste Tribunal da Relação. Ora, o recorrente não pode invocar desconhecer que documentos sejam esses, quer por a respetiva junção ter sido requerida por si, quer por ter participado no recurso, tendo apresentado as suas contra-alegações, vindo, a final, a ser notificado do respetivo acórdão.


Assim, e independentemente quer da suficiência quer do acerto da fundamentação fáctica que consta da sentença recorrida, inexiste ausência de fundamentação fáctica.


Nesta conformidade, improcede a nulidade por falta de fundamentação fáctica.


b) Quanto à ininteligibilidade da decisão proferida, por falta de fundamentação de facto, tendo improcedido a invocada falta de fundamentação, também não pode proceder a ininteligibilidade da decisão.


Acresce que o recorrente também não invoca qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, nem qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.


Pelo exposto também não se verifica a nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil.


Assim, quanto à nulidade da sentença, improcede a pretensão do recorrente.


2 – Violação do caso julgado


Entende o recorrente que a sentença recorrida violou o caso julgado referente ao segundo despacho proferido em sede de audiência prévia.


Vejamos.


Consta desse segundo despacho, conforme já citámos supra, que, quanto às exceções invocadas pelo Autor, na contestação, o tribunal a quo entendeu, sem prejuízo de uma melhor analise em sede de despacho saneador a proferir7 que finda a audiência prévia, devia dar a conhecer às partes, designadamente, que “Após analise do Processo Disciplinar e do anexo contendo documentos, bem como da PEN hoje apresentada é nosso entendimento que tais elementos se encontram integralmente identificados e numerados, sendo que o conteúdo da PEN se mostra igualmente plasmado nos documentos impressos a que o autor teve acesso”.


Mais referiu que “Considerando a complexidade da decisão a proferir em sede de saneador o mesmo será elaborado por escrito, sem prejuízo de neste momento, se designar já uma data consensual para realização da audiência de julgamento e de se conceder a ambas as partes a possibilidade de alterarem os requerimentos probatórios já apresentados, embora o rol de testemunhas ainda possa vir a ser aditado e alterado nos 20 dias que antecedem à audiência de julgamento”.


Ora, resulta claro do referido despacho que o mesmo nada decide quanto ao conteúdo da PEN e se tal conteúdo se encontra ou não no procedimento disciplinar, uma vez que apenas nele se fez menção àquilo que era o entendimento, no momento, sobre o conteúdo da PEN, sem prejuízo, como se fez expressamente consignar, de “uma melhor analise em sede de despacho saneador a proferir”. Na realidade, não se vislumbra como poderia o Autor recorrer de uma mera consideração momentânea, que, em sede de decisão, a proferir no despacho saneador, poderia vir a ser outra.


Conforme bem refere o art. 152.º, nº. 4, do Código de Processo Civil, os despachos que não interferem no conflito entre as partes, como é o caso deste, por não tomar qualquer decisão definitiva, são despachos de mero expediente e, por isso, insuscetíveis de recurso (art. 630.º, n.º 1 do Código de Processo Civil) e de trânsito em julgado (art. 620.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).


Assim, não tendo havido decisão sobre tal matéria, inexiste possibilidade de trânsito em julgado.


Pelo exposto, por o despacho proferido em sede de audiência prévia não configurar uma decisão, não é o mesmo suscetível de trânsito, pelo que improcede a exceção de caso julgado.


3 – Erro de julgamento


Considera o recorrente que não deveria ter sido aplicado o disposto no art. 98.º-J, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, uma vez que tal aplicação apenas se mostra reservada quando as omissões no procedimento disciplinar tenham como efeito prejudicar a defesa do trabalhador ou impossibilitar ao tribunal aferir do cumprimento dos requisitos legais do procedimento, ou seja, quando se reportem a elementos essenciais e não a elementos acessórios.


Mais referiu que, mesmo sem a PEN, o procedimento disciplinar junto aos autos é exaustivo, contemplando todos os elementos essenciais e acessórios do procedimento e permitindo aferir que foram garantidos ao trabalhador todos os seus direitos de defesa.


Referiu ainda que o tribunal a quo considerou, na audiência prévia, que os elementos constantes da PEN se encontravam identificados e numerados e que o seu conteúdo se mostrava “igualmente plasmado nos documentos impressos a que o autor teve acesso”.


Dispõe o art. 98.º-J, nº 3, do Código de Processo do Trabalho, que:

3 - Se o empregador não apresentar o articulado referido no número anterior, ou não juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador, e:

a) Condena o empregador a reintegrar o trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ou, caso o trabalhador tenha optado por uma indemnização em substituição da reintegração, a pagar-lhe, no mínimo, uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 391.º do Código do Trabalho;

b) Condena ainda o empregador no pagamento das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare a ilicitude do despedimento;

c) Ordena a notificação do trabalhador para, querendo, no prazo de 15 dias, apresentar articulado no qual peticione quaisquer outros créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação, incluindo a indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 389.º do Código do Trabalho.

É verdade que no caso que ora nos ocupa não estamos perante uma mera não apresentação do procedimento disciplinar, mas sim perante uma situação de apresentação parcial, e não integral, de tal procedimento, porém, conforme amplamente consagrado na jurisprudência8, existe uma equiparação entre ambas as situações. Porém, sempre terá de se reportar tal não junção a parte com relevância no procedimento disciplinar, não podendo, por isso, se reportar a páginas do processo que sejam irrelevantes.


No caso em apreço, mostra-se junto pelo recorrente, aquando da apresentação do seu articulado motivador, um índice de documentação que integra o procedimento disciplinar.9 Nesse índice consta expressamente como documentação a fundamentar a decisão de despedimento constante do procedimento disciplinar, no seu ponto 73 “FEI – CP Balcão ... – Local 1 (em PEN)” e no seu ponto 74 “Mapa resumo Propostas (em PEN)”, porém, tais PEN’s não foram juntas com o procedimento disciplinar.


Acresce que o recorrente, apesar de afirmar que tais documentos não são essenciais ao procedimento disciplinar do Autor, não fundamenta essa sua conclusão, sendo que constando tais elementos de prova do procedimento disciplinar é de concluir que serão relevantes para a tomada de decisão disciplinar de despedimento. Acontece, porém, que a Ré, ao não juntar tais meios de prova na ação judicial, impediu o Autor de sobre eles se pronunciar e de se defender.


O recorrente alega ainda que o tribunal a quo, em sede de audiência prévia, considerou que os elementos constantes da PEN tinham o seu conteúdo “igualmente plasmado nos documentos impressos a que o autor teve acesso”, porém, estranhamente o recorrente não indicou a que páginas do procedimento disciplinar, junto na ação judicial, se encontram esses documentos que constam das duas PEN’s.


Aliás, o recorrente quando, em sede de audiência prévia, requereu a junção aos autos de uma PEN, onde constavam os “Documentos 72 e 73 do procedimento disciplinar indicados como anexos”, não fez qualquer menção a que tais documentos já constassem dos autos, o que, a ser verdadeiro, não faria sequer qualquer sentido requerer novamente a sua junção.


Pelo exposto, é manifesto que documentação em que o recorrente fundamentou o procedimento disciplinar que instaurou ao Autor e que culminou na sanção disciplinar de despedimento não foram juntos com o procedimento disciplinar que deu entrada em tribunal, o que prejudicou os direitos de defesa, situação essa que o disposto no art. 98.º-J, nº 3, do Código de Processo do Trabalho, tem como objetivo impedir que ocorra.


Nesta conformidade, bem andou o tribunal a quo ao proferir a sentença recorrida, improcedendo, também aqui, a pretensão do recorrente.








V – Decisão


Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.


Custas pelo recorrente, por ter decaído no recurso (art. 527.º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).


Notifique.



Évora, 27 de março de 2025

Emília Ramos Costa (relatora)

Mário Branco Coelho

Paula do Paço

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1. Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.ª Adjunta: Paula do Paço.↩︎

2. AA↩︎

3. Apenso A.↩︎

4. Já devidamente retificada por despacho judicial proferido em 16-09-2024.↩︎

5. No âmbito do processo n.º 781/11.6TBMTJ.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎

6. In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 140.↩︎

7. Sublinhado nosso.↩︎

8. Entre muitos, os acórdãos, do TRE proferido em 03-07-2014 no âmbito do processo n.º n.º 639/12.1TTSTR-A.E1; do TRP proferido em 14-07-2021 no âmbito do processo n.º 12110/20.3T8PRT-A.P1; do TRL, proferido em 11-04-2018 no âmbito do processo n.º 2271/16.1T8FNC.l1-4; e do TRL proferido em 20-06-2018 no âmbito do processo n.º 2041/17.0T8BRR-A.L1; consultáveis em www.dgsi.pt.↩︎

9. Concretamente é a primeira página da Parte 1 dos documentos anexos ao procedimento disciplinar.↩︎