Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FILIPE CÉSAR OSÓRIO | ||
Descritores: | ÓNUS DA PROVA DOCUMENTO PARTICULAR FACTO CONSTITUTIVO EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS | ||
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Data do Acordão: | 04/09/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA | ||
Área Temática: | CÍVEL | ||
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Sumário: | Sumário:
I. Compete desde à Recorrente/Autora a prova dos factos constitutivos do direito de crédito por si alegado (cfr. art. 342.º, n.º 1, do Código Civil). II. As facturas em si mesmas não constituem a fonte jurídica da obrigação do invocado direito de crédito. III. Os factos compreendidos nas facturas, enquanto meros documentos particulares, só se consideram provados como prova plena apenas e na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, isto é, se forem invocados contra o seu autor; já nos casos em que é o autor das facturas a invoca-las ficam sujeitos à livre apreciação do tribunal, não dispensando o emitente do ónus probatório dos factos constitutivos do seu direito, designadamente de que foram aprovadas em acta da assembleia de proprietários diversas despesas comuns de empreendimento turístico (cfr. art. 376.º, do Código Civil). | ||
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Decisão Texto Integral: | *
* Apelação n.º 150/23.5T8GDL.E1 (1.ª Secção Cível) Relator: Filipe César Osório 1.º Adjunto: Filipe Aveiro Marques 2.º Adjunto: José António Moita * * * ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA * I. RELATÓRIO Ação Declarativa, Processo Comum 1. As partes: Autora/Recorrente – TROIARESORT – INVESTIMENTOS TURÍSTICOS, S.A. Réu/Recorrido – NOVO BANCO, S.A. * 2. Objecto do litígio – A Autora, na qualidade de entidade administradora e exploradora do empreendimento turístico denominado Empreendimento dos Apartamentos Turísticos da Praia da Arrábida pede a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €34.609,10, acrescida de juros de mora, essencialmente, com fundamento na circunstância da Ré ser proprietária de duas fracções – “M” e “N” - que integram o referido empreendimento turístico e tal montante ser devido a título de despesas comuns aprovadas em assembleia de proprietários. Em contraponto a Ré alegou, para além do mais, que em momento algum a Autora lhe apresentou as actas onde as compartições peticionadas tenham sido estabelecidas, bem como as convocatórias para as actas de assembleia de proprietários. * 3. Dispositivo da Sentença em Primeira Instância: A sentença julgou improcedente por não provada a presente acção e, em consequência, absolveu a Ré do pedido contra si formulado. * 4. Objecto do recurso de apelação. A Recorrente/Autora interpôs recurso de apelação da sentença com as seguintes conclusões: «1 - A Ré foi proprietária das frações “M” e “N” do Empreendimento Turístico Praia Arrábida entre 27/09/2017 e 20/10/2021; 2 - O orçamento referente ao ano de 2017, que deliberou as comparticipações referentes às frações “M” e “N”, foi aprovado em Assembleia de Proprietários realizada em 25/03/2017, 3 - Portanto em data anterior à aquisição das frações por parte da Ré, 4 - E por tal, só era obrigação da Recorrente emitir trimestralmente as faturas referentes a essas comparticipações e enviá-las à Ré – O que comprovadamente fêz! 5 - E só era obrigação da Ré liquidar as faturas referentes a estas comparticipações e que são as constantes dos DOCS. 5 a 12 juntos com a P.I. – O que comprovadamente não fêz!; 6 - O orçamento referente ao ano de 2018, foi aprovado pela Assembleia de Proprietários realizada em 28/04/2018, tendo a Recorrente enviado à Ré o aviso convocatório para a Assembleia, com o orçamento proposto e posteriormente enviado cópia das deliberações, com o orçamento aprovado; 7 - Por tal, estava a Ré obrigada a liquidar as faturas referentes a estas comparticipações e que são as constantes dos DOCS. 13 a 58 juntos com a P.I., 8 - E que apesar de terem sido enviadas pela Recorrente, não foram pagas pela Ré; 9 - O orçamento referente ao ano de 2019, foi reprovado nas Assembleias de Proprietários realizadas em 2019, 10 - E não se realizou qualquer Assembleia em 2020, 11 - Pelo que só na Assembleia de Proprietários realizada em 25/11/2021 é que foram aprovadas as contas referentes ao exercício de 2019 e de 2020, 12 - Tendo a Recorrente enviado aviso convocatório à Ré, com cópia do relatório e contas referentes ao exercício de 2019 e 2020 para esta Assembleia, 13 - E tendo enviado cópia das deliberações tomadas nesta Assembleia de Proprietários, apesar da Ré já não ser, à data, proprietária de nenhuma das frações. 14 - Os valores devidos pela Ré a título de Serviços de Utilização Turística (SUT), entre 27/09/2017 (data de aquisição das frações “M” e “N” pela Ré) e 20/10/2021 (data da venda da fração “M” pela Ré) são no montante de € 26.703,28; 15 - A Ré, apesar de devidamente convocada com cópia do orçamento proposto e com o devido conhecimento das deliberações, não impugnou as deliberações tomadas na Assembleia de Proprietários realizada no dia 28/04/2018, (a única para as quais tinha legitimidade), 16 - Nomeadamente, não impugnou a deliberação que aprovou o orçamento para o ano de 2018; 17 - Teve assim a Ré conhecimento, pelo anterior proprietário, a quem cabia dar-lhe esse conhecimento, do orçamento referente ao ano de 2017 e por conseguinte, das comparticipações que lhe cabiam; 18 - Teve a Ré conhecimento do orçamento referente ao ano de 2018 e por conseguinte, das comparticipações que lhe cabiam, pois recebeu da Recorrente aviso convocatório com o orçamento proposto e recebeu cópia das deliberações, nomeadamente a que aprovou o orçamento e não o impugnou; 19 - E recebeu da Recorrente as faturas com as comparticipações respetivas; 20 - A Ré nunca devolveu à Recorrente qualquer umadas faturas juntas aos autos como DOCS. 5 a 58 da P.I.; 21 - A Ré solicitou à Recorrente o envio de alguns documentos, os quais foram enviados por esta; 22 - Em última análise, mesmo que a Recorrente não tivesse convocado devidamente a Ré para a Assembleia de Proprietários que aprovou o orçamento de 2018, única que era da sua responsabilidade convocar, 23 - Sempre teria a Ré obrigação de pagar as comparticipações que já estavam em vigôr, à data da aquisição das frações “M” e “N”, derivadas do orçamento aprovado em Assembleia de Proprietários realizada em 25/03/2017, 24 - E sempre teria a Ré obrigação de continuar a pagar essas comparticipações resultante do último orçamento aprovado, até que deixasse de ser proprietária das frações “M” e “N”; 25 - O que não pode é desobrigar-se do pagamento de qualquer comparticipação, no período em que foi proprietária, porque alega que mais tarde, pediu as atas à Recorrente e esta não as enviou, o que veio a verificar-se como falso!!! 26 - E o que não pode acontecer é ser a Ré totalmente absolvida do pedido de pagar todas as comparticipações durante o período em que foi proprietária e que resultaram dos orçamentos aprovados em 2017 e 2018 e pelas contas relativas ao exercício de 2019 e 2020 aprovadas em 2022, 27 - Sendo que, as que resultaram do orçamento de 2017, já tinham sido aprovadas antes da aquisição das frações “M” e “N” pela Ré, 28 - E as que resultaram do orçamento aprovado em 2018, ficou provado que foram dadas a conhecer pelo aviso convocatório enviado com cópia do orçamento proposto e pelo envio da cópia das deliberações, com cópia do orçamento aprovado, 29 - E o que não pode mesmo acontecer, é ser a Ré totalmente absolvida desse pedido, só porque as atas que aprovaram esses orçamentos não foram juntas aos autos pelo Recorrente, 30 - Quando ficou amplamente demostrado e não impugnado pela Ré, que esses orçamentos foram devidamente aprovados pelos proprietários; 31 - Recorde-se que, em momento algum, a Ré colocou em causa o envio dos avisos convocatórios; 32 - Recorde-se que, em momento algum, a Ré colocou em causa a realização das Assembleias dos Proprietários que aprovaram os orçamentos de 2017 e 2018 e as contas do exercício de 2019 e 2020; 33 - Em momento algum, a Ré colocou em causa a existência das atas onde constam as deliberações que aprovaram os orçamentos de 2017 e 2018 e da ata que aprovou as contas do exercício de 2019 e 2020; 34 - E em momento algum, colocou em causa a existência das deliberações que aprovaram os orçamentos de 2017 e 2018 e das deliberações que aprovaram as contas do exercício de 2019 e 2020; 35 – E em momento algum, alegou desconhecer os orçamentos que foram aprovados nas Assembleias realizadas entre 2017 e 2018; 36 - A Ré só alegou o facto, de ter solicitado, mais tarde, à Recorrente, o envio dessas atas, para darem suporte documental às faturas que já tinha recebido; 37 - E por isso é que nos temas de prova só constava, quanto a este aspeto: “- Os pedidos de documentação formulados pelo Réu Novo Banco à Autora; - A ausência de disponibilização dos elementos pedidos pelo réu à Autora.”; 38 - Nunca tendo constituído temas de prova se as Assembleias se realizaram, se os orçamentos foram aprovados, se existiram atas e se a R. disso teve conhecimento das mesmas! 39 - Reafirma-se assim que, nunca esteve em causa nos presentes autos, a existência das atas de aprovação dos orçamentos de 2017 e 2018 (os únicos que se aplicam à Ré) e das deliberações que aprovaram as contas do exercício de 2019 e 2020, mas tão somente o seu reenvio, quando solicitado mais tarde, pela Ré. 40 - Ora, nunca tendo estado em causa, nos presentes autos, a existência das atas de aprovação dos orçamentos de 2017 e 2018, e das atas com as deliberações que aprovaram as contas do exercício de 2019 e 2020, a sua falta de junção aos autos, não pode determinar, por si, a absolvição da Ré do pedido, 41 - Pois não tendo estado em causa, nos presentes autos, a existências das atas de aprovação dos orçamentos de 2017 e 2018 e da ata com as deliberações que aprovaram as contas do exercício de 2019 e 2020; 42 - O mesmo equivale a dizer que se encontra provado que as mesmas existiram e existem; 43 - Assim, a exigibilidade das quantias a título de Serviços de Utilização Turística à Ré, não pode estar condicionada à junção aos presentes autos das atas que aprovaram os orçamentos de 2017 e 2018 e ata com as deliberações que aprovaram as contas do exercício de 2019 e 2020; 44 - Pois essa exigibilidade, resulta não só do orçamento aprovado em 25/03/2017, antes da Ré ser proprietária das frações “M” e “N”; 45 - Mas também resulta das faturas que lhe foram emitidas e enviadas pela Recorrente, referentes às comparticipações vencidas nesse período; 46 - Como também resulta do envio à Ré, do aviso convocatório, com cópia do orçamento proposto, em 28/03/2018, para a Assembleia realizada em 28/04/2018, que aprovou o orçamento de 2018; 47 - Como também resulta do envio à Ré das deliberações, com cópia do orçamento aprovado na Assembleia realizada em 28/04/2018; 48 - Como também resulta da não impugnação das deliberações desta Assembleia pela R.; 49 - Como também resulta das faturas que lhe foram emitidas e enviadas pela Recorrente, referentes às comparticipações vencidas nesse período; 50 - E que não foram devolvidas pela Ré; 51 – Faturas estas e conta corrente que refletem as datas dos orçamentos aprovados, o período em que os mesmos foram aplicados e as correções que foram feitas após a aprovação de novos orçamentos. 52 – Tendo ainda resultado provado o reenvio, pelos Serviços Administrativos da Recorrente, das cópias das atas e demais documentação solicitada pela Ré, ao longo dos anos. ACRESCENDO, 53 - Existe uma verdadeira contradição na Sentença recorrida, que dá como provado a obrigação da Ré em comparticipar nas despesas comuns dos Serviços de Utilização Turística (SUT), 54 - Comparticipações essas espelhadas nas faturas juntas aos autos, 55 - E não tendo a Ré feito qualquer prova de que procedeu ao pagamento dessas comparticipações, 56 - Não poderia a mesma sentença dar como não provado que: “1) Desde 31/10/2017 até 16/12/2019, venceram-se facturas não pagas em nome da Ré, a título de Serviços de Utilização Turística (SUT), bem como foram emitidas notas de crédito, tudo resultando num débito da Ré no montante de € 10.957,93.” 57 - Tendo a Recorrente provado os factos constitutivos do seu direito de reclamar o pagamento das faturas peticionadas, 58 - Teria a Ré obrigação de provar os factos impeditivos do direito reclamado pela Recorrente, 59 - Ou juntando ela própria, aos autos, as atas de aprovação dos orçamentos, caso tal pudesse demonstrar um facto impeditivo do direito reclamado pela Recorrente, 60 - Ou solicitando ao Tribunal que a fosse a Recorrente a proceder a essa junção. 61 - Ora, a R. não fêz nem uma coisa nem outra! 62 - E não tendo acontecido nenhuma das hipóteses anteriores, a Ré não fêz prova do facto impeditivo que lhe competia, 63 - Não podendo assim, vir a beneficiar a final, dessa não junção das atas, pela Recorrente, como causa primeira e única, da sua absolvição total do pedido.». Importa referir ainda, para além das conclusões referidas, que a Recorrente apresenta no introito do seu recurso uma breve síntese da sua pretensão, que aqui se reproduz por ser relevante, como segue: «1 - Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos, em 22/08/2024, pela qual o Tribunal julgou “improcedente por não provada a presente acção e em consequência, absolver a Ré do pedido contra si formulado”. 2 - A referida decisão, para além de, como veremos (muito) deficientemente fundamentada, na parte que é crucial, assenta essencialmente num equívoco, que constitui, no entender da Recorrente, o seu pecado capital. 3 – É que, apesar de cabalmente demonstrado, por prova testemunhal e por ampla prova documental de que os montantes reclamados eram devidos pela Ré, 4 – A Meretíssima Juíz “a quo” entendeu que, por tais montantes reclamados dizerem, em parte, respeito a comparticipações nas despesas de conservação, fruição e funcionamento relativas às instalações e aos equipamentos comuns e aos serviços de utilização turística de uso comum, 5 – Então as mesmas teriam de ser suportadas pela junção aos autos, das atas que continham as deliberações das Assembleias de Proprietários que a aprovaram os respetivos orçamentos, 6 – Fazendo “tábua rasa” das 54 faturas juntas aos autos em nome da Ré, que discriminam os orçamentos aprovados em cada momento, 7 – E do facto de ter ficado demonstrado que a Ré não liquidou nenhuma delas; 8 – E fazendo “tábua rasa” de toda a prova testemunhal e documental, demonstrativa de que a Recorrente enviou e a Ré recebeu, por carta registada com A/R, os avisos convocatórios para as Assembleias de Proprietários realizadas entre 2018 e 2021, 9 – Bem como, de que a Recorrente enviou e a Ré recebeu, por carta registada, todas as deliberações tomadas nessas Assembleias de Proprietários. 10 - Com o presente recurso, procurará demonstrar-se que: a) Os montantes peticionados na ação são devidos pela Ré, porque vencidos e não pagos pela mesma; b) Tais montantes encontram-se refletidos em 54 faturas juntas aos autos, as quais foram todas enviadas à Ré, sem nunca terem sido devolvidas pela mesma; c) Tais faturas refletem os valores das comparticipações deliberadas e aprovadas nas várias Assembleias de Proprietários realizadas entre 2017 e 2021; d) Cujas convocatórias e envio de deliberações referentes aos orçamentos aprovados para os anos de 2018 e 2021, cumpriram com todos os requisitos legais e foram todas rececionadas pela Ré. 11 – Razões pelas quais entendemos que a decisão recorrida não se coaduna com a prova amplamente produzida em julgamento.». * 5. Resposta A Ré/Recorrida apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões: «1.ª A fonte geradora da obrigação de pagamento do ora Recorrido, à ora Recorrente, são os orçamentos aprovados nas Assembleias de Proprietários, realizadas de acordo com as formalidades legais. 2.ª A mera emissão de faturas não é fonte da obrigação. 3.ª In casu, nada se provou quanto ao conteúdo das deliberações constantes das Atas das Assembleias de Proprietários, porquanto nunca foram juntas aos autos – e sequer enviadas ao Recorrido – pela ora Recorrente. 4.ª O n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil determina que “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” e o n.º 2 mesmo artigo que “a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita”. 5.ª Contrariamente ao alegado pela Recorrente, não é ao Recorrido que cabe fazer prova de factos impeditivos/modificativos/extintivos, quando não foi feita prova dos factos constitutivos do direito invocado. 6.ª O Tribunal a quo bem andou quando deu como não provados os factos identificados nos pontos 1. a 3.; 7.ª A Recorrente não pôs em causa a matéria de facto considerada assente, conformando-se com a Decisão do Tribunal recorrido; 8.ª A Sentença recorrida encontra-se cabalmente fundamentada e não merece quaisquer reparos. 9.ª Da matéria provada resulta que a Autora/ora Recorrente intentou ação declarativa contra o Réu/ora Recorrido, sustentada na alegada falta de pagamento de comparticipações, nas despesas e gastos gerais comuns relativos à conservação, fruição e funcionamento das Instalações e Equipamentos de Uso Comum e dos SUT de Uso Comum dos respetivos Empreendimentos, bem como, “nos gastos gerais de conservação e funcionamento do empreendimento e os encargos relativos às partes comuns de acordo com as rúbricas orçamentais (…) aprovadas pelas Deliberações das Assembleias Ordinárias realizadas em cada ano, bem como ao Fundo Comum de Reserva, pretendendo que fosse condenado no pagamento da quantia global de 34.609,10€ (trinta e quatro mil, seiscentos e nove euros e dez cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, a contar da citação. 10.ª De facto, a integração das frações “M” e “N”, outrora propriedade do ora Recorrido (entre 27.09.2017 e 20.10.2021, a “M” e entre 27.09.2017 e 16.05.2019, a “N”), no Empreendimento dos Apartamentos Turísticos da Praia da Arrábida, determina a obrigação do Recorrido de contribuir para as despesas comuns, como uma consequência da integração de todas as frações no objetivo comum, a finalidade empresarial de alojamento turístico – ao abrigo do n.º 1 do artigo 47.º e do artigo 48.° do Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de julho e, atualmente, do artigo 53.º do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março, e do artigo 1424.° do Código Civil). 11.ª No entanto, decorre do Título Constitutivo e do Decreto Regulamentar n.º 34/97, que o montante da comparticipação a suportar por cada proprietário nas despesas comuns é determinado através da fórmula estabelecida no artigo 33.º daquele diploma (por permilagem), sendo as contas do ano anterior e o orçamento para o ano subsequente aprovado em Assembleia de Proprietários – sendo aplicável o regime jurídico da propriedade horizontal. 12.ª No caso sub judice, a ora Recorrente não logrou demonstrar quais os valores aprovados em Assembleia de Proprietários e cujo pagamento obrigue o Recorrido. 13.ª Os meios probatórios que a Recorrente entende que impunham decisão diversa, são o depoimento testemunhal de AA (audível no ficheiro de gravação a 30.04.2024, iniciado às 14:40:00, com a duração de 1 hora 18 minutos e 36 segundos) e os documentos juntos aos autos em 22.05.2024. 14.ª Contudo, salvo melhor opinião, nenhum dos dois se substitui a uma Ata de Assembleia de Proprietários, que permita fazer a correspondência entre os valores faturados e os fixados por deliberação. 15.ª Com os documentos juntos aos autos em 22.05.2024 (docs. 1 a 12), a Recorrente conseguiu não mais do que fazer prova do envio de cartas, através dos respetivos avisos de receção (nos quais se encontra a indicação manuscrita de que correspondiam a convocatórias para Assembleias de Proprietários e às respetivas deliberações das Assembleias realizadas) não logrando, também por esta via, fazer prova do respetivo teor, esse sim, relevante. 16.ª Não tendo a Recorrente juntado aos autos nem as mencionadas convocatórias, nem as mencionadas Atas onde constariam as deliberações, também por esta via, não podem as suas Alegações de Recurso proceder. 17.ª O depoimento testemunhal de AA, que garantiu a adoção de um “procedimento igual para todos”, não é meio idóneo para fazer prova do envio de uma carta registada com aviso de receção – cujo único meio probatório verdadeiramente adequado é o respetivo registo, acompanhado do teor da carta enviada. 18.ª Assim, o referido depoimento, desacompanhado outros elementos de prova, demonstrativos de que, no caso em concreto, se tenha dado cumprimento ao referido procedimento, não permite fazer prova do teor de um Aviso Convocatório ou de uma Ata de Assembleia de Proprietários. 19.ª A Douta Sentença recorrida não incorre em qualquer contradição quando afirma que o Recorrido, enquanto proprietário, incorre em determinadas responsabilidades com despesas/encargos do condomínio no qual as suas frações estão inseridas, mas não pode dar como provado que se tenham vencido faturas, porquanto a Recorrente não provou os factos constitutivos do seu direito de crédito – in casu, as Atas das Assembleias de condóminos que o fixaram. 20.ª Após a análise efetuada de cada um dos argumentos apresentados, é inquestionável que não assiste qualquer razão à Recorrente quando alega incorretamente que, da análise da prova produzida, não poderia o Tribunal a quo ter concluído como concluiu. 21.ª Com efeito, ficou demonstrado e provado que, a ora Recorrente não fez prova dos factos constitutivos do seu direito de crédito, porquanto decorrendo a obrigação a contribuir para as despesas de conservação, fruição e funcionamento relativas às instalações e aos equipamentos comuns e aos serviços de utilização turística de uso comum, da lei e do título constitutivo, decorre a liquidação de tal obrigação do orçamento aprovado anualmente em Assembleia de Proprietários, que fixa o montante devido por cada proprietário, em função da permilagem da respetiva fração. 22.ª É, portanto, notório que não assiste qualquer fundamento que permita admitir a pretensão da Recorrente. 23.ª No caso vertente e conforme emana dos factos provados e não provados, a Autora, ora Recorrente, não logrou demonstrar quais os valores aprovados em Assembleia de Proprietários e cujo pagamento obrigue o ora Recorrido. 24.ª Assim, doutamente e com todo o louvor, decidiu o Tribunal a quo “julgar improcedente por não provada a presente acção e em consequência, absolver a Ré do pedido contra si formulado”. 25.ª Decisão que deverá manter-se integralmente, por não merecer qualquer censura. Em suma, a Douta Sentença recorrida decidiu de forma correta todas as questões controvertidas, razão pela qual deve ser integralmente mantida.». * 6. Questões a decidir: 6.1. – Impugnação da decisão da matéria de facto constante dos items 1, 2 e 3 dos factos não provados; 6.2. – Reapreciação jurídica da causa. * II. FUNDAMENTAÇÃO 7. É o seguinte o teor da decisão de facto constante da sentença recorrida, destacando-se os factos objecto de dissenso da Recorrente/Autora: « 2.1. Factos Provados A) A fracção “M” correspondente a uma habitação no Piso 0, Bloco B, Apartamento 13 em Tróia, na freguesia do Carvalhal, concelho de Grândola, descrita na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o n.º 785 e inscritos nas respectivas matrizes sob os artigos 2639-M, integrante do Empreendimento dos Apartamentos Turísticos da Praia da Arrábida, foi adquirida pela Ré em 27 de Setembro de 2017 e foi vendida a 20 de Outubro de 2021. B) A fracção “N” correspondente a uma habitação no Piso 0, Bloco B, Apartamento 14 em Tróia, na freguesia do Carvalhal, concelho de Grândola, descrita na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o n.º 785 e inscritos nas respectivas matrizes sob os artigos 2639-N, integrante do Empreendimento dos Apartamentos Turísticos da Praia da Arrábida, foi adquirida pela Ré em 27 de Setembro de 2017 e foi vendida em 16 de Maio de 2019. C) A Autora é a entidade administradora e exploradora do empreendimento “Apartamentos Turísticos PRAIA ARRÁBIDA”. D) À Ré, como proprietária, são exigidas comparticipações, na proporção do respectivo valor relativo da sua fracção, nas despesas e gastos gerais comuns relativos à conservação, fruição e funcionamento das Instalações e Equipamentos de Uso Comum e dos Serviços de Utilização Turística (SUT) de Uso Comum dos respectivos Empreendimentos, E) Bem como nos gastos gerais de conservação e funcionamento do empreendimento e os encargos relativos às partes comuns de acordo com as rubricas orçamentais previstas no n.º 2 do art.º 35.º do Decreto Regulamentar n.º 34/97 e aprovadas pelas deliberações das Assembleias Ordinárias realizadas em cada ano, bem como ao Fundo Comum de Reserva. F) Nos termos do ponto 30.1 do Regulamento de Administração, “O pagamento das comparticipações devidas pelos proprietários, nos termos dos artigos anteriores, será efectuado em quatro prestações trimestrais, a liquidar até ao dia 15 de cada um dos trimestres do ano civil a que respeitem. G) Nos termos dos pontos n.º 30, n.º 2 e n.º 3 do mesmo Regulamento de Administração, “os Proprietários faltosos pagarão, a título de cláusula penal e a acrescer ao montante da comparticipação em dívida, uma importância correspondente a 10% daquele montante por cada dia até ao 30º dia de mora, e a 25% daquele montante por dia de mora a partir do 31º dia de mora até integral pagamento”. 2.2. Factos Não Provados 1) Desde 31/10/2017 até 13/10/2021, venceram-se facturas não pagas em nome da Ré, a título de Serviços de Utilização Turística (SUT), bem como foram emitidas notas de crédito, resultando um débito da Ré no montante de € 26.703,28. 2) A este montante acresce a quantia de € 6.675,82 a título de cláusula penal, correspondendo a 25% do montante de € 26.703,28, porquanto a Ré não pagou as suas comparticipações dentro dos prazos do seu vencimento, nem nos 30 dias posteriores. 3) A Autora pagou de honorários ao Advogado, a quantia de € 1.230,00.». * 8. Impugnação da decisão da matéria de facto dos items 1, 2 e 3 dos factos não provados: A Recorrente entende essencialmente que os factos constantes dos items 1, 2 e 3 dos factos não provados deveriam ter sido considerados como provados indicando os meios de prova que impunham decisão diversa, apesar da necessidade de recurso ao corpo das alegações, para integração dos pressupostos exigidos (porque a substância deve prevalecer sobre a forma), nada obsta ao conhecimento da impugnação da decisão da matéria de facto, para efeitos do disposto no art. 640.º, do CPC. Vejamos a motivação de facto constante da sentença recorrida: «Para apreciação da factualidade provada e não provada, o Tribunal sopesou o conjunto da prova produzida, designadamente: - no depoimento de AA, técnica financeira no Tróia-resort, desde 2011. Em apertada síntese, garantiu que a Ré era conhecedora dos montantes devidos, quer porque foi sempre convocada para as Assembleias de Proprietários e não tendo estado presente, foi-lhe remetida cópia de acta, por ser o procedimento habitual. Além disso, ocorreram diversos contactos e troca de correspondência entre Autora e Ré, tendo inclusivamente existido uma reunião realizada através da plataforma “teams”. Confirmou, através do extracto de conta corrente as quantias peticionadas. Prestaram ainda depoimento BB e CC, colaboradores da Ré. Esclareceram os inúmeros contactos que estabeleceram com a Autora, no sentido de solicitar os documentos que a Ré reputa de essências para fazer os pagamentos, designadamente, as convocatórias e as actas respectivas, que nunca lhes foram remetidas. Confrontados com os emails, juntos aos autos, designadamente o que foi junto em audiência de julgamento, esclareceram que os anexos com os mencionados documentos nunca foram remetidos, não obstante disso terem dado nota. A conjugação da prova documental e testemunhal supra sumulada, não permitiu dar como provada qualquer outro facto dos que já resultavam provados por acordo e assentes em despacho saneador. Com efeito e para que o tribunal pudesse dar como provado o facto exarado em 1), teria a Autora de ter demonstrado quais os valores aprovados em Assembleia de Proprietários para os anos 2017 e 2019 e que os mesmos tinham sido aprovados de forma regular. Ora, a Autora não juntou aos autos qualquer acta de Assembleia de Proprietários que demonstre a bondade dos valores que constam das facturas que emitiu, razão pela qual o tribunal não pôde dar como provado que se venceram facturas… A mera emissão de uma factura não é fonte de obrigação. No caso vertente, a fonte geradora da obrigação assenta no(s) orçamento(s) aprovado(s) em Assembleia de Proprietários, realizada(s) de acordo com as formalidades legais e quanto a esta(s) nada se provou. E neste conspecto, refira-se que não se afigura suficiente para o efeito a junção aos autos de um conjunto de comprovativos de envio de cartas e respectivas avisos de recepção, com a indicação (manuscrita) de que se referiam a convocatórias para Assembleias de Proprietários e do teor das deliberações, quando, relativamente a estas, nada se provou. A Autora. Não juntou aos autos nem as convocatórias – onde à partida se encontra o orçamento – nem cópia das actas que comprove a aprovação e em que termos de um orçamento e respectivo valor. Em face do exposto e sendo certo que a Autora emitiu as facturas cujo pagamento reclama, nada se provou quanto à conformidade com a fonte geradora da obrigação em que assentam. Em face da ausência de prova, o facto vertido em 1) resultou não provado e em consequência, igualmente o facto vertido em 2), que mais não é – ou pode ser – uma decorrência da existência de mora no pagamento das comparticipações devidamente demonstradas. Quanto ao facto vertido em 3) e pese embora a testemunha AA tenha declarado que tem conhecimento do pagamento da quantia mencionada, nenhuma prova foi efectuada sobre tal pagamento.». Antes de mais, importa desde já referir que a Recorrente entende o seguinte: “62 - Tendo a Meretíssima Juíz “a quo” fixado como temas de prova: - Os valores devidos a título de Serviços de Utilização Turística (SUT) entre 31/10/2017 até 13/10/2021, relativos às frações “M” e “N”; - Os pedidos de documentação formulados pelo Réu Novo Banco à Autora; - A ausência de disponibilização dos elementos pedidos pelo Réu à Autora. 63 - Entende o Recorrente, pela ampla prova produzida, documental e testemunhalmente, que ficou provado que: - Os valores devidos a título de Serviços de Utilização Turística (SUT), entre 27/09/2017 (data de aquisição das frações “M” e “N” pela Ré) e 20/10/2021 (data da venda da fração “M” pela Ré) são no montante de € 26.703,28; - Existiram pedidos de documentação formulados pelo Réu Novo Banco à Autora; - Foram disponibilizados pela Autora todos os elementos pedidos pelo Réu.”. A este propósito, cumpre apenas referir que os temas de prova que são fixados não correspondem aos antigos “quesitos” da base instrutória a que o juiz estava obrigado a dar resposta como provados ou não provados (cfr. artigos 511.º e 653.º, do antigo CPC). Não, agora no âmbito do actual CPC a enunciação dos temas de prova tem por objectivo apenas guiar a condução da audiência final de julgamento, até porque na fundamentação da sentença têm de se elencar todos os factos alegados desde que relevantes (cfr. artigos 594.º e 607.º, do CPC vigente). E, nessa medida, a sentença não tem de dar resposta aos temas de prova inicialmente enunciados mas antes, tão somente ou mais do que isso, considerar provados ou não provados todos factos alegados pelas partes com relevância para decidir (cfr. art. 607.º, do CPC). Posto isto, vejamos agora os meios de prova em causa. Importa desde já destacar como incontroverso que compete desde logo à Recorrente/Autora a prova dos factos constitutivos do seu direito alegado (cfr. art. 342.º, n.º 1, do Código Civil), não competindo à Ré/Recorrida a prova deles. Ouvido o invocado depoimento da testemunha AA e ainda das testemunhas BB e CC, não resulta qualquer elemento para contrariar o que já constava da motivação da sentença recorrida. Ora, apesar da testemunha AA (Técnica Financeira da Recorrente) afirmar que a Ré era conhecedora dos montantes devidos, quer porque foi sempre convocada para as Assembleias de Proprietários e não tendo estado presente, quer porque lhe foi remetida cópia de acta, quer por ser o procedimento habitual e que ocorreram diversos contactos e troca de correspondência entre Autora e Ré, tendo inclusivamente existido uma reunião realizada através da plataforma “teams” e confirmou através do extracto de conta corrente as quantias peticionadas, em contraponto, resultou do depoimento das testemunhas BB e CC (colaboradores da Ré) que estabeleceram inúmeros contactos com a Autora, no sentido de solicitar os documentos que a Ré reputa de essenciais para fazer os pagamentos, designadamente, as convocatórias e as actas respectivas, que nunca lhes foram remetidas e mesmo confrontados com os emails juntos aos autos (designadamente o que foi junto em audiência de julgamento) esclareceram que os anexos com os mencionados documentos nunca foram remetidos, não obstante disso terem dado nota. Nesta sequência, nunca poderia ser dado como provados os factos pretendidos pela Recorrente apenas com base no depoimento da testemunha indicada, desde logo tão somente pela contradição entre os referidos depoimentos. Com efeito, o depoimento prestado pela testemunha AA foi contrariado pelo depoimento prestado pelas testemunhas BB e CC, por isso, mesmo que fosse suficiente o depoimento testemunhal e que não fosse necessária a junção de documentos das actas em causa (necessidade das actas já analisado aprofundadamente na motivação de facto da sentença) o depoimento destas duas testemunhas afastava a credibilidade da primeira ou pelo menos sempre torna como duvidosa a sua existência o que implicava a decisão da prova em desfavor de quem tem o ónus de prova e que é precisamente a ora Recorrente, ao abrigo do disposto no art. 346.º, do Código Civil. Assim, este motivo já seria suficiente para considerar tais factos como não provados. Mas a fundamentação de facto da sentença foi mais longe e consignou, entre outros aspectos, que “…a Autora não juntou aos autos qualquer acta de Assembleia de Proprietários que demonstre a bondade dos valores que constam das facturas que emitiu, razão pela qual o tribunal não pôde dar como provado que se venceram facturas (…) A mera emissão de uma factura não é fonte de obrigação. No caso vertente, a fonte geradora da obrigação assenta no(s) orçamento(s) aprovado(s) em Assembleia de Proprietários, realizada(s) de acordo com as formalidades legais e quanto a esta(s) nada se provou. E neste conspecto, refira-se que não se afigura suficiente para o efeito a junção aos autos de um conjunto de comprovativos de envio de cartas e respectivas avisos de recepção, com a indicação (manuscrita) de que se referiam a convocatórias para Assembleias de Proprietários e do teor das deliberações, quando, relativamente a estas, nada se provou. A Autora. Não juntou aos autos nem as convocatórias – onde à partida se encontra o orçamento – nem cópia das actas que comprove a aprovação e em que termos de um orçamento e respectivo valor. Em face do exposto e sendo certo que a Autora emitiu as facturas cujo pagamento reclama, nada se provou quanto à conformidade com a fonte geradora da obrigação em que assentam.”. Concordamos no essencial com as considerações aí expendidas, pois, não basta a junção de facturas para comprovar a existência de um crédito, é necessária a prova da fonte da obrigação. As facturas, enquanto meros documentos particulares, apenas fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, portanto, quando apresentadas contra este – cfr. art. 376.º, n.º 1, do Código Civil. Já quanto aos factos compreendidos nas facturas, enquanto meros documentos particulares, consideram-se provados apenas na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, isto é, do autor das facturas – cfr. art. 376.º, n.º 2, do Código Civil. Ora, no caso concreto é precisamente a Recorrente/Autora a invocar as facturas e relativamente a factos que lhe são favoráveis, por isso, é patente que não fazem prova plena mas estão sujeitos à livre apreciação do tribunal. Com efeito, a este propósito, como se sumariou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/01/2022 (Rosa Tching, proc. n.º 553/19.0T8LRA.C1.S1, www.dgsi.pt)1: “I. As faturas, enquanto documentos particulares gozam, nos termos do disposto no artigo 376.º, n º 1, do Código Civil, de força probatória plena quanto à materialidade das declarações atribuídas ao seu autor, se apresentados contra este. Se é o autor dos documentos a utilizá-los ficam sujeitos à livre apreciação do Tribunal, cabendo-lhe produzir livremente prova sobre a exatidão do respetivo conteúdo.” [sublinhado nosso]. A título meramente exemplificativo, ainda em recente Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18/12/2024 (Maria Amália Santos, proc. n.º 6520/21.6T8GMR.G1, www.dgsi.pt)2, sumariou-se, para além do mais, o seguinte: «II- A “fatura” é um documento comercial, meramente contabilístico, passado pelo vendedor ou pelo prestador de serviços, e que serve de suporte a atos comerciais de venda e entrega de produtos, ou de prestação de serviços, mas sem valor probatório pleno, pelo que não dispensa o vendedor ou o prestador de serviços, do ónus probatório dos factos constitutivos do seu direito, nomeadamente de que prestou os serviços incluídos na fatura, e de que o seu preço é devido.». E, como sucede no caso concreto, se a Ré na sua Contestação invoca precisamente que em momento algum a Autora lhe apresentou as actas onde as compartições peticionadas tenham sido estabelecidas é incompreensível que a Recorrente/Autora nunca tenha junto aos autos esses documentos essenciais. Aliás, apesar da presente acção ter sido iniciada por Petição Inicial de 22/04/2023, e não obstante a posição da Ré na sua Contestação de 15/05/2023, bem como ainda, considerando que foram enunciados como temas de prova (por despacho de 11/12/2023) precisamente «Os valores devidos a título de Serviços de Utilização Turística (SUT) entre 31/10/2017 até 13/10/2021 relativos às fracções “M” e “N”. Os pedidos de documentação formulados pelo Réu Novo Banco à Autora. A ausência de disponibilização dos elementos pedidos pelo Réu à Autora.», mesmo assim, incompreensivelmente, nunca a Recorrente/Autora veio aos autos juntar os documentos correspondentes às actas onde alegadamente constam os montantes de que invoca ser credora. Acresce ainda que apenas por Requerimento Probatório de 22/05/2024 é que a Recorrente/Autora veio juntar documentos de convocatórias, mas continuando ainda a não juntar as almejadas actas das deliberações em causa, a que não será alheia a circunstância de também ter admitido nesse requerimento que “muita documentação extraviou-se”. A fonte da obrigação não reside na mera emissão de facturas mas nas deliberações onde foram aprovadas as despesas em causa, cujas actas nunca foram juntas aos autos pela Recorrente/Autora, não competindo ao tribunal nem à parte contrária solicitar as mesmas, atento o princípio do dispositivo e da auto responsabilização das partes (cfr. art. 3.º, n.º 1, do CPC), nem se pode considerar uma decisão surpresa, principalmente quando tais questões são postas em causa de modo claro e preciso pela Ré na sua Contestação. Finalmente, a fundamentação de facto a sentença não incorre em qualquer contradição quando afirma que o Réu enquanto proprietário incorre em determinadas responsabilidades com despesas/encargos do condomínio no qual as fracções estão inseridas, porque se trata de obrigações em geral comuns a qualquer proprietário, até porque aí também se afirma “aprovadas pelas deliberações das Assembleias Ordinárias realizadas em cada ano” e o que faltou provar foi precisamente o conteúdo das concretas deliberações dos anos invocados pela Recorrente/Autora. Deste modo, em suma, por todos os motivos expostos, improcede na totalidade a impugnação da decisão da matéria de facto. * 9. – Da reapreciação jurídica da causa: Improcedendo na totalidade a impugnação da decisão da matéria de facto, pouco há a acrescentar àquilo que já consta correctamente da fundamentação jurídica da sentença recorrida: «A Ré vem demandada na qualidade de proprietária de duas fracções – “M” e “N” - que integram um empreendimento turístico denominado Empreendimento dos Apartamentos Turísticos da Praia da Arrábida do qual, a Autora é entidade administradora e exploradora. A integração do imóvel no empreendimento turístico envolve a obrigação de contribuir para as despesas comuns, como uma consequência da integração de todas as fracções no objectivo comum, a finalidade empresarial de alojamento turístico (artigo 7º, n.º 1 e 48° do Decreto-Lei n.º 167/97 e actualmente artigo 53º do Decreto-Lei n.º 38/2008 e artigo 1424° do Código Civil). Trata-se de uma obrigação do titular de direito real que resulta do estatuto desse direito real (H. Mesquita em Obrigações Reais e Ónus Reais. pág. 100). Com efeito, estabelece o n.º 1 a 3 do artigo 53º do Decreto-Lei 39/2008 que “Às relações entre os proprietários dos empreendimentos turísticos em propriedade plural é aplicável o disposto no presente decreto-lei e, subsidiariamente, o regime da propriedade horizontal”, sendo que o artigo 47º do Decreto-Lei n.º 167/97 estabelecia que “1 - Sem prejuízo do disposto no presente diploma e seus regulamentos, às relações entre os proprietários das várias fracções imobiliárias dos empreendimentos turísticos é aplicável o regime da propriedade horizontal, com as necessárias adaptações resultantes das características do empreendimento”. Por sua vez, estabelece o artigo 56º do mesmo diploma que “1 - O proprietário de um lote ou fracção autónoma de um empreendimento turístico em propriedade plural deve pagar à entidade administradora do empreendimento a prestação periódica fixada de acordo com o critério determinado no título constitutivo. 2 - A prestação periódica destina-se a fazer face às despesas de manutenção, conservação e funcionamento do empreendimento, incluindo as das unidades de alojamento, das instalações e equipamentos comuns e dos serviços de utilização comuns do empreendimento, bem como a remunerar a prestação dos serviços de recepção permanente, de segurança e de limpeza das unidades de alojamento e das partes comuns do empreendimento. 3 - Além do disposto no número anterior, a prestação periódica destina-se a remunerar os serviços do revisor oficial de contas e a entidade administradora do empreendimento, podendo suportar outras despesas desde que previstas no título constitutivo”, estabelecendo o artigo 48º do Decreto-Lei 167/97 que “1 - Quando a totalidade das unidades de alojamento de um empreendimento turístico estiver integrada na sua exploração, ainda que aquelas pertençam a mais de uma pessoa, as despesas de conservação e de fruição de todas as instalações e equipamentos, incluindo as unidades de alojamento, bem como do funcionamento dos serviços de utilização turística de uso comum, são sempre da exclusiva responsabilidade da entidade exploradora, salvo o disposto no n.º 6 do artigo 50º. 2- Os proprietários das unidades de alojamento dos empreendimentos turísticos que as retirarem da exploração dos mesmos passam a ser responsáveis pelas despesas relativas às suas fracções e ainda, na proporção correspondente ao valor relativo das mesmas, pelas despesas de conservação, fruição e funcionamento relativas às instalações e aos equipamentos comuns e aos serviços de utilização turística de uso comum”. Por sua vez, conforme decorre do titulo constitutivo e do Decreto Regulamentar n.º 34/97, o montante da comparticipação a suportar por cada proprietário nas despesas comuns é determinado através da fórmula estabelecida no artigo 33º daquele Decreto Regulamentar (por permilagem), sendo as contas do no anterior e o orçamento para o ano subsequente aprovado em Assembleia de Proprietários. O regime aplicável é decalcado sob o regime jurídico aplicável à propriedade horizontal. No caso vertente e conforme emana dos factos provados, a Autora não logrou demonstrar quais os valores aprovados em Assembleia de Proprietários e cujo pagamento obrigue a Ré. Se a obrigação a contribuir para as despesas de conservação, fruição e funcionamento relativas às instalações e aos equipamentos comuns e aos serviços de utilização turística de uso comum decorre da lei e do título constitutivo, a liquidação de tal obrigação decorre do orçamento aprovado anualmente em Assembleia de Proprietários. Apenas nessas, no pressuposto da sua regularidade formal, se fixa o montante devido por cada proprietário em função da permilagem da respectiva fracção. Com efeito e tal como a Ré sustentou, além do mais que eventualmente se podia equacionar, cabia à Autora demonstrar que os montantes reclamados para os anos de 2017, 2018 e 2019 foram aprovados em Assembleia de proprietários. No caso vertente, nada se provou relativamente ao conteúdo de tais Assembleias e, em consequência, nada se provou quanto às quantias devidamente aprovadas cujo pagamento obrigue a Ré por imposição legal. E, assim sendo, a presente acção terá de naufragar. Não se tendo provado a existência de comparticipações a suportar pela Ré, ficam prejudicadas todas as restantes questões suscitadas, designadamente, a prescrição invocada pela Ré e a existência de penalidades peticionadas pela Autora.». Aderindo às considerações jurídicas mencionadas, competindo à Autora a prova dos factos constitutivos do seu direito (cfr. art. 342.º, n.º 1, do Código Civil), não o tendo feito, não se mostram reunidos os pressupostos necessários para obter a condenação da Ré no pagamento das quantias peticionadas, impondo-se assim confirmar a sentença recorrida. * 10. Responsabilidade Tributária As custas do recurso de Apelação são a cargo da Recorrente/Autora. * III. DISPOSITIVO Nos termos e fundamentos expostos, 1. Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Recorrente/Autora e, em consequência, confirmam a sentença proferida em primeira instância. 2. Custas do recurso de Apelação a cargo da Recorrente/Autora. 3. Registe e notifique. * Évora, data e assinaturas certificadas Relator: Filipe César Osório 1.º Adjunto: Filipe Aveiro Marques 2.º Adjunto: José António Moita
____________________________________________ 1. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/896438d88745c792802587c90050bd4c?OpenDocument↩︎ 2. https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/a061084784fd40f880258c0a003d6f93?OpenDocument↩︎ |