Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | ANTÓNIO FERNANDO MARQUES DA SILVA | ||
| Descritores: | TAXA DE JUSTIÇA REMANESCENTE INSTRUÇÃO RECURSO | ||
| Data do Acordão: | 12/10/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA | ||
| Área Temática: | CÍVEL | ||
| Sumário: | Sumário (da responsabilidade do relator - art. 663º n.º7 do CPC):
- o art. 6º n.º8 do RCP, que exclui o pagamento do remanescente da taxa de justiça quando o processo termine antes de concluída a fase de instrução, não é aplicável na instância de recurso. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Évora:
I. O Banco Comercial Português, SA, instaurou execução para cobrança de quantia certa contra Metalgest - Sociedade de Gestão, SGPS, SA, (ora recorrente) e outros, execução esta com o valor de 76.212.601,55 euros. A recorrente deduziu oposição por embargos de executado, nos quais, e além do mais, pediu a suspensão dos embargos por existir uma relação de prejudicialidade com causa pendente noutro tribunal. Esse pedido foi julgado improcedente no despacho saneador. A Metalgest recorreu desta decisão, recurso no qual o Banco Comercial Português, SA, apresentou resposta. O Tribunal da Relação de Évora julgou improcedente o recurso, condenando a Metalgest nas custas do recurso. Foi elaborada conta de custas, na qual se imputou à Metalgest, a título de remanescente de taxa de justiça devida pelo referido recurso e pela resposta (depois de deduzido o valor das taxas de justiça já pagas), a quantia de 928.118,40 euros. A Metalgest apresentou reclamação da conta, invocando a aplicação do regime do art. 6º n.º8 do RCP, «na medida em que a causa terminou antes de concluída a fase de instrução». O funcionário judicial que elaborou a conta pronunciou-se no sentido da sua correcção. Foi também nesse sentido a posição assumida pelo Magistrado do MP, que aderiu àquela pronúncia. Foi proferida decisão que i. afastou a possibilidade de dispensar o pagamento do remanescente, e ii. considerou inaplicável o invocado art. 6º n.º8 do RCP, tendo por isso julgado improcedente a reclamação. Desta decisão foi interposto recurso, no qual a recorrente formulou as seguintes conclusões: A. A conta de custas dos autos aplica erradamente o art. 6.º, n.ºs 2 e 7 do RCJ, liquidando um valor exorbitante de remanescente de taxa de justiça, que não é devido. B. A aplicação do art. 6.º, n.ºs 2 e 7 do RCJ ao recurso de uma decisão proferida em sede de embargos de executado redundaria na inconstitucionalidade da norma em face poder levar a situações em que não há o mínimo de relação razoável entre o custo e utilidade dos serviços prestados e, na prática, impeçam pela sua onerosidade os cidadãos de acederem aos Tribunais (cfr. artigos 2.ª, 18.º, n2 e 20.º da CRP). C. Nos embargos de executado a taxa de justiça devida é determinada de acordo com a tabela II anexa ao RCP, atenta a regra especial estabelecida no artigo 7.º, n.º 4, do mesmo diploma. D. Não obstante o estatuído no artigo 6.º, n.º 2, ou ainda no artigo 7.º, n.º 2, do RCP, regras previstas para recursos em processos sujeitos à tabela I anexa ao citado diploma, nos embargos de executado, em primeira instância e em sede de recurso, não há́ lugar ao pagamento do remanescente da taxa de justiça previsto na tabela I anexa ao RCP. E. Mesmo fora dos casos especiais do n.º 4 do art. 7.º do RCJ, há que ter em conta o n.º 8 do art. 6.º do RCP, ou seja, não ser o remanescente devido quando a causa termine em saneador-sentença, que também se aplica aos recursos, sob pena de, mais uma vez, se cair em inconstitucionalidade. F. Deste modo, a conta de custas elaborada pelo Contador violou o disposto nos artigos 7.º, n.º 4 e 6.º, n.ºs 2 e 8, todos do RCP, devendo a mesma ser corrigida e considerado que nada mais é devido pelo Executado/Embargante, uma vez que o mesmo já procedeu oportunamente ao pagamento do valor devido. G. Caso assim não se entenda, o que apenas por hipótese se admite sem conceder, não exigindo a letra do n.º 7 do artigo 6.º do RCP que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça seja concedido apenas por requerimento das partes, e existindo um poder-dever do juiz dispensar tal pagamento com base nos critérios apresentados, nada impede que tal dispensa seja concedida em sede do presente recurso, o que se requer, ao abrigo do princípio da proporcionalidade na afetação de direitos fundamentais, cumprindo um dever do tribunal, que não pode ficar dependente da iniciativa das partes. Não foi apresentada resposta. O recorrente juntou, depois, um parecer, admitido. Foi então proferido Acórdão por este tribunal que julgou procedente o recurso, considerando não ser devido o pagamento do remanescente da taxa de justiça (ficando prejudicada a avaliação da suscitada dispensa do pagamento da taxa de justiça). Deste Acórdão foi interposto recurso de revista pelo Digno Magistrado do MP, a que a recorrida respondeu. Nessa sequência, foi proferido acórdão pelo STJ que revogou o Acórdão proferido, repristinando a decisão da 1.ª instância, tendo ainda determinado a remessa dos autos a este tribunal para apreciação do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, que tinha ficado prejudicada. II. No recurso de apelação interposto, a recorrente sustentou não ser devido o pagamento do remanescente da taxa de justiça com base em dois fundamentos: na aplicabilidade da tabela II anexa ao RCP; e na aplicação do art. 6º n.º8 do RCP. O recurso de apelação foi apreciado com base no primeiro dos argumentos (o que retirou validade ao segundo argumento). Tal argumento foi excluído pelo Acórdão do STJ. Importa assim avaliar o segundo argumento e ainda, subsidiariamente, a questão da dispensa do pagamento da taxa de justiça. III. Os factos relevantes têm natureza eminentemente processual, constando, no essencial, do relatório elaborado. IV.1. Segundo o invocado art. 6º n.º8 do RCP, quando o processo termine antes de concluída a fase de instrução, não há lugar ao pagamento do remanescente [da taxa de justiça]. A recorrente entende que tal previsão também vale para a fase de recurso, nas situações em que o processo termine antes de concluída a fase da instrução como seria o caso. Tal solução não se mostra admissível, assistindo razão à decisão recorrida, estribada na jurisprudência que invoca. Assim, e em termos liminares, cabe considerar que: - a norma invocada respeita directamente ao processo em primeira instância, único momento em que existe a instrução a que a norma se reporta. - visou, como se explica no Ac. do TRL proc. 9677/15 de 07.07.2022 [1], aplicar, em sede de pagamento de taxa de justiça remanescente, a solução que vigora quanto ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça: não sendo a taxa de justiça subsequente devida na acção declarativa (e afins), nos termos dos art. 13º n.º2, 14º n.º2 e 14º-A al. b), c) e d) do RCP (quando o processo cesse antes do momento do pagamento), também não seria devido o pagamento do remanescente. Tal justificação não vale para os recursos, onde inexiste semelhante repartição ou fraccionamento do pagamento da taxa de justiça (art. 7º n.º2 do RCP). - o recurso constitui um processo autónomo (art. 1º n.º2 do RCP), não sendo o seu regime tributário definido pelo regime do processo na primeira instância (v., por exemplo, o pagamento único da taxa de justiça, ou a possibilidade de o seu valor tributário não coincidir com o valor da acção – art. 7º n.º2 ou 12º n.º2 do RCP). - a norma invocada não tem em vista, pela sua letra, a fase de recurso. - o regime assenta numa ideia de economia e simplicidade (e inerente proporcionalidade), associada, embora de forma menos nítida, a uma ideia de estímulo ao termo do litígio [2] (a economia e menor complexificação decorrentes do termo precoce do processo justificam que os pagamentos devidos se atenuem). - o facto de o processo ter findado em fase precoce não se reflecte no recurso pois este conhece tramitação própria que obedece ao mesmo formalismo independentemente da fase do processo em que o recurso seja interposto, ou, em especial, da fase em que o processo, na primeira instância, termine, pelo que para o recurso não vale a ideia de simplificação (ou encurtamento) da tramitação que justifica a regra legal. - a valer tal ideia, seria para situações em que a instância de recurso termine antes do julgamento, o que o legislador não perece ter levado em consideração, sendo que, de qualquer modo, ela não ocorre no caso. Assim, não se aplica a norma em causa à fase de recurso [3]. 2. Ainda nesta sede, a recorrente sustenta que o afastamento da aplicação da regra legal referida «redundaria numa interpretação manifestamente inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade (ou de proibição do excesso), decorrentes do princípio do Estado de Direito (artigos 2.º e 18.º n.º 2, 2.ª parte, da Constituição da República Portuguesa) e da tutela do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP), tudo conforme já atrás desenvolvido». A constitucionalidade da solução foi já acolhida pelo TC no Ac. 655/2023, embora por referência apenas ao critério da proporcionalidade. Daqui deriva, ao menos, que seria este um fundamento que, pelas razões constantes daquele Acórdão, não deveria prevalecer. No que aos dois fundamentos restantes respeita (igualdade e acesso à justiça), o que se verifica é que a recorrente não identifica os parâmetros que sustentariam a inconstitucionalidade da solução proposta, remetendo para «desenvolvimentos» anteriores que, contudo, respeitam a outras normas e a enquadramentos regulativos diversos, não assimiláveis à situação agora em causa (e desenvolvimentos que, de qualquer modo, também se mostram genéricos, sem concretização dos concretos argumentos sustentadores da invocação). Pelo que fica por revelar o fundamento da pretensão. Ora, pese embora não se tenham, nesta sede, que respeitar os critérios de admissão de um recurso de constitucionalidade, também é certo que não está o tribunal obrigado a avaliar invocações genéricas de inconstitucionalidades, cuja delimitação e fundamentação não está devidamente explicitada. Tal equivalia a devolver ao tribunal a busca das razões fundantes da inconstitucionalidade e assim a efectiva delimitação do problema de constitucionalidade. Tanto assim que se ignora de todo, no caso, de que forma a regra cria uma situação de censurável desigualdade face à lei. Com efeito, tendo em conta que a igualdade jurídica corresponde a «um conceito relativo e valorativo assente numa comparação de situações: estas, na medida em que sejam consideradas iguais, devem ser tratadas igualmente; e, na medida em que sejam desiguais, devem ser tratadas desigualmente, segundo a medida da desigualdade» [4], cabia à recorrente, no mínimo, explicitar quais os pólos da comparação a efectuar, o que não faz (nem nesta sede nem no ponto anterior, onde invoca a (des)igualdade face a outra regra normativa). E o mesmo vale para a limitação do direito de acesso à justiça, que nunca vem realmente explicitada. Notando-se embora, ainda que de forma liminar, que o pagamento do remanescente da taxa de justiça não constitui, em certo sentido, um obstáculo ao acesso à justiça, porque é paga apenas no final da acção (e assim após aquele acesso), mas antes eventual contra-estímulo (face à previsão do seu peso final); porém, para além do carácter diluído e incerto desta previsão, o peso da objecção pode ser diluído através de mecanismos legais (apoio judiciário, caso se verifiquem os seus pressupostos, ou justamente o pedido de dispensa do pagamento daquele remanescente [5]), e mecanismos legais que estão ao alcance da parte. Pelo que seria necessário que a recorrente indicasse de que forma seria a regra legal em causa contrária àquele direito de acesso à justiça, o que não faz. Não se mostra pois justificada a invocação da inconsistência constitucional da solução, cuja concreta avaliação fica prejudicada. 3. Por fim, pretende a recorrente que seja dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça pois, constituindo a avaliação dessa dispensa um poder-dever do juiz, nada impedia que tal dispensa fosse concedida em sede de recurso, cumprindo-se um dever do tribunal. Verifica-se que a recorrente não formulou o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça em momento anterior a este recurso. Em particular, não o formulou na reclamação da conta, e por isso não foi tal questão avaliada pela decisão recorrida. Isso significa que está em causa uma questão nova, ou seja, uma questão trazida inovatoriamente ao recurso. O que impede que ela possa ser conhecida nesta sede. Tal deriva da natureza do recurso e do seu efeito devolutivo, o qual visa obter uma «decisão sobre decisão», constituindo meio de impugnação de decisão judicial seguindo um sistema de reponderação (visando «a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento»). Deste modo, visa reapreciar questões concretas que se consideram mal decididas e não conhecer questões não suscitadas nem discutidas e apreciadas no tribunal recorrido. De forma complementar, deriva também de uma ideia de preclusão, pois cabe ao reclamante suscitar todas as objecções na reclamação, sob pena de estas ficarem precludidas [6] (pois o regime processual fixa o modo e momento de reclamação, não permitindo a sua dedução ou a ampliação do seu objecto em momento subsequente: art. 31º n.º3 do RCP). Só não será assim onde a lei disponha diversamente, ou em matéria indisponível, onde a intervenção oficiosa é imposta, e tal não corre [7]. Tal questão não pode, pois, ser conhecida nesta sede, por estar excluída do objecto do recurso [8]. 4. A recorrente não fixou ao anterior recurso (que suporta a imputação do pagamento do remanescente da taxa de justiça) valor diferente do atribuído à acção, o que condicionou o valor da taxa de justiça a pagar. De outra banda, e como decorre do AUJ 1/2022, a possibilidade de pedir a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça fica precludido com o trânsito em julgado da decisão final do processo. São estes os elementos que condicionam a posição da recorrente, neste aspecto, e que lhe são imputáveis. Assim, tem o recurso, na parte ainda sob apreciação, que improceder. 5. Decaindo, suporta a recorrente as custas do recurso (art. 527º n.º1 e 2 do CPC) – sendo que a natureza da questão, a forma de tramitação e a ausência de complexidade justificam que seja dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça neste recurso (art. 6º n.º7 do RCP). V. Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso (na parte aqui subsistente). Custas pela recorrente, nos termos expostos. Notifique-se. Datado e assinado electronicamente. Redigido sem apelo ao Acordo Ortográfico (ressalvando-se os elementos reproduzidos a partir de peças processuais, nos quais se manteve a redacção original). Relator: António Fernando Marques da Silva Adjuntos: Ana Pessoa Maria João Sousa e Faro
______________________________________ 1. Disponível em 3w.dgsi.pt, como os demais acórdãos invocados.↩︎ 2. De forma menos nítida porque o processo pode terminar de forma antecipada independentemente da posição e da vontade das partes (e até contra essa vontade), e ainda assim as partes beneficiam do regime legal.↩︎ 3. A solução, adoptada por aquele Ac. do TRL proc. TRL 9677/15, foi igualmente acolhida pelo Ac. do STJ de 17.12.2024 proc. 20106/23.7T8SNT.L1.S1, pelo Ac. do TRL proc. 21127/16.1T8LSB.L2-2, de 13.10.2022 (que a própria recorrente cita), e pelos acórdãos que este último cita. Sem discutir explicitamente a questão, o Ac. do STJ de 10.04.2024 (proc. 2816/20.2T8BRG.G2.S2) aplicou o referido art. 6º n.º8 do RCP à tributação na primeira instância, mas já não às instâncias de recurso (nas quais avaliou a dispensa da taxa de justiça remanescente, considerando assim, implicitamente, não valer nestas instâncias aquela norma). A mesma solução, como nota a decisão recorrida, é também sustentada por S. da Costa, As custas processuais, Almedina 2024, pág. 118. Nota-se ainda que o Ac. do TRE também invocado pela recorrente não discute esta questão.↩︎ 4. V. Ac. 524/2025 do TC (no site do TC).↩︎ 5. Dispensa em cuja avaliação a conduta processual da própria parte, e que só dela depende, tem papel de relevo (art. 6º n.º7 do RCP).↩︎ 6. Em geral, abstraindo-se da possibilidade de haver outro obstáculo à invocação da objecção na própria reclamação.↩︎ 7. Outras, marginais, são a eventual superveniência de documento ou de lei nova.↩︎ 8. V. A. Geraldes, recursos em processo civil, Almedina 2024, pág. 163 e ss., R. Pinto, Manual do recurso civil, vol. I, AAFDL 2020, pág. 350 ss., ou C. Mendes e T. de Sousa, Manual de processo civil, vol. II, AAFDL 2022, pág. 130/131, ou Acs. do STJ de 11.01.2024 proc. 3547/17, e de 15.12.2022 proc. 125/20).↩︎ |