Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | MOREIRA DAS NEVES | ||
Descritores: | VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ELEMENTO SUBJECTIVO SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO CONDIÇÃO DE FREQUÊNCIA DE PROGRAMA PARA AGRESSORES | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 02/28/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I. O tipo objetivo do crime de violência doméstica tem por referência (nas circunstâncias do caso) a inflição de maus tratos físicos ou psíquicos ao cônjuge, incluindo-se neles as condutas que se substanciem em violência ou agressividade física, psicológica, verbal e sexual e privações da liberdade que não sejam puníveis com pena mais grave por força de outra disposição legal. II. O elemento subjetivo é composto pelo dolo genérico, id est (o conhecimento e vontade de praticar o facto), em qualquer das suas formas (direto, necessário ou eventual), não se exigindo nenhum elemento subjetivo específico, em linha com o que exige a efetiva tutela do bem jurídico protegido. III. A pena de prisão suspensa na sua execução pode integrar um regime de prova, cujo plano de reinserção inclua a frequência de programa para agressores de violência doméstica, visando promover a interiorização pelo arguido, do desvalor das suas condutas passadas. | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | I – Relatório 1. No 1.º Juízo (1) Local Criminal de …, do Tribunal Judicial da comarca de …, procedeu-se a julgamento em processo comum, com tribunal singular, de AA, nascido a …/…/1958, com os demais sinais dos autos, a quem a pronúncia imputava a autoria, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto no artigo 152.º, § 1.º, al. a), § 2.º, al. a), § 4.º r § 5.º do Código Penal (CP) e, bem assim, de um crime de violação de correspondência, previsto no artigo 194.º, § 1 CP. BB, ofendida, constituída assistente, formulou pedido civil (PIC), peticionando a condenação do arguido/demandado no pagamento de uma indemnização de 2 500€, a título de danos não patrimoniais sofridos, decorrentes da conduta perpetrada daquele sobre a sua pessoa, no essencial descritos na pronúncia. A final o Tribunal proferiu sentença na qual absolveu o arguido da prática do crime de violação de correspondência, previsto no artigo 194.º, § 1 CP, mas condenou-o como autor de um crime de violência doméstica agravado, previsto no artigo 152.º, § 1.º 2.º CP, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeitando-o a um regime de prova, assente num plano de reinserção social (determinando-se a inclusão em programa para agressores de violência doméstica - PAVD); mais o condenando na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida BB, durante o período de anos e 6 meses, nos termos permitidos pelo § 4.º do artigo 152.º CP. Sendo igualmente condenado no pagamento à assistente/demandante civil de uma indemnização no valor de 2 500€, a título de danos não patrimoniais causados, acrescida esta de juros moratórios contados à taxa legal a partir da data da decisão. Inconformado com a decisão recorreu o arguido, rematando a motivação do recurso com uma extensa lista de alíneas que denominou «conclusões»! Como decorre da lei e vem sendo unanimemente entendido pela doutrina e pela jurisprudência penal (2), as conclusões, pela sua própria natureza, não devem ser uma fastidiosa reprodução – ou uma quase reprodução como é aqui o caso - do teor da motivação; mas antes uma síntese dos fundamentos do recurso. Pese embora o assinalado e manifesto desconcerto face às regras procedimentais, optou-se por não formular convite à sua correção, seja por não haver uma verdadeira desarmonia entre a motivação e as denominadas «conclusões», seja por porque deveras se não crê que tal viesse a melhorar o que está. E de caminho acautelou-se a celeridade processual, que sendo valor apenas acessório não deverá deixar de entrar em equação. Alinhemos o extenso arrazoado da parte que se titulou «conclusões»: «a. Deve ser declarado provado que “O arguido fez rutura do menisco interno direito, comprovada a 17/07/2017” (facto erradamente não provado da sentença hh), a fls. 12, alegado nos arts. 16 a 19 contestação), conforme documento comprovativo de fls. 598 e confirmado pelo filho do casal, CC (2º depoimento para memória futura, a 16/06/2020, transcrito a fls. 788 dos autos), por relevar no apuramento da capacidade física à data dos factos; b. Deve ser declarado provado que o arguido, sofrendo crise hipertensiva grave e contínua, insuficiência cardíaca, rutura do menisco, tireoidectomia tinha prejudicada de modo substancial a capacidade física, como foi confirmado pelo próprio filho, CC, no segundo supra indicado e pela ofendida, quanto ao bócio e à cirurgia, no depoimento prestado na audiência com a ata de fls. 1076 (ref citius 120507684 – das 14,12,00 a 16,58,00), ao minuto 01,38,00; c. O Tribunal deferiu o pedido do arguido de ser dispensado da assistência das audiências de julgamento, por motivos de saúde, como resulta da ata de audiência de fls. 1073, ref.ª citius …, mas a sentença não equaciona o estado de saúde do arguido para efeitos de ponderação das agressões que a ofendida lhe atribui, especialmente em 2015 e 2017, errando quanto à aptidão para ações violentas e adultérios e quanto ao perdão que confere à ira da ofendida; d. A sentença omite referência à capacidade física da ofendida, alegada no art. 2 da contestação, que foi abordada aquando da prestação de declarações da mesma em audiência (ata ref citius … – das 14,12,00 a 16,58,00), ao minuto 01,39,45, reconhecendo-se trabalhadora braçal, não franzina, pelo que a matéria transcrita na alínea w) da sentença deve ser declarada parcialmente provada, passando a considerar-se assente que: “A ofendida foi trabalhadora rural e tem compleição e capacidade física equivalentes à do arguido”; e. A sentença erra quando o aplica ao arguido o termo calculista (fls. 26), para denotar desapreço pela forma objetiva e séria como prestou declarações, e simultaneamente o considera incauto, o que traduz perceções repentistas, contraditórias e carecidas de demonstração, ausente da fundamentação; f. A sentença limita-se a reproduzir a fórmula da praxe, desprovida de qualquer enquadramento do caso concreto, “agiu de modo livre, deliberado e consciente, perfeitamente conhecedor da censurabilidade e ilicitude das suas condutas”, e não obstante eleva o dolo “no expoente máximo do seu grau de intensidade” (fls. 40), não enquadrando o dolo e a culpa na subsunção dos factos provados, remetendo-se a fórmulas conclusivas; g. A sentença, contrariando os depoimentos que reproduz (“DD e EE (sendo a primeira ex-mulher do arguido e de quem se divorciou em 2004 e a segunda a atual cônjuge do arguido, com quem vive desde 2017) … ambas as testemunhas abonaram em favor do arguido, no sentido de que nenhuma razão de queixa têm do mesmo, referindo a primeira que, sem embargo o adultério, o arguido seria bom marido, bom pai e bom companheiro, ao passo que a segunda também enalteceu a personalidade do arguido” (fls. 19 e 20); a testemunha “FF... haver emitido opinião abonatória do arguido e relatado factos que acabaram até por favorecê-lo, isto não obstante haver declarado ser a ofendida mais do que uma amiga, sendo como que família sua … descrevendo-o como pessoa culta, educada e de trato fácil” (fls. 24 e 25), atribui, a fls 43, “a personalidade algo desviante do arguido”, conclusão depreciativa insustentada nos fundamentos; h. Daquele modo a sentença incorre no vício de fundamentação, a contradição, cominada no art. 410, nº 2, b), do CPP; i. A sentença não valoriza os factos provados nºs 42 a 51, que abonam a favor do arguido e desmontam a tese de vitimização da ofendida, no que incorre em novo vício de fundamentação; j. Ao não fixar, no facto provado nº 43, a data efetiva em que o arguido chamou a GNR, a sentença escamoteia o respetivo motivo, que foi a situação de crise hipertensiva que o arguido sofria naquele momento e que se relaciona com o facto provado nº 42, o qual por seu turno também não está datado - todos factos sujeitos a escrito, comprováveis por documento; k. A fls. 640 e 641 dos autos constam os documentos emitidos pelo hospital, comprovativos do internamento do arguido, por hipertensão, nos dias 7 e 8 de outubro de 2015, que foi o dia da chamada da GNR, como consta do inquérito …, referido a fls. 1062 dos autos; l. Tal inquérito não foi junto aos autos, nem a prova dos suprida por outros meios, apesar do requerido na contestação e do despacho que admitiu a junção, pelo que incorre omissão de pronúncia e falta de fundamentação, cominadas pelo art. 379, 1, c), do CPP; m. Quando a vítima expulsa o arguido, lhe retira o telemóvel, invade o quarto de dormir, difama, põe-no a viver em pensões e passa a controlar a educação do filho comum, o arguido, doente, chama a GNR, salta à evidência o forte ascendente da ofendida, mas a sentença não cuida dos pormenores de facto de tão marcante projeção; n. De acordo com os documentos dos autos, de fls. 640, 641 e 1062, com o auto de notícia da GNR constante do inquérito … e de acordo com as declarações prestadas pela arguida em audiência, supra transcritas, deve o facto provado nº 42 passar a ter a seguinte redação: “Em 2015, o arguido foi acometido de uma crise hipertensiva muito grave, que o obrigou a internamento no Hospital de …, nos dias 7 e 8 de outubro de 2015, e a longa medicação experimental de diversos médicos, tendo sofrido de insuficiência cardíaca, de que resultou, além do mais, falta de força física, tendo sido finalmente medicado com relativo sucesso”; o. O facto provado nº 43, de acordo com o auto de noticia e com as declarações da ofendida, aos minutos 49,55, 01,44,55 e 02,25,07 da gravação do depoimento (parágrafos 488 a 495, 1049 a 1072 e 1377 a 1384 da transcrição), deve passar à seguinte redação “No dia 7 de outubro de 2015, a ofendida impediu o arguido de sair de casa, em …, o que o fez chamar a GNR, logrando sair de casa após a chegada da mesma.”; p. Deve aditar-se como provado que “Quando contactada em casa pela GNR, que acudira à chamada do arguido, a ofendida declarou que o arguido lhe chamava nomes, mas não informou a GNR de que alguma vez houvesse sofrido agressão física da parte do arguido”; q. O facto provado nº19 (o arguido saiu de casa) contradiz o facto provado nº 49 (a ofendida expulsou o arguido de casa), devendo ser eliminado o facto 19 e completado o 49, com a data dessa expulsão, confessada pela ofendida no seu depoimento; r. A sentença não faz a narração dos factos conformadores da consciência da ilicitude e da culpa, limitando-se a referir fórmula conclusiva, pelo que sendo o crime doloso e não se mostrando preenchidos os seus elementos típicos, deve ser o arguido absolvido, como ensinam, entre outros, o douto acórdão da R. Lisboa de 11/09/2018, proc. 537/15.7PBPDL.L1-5; Ac. R. de Coimbra de 02/03/2016, Proc. nº 2572/10.2TALRA.C2; Ac. R. de Guimarães de 19/06/2017, Proc. nº 430/15.3GEGMR.G1; Ac. R. de Lisboa de 08/11/2017, Proc. nº 1408/15.2TDLSB.L1-3, consultáveis em dgsi.pt. s. A sentença violou o disposto no art. 152 do CP e o princípio nulla poena sine culpa, vertido no art. 14 do CP, e incorre em omissão de pronúncia sobre os elementos subjetivos do crime, pelo que é nula, nos termos do disposto no art. 379, nº 1, c), do CPP (vide acórdão da R. Guimarães, de 07/02/2022, proc. 5/20.5GBVVD.G1), sendo igualmente nula pela insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e pela contradição da fundamentação (art. 410, nº 2, a) e b), do CPP); t. A omissão e contradição estende-se à própria medida da pena, pois a sentença declarando que “o arguido se encontra perfeitamente integrado familiar, laboral e socialmente”, reduz as necessidades de ponderação especial, não obstante impõe um regime de prova com “cumprimento de um plano de reinserção social pelo arguido, o qual deverá implicar a inclusão em programa para agressores de violência doméstica (PAVD)... necessário para se promover a interiorização, pelo arguido, do desvalor das suas condutas passadas” (fl. 42); u. Ora, o PAVD não constitui uma pena (de interiorização do desvalor), mas uma medida de recuperação psico-social, para adaptação a valores hodiernos de respeito e vivência em igualdade, conforme o art. 52 do CP, inaplicável ao arguido comprovadamente integrado e inserido, que denotou adequado atendimento ao bem jurídico em causa no relatório social (cujos factos estão provados no nº 53) dispensando a intervenção da DGRSP; v. Há pois contradição insanável entre os factos provados e a decisão vertida na sentença, de sujeitar o arguido a PAVD, como há contradição entre os fins visados por tal programa e os fins impostos pela sentença, tanto mais que o arguido é advogado desde 1990, “sendo referenciado como um bom profissional”, de ter sido professor de história e de direito da comunicação (factos provados sob o nº 53 da sentença), tendo conhecimento pessoal aprofundado sobre direito penal, direito da igualdade e igualdade de género, valores sociais e jurídicos e do direito em geral, o que deve ditar a dispensa da submissão ao regime de prova consistente no PAVD; w. A sentença viola o disposto no art. 52 do CP e no art. 410, 2, a), b) e c) do CPP; x. Entendendo-se que as normas autorizadoras mencionada na sentença – ou outra que a sustente – os arts. 52, 1, b), 53, 1, 54, 1 e 3, do CP – autorizam a imposição de frequência de programas abstratamente destinados a promover a reintegração na sociedade, mesmo quando o arguido está devidamente integrado e não seja minimamente plausível que venha a beneficiar de tal programa, seriam tais normas inconstitucionais, por violação do disposto no art. 30, 4 da CRP; y. A pena acessória de proibição de contactos com a vítima viola o disposto no nº 4 do art. 152 do CP, por não ter qualquer facto que a sustente, tomando o MP inclusive posição expressa contra a aplicação de tal medida na pendência dos autos (em 2019): “Promovo que o arguido fique a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito a termo de identidade e residência … por entender que se mostra suficiente, adequado e proporcional, enquanto medida de coação imposta no caso dos autos e porque não há notícia de que o arguido tenha voltado a importunar por qualquer forma, física ou verbal”, sendo certo que não houve qualquer contacto até à data da sentença (2022) e mostra-se provado que o arguido refez a sua vida; z. A proibição de contactos enquanto pena acessória é aplicada “nas hipóteses mais graves em que, embora não se aplique pena de prisão efetiva, as necessidades de prevenção e proteção da vítima exigem uma tutela penal reforçada”, nisto se diferenciando das medidas previstas nos arts. 51 e 52 do CP – vide Ac. R. Porto de 30/10/2019, proc. 220/18.1GAARC.P1; aa. “A aplicação surpresa da pena acessória na sentença não é compatível com o processo justo e equitativo desenhado na CRP e no Código de Processo Penal. A pena acessória em questão assume especial gravidade, não tendo o arguido oportunidade de contraditório, da alegação e prova de factos de natureza pessoal e patrimonial, que só o recorrente está(va) em condições de suscitar perante o tribunal se fosse prevenido de que a condenação no crime de que é acusado implicava, também, a condenação na pena acessória.” - vide Ac. R. Porto de 24/02/2016, proc. 358/14.4PAGDM.P1; bb. Como esclarece o acórdão da R. Évora de 2/11/2011 (proc. 61/10.4PBPTM.E1), “Omitindo-se na acusação a imputação das circunstâncias factuais de suporte da aplicação da pena acessória ..., e do respectivo preceito legal, que exerce aqui uma função idêntica à menção dos preceitos incriminatórios, não podia ser aplicada ao arguido a pena acessória de expulsão do território nacional.” cc. Atentas as declarações expressas e repetidas da ofendida (minutos 01,29,44 e 01,36,02, parágrafos 919 a 922, 969 e 970 na transcrição anexa), deve considerar-se provado que ela não mais sentiu receio algum do arguido e, consequentemente, a matéria do facto não provado constante da alínea v), fls. 11 da sentença, deve passar a ser declarado facto provado, corrigindo-se o erro de apreciação da prova ostensivo (resultante da desconsideração da declaração pessoal da ofendida, prestada em audiência); dd. A pena acessória viola o disposto no art. 152, nº 4, e também o disposto no artigo 65, nº 1, do CP, pois nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos e não é aplicável quando lhe faltam os pressupostos de facto – pelo que deve ser revogada; ee. Os factos declarados provados na sentença com os nºs 5 a 10, 16 a 18, 22, 23, 34, 35 e 37 são conclusivos, não se referem a factos concretos, minimamente identificados, mas a generalizações e abstrações que não permitem compreender em que circunstâncias de tempo, lugar e modo foram praticados, como não são suscetíveis de contraditório, motivo pelo qual devem ser totalmente desatendidos e dar-se por não escritos, por violação do direito de defesa e da presunção de inocência, consignados no art. 32, nºs 1 e 2 da CRP; ff. Naquele sentido se pronunciaram os acórdãos da R. Porto de 27/06/2018 (proc. 82/17.6GAALB.P1), da R. de Lisboa de 26-11-2019 (Proc. 214/18.7PDAMD.L1-5), da R. Évora de 16/12/2021 (proc. 60/20.8GBETZ.E1), de 01/10/2013 (proc. 948/11.7PBSTR.E1), 05/07/2016 (proc. 515/14.3PAENT.E1), 22/11/2018 (proc. 526/16.4 GFSTB.E1), da Relação do Porto de 15/06/2016 (proc. 1170/14.6TAVFR.P1), 08/09/2020 (proc. 672/19.2GBAMT.P1), 24/11/2021 (proc. 304/20.6PAVLG.P1) e da Relação de Guimarães de 05/07/2021 (proc. 2/20.0GEBRG.G1). gg. No presente recurso, de impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, o arguido está obrigado a especificar os concretos pontos que considera incorretamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, nos termos dispostos nas alíneas a) e b), do nº 3, do art. 412 do CPP, mas, faltando à decisão impugnada a concretização dos factos, impede-se o direito pleno ao recurso sobre matéria de facto; hh. A sentença teria de declarar – para que as imputações genéricas pudessem ser minimamente admissíveis – que os factos haviam ocorrido num contexto tal que a vítima não havia podido, de algum modo compreensível para um observador comum, guardar memória deles, registar os pormenores, os detalhes e, em especial, a gravidade dos pretensos maus-tratos, pois, como consensualmente se reconhece, os maus-tratos, embora não tenham de recair numa tipificação penal específica, devem assumir proporção elevada, numa escala de ofensa que corresponda a real humilhação e degradação pessoal, o que tem de demonstrar-se factualmente; ii. Tendo-se constatado supra que as imputações genéricas violam os direitos de defesa e da presunção de inocência, consignados no art. 32, nºs 1 e 2 da CRP, argui-se também que os factos provados daí decorrentes, genéricos, violam o direito ao recurso efetivo sobre matéria de facto, consignado no citado art. 32, nº 1 da CRP, bem como no art. 10, ex-vi dos arts. 3 e 6 da Diretiva 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, em vigor em Portugal; jj. Não se provou que o arguido fosse consumidor de álcool em excesso (expressão inconcretizável, pois todo o consumo de álcool é excessivo), sendo certo que do facto provado 53 (relatório social) observa que não foram mencionadas e/ou detetadas referências a um padrão de consumo aditivo; kk. A sentença cai em contradição quando considera que a testemunha GG empola o consumo de álcool do arguido e conclui: a verdade é que não se detetou qualquer empolamento dos factos” (fls 25 da sentença); ll. Dos factos provados não consta sequer um episódio concreto de agressividade do arguido para com a ofendida, sob o efeito do álcool, o que faz a sentença cair numa contradição insanável; mm. O facto provado nº 6 não representa factos que integrem injúrias ou maus tratos, provido que está de terminologia inconclusiva e vaga, que nem sequer permite concluir que foi alguma vez proferido um insulto, querendo dizer apenas algo como “o arguido por diversas vezes durante a relação de 18 anos apodou a ofendida de…”, deixando o arguido sem qualquer hipótese de defesa, pois a acusação, qual ameba, adapta-se ao espaço-tempo e, se rebatida num ponto, infla noutro qualquer, armada de vazio e falsa gravidade; nn. O facto provado nº 7, que teria ocorrido entre 2001 e 2017, em data que a ofendida não sabe precisar, não obstante ter sido pontapeada “pelo corpo” e ameaçada de morte, por motivo estúpido, permite antever que foi inventado; oo. Não tendo sido tal acontecimento mencionado pela ofendida nas suas declarações, transcritas em anexo, nem pelas únicas testemunhas que a sentença reconhece como tendo presenciado alguns factos durante a relação, nem referido na fundamentação da sentença, de modo que permita compreender em que se baseou, ocorre erro flagrante da apreciação da prova e o facto deve ser eliminado; pp. O facto provado nº 8 é dúbio e contraditório, inconcretizado, pelo que deve ser declarado não escrito; qq. O facto provado nº 9 refere-se a discussão que não consta dos demais factos e a objetos inconcretizados , pelo que deve ser eliminado. rr. O facto provado nº 10 é falho de concretização, de circunstâncias e também de elementos de facto que integrem o dolo e a culpa, pelo que deve ser eliminado; ss. O facto provado nº 11 é redundante, não objetiva o modo de produção das dores que menciona e ofende o direito ao contraditório, pelo que deve ser declarado não escrito; tt. O facto provado nº 16, que teria ocorrido num período temporal de oito anos e meio, sem concretizar se a criança compreendeu e sequer se ouviu (CC, declarou, ao minuto 00,23 do segundo depoimento para memória futura, a fls 781 dos autos (fls. 31 da transcrição), quando perguntado expressamente, que não ouviu tal expressão), não releva e, se relevasse, teria de ser eliminado por não permitir a mínima defesa; uu. O facto provado nº 17 emprega uma metáfora velada, sem concretizar o que ocorreu e com quem ou quando e porquê, pelo que deve ser eliminado; vv. O facto provado nº 18, se correspondesse a declaração verdadeira, não traduzia ofensa alguma, torna-se é impossível contraditar um pretenso facto que se reporta a factos anteriores inconcretizados, pelo que tem de ser eliminado; ww. O facto provado nº 22 é vago e capcioso, mas inútil e impertinente, não relevando em nada para a causa, pelo que deve ser dado por não escrito; xx. O facto provado nº 23 correspondia ao elemento subjetivo do crime de violação de correspondência vertido na acusação do MP, que não se provou, pelo que deve ser dado por provado, eliminado ou dado como não escrito, por ser conclusivo e inútil; yy. O facto provado nº 34 é totalmente conclusivo, como expressa “levou muito tempo”, “conseguir reagir ao sucedido”, “fazer a sua vida normal”, estando em contradição com o facto 39: “A ofendida foi sempre mulher independente, pelo trabalho e pelo dinheiro”, que traduz: a arguida sempre fez uma vida normal, pelo que deve ser declarado não escrito; zz. Os factos provados nºs 35 e 37 estão em contradição entre si, são totalmente conclusivos e inúteis à causa, além de que não admitem defesa, estando também em contradição com o alegado supra: ofendida nem sequer sente receio, como se reproduziu supra das suas declarações; Devem aqueles factos ser declarados não escritos, e também não provados; aaa. A acusação e a pronúncia (que dá aquela por reproduzida) referem 6 momentos distintos de agressões físicas, ocorridos em 2001 (art. 8), 2010/11 (art. 12), 2015 (art. 14), 2017 (art. 16), 2018 (art. 25) e 2019 (art. 27). A sentença recorrida declarou não provados os momentos de 2001, 2018 e 2019 e alterou a descrição relativa a 2010/11; bbb. Recordando que a ofendida tem compleição física semelhante ao arguido e que este, pelo menos a partir de 2015, sofre de hipertensão, insuficiência cardíaca, falta de força, rutura de um menisco, bócio e posterior tireoidectomia, conforme factos provados 42 e 45, e conforme os factos supra alegados nos arts 1 a 5 do presente recurso, deve reconhecer-se o ascendente físico da ofendida sobre o arguido, sendo certo que aquela não guarda passividade ou incapacidade de reação, pelo contrário; ccc. A suposta agressão de 2001 foi declarada não provada (factos 8 e 9 da acusação) e o facto provado nº 40 confirma que o arguido foi agredido pela ofendida, que o arranhou na cara, não obstante o depoimento em contrário da ofendida (ao minuto 09,03, parágrafo 70), que não singrou; ddd. Constava do facto 12 da acusação (apertar o pescoço com as duas mãos, apertar os pulsos ao mesmo tempo que, com a mão direita, lhe desferia bofetadas na face), matéria que também não foi provada, situações que – importa sublinhar – foram suscitadas pela ofendida ao longo do inquérito, com insistência, acabando por ser levadas à acusação; eee. Também o art. 14 da acusação foi corrigido na sentença para diminuir o absurdo, solução fácil que choca com a evidência de que a ofendida, de pescoço apertado, tinha as mãos e os pés livres, prontos para se defender, tal como fizera em 2001, arranhando o arguido ou empurrando-o com as pernas nada fazendo (como contou ao minuto 51,17, parágrafos 502 a 553 da transcrição do seu depoimento), quando, em 2015, o arguido sofria a crise hipertensiva grave; fff. Sendo o arguido era advogado, sabia que, tendo chamado a polícia por motivo relacionado com o casal, haveria inquérito pelo crime de violência doméstica, que é um crime público, com investigação oficiosa; como o arguido se retirou depois de falar com a GNR na via pública, não chegou a tomar conhecimento de que a ofendida denunciara posteriormente ofensas verbais - tanto mais que o arguido estava sob crise hipertensiva grave, que determinou o internamento hospitalar (facto provado nº 42 e art. 15 supra alegado); ggg. Quando chegaram as cartas mencionadas pela ofendida no depoimento – que não eram obviamente da Segurança Social, mas da CPCJ, no âmbito do inquérito pela violência doméstica – o arguido, que desconhecia a denúncia da ofendida, supôs que havia sido apenas a sua chamada da GNR que causara a intervenção da CPCJ, como é de lei, pelo que aguardou o desfecho do inquérito; hhh. Por via da acusação infundada, o Meritíssimo Juiz, no interrogatório (vide supra as frases sublinhadas), desvia o depoimento da arguida, da carta da Segurança Social para queixa, e a ofendida deixa-se conduzir, assim desvelando a falsidade do seu depoimento; iii. Acresce que a preocupação do tribunal foi a de apurar quando é que ele soube, o que é inconsistente com o facto de ter sido o arguido a dar azo ao inquérito crime quando chamou a GNR – mais um erro de produção de prova; jjj. Cabe observar que, na contestação, foi requerida a junção do inquérito em causa, nº … e foi proferido despacho que determinou que a requisição apenas seria efetuada se necessária à produção da prova, pelo que o Tribunal julgou factos sem conhecimento das peças do inquérito que os continham – a denúncia da ofendida, o conhecimento da denúncia (não da queixa) pelo arguido, quando interessa conhecer o teor dos autos e das declarações, como a data da notificação do despacho de arquivamento; Assim, a sentença ocorre em omissão de pronúncia e em erro de julgamento; kkk. Dos presentes autos, consta apenas, a fls. 1062, o despacho de arquivamento do inquérito, que se mostra insuficiente para a compreensão de todo o sucedido; lll. Não havia portanto motivo algum para uma ameaça, que obviamente não foi proferida, sendo destituída de sentido, se o tivesse sido; mmm. Estando o CC num quarto e a ofendida estava na sala, não fazia sentido chamá-la para outro quarto; a ofendida, com o pescoço apertado e com falta de ar, abana a cabeça em sinal de concordância; o pouco espaço disponível facilitava a reação, o jogo de pernas, de braços, mas a ofendida não reagiu, ao contrário das versões dos casos de 2001 e de 2017, como seria expetável; E o arguido estava sob uma crise hipertensiva que lhe retirou força: É evidente o absurdo da situação, não faz sentido e torna-se impossível de realizar; nnn. Os factos provados nºs 12 e 13 devem ser declarados não provados, corrigindo-se a errada apreciação da prova constante da sentença; ooo. Sobre o facto provado nº 14, a ofendida declara que o arguido não a ameaçava por suspeitar que andasse com outros (§291-299), que o arguido a ameaçava em geral (§300-302) em 2012 e 2015 (§303-304) e mistura a versão de 2001 com a de 2017 (§319 e ss. conforme depoimento transcrito em anexo, que aqui não se reproduz para respeitar a síntese); ppp. Claramente, as declarações da ofendida não advêm de uma memória vivida, mas de uma conveniência, pelo que não devem ser sancionadas, como se nota mais adiante, ao minuto 54 da gravação do depoimento (parágrafos 534 a 692 da transcrição); qqq. Discutiu, declara, por o CC ter ido ao médico sem sua autorização e reconhece, ao minuto 57 (§571-573 e §583-587), que deu dois socos ao arguido, dando início a uma agressão; rrr. É evidente que o casal já então estava separado, como confirmado por CC, nas segundas declarações para memória futura, ao minuto 10, como se transcreve a fls. 788 dos autos; e no 1º depoimento para memória futura, transcrito a fls 755, havia dito: “já estava fora de casa, estava a deixar-me. Quando eu ia dormir, ele ia-se embora”.; sss. Aquelas declarações relevam igualmente para estabelecer o dia em que a ofendida expulsou o arguido de casa pois esta repete várias vezes o dia dos factos: 17 ou 18 de setembro de 2017: minutos 35 (§314), 54 (§539). Consequentemente, deve ser completada a matéria de facto provada com tal data; ttt. Não se tratou de nenhuma discussão de ciúmes (nessa altura já não discutiam, diz a ofendida), mas da questão da anemia do CC, afinal comprovada a fls. 730 dos autos; uuu. No 1º depoimento, o menor refere que viu o pai apertar o pescoço à mãe, mas não refere chapadas nem socos; No 2º depoimento, declara ao minuto 5, conforme transcrição dos autos, que só teve a perceção de que o pai apertava o pescoço da mãe, declarando depois que viu nesta com marcas nas costas, nos braços e nas pernas, mas não no pescoço, nem na cara – o que representa uma declaração contrária à que foi prestada pela ofendida; vvv. Ambos informaram o tribunal que haviam feito fotografias dessas marcas, com um telemóvel que avariou, o que torna inverosímil que hajam esquecido as marcas que fotografaram; do que se conclui que não houve bofetadas nem socos, ficando a dúvida sobre se houve efetivo aperto do pescoço, pois a ofendida não refere que teve falta de ar, e o menor não podia ter visto apertar o pescoço ao chegar à sala, atenta a sua altura e o ângulo de visão de que dispunha; www. Aliás, o arguido não poderia apertar o pescoço da ofendida, estando esta deitada no sofá, sem ser arranhado ou agredido, tal como na situação de 2001, em que a ofendida, deitada, achando o pescoço apertado (como declarou), reagiu violentamente; xxx. A desconformidade do facto provado nº 15 é notória: a ofendida sofre apertão no pescoço e socos e chapadas na cara, mas apresentou marcas nos pulsos, nas pernas e nas costas! Totalmente irrealista, tanto mais que própria ofendida informou, ao minuto 48 do depoimento (§ 466) a propósito de outras supostas agressões, que: “Não, porque quando...ah… tou chateada, ou quando acontece alguma coisa que me irrita, eu fico vermelha.”, o que torna inverosímil que o menor não haja visto marcas na cara da mesma, após a pretensa agressão a soco – a tal vermelhidão do facto provado nº 13, atinente ao suposto aperto de 2015; yyy. Foi a ofendida que agrediu em primeiro lugar o arguido – com dois socos (ao de leve, informou, o que permite antever a capacidade física da mesma), afastando o requisito de maus tratos pois, na sequência, a ofendida expulsou o arguido de casa – de onde se afasta qualquer ascendente ou superioridade física ou moral do arguido sobre a ofendida; zzz. Atento o exposto, o facto provado nº 14 deve passar a ter a seguinte redação: “No dia 17 ou 18 de Setembro de 2017, no interior da habitação referida em 12), a ofendida deu dois socos no arguido, após o que o arguido agarrou nos pulsos da ofendida, empurrou-a na direção do sofá, fazendo-a cair sobre o mesmo e colocou-se em cima desta, facto este último que foi presenciado pelo filho menor de ambos”.; aaaa. O facto provado nº 49 deve passar a ter a redação seguinte: “Na imediata sequência dos factos descritos no nº 14, a ofendida expulsou o arguido de casa, o que o obrigou a alojar-se onde pôde, primeiro em … e depois, por dois meses, num Aparthotel de …”. bbbb. Compreendida assim a teia de repetições falsas expendida pela ofendida ao longo dos autos e das declarações prestadas na audiência de julgamento, regresse-se a 2010-2011, aos factos provados nºs 10 e 11, que interessam à demonstração da falsidade das imputações; cccc. Nas suas declarações, iniciadas ao minuto 44 da gravação (§427 a §439 da transcrição anexa), a ofendida situa em dias distintos o pontapé e a chapada: dddd. A testemunha GG não confirma as declarações da ofendida. Inventando ou discorrendo contraditoriamente sobre a vivência com o casal, acaba por contar agressões que a ofendida não relata e que seriam graves, caso tivessem acontecido (puxões de cabelos), mas não viu a bofetada: na sala, viu um soco nas costas, conforme depoimento do minuto 15,39 e ss. da gravação dos autos (§93 a §108 da transcrição anexa); eeee. Apura-se assim que a testemunha GG, contrariamente ao expendido a fls. 26 da sentença, pouco assistiu à vida do casal, por motivos laborais, e pouco compreendeu, por não dominar a língua portuguesa, além de que apresenta uma vacuidade e leviandade argumentativas difíceis de aceitar, num depoimento judicial sério e seguro de si; ffff. Sobre o pretenso pontapé, estando o arguido bem disposto e a ofendida a tratar da roupa, não poderia deixar de ser um movimento involuntário, um toque ocasional, se existiu; gggg. A dor de cabeça manifestada pela ofendida prende-se também com o facto provado nº 38 de que sofre de dores de cabeça frequentes (agravadas por: “O nosso filho não dormia a noite, acordava à noite, 5, 7 vezes à noite” (minuto 43,20 da gravação; §422 da transcrição anexa), e assim se compreenderia que o pontapé não houvesse produzido dores na zona de impacto, mas sim o ter batido com a cabeça na máquina, donde os factos provados nºs 10 e 11 devem ser declarados não provados; hhhh. No final do depoimento, minuto 01,59,31 (§ 1174), a ofendida declara que naqueles anos de 2010-2011, havia menos insultos, “porque ele tinha um bocadinho de vergonha de mostrar quem ele é, na realidade.”, o que contradiiz o exarado na sentença, a fls. 26, de “o arguido haver sido incauto na sua conduta, não antecipando a possibilidade de a presença de outrem no seio familiar vir a ser atendida e valorada em Juízo”; iiii. A sentença embarcou nos comentários a latere de uma testemunha inconsequente e acaba por errar, gravemente, na apreciação dos factos e do comportamento do arguido: como é possível que o arguido se armasse em herói violento contra 3 pessoas, na mesma casa, tendo a ofendida capacidade física semelhante, sendo a GG uma jovem de 20 anos e 120 quilos (§428 das declarações da ofendida) e sendo o HH um rapaz alto e elegante de 15 ou 16 anos de idade? Donde se apura a sua completa inverosimilhança. jjjj. Não houve agressão física alguma do arguido sobre a ofendida, mas houve sim o inverso: a ofendida agrediu o arguido e, de seguida, expulsou-o de casa; kkkk. Salvo o devido respeito, os factos provados nºs 20 e 21, ao tornar vago que “Entre Dezembro de 2017 e Março de 2018, o arguido e a ofendida trocaram diversos emails, nos quais o arguido tratava a ofendida por «maluca, falsa, tirana»” e etc., não respeita as regras de especificação dos factos provados e descontextualiza as expressões que atribui ao arguido; llll. Ocorria, na época daqueles e-mails, a matéria dos factos provados nº 44 (a ofendida ofendia o arguido) e 51 (prejudicava a aprendizagem do filho comum), e o impedimento de visitas do arguido ao seu filho CC, que a sentença dá por não provado (alínea ss), não obstante constar da sentença de regulação proferida pelo Tribunal de Família, constante de fls. 1027 dos autos; mmmm. Destacar-se palavras isoladas de uma série de e-mails, retirando-as do contexto, quando é neles óbvio que o que se discutia era a situação do filho comum, que o arguido achava mal tratado; não se atender às frases aí constantes também (“o CC gosta muito de ti e ainda bem, eu não pretendo prejudicar essa relação, que é fundamental para ele. mas também precisa e gosta de mim e tu deves respeitar isso.”), que representam, no fundo, que a disputa não visa humilhar a ofendida, mas chamá-la à razão (aos cuidados do filho), quando a ofendida ofendia (ainda hoje o faz – vide fls. 1127 e ss.) repetida e insistentemente o arguido, com palavras gravíssimas, de cabrão a nojento, parece já um contrasenso, perante a dramática situação do menor, aos olhos do pai, confirmada na sentença do Tribunal de Família, constante de fls. 1027 dos autos; nnnn. Aquelas palavras não podem ser lidas isoladamente e não têm força injuriosa. Consequentemente, os factos provados nºs 20 e 21 devem ser eliminados; oooo. A sentença erra por completo quanto à verificação da congruência dos depoimentos, quanto à valoração da prova e quanto à ponderação dos interesses em jogo, tendo violado o disposto nos arts 127 e 354 do CP; pppp. A fundamentação erra desde logo quando declara reconhecidos pela ofendida factos que a mesma não reconheceu, quando não pondera que todos os factos levados à acusação resultam de declarações da ofendida, que a mesma os alterou na audiência (e nas próprias declarações que fez na fase de inquérito), quando não se interroga sobre os motivos envolvidos nas ações que declara provadas, desprovendo-os de contexto e de sentido crítico; qqqq. A ofendida faltou também à verdade quando declarou que, em 2001, não sabia que o arguido estava casado e que este lhe apresentou um documento comprovativo do divórcio, não conseguindo depois explicar quando e como soube afinal que tal facto não correspondia à verdade – matéria que suscitaria, numa pessoal normal, uma revolta compreensível, sendo certo que, na sentença, a fls. 16, que “FF (amigo da ofendida que, relatando episódio ocorrido em 2001, afiançou ter à data conhecimento de que, não obstante o envolvimento entre arguido e ofendida, aquele seria casado e a ofendida teria conhecimento disso mesmo, tanto que havia sido ela quem lhe havia transmitido essa mesma informação)”; rrrr. No parágrafo 304 da transcrição do seu depoimento, a ofendida refere: “quando nós já vivíamos em …, mais ou menos 2015, que os meus amigos, que viviam à frente da porta, são pessoas russas, da Rússia, que eles ouviam escândalos”, mas os vizinhos russos foram ouvidos pelo MP no inquérito nº … – alegado supra – e declararam que não ouviram escândalos ou ruídos, como consta a fls. 1062 dos presentes autos; ssss. O motivo da separação foi indicado pela ofendida, às testemunhas FF e aos filhos do arguido – assim menciona a sentença – como sendo o adultério, mas, quando a ofendida soube que o arguido tinha outra mulher, já o casamento estava acabado: o motivo da disputa prendeu-se simplesmente com a guarda do filho do casal; tttt. A sentença erra gravemente quando a justifica pelo adultério, ódio esse que é de morte, como declara no parágrafo 1126: “um dia vais, vais sofrer sofrer, como, como nós tamos a sofrer. Vais morder os cotovelos. Isto é uma expressão de Ucrânia.”. Também o e-mail de fls 651 e ss. expressa: “Um dia o CC vai-te odiar”; uuuu. O depoimento da ofendida não está destituído de desejo de vingança, nem corroborado por comprovações periféricas e contém inúmeras ambiguidades e contradições, motivo pelo qual os factos declarados provados com base naquele depoimento não podem manter-se e devem ser declarados não provados; vvvv. A sentença erra ao descaracterizar as injurias e difamações que a ofendida dirigiu ao arguido e à família do arguido, por via do suposto adultério, pois como em 4/12/1995, esclarecia o douto acórdão do STJ, proferido no proc. 96P209: ”Não o acolhe hoje a argumentação de que o adultério é ainda uma situação especial motivante de uma reação agressiva da parte do cônjuge traído, pois justamente por assim não pensar é que o legislador despenalizou o crime cuja prática levava à aplicação de uma pena pouco mais do que simbólica (artigo 372 do Código de 1886) e, mesmo assim, para o caso de flagrante constatação do facto”; wwww. A ofendida aventa tais apodos em 2015, por ter achado, sem razão alguma, que o arguido, tendo chamado a GNR, acrescentaria as ofensas que esta lhe fazia, mas quando constatou que se precipitara, silenciou; apenas em 2018, no auge da desavença sobre a custódia do menor, torna a fazer denúncias; xxxx. A ofendida difamou o arguido perante a sua família, os filhos adultos do arguido, o cunhado II, publicamente no …, a mulher do arguido, EE, e também perante terceiros (as demais testemunhas ouvias no julgamento da presente causa, entidade patronal e colegas de trabalho), designadamente, no que a sentença falha novamente, pois leva aos factos provados apenas metade das expressões injuriosas que considera proferidas pela ofendida na fundamentação; yyyy. A ofendida agiu com o propósito de ofender a honra e consideração do arguido, que havia agredido e expulsado de casa, quando doente, de modo totalmente insensível, pretendendo prejudicar o seu relacionamento familiar e a sua estabilidade emocional, de modo intencional, propositado, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei; zzzz. Não pode entender-se num tal quadro que a ofendida é vítima de violência doméstica. É sim agente daquele crime; aaaaa. Caso porventura não se reconheça provimento ao presente recurso, na parte que respeita aos factos provados que incriminam o arguido – hipótese que se configura por cautela e sem conceder – deve ter-se em conta tais ofensas praticadas pela ofendida, para efeito de desqualificação da eventualidade de maus tratos, seguindo-se as doutas considerações do acórdão da R. Porto, de 09-05-2018 (proc. 40/17.0GCOAZ.P1): “o crime de violência doméstica já não pode ser cometido em reciprocidade, quando estamos perante atos agressivos recíprocos, na mesma ocasião e com igual ou idêntica gravidade, pois que o bem jurídico tutelado pela norma incriminatória não é afetado, não traduzindo essas ações tratamento desumano e degradante”. Atento o exposto, deve a sentença recorrida ser revogada e o arguido absolvido do crime, com o que se fará Justiça!» Admitido o recurso, o Ministério Público respondeu pugnando pela sua parcial procedência e improcedência, aduzindo, em síntese, que: « A.- O recorrente veio interpor recurso da douta sentença que o condenou pela prática de um crime de violência doméstica agravada, p, e p. pelo artigo 152.º n.º 1 alínea a) n.º 2 alínea a), do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período sujeito a regime de prova, e ainda na pena acessória de proibição de contactos com a vítima BB pelo período de 2 anos e 6 meses. B. - Do teor do recurso apresentado pelo arguido e das suas longas conclusões, podemos extrair que os fundamentos do recurso são: i) - o recorrente insurge-se contra a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, quer porque considera que existiram factos dados como provados que não deveriam ter sido dado como provados, bem como não foram dados como provados factos designadamente da contestação que deveriam ter sido dado como provados. ii) - o recorrente considera que existem contradições na matéria de facto dada como provada – vide a título de exemplo as conclusões: h), q), t), jj), kk), zz), lll). iii) – o recorrente coloca em causa a necessidade de ter de cumprir o programa para agressores de violência doméstica – PAVD - porque se considera social, laboral e profissionalmente inserido, e nesse sentido não seria necessário a frequência de tal programa, considerando contraditória esta condição com os factos dados como provados na douta sentença ora recorrida. iv) - o recorrente alega que a sentença não se pronunciou acerca de factos alegados na contestação, bem como omitiu factos que considera essenciais para a descoberta da verdade material – vide por exemplo conclusões: a) a d), i), l), hh), ccc), jjj). v) - o recorrente insurge-se com a narração e formulação dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo – vide por exemplo conclusões: n) a p), r), ee), hh), mm) a yy) – pretendendo que a sentença tivesse uma narração / formulação diferente, contendo a sua forma de ver os factos dados como provados. vi) - o recorrente insurge-se ainda com o facto de lhe ter sido aplicada a pena acessória de proibição de contactos, alegando que a sua aplicação foi uma decisão-surpresa, sem qualquer opção de contraditório. C.- Perante estes argumentos e alegações somos de nos pronunciar pela sua total improcedência, pelas seguintes razões: i) – o recorrente o que pretende é um novo julgamento em que a sua opinião e visão dos factos tenha provimento, não se conformando com a apreciação e argumentos, adiantamos, racionais e lógicos, utilizados pelo Tribunal a quo; ii) – o recorrente foca o seu recurso, quer nas declarações das testemunhas ouvidas, quer nos documentos por si juntos, quer finalmente na apreciação da prova efetuada pelo Tribunal a quo; iii)–Todas as provas e meios de prova oferecidos pelo recorrente foram analisadas e devidamente apreciadas pelo Tribunal a quo na sua decisão; iv) – Inexiste quaisquer razões, factos ou provas, que imponham decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo, que efetuou análise crítica de todas as provas que lhe foram apresentadas e fez uma valoração lógica e racional; D.- É jurisprudência unânime que a modificabilidade pelos Venerandos Tribunais da Relação da decisão da matéria de facto pressupõe que, para além da indicação dos pontos de facto considerados incorretamente julgados, que sejam indicados os concretos meios de prova constantes do processo ou de gravação realizada, que imponham decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnados. E.- Só se esses meios de prova determinarem e forçarem decisão diversa da proferida é que se pode concluir ter a 1ª instância incorrido em erro na apreciação da prova, legitimador da respetiva correção por um Tribunal Superior. F.- Não basta, pois, que as provas permitam, dentro da liberdade de apreciação das provas, uma conclusão diferente; a decisão diversa a que aludem o artigo 690.º-A nº 1-b) e 712° n° 1-a) e b) CPC terá que ser a única possível ou, concede-se, no mínimo, a possível mas com elevada probabilidade, e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento. G.- Por outras palavras: a sindicância da decisão de facto deve limitar-se à aferição da sua razoabilidade em face das provas produzidas. Logo, o controle pela Relação da decisão proferida sobre a matéria de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação ou a transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar a livre apreciação da prova pelo julgador de1ª instância, onde este detém a liberdade para formar a sua convicção sobre os factos, com base apenas no seu juízo sobre as provas produzidas, e deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão e, sem deixar de ponderar a natural falibilidade da prova testemunhal, reconhecer que a 1ª instância, por força da imediação na produção desta, capta normalmente elementos e reações insuscetíveis de "passarem" na gravação ou na transcrição do depoimentos (v. g. hesitações, silêncios …) e por isso se encontra em melhor posição para aferir da credibilidade da testemunha. H.- Neste conspecto, a douta Sentença ora recorrida fundamentou de forma clara e adequada a matéria de facto dada como provada e não provada, analisando todos os meios de prova que sustentaram a apreciação feita peloTribunal a quo, fazendo uma apreciação, interpretação e valoração dos mesmos, cuja razoabilidade e plausibilidade é, em nosso entender, inatacável. I.- Como é bom de ver, o Tribunal a quo apreciou criticamente toda a prova produzida, motivou a sua decisão de forma clara e indubitável, assentando num raciocínio lógico e totalmente de acordo com aquilo que são as regras da experiência comum, não se vislumbrando qualquer incongruência ou contradição quer no raciocínio efetuado, quer na valoração da prova, quer ainda na decisão proferida J.- Das alegações de recurso apresentadas pelo recorrente e das transcrições das declarações da vítima e testemunhas, não se vê quais são as concretas provas que impunham decisão diversa da proferida e que evidenciem uma apreciação contrária a logica e experiência comum. K.- Por outro lado, o Tribunal a quo só e apenas deve pronunciar-se acerca de factos que tenham relevância para a decisão da causa e não sobre todas as questões, depoimentos, situações, relatos, alegações ou factos, que nada relevam quer para a tipificação dos factos como crime, quer para a medida da pena. L.- Nessa medida, o Tribunal a quo refere (e bem) na douta sentença: “Da audiência de julgamento e com relevo para a boa decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos” e ainda “Já quanto aos factos dados como não provados (…) Com relevo (considerando merecer melhor concretização), refira-se ainda o seguinte”, isto é, o Tribunal a quo apenas se tem de pronunciar sobre questões que tenham relevância para a boa decisão da causa e não sobre todas as questões levantadas durante a audiência de julgamento e que fujam ao objeto do processo ou em nada contendam com a decisão da causa. M.- Inexistem, pois, quaisquer omissões quer de factos quer de meios de prova que fossem imprescindíveis ou relevantes para a decisão e para a descoberta da verdade material, sendo irrelevante a produção de prova ou narração de factos que não fazem parte do tipo e nada importam para a determinação da medida da pena ou para determinar uma causa de exclusão da culpa ou ilicitude. N.- Inexiste qualquer contradição na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo. A título de exemplo veja-se que o facto de um arguido estar integrado social, familiar e profissionalmente, em nada contende com a necessidade desse arguido frequentar um programa de agressores de violência doméstica, nem o facto de o arguido exercer a profissão de advogado releva para essa matéria, caso relevasse sempre se diria que os juristas, advogados ou magistrados, careciam de medidas de prevenção especial porquanto sabem da ilicitude dos seus atos e não os praticarão mais (apesar de terem sido condenados pela sua prática). O.- Em suma, a douta sentença recorrida é irrepreensível nos argumentos, na análise da prova produzida, no raciocínio efetuado pelo Tribunal e na fundamentação da matéria de facto dada como provada, não merecendo qualquer censura, porque clara, simples e facilmente apreensível pelos destinatários. P.- No fundo, o recorrente não se conforma é com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, tentando atacar a análise critica e valoração da prova produzida, mas não apontando nenhuma prova que imponha decisão diferente, ou contradição/insuficiência que determinasse uma outra decisão. Q.- A aplicação da pena acessória de proibição de contactos encontra-se bem motivada no ponto V da douta sentença ora requerida e sempre se dirá que, não sendo de aplicação automática, a verdade é que as vitimas deste tipo legal de crime têm o direito a ser protegidas, atuando a pena acessória nestes casos numa lógica de prevenção de conflitos e de prevenção/intimidação que efetivamente proteja a vítima do risco de reincidência. R.- Neste conspecto, o recorrente nunca poderia alegar ter sido uma decisão surpresa uma vez que a aplicação da pena acessória de proibição de contactos já havia sido requerida no despacho de acusação que lhe foi notificado. S.- Por tudo já referido, mas principalmente pela análise e raciocínio, que se encontram muito bem explanados e fundamentados pelo Tribunal a quo, com referência a todos os elementos de prova contantes dos autos e resultantes da audiência de julgamento, a decisão é, em nosso entender, inatacável. Termos em que, deve ser rejeitado o recurso apresentado pelo recorrente e, consequentemente, ser mantida a douta sentença nos seus precisos termos. Decidindo nesta conformidade será feita Justiça.» A assistente não recorreu nem apresentou resposta ao recurso do arguido. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância, na intervenção a que alude o artigo 416.° do CPP, secundou integralmente a posição assumida na resposta produzida na 1.ª instância. Arguido e assistente responderam ao parecer produzido pelo Ministério Público junto deste Tribunal da Relação, nada acrescentando de relevante, até porque naquele se secundou a posição já anteriormente expressa e conhecida. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir. II – Fundamentação A. Delimitação do objeto do recurso O objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigos 403.º, § 1.º, 410.º, § 2.º e 412.º, § 1.º CPP). E, nessa sequência, as questões que cumpre apreciar são as seguintes: 1. Nulidade da sentença: i) por omissão de pronúncia (artigo 379.º, § 1.º, al. c) CPP, por o Tribunal se não ter pronunciado sobre factos de um dado inquérito; ii) por preterição de garantias essenciais de defesa, incluindo a presunção de inocência – «por imputações genéricas», «terminologia inconclusiva e vaga», factos «dúbios e contraditórios», «metáforas veladas», conteúdo «conclusivo e inútil» ou «capcioso»; 2. Erro de julgamento da decisão de facto (relativamente ao acervo dos factos julgados provados e ao dos factos julgados não provados); 3. Vícios da decisão recorrida (artigo 410.º, als. a), b) e c) CPP); 4. Erros de julgamento da questão de direito: i) não há comissão do crime por não estar provado o seu elemento subjetivo; ii) a condição fixada à suspensão da execução da pena de prisão é desajustada; iii) e a pena acessória foi aplicada contra os princípios e as regras do direito. B. Na sentença recorrida deram-se como provados e não provados os seguintes factos, motivando-se a decisão besta parte pela seguinte forma: «Factos Provados Da audiência de julgamento e com relevo para a boa decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos: DA PRONÚNCIA EM ESPECIAL 1. O arguido (AA) e a ofendida (BB) iniciaram relação afectiva no ano de 2001; 2. Contraíram matrimónio em ….2008; 3. O casamento foi dissolvido em …2019; 4. Dessa união nasceu CC, em …2009; 5. O arguido era consumidor de bebidas alcoólicas em excesso, sendo que nessas ocasiões se tornava mais agressivo com a ofendida; 6. O relacionamento entre arguido e ofendida sempre foi pautado por diversos episódios em que o arguido apodava a ofendida de «cabra», «filha da puta», «nojenta», «vaca», «puta», «estúpida», «gorda», «feia», «vagabunda», «puta ucraniana», «merdosa» (3); 7. Em data não concretamente apurada, mas no decurso da relação, o arguido dirigiu-se à ofendida do seguinte modo: «não prestas como mãe e como esposa, não queres dormir comigo, é claro que vou ter com outras» e «se te apanho com outro mato-te», ao mesmo tempo que lhe desferia pontapés pelo corpo; 8. Em dias não concretamente apurados, mas entre Julho de 2010 e Março de 2011, no interior da residência onde habitavam, sita no …, Rua …, em …, o arguido, mesmo na presença de uma amiga da ofendida, GG, que na data residia com ambos, pelo menos com cadência mensal, suspeitando que a ofendida tinha outros relacionamentos amorosos, apodou-a de «mentirosa», «puta», «filha da puta», «cabra», «merdosa», «gorda»; 9. Nessas discussões, o arguido chegou inclusive a partir diversos objectos (4); 10. No período temporal referido em 8), em dia não concretamente apurado, o arguido desferiu um pontapé na ofendida, assim como uma bofetada na sua face; 11. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a ofendida sofreu dores; 12. No ano de 2015, em data não concretamente apurada, o arguido, após ter tomado conhecimento que a ofendida tinha apresentado uma queixa contra si, no interior da residência onde habitavam na altura, sita na …, em …, apertou-lhe o pescoço e disse-lhe em tom de voz sério «ou retiras a queixa ou passas mal na vida»; 13. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a ofendida sofreu dores e vermelhidão transitória no pescoço; 14. Em Setembro de 2017, no interior da habitação referida em 12) e na presença do filho menor de ambos, o arguido agarrou nos pulsos da ofendida, empurrou-a na direcção do sofá, fazendo-a cair e, colocando-se em cima desta, apertou o pescoço com ambas as mãos e desferiu-lhe um número indeterminado de socos na face; 15. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, referida em 14), a ofendida sofreu dores e ficou com nódoas negras nos pulsos, nas pernas e nas costas; 16. Em data não concretamente apurada, na presença do filho menor de ambos, o arguido dirigiu-se à ofendida do seguinte modo: «chupas-me o caralho»; 17. No decurso do matrimónio, o arguido teve pelo menos dois relacionamentos extraconjugais; 18. Quando confrontado com tal facto pela ofendida, o arguido disse-lhe «pensas que vou ficar duas semanas sem sexo!? Claro que estive com outras mulheres»; 19. No dia 01.10.2017, o arguido saiu do lar conjugal onde residia com a ofendida e com o filho de ambos; 20. Entre Dezembro de 2017 e Março de 2018, o arguido e a ofendida trocaram diversos emails, nos quais o arguido tratava a ofendida por «maluca, falsa, tirana»; 21. Dizendo-lhe, inclusive, que aquela se «oferecia a homens, que montava todo o traste que encontrava, que cheirava a podre» e «vai mentir para a casa do caralho, sua falsa»; 22. Em Março de 2019, o arguido deslocou-se à residência da ofendida, sita na Rua …, em …, com o intuito de ir buscar o filho; 23. O arguido bem sabia que a missiva referida em o) não lhe era endereçada e que não se encontrava autorizado a abri-la; 24. O arguido agiu com o propósito concretizado de maltratar, humilhar, ofender a honra, o bom nome e a sensibilidade da ofendida, sua esposa, de lhe causar medo e intranquilidade e de a molestar física e psicologicamente, fazendo-o, inclusive, na presença do filho menor, indiferente ao sofrimento que causava a este e no interior da residência onde coabitou com a ofendida e com o filho menor; 25. Sabia o arguido que as afirmações que proferia à ofendida eram idóneas a causar, como causaram, dor psicológica e temor de que viesse a sofrer acto atentatório da sua vida e integridade física; 26. O arguido agiu de forma livre e com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde da ofendida, bem sabendo que a sua conduta era idónea a causar, como causou, dores e sofrimentos físicos; 27. Em tudo agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo serem tais condutas proibidas e puníveis por lei; DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL (5) 28. Em consequência das expressões que o arguido dirigiu à ofendida, esta sentiu-se psicologicamente afectada; 29. Tais expressões não correspondiam à verdade; 30. Em consequência dos pontapés, bofetadas, empurrões e socos que o arguido desferiu sobre a ofendida, esta sofreu dores muito intensas, assim como nódoas negras; 31. Após as condutas do arguido, supra descritas, a ofendida receava que o mesmo voltasse a repetir essas mesmas condutas; 32. A ofendida ficou muito abalada com os episódios de violência de que foi alvo; 33. Passando dias seguidos com receio que ocorressem novos episódios de agressões; 34. A ofendida levou muito tempo a conseguir reagir ao sucedido e fazer a sua vida normal; 35. A ofendida ainda hoje sofre quando se lembra de tais agressões, as quais deixaram-na numa situação de desespero; 36. Após o sucedido, a ofendida sentiu receio; 37. Os incómodos sofridos pela ofendida perduram até à data, recordando permanentemente o sucedido; DA CONTESTAÇÃO 38. A ofendida sofre de dores de cabeça frequentes; 39. A ofendida foi sempre mulher independente, pelo trabalho e pelo dinheiro (para fazer obras em prédio na Ucrânia); 40. Em Outubro de 2001, o arguido estava casado com DD, com quem vivia até ao divórcio em 2004, tendo conhecido ocasionalmente a ofendida, que o convidou para um jantar com amigos em casa deles, onde tinha quarto, tendo aí o arguido sido arranhado na cara pela mesma; 41. Depois do episódio referido em 40), arguido e ofendida não mantiveram qualquer contacto; 42. Em 2015, o arguido foi acometido de uma crise hipertensiva muito grave, que o obrigou a internamento no Hospital de … e a longa medicação experimental de diversos médicos, tendo sofrido de insuficiência cardíaca, de que resultou, além do mais, falta de força física, tendo sido finalmente medicado com relativo sucesso; 43. Em data não concretamente apurada, o arguido chamou a GNR, que se deslocou ao local; 44. A ofendida já ofendeu com palavras o arguido, apelidando-o de «filho da puta», «cabrão», «nojento»; 45. O arguido marcou cirurgia extractiva da tiróide, que foi realizada em Outubro de 2017; 46. Numa certa noite em que o arguido dormia no quarto, tendo chegado a casa tarde, a ofendida leu as mensagens (SMS) que recebidas no telemóvel do arguido, designadamente de EE, ainda por ler; 47. Após, invadiu o quarto onde o arguido dormia; 48. Depois, a ofendida propagou tais mensagens junto dos filhos do arguido, JJ e KK, acusando-o de ser adúltero; 49. Após, a ofendida expulsou o arguido de casa, o que o obrigou a alojar-se onde pôde, primeiro em … e depois, por dois meses, num Aparthotel de …; 50. Após, a ofendida referiu junto do seu patrão e de amigos que o arguido a ofendia e lhe apertou o pescoço; 51. A ofendida incentivou o abandono do Conservatório de Música por parte do filho em comum com o arguido; DAS CONDIÇÕES PESSOAIS E ECONÓMICAS E ANTECEDENTES CRIMINAIS DO ARGUIDO EM ESPECIAL 52. O arguido nasceu em …1958 e está casado; 53. Do relatório social constante dos autos, elaborado pela DGRSP em 08.06.2021 e incidente sobre a pessoa do arguido, consta, além do mais, o seguinte: I – Condições sociais e pessoais Na actualidade e desde há cerca de 3 anos, AA e respectivo núcleo familiar (cônjuge/relação formalizada em Março de 2020 e enteada menor de idade) residem numa habitação arrendada, sita na urbe de …, correspondendo a morada indicada nos autos ao gabinete/local de trabalho do arguido. Quer o arguido, quer o cônjuge (activa profissionalmente), caracterizam a dinâmica marital como normativa, em termos psicoafectivos, tendo o segundo salientado os hábitos caseiros de AA, a partilha dos tempos livres e a adequada vinculação daquele à enteada. O núcleo familiar em causa convive com regularidade com os descendentes do arguido (nomeadamente o segundo descendente, já adulto, e o terceiro descendente/em comum com a ofendida), tendo AA salientado os normativos contactos com o filho menor desde Março de 2021. Do confronto dos elementos recolhidos junto das diversas fontes, o processo de regulação das responsabilidades parentais (iniciado em 2018 e por iniciativa do arguido, segundo o próprio) foi perturbado pelo conflito parental (com sinalização de ambas as partes de situações de incumprimentos), quadro na actualidade ultrapassado, segundo o arguido, face à possibilidade de articular directamente (através de telemóvel) com o descendente. Activo profissionalmente como advogado, o arguido indicou um quadro económico equilibrado (estimando as receitas mensais numa média de 2.500 Euros e as despesas mensais fixas, referentes a crédito bancário, pensão de alimentos e Caixa de Previdência em cerca de 1.250 Euros), referindo uma redução dos rendimentos nos últimos anos por opção própria/redução dos compromissos profissionais face aos problemas de saúde que começou a registar desde há cerca de dez anos. A este nível, o arguido referiu quadro clínico de hipotiroidismo/sintomatologia depressiva, bócio (que requereu intervenção cirúrgica em 2017), hipertensão e insuficiência cardíaca, situações clínicas entretanto controladas com recurso a um estilo de vida saudável. AA é oriundo de um agregado familiar com um estrato socioeconómico mediano e com uma dinâmica relacional caracterizada como normativa/isenta de história familiar de vitimação. Segundo elemento de uma fratria de dois, o arguido optou por efectuar o Ensino Secundário em …, integrado no agregado familiar da irmã, por considerar aquela cidade (comparativamente com o meio de origem/…) mais estimulante em termos socioculturais. Tendo ingressado na Faculdade de Direito da Universidade de …, aquando da frequência do 3.º ano, AA (então já com família constituída, registando o primeiro matrimónio aos 19 anos de idade) optou por leccionar História (área da sua eleição) em …. A ausência de habilitações próprias para a actividade lectiva determinaria a conclusão da Licenciatura em Direito em 1987, aos 29 anos de idade (então casado em segundas núpcias com DD), iniciando actividade como jurista na Câmara Municipal de …. Ao nível profissional e desde 1990, o arguido tem-se dedicado à prática individual de advocacia (registando período de assessor jurídico em municípios, até 1998, e período de 2007 a 2009, em que leccionou Direito de Comunicação na Escola Superior da Educação de …), sendo referenciado como um bom profissional na área em causa. Ao nível afectivo, e tendo o primeiro matrimónio terminado decorridos cerca de quatro anos (mantendo o arguido, então jovem adulto, contacto com o descendente primogénito, na actualidade com 40 anos de idade), o divórcio do segundo cônjuge ocorreria em 2004, após cerca e 18 anos de vivência marital. A este nível, o ex-cônjuge contactado caracterizou a relação marital como normativa e/ou isenta de especial conflituosidade, enfatizando as competências parentais do arguido, tendo o término da relação decorrido na sequência do, entretanto, estabelecimento de relação extramarital, por parte de AA, com a ofendida nos autos. BB salientou o processo, em crescendo, de conflituosidade marital desde 2015 no âmbito da sua convicção relativamente ao estabelecimento de relação extramarital por parte do arguido. Tendo a ofendida sinalizado hábitos de consumo de bebidas alcoólicas por parte de AA, com maior expressão no período final da relação marital (dinâmica conflituosa), nos contactos efectuados com as demais fontes não foram mencionadas e/ou detectadas referências a um padrão de consumo aditivo. O arguido denotou adequado atendimento ao bem jurídico em causa, salientando a sua desde sempre disponibilidade e/ou preocupação com o bem-estar do descendente em comum e a atitude de obstaculização da ofendida a esse nível. Cumpre referir que a ofendida manifestou a manutenção de sentimentos de receio relativamente ao arguido (quer em termos de coacção sociopsicológica, quer em termos físicos) no sentido de eventuais acções de represália/retaliação por parte do arguido, sendo que pretende diligenciar no sentido da regularização do acordo já efectuado ao nível do exercício das responsabilidades parentais. No contexto descrito, a ofendida pretende aplicação de medida judicial de proibição de quaisquer formas de contacto. II – Conclusão Do exposto, e salvaguardando os receios ainda manifestados pela ofendida e as aparentes divergências ao nível da educação do descendente (o que poderá consubstanciar fonte de stress emocional/foco de conflito) afigurou-se-nos que AA – de 63 anos de idade -, vivencia, na actualidade, um quadro protector de estabilidade económico-laboral e sociofamiliar, não tendo sido detectadas, nos contactos efectuados, especiais necessidades de reinserção social. Nesse contexto, caso venha a ser condenado no âmbito do presente processo o arguido reúne condições para a aplicação de medida sem intervenção da DGRSP. 54. O arguido não regista antecedentes criminais averbados no seu certificado de registo criminal. Factos Não Provados Com relevância para a boa decisão da causa, não resultou provado que: DA PRONÚNCIA EM ESPECIAL a) A relação referida em 1) fosse de namoro; b) O arguido seja ainda consumidor de bebidas alcoólicas em excesso; c) No mês de Outubro de 2001, no quarto da ofendida e nas circunstâncias descritas em 40), o arguido, sem que nada o fizesse prever, tivesse desferido diversas bofetadas na face da mesma, ou lhe tivesse apertado o pescoço e apelidado de «puta de merda»; d) Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a ofendida tivesse sofrido dores e/ou ficado com nódoas negras na face; e) O descrito em 8) sucedesse com cadência diária; f) Nas circunstâncias descritas em 8), o arguido tivesse igualmente dito à ofendida «eu mato-te, vou-te partir as pernas»; g) Nas circunstâncias descritas em 10), o arguido tivesse igualmente desferido diversos empurrões na ofendida, lhe tivesse apertado o pescoço com as duas mãos, agarrado pelos braços e/ou, ao mesmo tempo e com a mão direita, desferido mais que uma bofetada na face; h) Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a ofendida tivesse sofrido escoriações no pescoço; i) A fracção do 3.º andar referida em 12) fosse a G; j) O arguido, nas circunstâncias descritas em 12), tivesse agarrado nos pulsos da ofendida; k) Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a ofendida tivesse sofrido vermelhidão transitória nos pulsos; l) Os factos descritos em 14) tivessem tido lugar no dia 15.09.2017 e/ou na sequência de uma discussão; m) O arguido, nas circunstâncias descritas em 14), tivesse igualmente desferido socos no tronco da ofendida; n) Os relacionamentos extraconjugais do arguido, referidos em 17), tivessem ocorrido em 2015 e/ou 2017; o) Em dia não concretamente apurado do período das férias da Páscoa do ano de 2018, o arguido tivesse aberto uma carta fechada, proveniente da Segurança Social e dirigida à ofendida, sem a sua autorização e tivesse tomado conhecimento do seu conteúdo; p) Em data não concretamente apurada, mas entre os meses de Maio e Junho de 2018, o arguido tivesse desferido número indeterminado de socos no corpo da ofendida; q) Em consequência, a ofendida, para além de dores, tivesse ficado com nódoas negras junto à orelha esquerda, nas costas, na barriga e na perna esquerda; r) Os factos descritos em 22) tivessem ocorrido no dia 24.03.2019; s) Nas circunstâncias descritas em 22), quando a ofendida se encontrava a fechar a porta, o arguido lhe tivesse desferido diversos empurrões, projectando-a contra uma porta; t) Com a conduta descrita em o), o arguido tivesse agido consciente e/ou livremente; u) Não obstante o conhecimento descrito em 23), o arguido tivesse actuado nos termos referidos em o), bem sabendo que tal comportamento lhe era proibido e punido por lei; DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL v) Não obstante o descrito em 36), a ofendida não mais sinta receio do arguido; DA CONTESTAÇÃO w) A ofendida fosse ou seja atlética, desportista na juventude, trabalhadora rural depois, em Portugal, trabalhadora braçal, com grande capacidade física, com compleição e capacidade de força superior à do arguido; x) À mínima adversidade, a ofendida respondesse com violência: batesse no filho HH, de 18 anos de idade e da sua estatura, com frequência e brutalidade, ou que tivesse agredido ou tentasse agredir diversas vezes o arguido; y) As dores de cabeça de que a ofendida sofre, conforme referido em 38), a tornassem irascível nos períodos de crise, ou a tornassem hipersensível ou conflituosa, tomando doses excessivas de medicamentos para a dor; z) No quadro referido em y), a ofendida tivesse chegado a carecer de consultas de neurologia, mas rejeitado qualquer investigação ou tratamento médico; aa) A ofendida fosse independente pelo dinheiro (para estudar e/ou passear) e bens (veículos automóveis, telemóveis, roupas, mobiliário, livros, viagens que fez sozinha à Ucrânia, etc.) que houvesse recebido do arguido, jamais dependendo do que quer que fosse para ser livre; bb) Após o divórcio, a ofendida não houvesse devolvido ao arguido os bens que dele tivesse recebido gratuitamente: veículo automóvel e dinheiro para compra de prédio na Ucrânia; cc) Nas circunstâncias descritas em 40), o arguido tivesse sido violentamente agredido pela ofendida; dd) Os arranhões referidos em 40) tivessem sido feitos sem motivo algum; ee) Em data não concretamente apurada, a ofendida tivesse sequestrado o arguido em casa, em …, não o deixando sair, o que houvesse motivado a chamada da GNR pelo arguido, nos termos referidos em 43), ou que, por sua vez, a GNR tivesse procedido à libertação do arguido; ff) Após o descrito em 43), a ofendida tivesse difamado o arguido junto da GNR; gg) As palavras referidas em 44) tivessem sido dirigidas pela ofendida ao arguido sempre que aquela se irritava ou tivesse dores de cabeça; hh) Na Páscoa de 2017, em …, em férias com a família, o arguido tivesse feito ruptura do menisco interno direito, ficando com a perna imobilizada até Julho, situação esta que tivesse agravado a hipertensão; ii) A ofendida tivesse cortado relações com o arguido a 13.07.2017 crendo que o arguido estava acabado, considerando o quadro descrito em 45); jj) A ofendida tivesse começado a ofender o arguido com escritos e palavras, enchido a casa de papéis colados nas paredes, pintado espelhos e paredes com ditos de traidor e cabrão; kk) A partir de Agosto de 2017, a ofendida passasse a insistir para que o arguido saísse de casa e começado a bater-lhe; ll) Aquando do descrito em 47), a ofendida se tivesse atirado para cima do arguido, prendido-o na roupa da cama e desferido golpes sobre o mesmo; mm) A ofendida tivesse procedido nos termos descritos em 49) sabendo da cirurgia marcada para Outubro e/ou que o arguido não tinha para onde ir; nn) Tivesse sido na ocasião da expulsão, referida em 49), que a ofendida perseguia o arguido com pontapés e empurrões, que ela, por si, caísse no braço do sofá da sala, desequilibrada por um dos pontapés; oo) Aquando da operação do arguido, a ofendida tivesse escrito que o arguido ia sofrer ainda mais e feito uma espécie de rituais pagãos em que amassava fotografias do arguido com facas e vociferava ódios de morte; pp) Do descrito em 50) tivesse resultado grave quebra de rendimento para o arguido, por falta de clientela; qq) A ofendida tivesse inventado o descrito em 50), com o simples propósito de fazer o arguido sofrer, sabendo que não tinha fundamento para tal; rr) A ofendida tivesse instrumentalizado o filho em comum com o arguido, mentindo sobre a vida do pai, para melhor o baralhar; ss) Para tanto, a ofendida tivesse inibido os contactos do filho de ambos com o pai, sobretudo quando se aproximavam as datas de declarações para memória futura, ou o tivesse levado a alimentar ódio contra o pai; tt) A ofendida tivesse prejudicado o filho em comum com o arguido na escola; uu) Por tal domínio emocional, o filho em comum do casal tivesse sido levado a mentir, a não revelar o que viu ou ouviu. * Fundamentação da Matéria de Facto e Exame Crítico da Prova A convicção do Tribunal assentou na análise crítica da prova produzida, que consistiu nas declarações prestadas pelo arguido (AA) e pela demandante (BB), nas declarações para memória futura prestadas por CC, tanto na fase de inquérito como de instrução (encontrando-se os respectivos autos de declarações para memória futura a fls. 387/388 e 787/788 e a transcrição dessas mesmas declarações a fls. 847 a 886), nos depoimentos prestados pelas testemunhas (LL, FF, MM, NN, KK, DD, II, EE e GG), na prova pericial realizada (corporizada no relatório pericial de avaliação de dano corporal incidente sobre BB e constante de fls. 19/20 dos autos apensos n.º …), bem como no teor do conspecto documental constante dos autos (do qual se destaca o seguinte: nos autos apensos n.º …: auto de notícia de fls. 29/30; nos autos apensos n.º …: auto de denúncia de fls. 40 a 42, prints de emails de fls. 53 a 55, assentos de nascimento de fls. 97/98, 99/100 e 126, informação da PSP de fls. 123 e informação clínica de fls. 134; nestes autos: aditamentos de fls. 48 a 50 e 261 a 263, auto de notícia de fls. 68 a 71, auto de apreensão de fls. 94/95, prints de emails de fls. 117 a 128, 173, 205 a 220, 404, 411, 415, 646 a 648, 651, 661, 784 a 786, 1040 e 1128 a 1130, assento de nascimento de fls. 151/152, facturas de fls. 158 a 160 e 163, prints de fls. 162 e 1024, relatório médico de fls. 164, declaração da APAV de fls. 165, prints de mensagens de fls. 166 a 172, 652 a 654, 662/663 e 1039, fotos de mensagens de fls. 194 a 197, escrito de fls. 198 a 202, fotografias de fls. 221/222, 410, 414, 417, 420, 649, 650 e 655 a 660, cópia de sentença de fls. 311 a 331, cópia de petição inicial de acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge de fls. 405 e 406, cópia de acta de conferência de pais de fls. 418/419, documentação clínica de fls. 582 a 645, 728 a 737 e 1023, manuscrito de fls. 649, participação de fls. 1014, cópias de despachos de arquivamento de fls. 1042 a 1044 e 1062/1063, carta de recomendação de fls. 1077, requerimento inicial de processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais de fls. 1085 a 1087, relatório social da DGRSP de fls. 1081/1082 e certificado de registo criminal de fls. 1144), sobre o qual todas as dúvidas foram esclarecidas em audiência, tudo devidamente apreciado com base nas regras da experiência comum (artigo 127.º do CPP). Abordando a matéria de facto que cabe agora motivar, começa por se destacar que, pese embora o flagrante desencontro das versões factuais apresentadas por arguido e ofendida (dificultando o apuramento da versão que merece acolhimento, se é que alguma delas o merece na íntegra), a animosidade evidenciada por cada um relativamente ao outro (o que, por sua vez, poderia colocar em causa a própria credibilidade que cada um deles merece, dada a potencialidade de enviesamento e/ou parcialidade das suas declarações, considerando o flagrante interesse que ambos têm na causa, assim como alguma eventual pretensão revanchista sobre o outro) e, bem assim, o facto de que o essencial dos factos, a ter ocorrido, terá tido lugar longe do olhar de terceiros, como comummente sucede (revestindo assim importância decisiva atentar sobre a demais produção de prova, de modo a aquilatar sobre o eventual presenciamento dos factos por outrem), certo é que a convicção do Tribunal se formou de forma simples e, para nós, evidente, considerando toda a prova produzida a respeito, nos termos que se passam agora a expor. Relativamente à animosidade que arguido e ofendida demonstraram nutrir entre si, a mesma foi ostensiva, denotando-se, da parte da ofendida, uma clara dificuldade de aceitação das práticas adúlteras do arguido, seu ex-cônjuge, que quedaram até em inúmeras condutas menos próprias da mesma para com aquele. Ora, basta atentarmos nos prints de emails constantes dos autos (a fls. 117 a 128, 173, 205 a 220, 404, 411, 415, 646 a 648, 651, 661, 784 a 786, 1040 e 1128 a 1130) para encontrarmos patenteada a revolta e frustração da ofendida perante as condutas adúlteras do arguido, assumindo até contornos de evidente raiva para com o mesmo, assim como para com aquela com quem o arguido veio a assumir um relacionamento e acabou por casar em 2020, EE, a quem a ofendida apelidava de «puta brasileira». Já ao arguido, a ofendida foi chamando, entre outros epítetos, de «filho da puta», «cabrão» e «nojento», conforme resulta do ponto 44) dos factos provados, factos estes para cuja demonstração serviu, não só a prova documental referida (prints de emails de fls. 117 a 128, 173, 205 a 220, 404, 411, 415, 646 a 648, 651, 661, 784 a 786, 1040 e 1128 a 1130), as declarações prestadas pelo arguido, as declarações para memória futura prestadas por CC, filho de ambos, mas também, note-se, pela própria ofendida, que não teve qualquer pejo em admitir tais factos. Assim, é de enaltecer que, existindo essa evidente animosidade por parte da ofendida para com o arguido, a própria não se coibiu de a deixar em claro, em nada se coibindo nas suas afirmações sobre o arguido e da ira que sentiu aquando das suas práticas adúlteras. Será que esta animosidade coloca em crise tudo aquilo que a ofendida mais declarou? Será que esta ira que deixou evidenciada coloca em causa a sua credibilidade de tal modo que devamos desconsiderar tudo aquilo que relatou? A resposta do Tribunal é negativa, nos termos que se passam a expor. Ora, ainda sobre a animosidade sentida pela ofendida sobre o arguido, poder-se-ia até considerá-la como que injustificada, no sentido de que as condutas adúlteras do arguido (condutas estas que o Tribunal se abstém de apreciar ou adjectivar, dado que o seu desvalor se cinge ao plano moral ou ético, que não cabe nesta sede atentar) seriam porventura previsíveis ou, melhor dizendo, susceptíveis de serem antecipadas pela ofendida, dado o facto de que o próprio relacionamento entre ambos adveio de prática de adultério por parte do arguido. Efectivamente, o relacionamento afectivo entre arguido e ofendida iniciou-se e perdurou durante alguns anos em momento em que o arguido se encontrava casado com DD, testemunha nos autos com quem esteve casado cerca de 20 anos (entre …1983 e …2004, conforme resulta do assento de nascimento de fls. 99/100 dos autos apensos n.º …), o que motivou, aliás, a que somente se desse como provado o descrito em 1) e já não o descrito em a), posto que a relação inicial entre ambos não seria nunca de namoro, mas sim meramente afectiva (relação que perdurou nesses termos até, pelo menos, ….2004, data em que o arguido se divorciou, podendo, aí sim, assumir relação cujos contornos serão comummente reconhecidos como de namoro). Tal facto seria, note-se, do conhecimento da ofendida, não havendo a mesma desmentido tal conhecimento e resultando o mesmo evidenciado pelo depoimento prestado pela testemunha FF (amigo da ofendida que, relatando episódio ocorrido em 2001, afiançou ter à data conhecimento de que, não obstante o envolvimento entre arguido e ofendida, aquele seria casado e a ofendida teria conhecimento disso mesmo, tanto que havia sido ela quem lhe havia transmitido essa mesma informação). Para além desse conhecimento, resultou também apurado que a própria ofendida terá contribuído para que o matrimónio do arguido ruísse, ao menos considerando o relato feito por DD, enquanto testemunha, no sentido de que acabou por se encontrar numa «relação a três», acrescendo que a ofendida estaria sempre a ligar para a habitação do casal, dia e noite, transtornando-os e rindo-se quando era aquela a atender o telefone. Sobre isto, não cabe tecer mais considerações, a não ser referir que estamos perante factos que não constituem objecto do presente processo e sobre os quais o Tribunal não formou sequer convicção. Ainda assim, tais factos permitem se equacione a possibilidade de a ofendida, ao ter conhecimento das práticas adúlteras do arguido, estar a assumir posição que outrora desconsiderou ou desvalorizou, acabando por criar uma animosidade que, admite-se, poderá ser para alguns considerada injustificada, abstendo-se o Tribunal de se pronunciar a tal respeito. Sem embargo o agora referido, certo é que, independentemente das suas condutas passadas, a ofendida decerto terá sofrido quando se viu na pele de traída ou preterida, quedando no uso de expressões claramente ofensivas para com o arguido, proferidas mesmo junto do filho menor de ambos (como o próprio menor referiu). Se o agora descrito abona em favor da ofendida e da credibilidade que merece? Naturalmente que não. Mas será que o Tribunal deverá, sem mais, desconsiderar o dito pela ofendida sobre as condutas do arguido que lhe vêm imputadas em sede acusatória. Do mesmo modo, naturalmente que não. Cabe neste ponto outrossim enaltecer aquilo que, bem vistas as coisas e sem embargo o sobredito, fez com que a ofendida merecesse maior credibilidade do que aquela que à partida se pudesse prever. Ora, sobre a credibilidade que a ofendida merece, pese embora a animosidade que manifestou nutrir pelo arguido (porventura injustificada pela previsibilidade do adultério que a motivou, a qual havia já sido presenciada pela ofendida, se bem que nas vestes de participante nesses actos de adultério e não enquanto cônjuge traída), cumpre destacar, em primeiro lugar, que a mesma não foi nunca ocultada ou escamoteada pela ofendida. Ao invés, a ofendida admitiu ter usado expressões como aquelas que vêm descritas no ponto 44) (o que de qualquer modo se encontrava já evidenciado em razão do teor dos prints de emails constantes dos autos a que já se fez a devida alusão). A acrescer a esta transparência, merece destaque o facto de que, atentando devidamente nas declarações prestadas pela ofendida, a mesma não empolou os factos que vinham imputados ao arguido, não hesitando outrossim em negar parte significativa deles (tal como aqueles que se consignaram como não provados nos pontos g), h), j), k), m), p) e/ou q)), ademais bastante graves. Assim, torna-se evidente que a ofendida, de uma forma, aliás, espontânea e frontal, não refutou a raiva que sentia pelo arguido, não restando senão aceitá-la como reflexo da personalidade da ofendida, que, quiçá por orgulho ou por haver depositado demasiada confiança no arguido, não logrou aceitar o adultério cometido por este. Por outro lado, sem embargo esse mesmo ódio nutrido pelo arguido, certo é que tal não a conduziu a que procurasse imputar ao mesmo toda e qualquer factualidade, não hesitando, ao invés, em negar aquela que teve por inverídica ou da qual não se recordava, motivo pelo qual cabe enaltecer a seriedade com que prestou as suas declarações. A somar a essa seriedade e espontaneidade já mencionadas, é igualmente certo que a ofendida prestou declarações congruentes entre si, relatando os factos de uma forma pormenorizada e contextualizada e, bem assim, evidenciando sempre um estado anímico ou emocional perfeitamente condizente com a descrição factual que foi fazendo, o que contribuiu sobremaneira para que o Tribunal lhe conferisse credibilidade bastante para que o seu relato, quando condizente com o contexto descrito, não devida e/ou fundadamente contrariada pelo arguido e, bem assim, quando corroborado por outros meios de prova, lograsse o convencimento do Tribunal. Assim, a credibilidade que a ofendida mereceu, aliada à corroboração por outros meios de prova, dos quais se destacam as declarações para memória futura prestadas por CC (filho menor do casal), tanto na fase de inquérito como de instrução (encontrando-se os respectivos autos de declarações para memória futura a fls. 387/388 e 787/788 e a transcrição dessas mesmas declarações a fls. 847 a 886), assim como o depoimento prestado pela testemunha GG, amiga da ofendida que residiu junto do casal entre datas não concretamente apuradas mas aproximadamente entre Julho de 2010 e Março de 2011 (note-se, em data necessariamente anterior àquela em que a questão do adultério se passou a colocar, a qual, recorde-se, teve o condão de espoletar a referida animosidade da ofendida para com o arguido), contribuíram decisivamente para a demonstração de grande parte dos factos supra elencados como provados. Já relativamente ao arguido e à animosidade que se percepcionou sentir pela ofendida, a mesma resultou desde logo patenteada do teor dos emails já referidos, sendo certo que o arguido aí foi empregando linguagem distinta daquela que a ofendida usou, sendo este mais comedido e frio para com a mesma. De resto, o arguido refugiou-se naquilo que revelou ser o trato difícil da ofendida, que segundo o mesmo o agrediu física e verbalmente ao longo da relação, enaltecendo ainda o seu portento físico para almejar os seus intentos. Em síntese, o arguido negou o essencial dos factos que lhe vinham imputados em sede de acusação, aventando outrossim outros que o colocam na pele de vítima e a ofendida nas vestes de agressora. Ainda assim, o arguido admitiu o descrito em 21), sendo certo que tal resultaria desde logo do teor dos emails de fls. 117 a 120, cujo teor e autoria confirmou. Assim, bem vistas as coisas, nada foi admitido pelo arguido que não estivesse já inequivocamente demonstrado em razão do teor da prova documental carreada para os autos (note-se que, caso assim não fosse, ou melhor, caso o arguido negasse a autoria de tais emails por não serem os endereços apostos nessas fls. os do arguido e da ofendida, sempre quedaria na eventual não demonstração do teor dos demais emails cujos prints constam dos autos, considerando serem invariavelmente oriundos e destinados aos endereços em causa). Assim, sempre se poderia colocar a questão do porquê da animosidade do arguido para com a ofendida: porventura devida à inverdade dos factos que esta última lhe imputa e que culminaram na acusação que o MINISTÉRIO PÚBLICO deduziu; devida à reacção extremada da ofendida à descoberta de actos de adultério cometidos pelo arguido; devida ao alegado envolvimento do menor filho de ambos, que segundo o arguido não foi devidamente protegido mas sim instrumentalizado pela ofendida contra si; devido às acusações de adultério que a ofendida fez junto dos filhos do arguido acerca deste (cf. ponto 48), o que KK, na qualidade de testemunha, afiançou ser verdade, merecendo assim a demonstração de tais factos, de todo o modo admitidos pela ofendida); ou até mesmo devido a intolerância para com a ofendida, reflectida nos factos objecto do presente processo. Enfim, não ambiciona este Tribunal, naturalmente, perscrutar aquilo que é insusceptível de o ser, designadamente, aquilo que o arguido sente e/ou sentiu pela ofendida e o que motiva tais sentimentos. Ao invés, não restou a este Tribunal senão deixar em aberto todas essas possibilidades. Assim, em suma, mas ainda em jeito de abstracção de toda a demais prova produzida que não a que resulta das declarações do arguido e da ofendida/demandante, a verdade é que se tornou inviável apurar, sem mais, se o arguido não procurou senão aventar versão desculpabilizante dos factos, apregoando ser vítima de violência física e verbal por parte daquela que assume tais vestes nestes autos, em mero sentido de enjeitar a sua responsabilidade penal, ou se foi a própria vítima/ofendida que procurou fantasiar e assim imputar factos inverídicos ao arguido em jeito revanchista, ou talvez empolar apenas condutas menos próprias deste. Ainda em jeito de abstracção da prova documental constante dos autos e, acima de tudo, da prova testemunhal produzida, a verdade é que sempre seria inviável discernir em qual das versões fácticas reside a verdade material… Porém, sucede que a demais prova produzida aponta inequivocamente para que os factos tenham ocorrido, ao menos no essencial, nos termos descritos pela ofendida. Ora, se por um lado, conforme já acima adiantado, a ofendida nos mereceu credibilidade (recorde-se, detectou-se seriedade e espontaneidade na resposta às perguntas feitas, não hesitando em admitir aquilo que não abonava em seu favor e, bem assim, em negar factos graves que vinham imputados ao arguido, sendo igualmente certo que a ofendida prestou declarações congruentes entre si, relatando os factos de uma forma pormenorizada e contextualizada, não se detectando que empolasse os mesmos, mas sim evidenciando sempre um estado anímico ou emocional perfeitamente condizente com a descrição factual que foi fazendo, o mesmo não sucedendo com o arguido, que evidenciou maior frieza e, segundo se logrou percepcionar, calculismo, não se vislumbrando, ao invés, qualquer frustração, desamparo ou indignação, que a sua tão apregoada posição de vítima em vestes de arguido decerto permitiria detectar), o essencial da restante prova produzida veio corroborar a descrição feita pela mesma (com excepção relativamente ao episódio descrito em 40), 41), c), d), cc) e dd), essencialmente devido ao depoimento prestado pela testemunha FF, que adiante se apreciará). Ao invés, os depoimentos que de algum modo abonaram em favor do arguido ou corroboraram factos aventados pelo mesmo foram prestados por testemunhas sem conhecimento directo dos factos objecto deste processo, quedando assim numa relativa irrelevância. Começando pelas testemunhas DD e EE (sendo a primeira ex-mulher do arguido e de quem se divorciou em 2004 e a segunda a actual cônjuge do arguido, com quem contraiu matrimónio em 2020), é certo que a primeira referiu, conforme já adiantado, que a ofendida perturbou a vida do casal até à sua separação, participando assim em actos de adultério que tanto diabolizou ulteriormente, quando se viu na posição inversa, sendo certo que tal nada acrescenta nem retira. De resto ambas as testemunhas abonaram em favor do arguido, no sentido de que nenhuma razão de queixa têm do mesmo, referindo a primeira que, sem embargo o adultério, o arguido seria bom marido, bom pai e bom companheiro, ao passo que a segunda também enalteceu a personalidade do arguido, imputando ainda actos eticamente desvaliosos da ofendida para consigo (mais concretamente, palavras e gestos injuriosos). Ora, quanto a isto, cabe deixar claro que não só os relatos feitos por ambas as testemunhas são insusceptíveis de colocar decisivamente em causa a ocorrência dos factos imputados ao arguido, até porquanto não terão qualquer conhecimento directo sobre os mesmos, mas acima de tudo cabe destacar aquilo que para nós é evidente, no sentido de que a dinâmica de cada relação é única e distinta das demais, mesmo que envolvendo um mesmo membro do casal. Melhor dizendo, a circunstância de que nenhum facto com dignidade jurídico penal haja ocorrido nos demais relacionamentos mantidos pelo arguido, ao menos segundo os depoimentos prestados pelas referidas testemunhas, tal não inviabiliza que tenham tido lugar no relacionamento mantido pelo arguido com a ofendida, pois estamos perante a envolvência de uma personalidade diversa, qual seja a da ofendida, que decerto criou dinâmica distinta no relacionamento entre ambos, acrescendo que tal relacionamento teve lugar após aquele que o arguido manteve com a primeira daquelas testemunhas e antes daquele que encetou com a segunda, pelo que estaremos igualmente perante lapso temporal diferente, por si só susceptível de proporcionar condições diversas e vicissitudes totalmente díspares daquelas que se verificaram nos demais relacionamentos. Em síntese, ainda que seja verídico que o arguido haja sido um bom marido/pai/companheiro para com DD e o seja actualmente para com EE, certo é que, ainda que tal possa retirar alguma plausibilidade para que haja actuado nos termos descritos na acusação, tal não é, de todo, bastante para que se conclua pela inverosimilhança de que tal tenha ocorrido, não revestindo assim suporte factual bastante para que o Tribunal coloque em crise, sem mais, a versão fáctica apresentada pela ofendida (e corroborada, repete-se, por CC e por GG). Por seu lado, a testemunha II, cunhado do arguido, revelou desconhecer os factos que constituem objecto do processo, por nada haver presenciado, referindo que nunca assistiu a quaisquer discussões nem a nada de relevante, almejando ainda assim enfatizar que viu a ofendida exaltada e a chamar nomes ao arguido, tais como «cabrão» e «filho da puta», isto já após a ruptura do casal, pelo que, bem vistas as coisas, nada acrescenta, dada a pronta admissão de tais factos por parte da ofendida (ademais, tal exaltação e uso dos referidos impropérios terá tido lugar, segundo esta testemunha, junto do Conservatório de Música frequentado pelo filho do casal, frequência essa, aliás, que gerou discórdia acesa entre arguido e ofendida, considerando que esta não mais queria que o seu filho o frequentasse, isto a partir do momento em que se apercebeu que a filha da actual e à data nova companheira do arguido também o frequentava, tudo conforme resulta do teor dos prints de emails e mensagens que constam dos autos). De resto, a testemunha MM, assim como o seu marido NN, prestaram depoimentos nos quais, ainda que desconhecedores dos factos que constituem objecto do presente processo, procuraram retratar a ofendida como pessoa hipócrita, cínica e vingativa. Falamos de patrões da ofendida durante cerca de 2 anos e até Março de 2020, descrevendo a mesma como pessoa que criou mau ambiente na empresa e que tudo teria que ser à maneira dela, assim como que, desta feita por intermédio da testemunha MM, foi possível percepcionar que a ofendida não teve pejo em preparar o filho em comum com o arguido contra este. Ora, sobre estes dois depoimentos, cabe deixar claro que os mesmos não têm a virtualidade (até porquanto não têm conhecimento directo de nenhum dos factos objecto do presente processo, o que se revela decisivo, assim como porque se desconhece se têm ou não alguma motivação que fulmine os seus depoimentos com parcialidade ou enviesamento), por si só, para colocar em crise o depoimento prestado pela ofendida e a versão factual que a mesma logrou descrever. Em síntese, limitaram-se a relatar aquilo que puderam percepcionar em contexto laboral (em nada relacionado com o contexto e dinâmica familiares) e, bem assim, o facto de que a ofendida não se coibia de diabolizar o arguido diante do filho menor de ambos, o que porventura poderia permitir se equacionasse a sua instrumentalização para prestar as declarações para memória futura que prestou, sendo certo que não se almeja, de forma alguma, tal conclusão, pelos motivos que se irão expor infra. KK, filho do arguido, mediante depoimento que se afigurou isento e espontâneo, acabou por referir não haver presenciado quaisquer discussões entre arguido e ofendida, considerando até que frequentava a casa deles e tal poderia assim ter sucedido. Ainda assim, asseverou ter ouvido discussões por telefone e que numa delas ouviu o seu pai chamar nomes à ofendida, corroborando assim, de certo modo e ainda que em moldes parcos e imprecisos, a versão dos factos desta. De resto, referiu que a ofendida, ainda que não lhe haja referido ser vítima de violência doméstica, insinuou que fosse, informando-o ainda que o seu pai era adúltero, tal como já adiantado supra e, aliás, se fez constar do ponto 48) dos factos provados. Assim, o depoimento prestado por esta testemunha pouco relevou, permitindo-se ainda assim conferir alguma corroboração à versão dos factos feita pela ofendida, dada a insinuação desta perante si de que seria vítima de violência doméstica e, bem assim e principalmente, porquanto terá escutado discussão mantida por via telefónica entre o seu pai e a ofendida na qual aquele lhe dirigiu impropérios. Por sua vez, a testemunha LL (colega de trabalho da ofendida durante cerca de um ano até, aproximadamente, Agosto de 2018) pouco contribuiu para a descoberta da verdade material, acabando contudo por corroborar alguns dos factos aventados pelo arguido mas, também e essencialmente, pela ofendida. Relativamente aos primeiros, a testemunha asseverou que a ofendida usava linguagem imprópria, melhor dizendo, impropérios, quando falava do arguido (referiu-se a cabrão e filho da puta), sendo certo que, conforme já mencionado supra, a própria ofendida nunca o negou, impropérios esses que a mesma fundamenta com o facto de o arguido a ter traído e de não ter sabido lidar convenientemente com isso, independentemente da presença do menor filho de ambos. Em jeito de corroboração da versão fáctica apresentada pela ofendida, a testemunha acabou por referir que, em conversação mantida com o filho do casal, este acabou por lhe confidenciar que «o pai diz muitos palavrões», o que tem ainda assim a virtualidade de conferir credibilidade ao relato feito por este aquando das declarações para memória futura que prestou. Acrescentou que quando se deu a descoberta do adultério por parte do arguido, pôde percepcionar a ofendida nervosa e preocupada com o filho de ambos. Finalmente, aludiu ainda ao descrito em o), sendo certo que apenas no sentido de que o filho do casal teria consigo carta que o arguido lhe havia entregue para, por sua vez, entregar à sua mãe, desconhecendo, contudo, se a carta teria sido aberta pelo arguido, pelo seu filho, ou por qualquer outra pessoa, nada sabendo a tal respeito, motivo pelo qual, sem mais e porquanto mais ninguém teria conhecimento directo sobre tais factos, se deram por não provados os factos descritos em o), t) e u). Aqui chegados, cabe apreciar os depoimentos prestados pelas restantes testemunhas, quais sejam os de FF, GG e CC (neste último caso mediante declarações para memória futura prestadas em duas ocasiões distintas, mais concretamente em 18.11.2019 e 16.06.2020). Sobre estes, cabe tecer duas breves considerações. A primeira prende-se com a circunstância de que estas testemunhas, ao invés das demais inquiridas, tiveram, de facto, conhecimento directo de determinados factos que constituem o objecto do presente processo, factos estes com grande relevância para aquilatar da responsabilidade criminal do arguido. Assim, são estas testemunhas decisivas para o apuramento de tais factos. Em segundo lugar, cabe também destacar que estamos perante testemunhas com proximidade (chamemos-lhe assim) maior ou exclusiva para com a ofendida, sendo inequívoco que cabe assim atentar com maior cautela nos seus depoimentos, porventura parciais, enviesados ou instrumentalizados. De facto, FF apresentou-se como amigo de longa data da ofendida, desde momento em que ambos estavam na Ucrânia, acabando até a testemunha por referir que a ofendida era mais que amiga, era família sua. GG, por seu lado, apresentou-se também como sendo amiga de longa data da ofendida. Finalmente, CC é filho da ofendida e do arguido, tal como já adiantado, sendo certo que, atentando naquilo que se depreendeu do depoimento da ofendida e das declarações do arguido e, já inequivocamente, se retirou do teor da sentença proferida em 25.06.2018 nos autos n.º …, a correr termos no Juízo Central de Família e Menores de … – J… (cuja cópia consta de fls. 311 a 331 dos autos), foi com a ofendida que o menor ficou a residir desde essa data, sem prejuízo, naturalmente, dos regulares convívios com o arguido enquanto pai. Daqui se retira que a proximidade com a mãe terá sido maior do que aquela que foi mantendo com o arguido, porventura permitindo que haja criado laços mais fortes com aquela, acrescendo que, como já deixado em claro, a ofendida não se coibiu de exprimir a sua revolta para com o arguido mesmo diante do menor em causa. Aqui chegados, cabe questionar se estas testemunhas podem merecer, ainda assim, credibilidade ou se, ao invés, se deverá o Tribunal apreciar os seus depoimentos imbuído de uma espécie de viés da confirmação de que não a merecem, apenas em razão da proximidade que têm para com a ofendida. Ora, cumpre adiantar que o Tribunal não se deixou impressionar com o facto de que as testemunhas em causa têm, de facto, uma proximidade maior, ou senão mesmo exclusiva, para com a ofendida, em detrimento do arguido. De facto, partir do princípio de que tal circunstância inquinaria tais depoimentos por parciais ou enviesados seria, por sua vez, enviesamento inadmissível, apenas devido a um pré-conceito injustificado. A somar a isto, considerando estarmos perante testemunhas que obtiveram conhecimento directo de determinados factos com relevância para a descoberta da verdade material, enviesarmo-nos numa ideia de por serem mais próximos da ofendida do que do arguido carrearia consigo uma inevitável solidariedade para com aquela, quedando na parcialidade dos seus depoimentos, não só seria injusto e precipitado, como fulminaria de irrelevância exactamente os depoimentos que mais têm para oferecer ao Tribunal e à descoberta da verdade material, seja ela qual for. Assim, limitou-se o Tribunal ao óbvio, que foi atentar em tais depoimentos com cautelas redobradas, de modo a aferir se tal parcialidade existe, retirando-se as devidas ilações de todos os circunstancialismos e da própria dinâmica de cada depoimento. Posto isto, desde já se adianta que todos os referidos depoimentos mereceram total credibilidade, assumindo peso decisivo na formação da convicção do Tribunal, permitindo se dessem os factos como provados ou não provados na exacta medida da corroboração ou contrariedade de tais depoimentos com as versões fácticas apresentadas pelo arguido e pela ofendida. Assim, no que se refere à testemunha FF, ficou esclarecida a inexistência de qualquer viés ou parcialidade da mesma, conquanto haver emitido opinião abonatória do arguido e relatado factos que acabaram até por favorecê-lo, isto não obstante haver declarado ser a ofendida mais do que uma amiga, sendo como que família sua. No que se refere aos factos que cumpre apurar e sobre os quais a testemunha em causa demonstrou ter conhecimento directo, reportam-se àqueles que agora se mostram vertidos nos pontos 40), 41), c), d), cc) e dd), havendo esta almejado relatar os mesmos nos exactos termos aí descritos, ou seja, afiançando o descrito em 40) e 41) (relativamente aos arranhões descritos em 40), a verdade é que não presenciou a ofendida a levá-los a cabo, sendo certo, porém, que almejou constatar marcas de arranhões (risquinhos) na face do ofendido logo após este estar com a ofendida no quarto da mesma, tornando-se assim plausível a versão factual apresentada pelo arguido, no sentido de que teria sido esta a praticar tais factos, independentemente dos seus motivos ou da sua voluntariedade) e negando qualquer conhecimento relativamente aos descritos em c), d), cc) e dd). Sobre o estado anímico verificado, referiu que a ofendida parecia assustada e nervosa, ao passo que o arguido lhe pareceu admirado com o sucedido, pelo que daí nada se concluiu. De resto, para além de enaltecer a pessoa da ofendida, fê-lo também quanto à pessoa do arguido, descrevendo-o como pessoa culta, educada e de trato fácil. Finalmente, revelou desconhecer quaisquer outros factos que pudessem auxiliar o Tribunal na descoberta da verdade material. No que se refere ao depoimento prestado pela testemunha GG, nada se retirou que nos fizesse cogitar alguma parcialidade, afigurando-se-nos outrossim haver prestado depoimento sério, espontâneo e objectivo, merecendo destarte credibilidade. De resto assumiu o seu depoimento importância decisiva para a formação da convicção do Tribunal (a par das declarações para memória futura prestadas por CC), porquanto estamos perante testemunha que logrou percepcionar directamente factos talqualmente descritos por um dos sujeitos processuais, mais concretamente pela ofendida/demandante, almejando assim corroborar a sua versão fáctica e, bem assim, conferir plausibilidade ao demais relatado pela mesma, ao menos na medida em que tal relato não fosse contrariado por outro meio probatório que não as declarações do arguido e, bem assim, que revestisse plausibilidade e congruência com a globalidade dos factos. Em síntese, não obstante haver mencionado morada distinta daquela que consta descrita no ponto 8) (ao invés, referiu como sendo a residência onde passou a residir com arguido e ofendida sita na Rua …) e, bem assim, haver mencionado que o arguido consumia bebidas alcoólicas em quantidades difíceis de crer (sobre isto, mencionou que o arguido chegou a beber 3 ou 4 garrafas de …), a verdade é que não se detectou qualquer empolamento dos factos, acabando a testemunha em causa por confirmar o descrito em 5), 6) (se bem que apenas dentro do lapso de tempo em que residiu com o casal), 8) a 12) e 28) a 33), tudo de uma forma contextualizada e sobejamente pormenorizada, contribuindo assim sobremaneira para a formação da convicção do Tribunal no sentido da descrição fáctica feita pela ofendida. De facto, o seu depoimento permitiu ao Tribunal perscrutar os factos que in casu sucederam (e tão comummente sucedem) no reduto familiar, o qual poderia porventura ser insusceptível de apurar. Neste ponto, note-se até que a testemunha em causa afirmou que o arguido, aquando da prática dos factos que a mesma e a ofendida descreveram, se mostrou indiferente à sua presença, por vezes rindo-se até para a mesma, o que leva a que se cogite a possibilidade de o arguido haver sido incauto na sua conduta, não antecipando a possibilidade de a presença de outrem no seio familiar vir a ser atendida e valorada em Juízo. Finalmente, as declarações para memória futura prestadas pelo menor CC, filho do casal, revestiram importância decisiva a par do depoimento prestado pela testemunha GG, permitindo-nos perscrutar aquilo que se passou no reduto familiar. Sobre estas declarações, refira-se também que se rejeitam prontamente as reservas formuladas pelo arguido sobre a credibilidade que o menor merece, conquanto estaria, segundo o arguido, instrumentalizado pela ofendida para fazer o relato pretendido por aquela. De facto, note-se que o menor não só confirmou que a sua mãe também proferiu expressões injuriosas para com o arguido (mencionou cabrão, velho e nojento) como igualmente não hesitou em refutar alguns factos aventados pela ofendida, tais como que não percepcionou que o arguido tivesse desferido pontapés sobre a mesma e/ou que tivesse visto outras marcas que não as referidas em 15). Assim, foi o depoimento do menor essencial para que os factos descritos em 14) e 15) lograssem a sua demonstração (contribuindo também para corroborar a versão factual da ofendida e, desse modo, conferir plausibilidade ao demais relatado pela mesma, ao menos na medida em que tal relato não fosse contrariado por outro meio probatório que não as declarações do arguido e, bem assim, que revestisse plausibilidade e congruência com a globalidade dos factos), sendo relevante referir ainda que o menor foi bastante pormenorizado na descrição dos factos, contextualizando-os e relatando-os de forma cronologicamente orientada, isto não mediante relato que pudesse fazer duvidar sobre algum ensaio do mesmo, mas sim e sempre em resposta às mais variadas questões que lhe foram sendo colocadas, nunca hesitando em descrever aquilo que a sua memória lhe permitiu recordar. Assim e pelo exposto, tiveram-se como decisivas as declarações prestadas pela ofendida/demandante (espontâneas, objectivas e, não obstante revelar animosidade flagrante para com o arguido, sem qualquer empolamento dos factos), assim como os depoimentos prestados pelas testemunhas CC e GG (aquela primeira mediante a prestação de declarações para memória futura em duas distintas ocasiões), mediante os quais se almejou apurar versão factual suficientemente sustentada e plausível, merecendo os relatos feitos por estas testemunhas relevância tal que permitiram se atendesse a factualidade sustentada pela ofendida e não corroborada por qualquer outro meio probatório, isto apenas na medida em que não fosse contrariada por nenhum meio de prova que não as declarações do arguido e que, na senda do descrito por estes 3 sujeitos/intervenientes processuais, assume plausibilidade e, assim, merece ser atendida pelo Tribunal, em resultado do enaltecimento da credibilidade que a ofendida merece em resultado da corroboração fáctica que estas duas testemunhas lhe conferiram, motivo pelo qual se deu a factualidade supra elencada como provada e não provada, atentando nos exactos termos descritos pela mesma e não contrariados por meios probatórios que não as declarações prestadas pelo arguido. Assim, quanto à matéria de facto vertida nos pontos 1) a 22) e 28) a 37) dos factos provados, a mesma colheu a sua demonstração positiva essencialmente em razão das declarações prestadas pela ofendida/demandante e dos depoimentos prestados pelas testemunhas CC e GG, conquanto não contrariados por outro meio probatório que não as declarações prestadas pelo arguido, tudo nos termos supra explanados, assim como do teor da prova documental constante do autos (merecendo referência os assentos de nascimento de fls. 97/98, 99/100 dos autos apensos n.º …, sendo o primeiro quanto ao descrito em 4) e o segundo quanto ao descrito em 2) e 3), e os prints de emails de fls. 117 a 128, 173, 205 a 220, 404, 411, 415, 646 a 648, 651, 661, 784 a 786, 1040 e 1128 a 1130 no que se refere ao descrito em 20) e 21)). No que tange ao descrito no ponto 23), tal retirou-se das declarações prestadas pelo arguido, o que de todo o modo resultaria das regras da experiência comum, sendo inequívoco que o arguido, ademais com a formação na área jurídica que tem, por certo teria, como se retirou ter, perfeita noção que não poderia abrir correspondência que a si não era endereçada. Por sua vez, resulta do circunstancialismo apurado e lido à luz das regras da experiência comum e da normalidade da vida (desde logo atento o carácter inequívoco de tais condutas, insusceptíveis de permitir se vislumbre quaisquer outros intuitos que não os descritos) que o arguido evidenciou perfeita consciência e vontade de praticar os factos supra descritos, agindo sempre de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas eram socialmente desvaliosas e criminalmente puníveis, visando com as mesmas maltratar, humilhar, ofender a honra, o bom nome e a sensibilidade da ofendida, sua à data esposa, de lhe causar medo e intranquilidade e de a molestar física e psicologicamente, fazendo-o, inclusive, na presença do filho menor, indiferente ao sofrimento que causava a este e no interior da residência onde coabitou com a ofendida e com o filho menor, sabendo igualmente que as afirmações que proferia à ofendida eram idóneas a causar, como causaram, dor psicológica e temor de que viesse a sofrer acto atentatório da sua vida e integridade física, assim como que terá agido com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde da ofendida, bem sabendo que a sua conduta era idónea a causar, como causou, dores e sofrimentos físicos (de facto, tanto as suas condutas como as consequências para a ofendida que das mesmas adviriam são por demais inequívocas), razão pela qual se tem por demonstrada a matéria de facto contida nos pontos 24) a 27). Já relativamente ao descrito nos pontos 38) a 51), resultaram tais factos demonstrados, no essencial, em razão das declarações prestadas pelo arguido nesse sentido, dado não haverem sido contrariadas por qualquer outro meio probatório, merecendo ainda destaque o depoimento prestado pela testemunha FF relativamente ao descrito em 39) a 41), as declarações prestadas pela ofendida quanto ao descrito em 39), 40) (com excepção à referência dos arranhões feita na parte final), 41), 43), 44), 46) a 48), parte inicial do ponto 49), 50) e 51), o depoimento prestado por KK quanto ao descrito em descrito em 48) e os depoimentos prestados por MM e NN quanto ao descrito em 50). Por fim, relativamente aos factos descritos nos pontos 52) a 54), referentes às condições pessoais, sociais e económicas do arguido, assim como aos seus antecedentes criminais, a sua demonstração resultou da documentação constante dos autos (relatório social da DGRSP de fls. 1081/1082 e certificado de registo criminal de fls. 1144). * Já quanto aos factos dados como não provados, a convicção negativa do Tribunal assentou na insuficiência de prova produzida a respeito e na prova produzida em sentido inverso, esta consubstanciada, essencialmente, nas declarações prestadas pela ofendida/demandante e nos depoimentos prestados pelas testemunhas CC e GG. Com relevo (considerando merecer melhor concretização), refira-se ainda o seguinte: ∙ a relação de namoro à data de 2001 ficou por demonstrar em razão da prova produzida em sentido inversa, qual seja, de forma pacífica, as declarações prestadas pelo arguido e pela ofendida/demandante, que não retrataram qualquer relação de exclusividade (aliás, o arguido era à data casado com DD) ou de carácter regular, pelo que se deu por não provado o descrito em a); ∙ o descrito em b), i), n), r), w), z), hh), mm), pp) e uu) não colheu a sua demonstração por total ausência de prova produzida a respeito; ∙ a matéria de facto vertida em c), d), cc) e dd) ficou por demonstrar em razão da insuficiência de prova produzida a respeito, considerando que, sem embargo a ofendida a haver descrito em c) e d), certo é que a mesma foi contrariada pelas declarações que o arguido prestou e, bem assim e de forma decisiva, pelo depoimento prestado pela testemunha FF, ao passo que sem embargo o arguido haver relatado o descrito em cc) e dd), nenhum outro meio de prova o corroborou; ∙ o descrito em o), t) e u), sem embargo haver sido afiançado pela ofendida, certo é que a mesma limitou-se a relatar a entrega de uma missiva por parte do arguido ao filho de ambos, a qual se encontraria aberta, sendo certo que tal não basta, naturalmente, para que se considerem os factos em apreço como estando provados, desconhecendo-se se o arguido abriu efectivamente a missiva ou se foi outrem a fazê-lo; ∙ já o descrito em e), f), g), h), j), k), l), m), p), q), s) e v) ficou por provar em razão das declarações prestadas pela ofendida, que ora afiançou que os factos em causa não seriam verídicos ou, ao invés, manifestou dúvidas sobre a sua ocorrência, o que fez quedar os mesmos na não demonstração; ∙ finalmente, no que se refere ao descrito em x), y), aa), bb), ee), ff), gg), ii), jj), kk), ll), nn), oo), qq), rr), ss) e tt), tais factos ficaram por provar a tenta a flagrante insuficiência, senão mesmo ausência de prova produzida a tal respeito.» C. Conhecendo dos fundamentos do recurso C.1 Nulidade da sentença por omissão de pronúncia Refere o recorrente que a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, na medida em que o tribunal recorrido se não pronunciou sobre factos de um dado inquérito! E ainda por preterição de garantias essenciais de defesa. Comecemos por analisar a primeira delas: omissão de pronúncia. Assinalemos desde já que a nulidade prevenida na alínea c), do § 1.º, do artigo 379.º CPP decorre da estrutura basicamente acusatória do processo penal português, que pressupõe que o objeto do processo (o «acontecimento histórico à luz da sua relevância jurídica» (6); ou ao «pedaço de vida»(7) juridicamente relevante) é delimitado pela factualidade vertida no libelo (sendo este da competência de entidade diversa do tribunal). O princípio da identidade que lhe subjaz postula que os factos que constituem o objeto do processo deverão, em princípio, manter-se os mesmos na acusação e na sentença. Sucede, porém, que a delimitação do objeto do processo não é realizada pelas palavras ou expressões concretas, mas pela referência destas ao «acontecimento histórico à luz da sua relevância jurídica» (8); ou ao «pedaço de vida»(9) juridicamente relevante, isto é, «ao conjunto de factos em conexão natural, analisados à luz de todos os juízos jurídicos pertinentes» (10). Acresce que, contrariamente ao que parece vir pressuposto no recurso, a sentença não é (não deve ser) uma fiel serventuária da acusação (ou da pronúncia ou da contestação), podendo o juiz proceder, «se necessário, e na extensão tida por necessária, ao aparo ou corte do que porventura em contrário e com carácter supérfluo provenha de tais peças processuais»(11), ou precisá-la num discurso mais claro quanto ao que possa não estar tão bem exposto, sem que isso constitua uma introdução de factos novos que traduzam alteração dos anteriores, isto é, sem que isso represente uma alteração relevante (substancial ou não substancial) dos factos. (12). No essencial a omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido. Com efeito, o tribunal deve resolver todas que as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (a não ser aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras), todavia, como vem sendo dominantemente entendido, o vocábulo «questões» não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por «questões» as concretas controvérsias centrais a dirimir. (13) «Só existe omissão de pronúncia quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões cujo conhecimento lhe era imposto por lei apreciar ou que lhe tenham sido submetidas pelos sujeitos processuais, sendo que, quanto à matéria submetida pelos sujeitos processuais, a nulidade só ocorre quando não há pronúncia sobre as questões, e já não sobre os motivos ou razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão». (14) Relembremos: o recorrente pretende que há omissão de pronúncia por o tribunal recorrido se não ter pronunciado sobre factos de um dado inquérito, que está arquivado e que não integra o objeto deste processo! A referência faz-se, com redundante insistência, nas als. k), l), n), jjj), kkk) e rrrr) das denominadas «conclusões»! Breve: tal inquérito não integra o objeto do presente processo, pelo que não tinha o tribunal de se pronunciar sobre qualquer questão que ali se tenha suscitado. Com o que improcede esta alegada nulidade da sentença. C.1 (bis) Preterição de garantias essenciais de defesa Vejamos agora a alegada preterição de garantias essenciais de defesa, incluindo a presunção de inocência, «por imputações genéricas», «terminologia inconclusiva e vaga», factos «dúbios e contraditórios», «metáforas veladas», conteúdo «conclusivo e inútil» ou «capcioso», reportando-se aos factos alinhados na sentença entre 5. e 10., 16. a 18., 22., 23., 34., 35. e 37. O processo penal num Estado de Direito democrático, por natureza, assegura a plenitude das garantias de defesa, exigidas desde logo pelo artigo 32.º, n.º 1 do texto constitucional, mas também do direito europeu originário e derivado (deste avultando a Carta de Direitos Fundamentais da UE) e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, assegurando a todos os cidadãos o pleno exercício das garantias de defesa, incluindo o direito de contraditar as imputações e a ser ouvido em relação aos atos pelos quais foi acusado. Assiste razão ao recorrente relativamente aos factos alinhados nos pontos 7. e 16. do acervo dos factos provados, por os mesmos não estarem ancorados num intervalo temporal suficientemente preciso que permita um cabal exercício do direito de defesa. Refere-se o primeiro a factos praticados «em data não apurada no decurso da relação» e o segundo a factos praticados «em data não apurada»! Ora a referência temporal no primeiro caso respeita a um intervalo de 19 anos e no segundo caso sem arrimo a qualquer intervalo temporal com referência à prática dos factos suscetíveis de integrar o tipo de ilícito, tornando evidente a vacuidade da imputação e grosseiro o atentado às garantias essenciais de defesa do arguido. Nessa medida, tais imputações, não poderão sustentar uma condenação penal, pela simples razão de perante elas não ser possível ao arguido contraditá-los circunstanciadamente, infringindo-se, assim, as garantias fundamentais consagradas no artigo 32.º da Constituição, os quais deverão considerar-se não provados (15). Mas não tem razão no respeitante ao demais que indicou. Com efeito nos pontos 5. e 6., 17., 18. o que se faz é um enquadramento genérico da vivência da vítima com o arguido, precisando-se depois nos pontos 34. a 37. as consequências dos factos que estão suficientemente descritos e concretizados no espaço e no tempo. Também não tem razão no que respeita ao facto provado sob o ponto 23. O que nele consta é apenas que o arguido (até porque é advogado) bem sabe que não pode abrir correspondência que lhe não vem dirigida, tendo essa matéria sido alvo de questões e respostas entre o arguido e o juiz. Mas não se provou que tivesse sido por ele aberto aquele concreto envelope da al. o) dos factos não provados – e por isso mesmo veio o arguido a ser absolvido do crime que cogentemente lhe era imputado. Por ser manifestamente irrelevante o facto podia ter sido simplesmente ignorado. Mas não o tendo sido, daí não emerge nenhuma contradição, conforme denota a motivação feita a tal propósito. O mais que o recorrente alega relativamente a factos «dúbios e contraditórios», a «metáforas veladas» e factos alinhados com conteúdo «conclusivo e inútil» ou «capcioso», não está suficientemente por ele concretizado, sendo impossível saber a que se referirá! O que se pode afirmar é que na sentença recorrida, com a ressalva já feita, não se vislumbra sombra de nenhum desses defeitos. Contra o arguido foi deduzida uma acusação, cujo libelo veio a ser escrutinado pelo juiz de instrução criminal, durante a fase de instrução. Os factos que lhe foram imputados pela pronúncia (na sequência da acusação) foram contraditados na contestação que oportunamente o arguido apresentou. Seguindo-se-lhe uma audiência em que lhe foi assegurada ampla liberdade na produção contraditória das provas e discussão do caso perante um tribunal. Sendo nessa sequência que veio a ser proferida uma sentença, na qual se escrutinaram todos os factos que constituem o objeto do processo. Pelo que, com a exceção que se deixou ressalvada, não assiste ao arguido qualquer razão, improcedendo também este fundamento do recurso. C.2 Erro de julgamento da decisão de facto (relativamente ao acervo dos factos julgados provados e não provados) O recorrente manifesta extensamente a sua discordância relativamente aos factos julgados provados e não provados na sentença recorrida. Entendendo que deverão ser julgados provados factos que não constam do acervo dos «provados» ou dos «não provados» (cf. al. a), b), c) e k) das conclusões, p. ex.). E que os factos de 19. e 49. são contraditórios, como o são igualmente os factos de 34. e 39., bem assim como os 35. e 37. E que deve alterar-se a redação de outros! O recorrente faz diversos comentários ao que foi decidido (nas als. nnnn), oooo) e pppp). Assinala falta de verdade aos depoimentos das testemunhas e da assistente, p. ex. em pppp) e qqqq); e ataca esta, como surge em wwww), xxxx), yyyy) e zzzz), mas sempre sem referência a factos concretos! Contrariamente ao que parece estar pressuposto no modo como se estruturou a impugnação da decisão da decisão de facto, importa lembrar que o recurso não visa nem se constitui como uma repetição do julgamento (mas agora) na segunda instância. Estando, antes, destinado a ser um meio que permite reparar erros de procedimento ou de julgamento da questão de facto, naquilo a que a doutrina e a jurisprudência vêm de designando de «remédio jurídico» (16). Na verdade, o julgamento de facto pode efetivar-se por duas vias distintas: através de uma impugnação ampla (artigo 412.º, § 3.º e 4.º CPP); ou por via restrita, que em verdade se constitui numa revista alargada (artigo 410.º, § 2.º, al. a), b) e c) CPP). O recorrente confunde estas duas modalidades, como se foram uma e a mesma coisa! Tornando complexo o que afinal até é simples. Cinjamo-nos, em primeiro lugar à impugnação ampla (artigo 412.º, § 3.º e 4.º CPP). Este modo de sindicar o julgamento de facto consiste na reapreciação pelo tribunal superior da prova produzida, documentada nos autos ou gravada, a qual tem de ser concretizadamente invocada pelo recorrente, pois não é de conhecimento oficioso, recaindo sobre ele os ónus de especificação previstos nos § 3.º e 4.º do artigo 412.º CPP, importando ainda lembrar que o tribunal superior só pode alterar a matéria de facto se as provas impuserem conclusão diversa da fixada pelo tribunal recorrido (artigos 412.º, § 3.º, al. b) ex vi artigo 431.º, al. b) CPP) (17), mas já não se apenas o permitirem. Não basta, pois, sustentar que a valoração das provas pelo tribunal não é a mais adequada, com o que se supõe que a mesma é possível; sendo, antes, necessário demonstrar que a análise da prova feita pelo tribunal a quo, à luz das regras da experiência comum ou por existência de provas inequívocas e em sentido diverso, não consente a conclusão tirada. Acrescendo que no direito processual penal rege o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127.º CPP, onde se dispõe que: «salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.» Isto é, o tribunal é livre na apreciação que faz da prova e na forma como atinge a sua convicção. Tal liberdade de apreciação não significa, porém, arbitrariedade ou discricionariedade, pois está pressuposto que a valoração se faça mediante critérios legais (por exemplo os relativos às proibições de prova) e se atenda às regras da lógica e à experiência comum. «O ato de julgar é do tribunal, e tal ato tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objetivos para uma formação lógico-intuitiva.» (18) Já Alberto dos Reis (19) ensinava sobre este temário no contexto do processo civil que «o que está na base do conceito é o princípio da libertação do juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal, sem que, no entanto, se queira atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas (….) O sistema da prova livre não exclui, e antes pressupõe, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica». (20) Trata-se, deveras, d’«um trabalho d’intelligencia d’uma ordem mais elevada», por «carece[r] de maior somma de regras» para chegar à verdade. (21) E não se um qualquer processo «mecânico», com automatismos não escrutinados. Constitui um processo racional e lógico, só limitado pelos critérios legais (p. ex. em matéria de proibições de prova) e passível de motivação e de controlo, na medida em que a convicção formada só é válida se for fundamentada e desse modo for capaz de se impor aos outros, através da demonstração do processo intelectual e lógico seguido para a afirmação da verdade dos factos, para além de dúvida razoável. Apreciar e conjugar a prova é, em verdade, um dever que axiologicamente se impõe ao julgador por força do princípio do Estado de Direito e da Dignidade da Pessoa Humana (artigos 1.º e 2.º da Constituição). Sendo, em suma, um processo judicioso. Isto é, uma «liberdade de acordo com um dever». (22) Se bem que sem seguir uma qualquer ordem ou lógica apreensíveis, o recorrente lá foi identificando os pontos de factos que considera terem sido erradamente julgados. Mas depois limita-se a indicar que a testemunha A ou B ou C disseram coisa diversa do que concluiu o tribunal; ou que a testemunha D, E ou F não têm conhecimento dos factos respetivos. Ou que relativamente a determinados factos o tribunal a quo se firmou apenas nas declarações da assistente, quando as mesmas não merecem credibilidade! Ora, as divergências de declarações e depoimentos constituem circunstâncias comuns a todos os julgamentos, perante eles, através da imediação, o tribunal a quo tudo valorou, nos termos que expressa e circunstanciadamente deixou vertidos na motivação da decisão de facto. Em nenhum caso – rigorosamente nenhum - o recorrente apresenta uma qualquer prova (ou conjunto de provas) que possa consistentemente contrariar aquelas em que o tribunal a quo firmou a sua convicção. O mesmo sucedendo relativamente às operações de valoração das provas ou aos raciocínios lógicos que se deixaram explanados na motivação respetiva. Isto é, o tribunal a quo justificou o seu convencimento relativamente ao conjunto factológico que julgou provado, indicando concretamente as provas nas quais se firmou, bem assim como as razões que justificam esse seu convencimento e a lógica ou as regras da experiência comum a que se arrimou para assim considerar. O mesmo sucedendo relativamente aos factos que julgou não provados. Não se tratou, pois, de uma qualquer apreciação arbitrária, discricionária ou firmada em meras impressões geradas no espírito do julgador, antes tendo como pressupostos valorativos as regras do direito, a inteligência e os critérios da experiência comum e da lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica. Aliás, a motivação da decisão de facto da sentença recorrida, em razão do modo em geral competente como vem estruturada, com referência a cada facto (ou conjunto conexo de factos) e às provas que os sustentam, às razões e à lógica implicadas no juízo sobre cada um deles, constitui um lídimo exemplo das boas práticas na explanação das motivações do decidido (23). Por sua vez, em verdade, o recorrente não assinalou qualquer prova que por si só imponha decisão diversa. Nem identificou erro de raciocínio, de lógica ou de frontal contrariedade com as regras da experiência comum. Do mesmo passo não alegou ter o tribunal considerado qualquer prova proibida. Limitando-se a manifestar perante este tribunal de recurso a intenção de substituir a convicção formada pelo tribunal recorrido pela sua própria, que achará melhor, numa ilegítima inversão da posição dos personagens do processo. Resta acrescentar que apesar de o recorrente afirmar haver contradições entre factos julgados provados (sem, contudo, evidenciar como), constatamos não haver qualquer contradição entre os assinalados pontos 19. e 49. do acervo fáctico provado, o mesmo sucedendo relativamente aos pontos 34. e 39. ou entre os pontos 35. e 37. Não se surpreendendo, igualmente, qualquer lacuna factológica relativamente à situação pessoal do arguido/recorrente (designadamente o que se assinala nas als. a), b), c) e k) das conclusões). Os pontos da matéria de facto provada oriundos da contestação e os provenientes do relatório social caracterizam, quanto ao essencial, a situação pessoal do arguido. Em suma: com ressalva do que se deixou referido relativamente aos pontos 7. e 16. do acervo dos factos provados, a sentença recorrida não evidencia qualquer omissão relevante, nem nenhuma falha, muito menos ostensiva, na análise da prova, nem dela emerge qualquer juízo ilógico ou arbitrário. Pelo contrário, o que nela constatamos é que todos os factos relevantemente trazidos ao processo foram apreciados, evidenciando a motivação da decisão de facto uma apreciação circunstanciada, esclarecida, muito bem explicada, sem falhas de lógica e arrimada ao que resulta da experiência comum, em linha com a ponderação de todas as provas disponíveis, nos termos circunstanciadamente indicados na respetiva motivação. É por isso totalmente improcedente este fundamento do recurso. C.3 Vícios da decisão recorrida O recorrente faz menções vagas aos vícios da decisão recorrida, previstos no artigo 410.º, § 2.º, als. a), b) e c) CPP. A primeira delas na al. s) das «conclusões» onde se refere a «insuficiência para a decisão da matéria de facto provada». Depois nas als. h), s), v), w) e ll) alude-se a «contradição da fundamentação». E noutras passagens ainda a «contradição insanável entre os factos provados e a decisão» (al. v), ou «contradição insanável» em w) e ll). Enfim, na al. w) refere-se (assim em geral) ao «artigo 410, 2, a), b) e c)». Sendo que nas als. s) e w) conexiona a «contradição» também com a medida da pena! Os vícios da decisão, prevenidos no § 2.º do artigo 410.º CPP e invocados no recurso nos termos acabados de extratar, têm natureza e características precisas, distintas do que parece vir esgrimido pelo recorrente. Seria suposto que nesta parte a impugnação do recorrente incidisse no eventual erro na construção do silogismo judiciário; e já não no chamado erro de julgamento, na injustiça ou na desadequação da decisão proferida quanto aos factos ou na sua não conformidade com o direito substantivo aplicável. O recorrente confunde, deveras, tais vícios que de modo notoriamente leviano invoca, pretensamente detetados, com a valoração da prova produzida. Sucede que tais vícios deverão resultar do próprio texto da decisão recorrida, porque se reportam à lógica jurídica ao nível da matéria de facto, não se conexionam com a avaliação efetuada relativamente a cada facto, entes se conexionam com as circunstâncias que inviabilizam uma decisão logicamente correta e em conformidade com a lei. Têm por referência as circunstâncias que inviabilizam uma decisão logicamente correta e em conformidade com a lei. E por isso, para a sua verificação, o tribunal de recurso prescinde da análise da prova concretamente produzida, atendo-se somente à conexão lógica do texto da decisão, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum. Concretamente: - O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410.º, § 2.º, al. a) CPP), ocorre nas situações em que da simples leitura da sentença, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, se verifica que a matéria de facto provada na sentença não suporta a decisão de direito nela tomada, quer quanto à culpabilidade quer quanto à determinação da pena. Verifica-se quando a conclusão a que se chega não é suportada pelas respetivas premissas, isto é, quando a matéria de facto apurada não é a suficiente para fundamentar a solução correta exigida pelo direito. (24) Ocorre designadamente quando o tribunal não dá como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação ou pela defesa ou em resultado da discussão em audiência. Quando se alega este vício têm de especificar-se os factos que eram necessários para a decisão justa que devia ser proferida. Isto é os factos que o tribunal a quo devia ter indagado e conhecido e não indagou e consequentemente não conheceu, podendo e devendo fazê-lo; - por seu turno a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, consiste na incompatibilidade entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Existe tal vício quando, de acordo com um raciocínio lógico firmado no texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação dada justifica decisão oposta; ou não justifica a decisão; ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do Tribunal. É, pois, uma contradição entre os fundamentos da decisão ou entre estes e a própria decisão (25); - e o erro notório na apreciação da prova ocorre quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta com toda a evidência, a conclusão contrária à que chegou o tribunal. Reporta-se p. ex. nos casos em a decisão recorrida evidencia que se deu como provado um facto com base em juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios, claramente violadores das regras da experiência comum. Para ser notório tal vício tem de ser ostensivo, de tal modo que não passaria despercebido ao comum dos observadores. Verifica-se sempre que se consubstanciar uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova, denunciadora de uma violação manifesta das regras probatórias relativas a prova vinculada, das legis artis, das regras da experiência comum, ou que aquela análise se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. (26) Ora, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, não se evidencia a existência de qualquer um dos vícios que lhe são apontados, na medida em que: a matéria de facto dada como provada é bastante para a decisão de direito; inexistem contradições insuperáveis de fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; não se surpreendendo, a mais disso, quaisquer situações contrárias à lógica ou à experiência comum, constitutivas de erro patente, em termos de ser detetável por um qualquer leitor da decisão, com uma formação cultural média. Pelo que também improcedem estes fundamentos do recurso. C.4 Erros de julgamento da questão de direito Neste conspecto do julgamento da questão de direito o recorrente alega três fundamentos: i) não há comissão do crime por não estar provado o seu elemento subjetivo; ii) a condição fixada à suspensão da execução da pena de prisão é desajustada; iii) e a pena acessória foi aplicada contra os princípios e as regras do direito. Pois bem. Comecemos pelo primeiro deles. C.4. i) Do elemento subjetivo do crime de violência doméstica Afirma o recorrente em momentos distintos e por formas diversas que a sentença não contém os factos necessários a sustentar o elemento subjetivo do tipo de ilícito de violência doméstica, pelo qual foi condenado, pelo que se não verifica a comissão do referido ilícito. A este propósito refere-se a realidades supostamente integrantes do elemento subjetivo do tipo de ilícito como «dominou», subjugou», «reagiu a provocação», «perversidade», «sofrimento»… Mas não tem razão. O tipo objetivo do crime previsto no artigo 152.º do Código Penal tem por referência a inflição de maus tratos físicos ou psíquicos ao cônjuge ou pessoa equiparada, incluindo-se neles as condutas que se substanciem em violência ou agressividade física, psicológica, verbal e sexual e privações da liberdade que não sejam puníveis com pena mais grave por força de outra disposição legal. Sendo o elemento subjetivo composto pelo dolo genérico, id est (o conhecimento e vontade de praticar o facto), em qualquer das suas formas (direto, necessário ou eventual), «o dolo implicará o conhecimento da relação subjacente à incriminação da violência doméstica, assim como o conhecimento e vontade da conduta e do resultado, consoante os comportamentos em causa configurem tipos formais ou materiais». (27) Não exigindo o ilícito em causa nenhum elemento subjetivo específico. (28) Em linha, de resto, com o que exige a efetiva tutela do bem jurídico protegido, que António Taipa de Carvalho (29) sustenta ser a saúde – bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental. Parece-nos que este conceito ficará um tanto aquém da dimensão que a Constituição dá aos direitos que aquele tipo de ilícito visa tutelar. Se bem se vir, a própria descrição típica dimensiona um feixe de tutela de direitos que vai muito para além do espartilho que a inserção sistemática do tipo de ilícito em causa indicia (o crime de violência doméstica está inserido no capítulo do Código Penal dedicado aos crimes contra a integridade física). A nova formulação do tipo de ilícito, introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, abrange, expressis verbis, as limitações à liberdade e a liberdade sexual (o mesmo já se devendo entender na anterior redação), tutelando igualmente a reserva da intimidade da vida privada e a honra. Ora a integridade pessoal e física das pessoas constitui-se como um bem jurídico autónomo, pluriofensivo, previsto nos artigos 25.º e 26.º da Constituição. (30) Reportando-se a um direito organicamente ligado à defesa da pessoa enquanto tal, umbilicalmente ligado à sua própria dignidade, nos termos em que se funda o Estado português (artigo 1.º da Constituição). Ademais o princípio da dignidade da pessoa humana constitui a base de todos os direitos constitucionalmente consagrados. «Os direitos fundamentais não têm sentido nem valem apenas pela vontade (…) que historicamente os impõe». (31) Ora é justamente por referência à tutela da integridade pessoal, que o crime de violência doméstica visa punir as condutas violentas (de violência ou agressividade física, psicológica, verbal e sexual), dirigidas a uma pessoa especialmente vulnerável em razão de uma dada relação (conjugal ou equiparada), que se manifestam como um exercício ilegítimo de poder (de domínio) sobre a vida, a integridade física, a intimidade, a liberdade ou a honra do outro, caracterizado as mais das vezes por um estado de tensão, de medo, ou de sujeição da vítima (sendo esta bastas vezes tratada como uma mera «coisa»). (32) Este referente axiológico entretece-se com questões de natureza cultural, de mentalidades e de índole socioeconómica. A violência conjugal ou equiparada constitui deveras «uma forma de exercício do poder, mediante o uso da força (física, psicológica, económica, política). Constituindo-se o recurso à força como um método possível de resolução de conflitos interpessoais, procurando o agressor que a vítima se sujeite ao que ele pretende, que concorde com ele ou, pura e simplesmente, que se anule e lhe reforce a sua posição/identidade.» (33) No entanto, e contrariamente ao comportamento apenas agressivo, o comportamento violento não giza (apenas) fazer mal à outra pessoa (ainda que habitualmente isso aconteça). O objetivo final do comportamento violento é submeter o outro mediante o uso da força. A sentença recorrida descreve o dolo nos pontos 26. e 27. Dos factos provados, nos seguintes termos: «26. O arguido agiu de forma livre e com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde da ofendida, bem sabendo que a sua conduta era idónea a causar, como causou, dores e sofrimentos físicos; 27. Em tudo agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo serem tais condutas proibidas e puníveis por lei.» Sustenta o recorrente na al. r) das suas «conclusões» que: «a sentença não faz a narração dos factos conformadores da consciência da ilicitude e da culpa, limitando-se a referir fórmula conclusiva, pelo que sendo o crime doloso e não se mostrando preenchidos os seus elementos típicos, deve ser o arguido absolvido, como ensinam, entre outros...» Mas não tem razão. O ilícito em causa (violência doméstica) tem uma carga axiológica que inexoravelmente determina que a falta de consciência da ilicitude é censurável ao agente, e que, por isso mesmo, ele não deixará de ser responsabilizado mesmo que a afirmação de tal circunstância não estivesse provada (e está). Tal como resulta do disposto no artigo 17.º CP, que se reporta justamente aos crimes mala in se, i. e. aos crimes cuja ilicitude se presume conhecida de todos os cidadãos, este conhecimento é exigível. Refere a propósito Jorge de Figueiredo Dias que «o conhecimento da proibição legal, que não é exatamente equivalente a “consciência da ilicitude” será de exigir em certos casos em que a relevância axiológica de certos comportamentos é muito pouco significativa ou não está enraizada nas práticas sociais e em que, portanto, o conhecimento dos elementos do tipo e a sua realização voluntária e consciente não é suficiente para orientar o agente de acordo com o desvalor comportado pelo tipo de ilícito. Por isso, o desconhecimento desta proibição impede o conhecimento total do substrato de valoração e determina uma insuficiente orientação da consciência ética do agente para o problema da ilicitude. Por isso, em suma, neste campo o conhecimento da proibição é requerido para a afirmação do dolo do tipo […])» (34) Em suma: no respeitante aos crimes relativamente aos quais a ilicitude é de todos conhecida, por integrar o conhecimento normalmente exigível do homem comum (como indubitavelmente sucede com o crime de violência doméstica), não é (sequer) necessário (alegar-se e) provar-se a consciência da ilicitude, por ela estar pressuposta. Nestes casos o que deveras releva para que o agente se livre de punição, ao abrigo do disposto no artigo 17.º do CP, é a prova do facto que integre a inconsciência dessa realidade jurídica. As condutas descritas e as conexões das agressões com a intenção igualmente afirmada nos factos provados 26. e 27. evidenciam que o agressor pretendeu demonstrar à vítima que ela estava à sua mercê e que tinha de se subjugar à sua vontade, o que, indubitavelmente, as remete para o âmbito da tutela conferida pelo crime de violência doméstica. E como tais agressões ocorreram no domicílio comum do casal e, por vezes, na presença do filho menor, o crime foi praticado na sua forma agravada, nos termos previstos na al. a) do § 2.º do artigo 152.º do CP. C.4. ii) Da condição da suspensão da execução da pena de prisão Vejamos agora a questão da condição da suspensão da execução da pena de prisão, que o recorrente apelida de «medida acessória», sustentando que a mesma se mostra desajustada «fora do âmbito da pena acessória»! Considera o recorrente que estando provado que o mesmo se encontra integrado social, familiar e profissionalmente é contraditória a aplicação de tal condição à suspensão da execução da pena de prisão. Por seu turno, o Ministério Público sustenta que o facto de o arguido estar integrado social, familiar e profissionalmente, isso em nada contende com a necessidade de o mesmo frequentar um programa de agressores de violência doméstica, o mesmo sucedendo com o facto de o arguido exercer a profissão de advogado. Neste conspecto, a sentença refere que: «(…) não poderá ser olvidado o facto de o arguido não registar a prática de qualquer crime no seu certificado de registo criminal (considerando o descrito no ponto 54) e levando em conta o teor do certificado de registo criminal de fls. 1144). De salientar igualmente que o arguido parece mostrar-se perfeitamente inserido familiar, laboral e socialmente (desta feita atentando no descrito no ponto 53) e considerando o teor do relatório social da DGRSP de fls. 1081/1082), o que leva este Tribunal a considerar que, não obstante a incontornável gravidade das condutas por si perpetradas e pelas quais vai condenado, estarem atenuadas as necessidades de prevenção especial aqui reclamadas, levando ao entendimento de que, em sede de prevenção especial, a censura do facto e a mera ameaça de prisão ainda realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição. Pelo exposto, decide-se por uma suspensão da execução da pena de prisão ora aplicada ao arguido, por igual período de 2 anos e 6 meses, a contar do trânsito em julgado da presente decisão (cf. artigo 50.º, n.º 5 do CP). * Mais se entende que a suspensão deve ser condicionada/acompanhada da imposição de um regime de prova (nos termos previstos nos artigos 53.º e 54.º do CP), razão pela qual se determina a subordinação da suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de um plano de reinserção social pelo arguido, o qual deverá implicar a inclusão em programa para agressores de violência doméstica (PAVD), programa este que será devidamente elaborado, concretizado e vigiado pelos competentes serviços da DGRSP. Tal regime de prova mostra-se, com efeito, necessário para se promover a interiorização, pelo arguido, do desvalor das suas condutas passadas, servindo assim para o acompanhar durante o período de suspensão da execução da pena de prisão que agora se aplica.» Como é bom de ver, as objeções apresentadas pelo recorrente foram alvo da devida ponderação pelo tribunal a quo, demonstrando este ex abundante que não só essa condição não é contraditória com a suspensão da execução da pena de prisão. Deverá ainda recordar-se que também em matéria de escolha e medida da pena (incluindo naturalmente a ponderação relativa à mobilização de pena de substituição e suas modalidades), o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico. Isto é, o recurso é um meio gizado para corrigir erros de procedimento ou de julgamento, que assinalados pelos recorrentes, importe reparar. Daí que no respeitante à sindicabilidade da pena aplicada, a legitimidade do tribunal ad quem, se cinja ao patamar da deteção de um desrespeito pelos princípios ou pelas regras norteadoras das operações de escolha e determinação impostas pela lei, sem que isso implique a compressão da margem de apreciação livre reconhecida ao Tribunal a quo enquanto componente própria do ato de julgar. (35) Os argumentos que o recorrente adianta em nada abalam os fundamentos em que assentou o decidido, conforme muito bem assinala o Ministério Público. A circunstância de o arguido estar bem inserido socialmente contribuiu decididamente para o tribunal ponderar e decidir aplicar-lhe uma pena de substituição. Conforme dispõe o artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal: «o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.» A suspensão da execução da pena de prisão é uma verdadeira pena, tendo um conteúdo autónomo de censura, medido à luz de critérios gerais de determinação da pena concreta (artigo 71.º), assente em pressupostos específicos, sendo na sua categorização dogmática uma pena de substituição, isto é, uma pena que se aplica na sentença condenatória em vez da execução de uma pena principal concretamente determinada. (36) Assentando em dois pressupostos básicos, sendo um de natureza formal (a medida concreta da pena imposta ao agente não pode ser superior a cinco anos de prisão); e outro de cariz material, constituído por um juízo de prognose favorável acerca da ressocialização do arguido em liberdade (de desnecessidade de cumprir efetivamente a pena de prisão), a realizar no momento da condenação, quando se tem de escolher e fixar a medida da pena. A sua aplicação assenta, pois, num risco prudencial (37) sobre a personalidade do arguido, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior à prática do crime e as circunstâncias deste, concluindo-se que a simples censura do facto e a ameaça da execução da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Constituindo um poder-dever, id est um poder vinculado do julgador, o qual deverá decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade e com os matizes que se afigurarem mais convenientes para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos, impregnando esta pena um conteúdo reeducativo e pedagógico. Ora foi justamente na ponderação das finalidades da pena, tendo em conta a natureza, modo e circunstâncias relativas à perpetração do crime, que o tribunal considerou que a simples suspensão da execução da pena de prisão seria insuficiente. Acoplando-lhe um plano de reinserção social que inclui a integração do condenado num programa para agressores de violência doméstica, que se considerou «necessário para se promover a interiorização, pelo arguido, do desvalor das suas condutas passadas, servindo assim para o acompanhar durante o período de suspensão da execução da pena de prisão». Na verdade, dos factos provados emerge a necessidade de o arguido ter contacto direto com os valores que vulnerou e que a sociedade exige sejam respeitados, de molde a interioriza-los e de futuro não os repetir, não havendo nenhuma razão para censurar o juízo feito na sentença recorrida. Com aquela condição o que (muito bem) se pretende é reforçar as finalidades da suspensão da execução da pena de prisão com a aplicação daquela condição. C.4. iii) Da pena acessória Finalmente, considera o recorrente que a pena acessória de proibição de contactos, imposta pela sentença, a mais de constituir uma surpresa e ser um efeito automático da condenação é também desnecessária e desproporcionada. Sobre este aspeto o Ministério Público considerou que não pode o recorrente sustentar que aplicação desta pena acessória constitui uma decisão surpresa, porquanto a mesma foi requerida logo na acusação. Acrescentando que não sendo a mesma de aplicação automática, a verdade é que as vitimas deste específico tipo legal de crime têm o direito a ser protegidas, atuando a pena acessória numa lógica de prevenção de conflitos e de prevenção/intimidação que efetivamente proteja a vítima do risco de reincidência. E que contrariamente ao sustentado a aplicação deste tipo de pena não envolve a perda de direitos, porquanto não assiste direito a ninguém de contactar com alguém que não pretende manter contactos. Reportando-se à matéria das penas acessórias requeridas no libelo pelo Ministério Público (na acusação consta o requerimento para aplicação das penas acessórias previstas nos § 4.º e 5.º do artigo 152.º do CP, a sentença recorrida começa logo por colocar em equação a sua necessidade, adequação e proporcionalidade. E debruçando-se sobre a questão refere: «A aplicação de sanção acessória visa complementar e reforçar a aplicação da sanção penal principal (de prisão ou, quando legalmente prevista, de multa), tendo em vista assegurar a efetiva tutela disponibilizada pela lei. Sendo que na aplicação de tais sanções acessórias este tribunal está vinculado aos mesmos critérios e elementos de ponderação utilizados aquando da determinação concreta da sanção penal principal, designadamente tal sanção acessória terá de se conformar em função da gravidade da infração (censurabilidade do facto) e da culpa (censurabilidade do agente), fazendo com que a sua aplicação não seja automática, mas sim gizada por critérios legais de necessidade, adequação e proporcionalidade. Concretizando. Nos presentes autos, resultaram provados, ao menos no essencial, os factos que vinham imputados ao arguido, configurando os mesmos a prática de um crime de violência doméstica agravada, existindo ainda o risco, atenta a natureza, forma e modo como tais factos foram praticados e a personalidade algo desviante do arguido, de poder persistir na prática de outros que possam colocar em perigo a saúde física e psíquica da ofendida, bem como a consideração honrosa e o bom nome da mesma, pelo que, destarte, se mostra justificada a aplicação de uma sanção acessória de proibição, por qualquer meio, de contactos com a ofendida (sem prejuízo dos contactos necessários no âmbito do exercício das responsabilidades parentais do filho menor de ambos). Ainda assim, uma vez que resultou evidenciado que o arguido não mais se aproximou daquela, sendo de prever desprendimento e afastamento da mesma (até porquanto contraiu novamente matrimónio), acrescendo que a exortação feita pelo tribunal decerto o fará repensar quaisquer intentos de nova aproximação e considerando ainda que os próprios relatos feitos pela ofendida, ainda que reveladores de fundado receio do arguido, não conduzem à conclusão de serem prementes as necessidades de prevenção especial e de proteção da vítima, afigurando-se outrossim que a obrigação de ostentação de pulseira para vigilância eletrónica da proibição de contactos não surtirá senão os efeitos de reanimar e prolongar as feridas psicológicas e emocionais ocasionadas na pessoa da ofendida, não se determina que a pena acessória de proibição de contactos agora aplicada seja fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância. Nesta conformidade e tendo em consideração os elementos supra aduzidos, este tribunal julga necessário, adequado e proporcional aplicar ao arguido AA a pena acessória de proibição de contactos, por qualquer meio, com a ofendida BB, durante o período de 2 anos e 6 meses (sem prejuízo dos contactos necessários no âmbito do exercício das responsabilidades parentais do filho menor de ambos), a contar da data do trânsito em julgado desta sentença, sem necessidade da sua fiscalização por meios técnicos de vigilância eletrónica. No que se refere à pena acessória de proibição de uso e porte de armas, a mesma não se nos afigura pertinente, considerando não se haver apurado qualquer facto relacionado com o seu uso sobre ou defronte a ofendida. Finalmente, no que se refere à obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, a verdade é que foi já supra imposto regime de prova que implica inclusão em programa para agressores de violência doméstica (PAVD), pelo que a pena acessória em causa se nos afigura despicienda. Pelo exposto, decide-se pela não aplicação ao arguido de qualquer outra pena acessória que não a proibição de contactos com a ofendida.» Afinal, conforme evidenciam os autos e a sentença, a aplicação da pena acessória de proibição de contacto, não constituiu surpresa para o arguido, que relativamente a ela teve oportunidade de se defender, não ocorrendo qualquer vulneração das garantias inerentes ao procedimento equitativo (artigo 20.º, § 4.º da Constituição da República; 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; 14.º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e 47.º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia (todos inspirados no artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem), não constituindo a mesma qualquer efeito automático da condenação (artigo 65.º, § 1.º CP), na medida em que, conforme bem assinala o Ministério Público na sua resposta ao recurso, a aplicação desta pena acessória não envolve a perda de direitos civis, uma vez que a ninguém assiste o direito a contactar com alguém que não pretende manter tais contactos (como é aqui patentemente o caso). Acresce que, conforme se deixou expresso, o tribunal a quo ponderou a aplicação (ou não aplicação) desta pena acessória - e de outra que a acusação igualmente preconizava (de proibição de porte de arma) -, sendo que relativamente à aplicada, motivou proficientemente a sua necessidade, graduando-a tendo em vista as circunstâncias concretas e a sua necessidade, tendo dispensado a fiscalização eletrónica, fixando-a em medida ajustada e proporcional àquelas, não havendo, pois, nenhuma razão para censurar o assim decidido. III – Dispositivo Destarte e por todo o exposto, acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: a) Julgar como não provados os pontos 7. e 16. do acervo dos factos provados da sentença recorrida. b) Negar (quanto ao mais) provimento ao recurso e, em consequência, pelas razões expendidas, manter a douta sentença recorrida. c) Sem custas (artigo 513.º, § 1.º CPP a contrario) Évora, 28 de fevereiro de 2023 J. F. Moreira das Neves (relator) Maria Clara Figueiredo Fernanda Palma
------------------------------------------------------------------------------------- 1 A utilização da expressão ordinal (1.º Juízo, 2.º Juízo, etc.) por referência ao nomen juris do Juízo tem o condão de não desrespeitar a lei nem gerar qualquer confusão, mantendo uma terminologia «amigável», conhecida (estabelecida) e sobretudo ajustada à saudável distinção entre o órgão e o seu titular, sendo por isso preferível (artigos 81.º LOSJ e 12.º RLOSJ). 2 Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2011, pp. 1136, nota 14; Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. III, Do Procedimento - Marcha do Processo, Universidade Católica Editora, 2014, pp. 335; Sérgio Gonçalves Poças, Processo penal quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto, revista Julgar n.º 10, 2010, pp.23; neste mesmo sentido assinala a jurisprudência: No mesmo sentido cf. acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, de 1set2021, proc. 430/20.1GBSSB.E1, Des. Gomes de Sousa; acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11jul2019, proc. 314/17.0GAPTL.G1, Des. Mário Silva; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 5abr2019, proc. 349/17.3JDLSB.L1-9, Des. Filipa Costa Lourenço; e desse mesmo Tribunal, de 15/2/2013. Proc. 827/09.3PDAMD.L1-5, Des. Vieira Lamim; acórdão do Tribunal Constitucional n.º 685/2020, de 21jul2020, Cons. Pedro Machete. 3 Neste ponto 6), expurgou-se o trecho «violência física e verbal», o qual constava da peça acusatória para cujos factos o despacho de pronúncia remete (fls. 450 a 482 e 811 a 824, respetivamente), considerando estarmos perante matéria fáctica conclusiva e, assim, insuscetível de ser devidamente apreciada ou valorada pelo Tribunal. 4 Neste ponto 9), tal como sucedido relativamente ao ponto 6), expurgou-se o trecho «o arguido tornava-se violento», considerando estarmos perante matéria fáctica conclusiva e, assim, insusceptível de ser devidamente apreciada ou valorada pelo Tribunal 5 Expurgou-se a matéria de facto tida por conclusiva e/ou inócua, assim como aquela que se entende configurar mera repetição ou concretização daquela que vinha já vertida na peça acusatória. 6 Assim, Henrique Salinas, Os limites Objetivos do ne bis in idem e a Estrutura Acusatória do Processo penal Português, Universidade Católica Portuguesa Editora, 2014, pp. 221. 7 Jorge de Figueiredo Dias, Extradição e non bis in idem», Parecer, DJ, 1995, tomo I, pp. 219; e. Frederico Isasca, Alteração Substancial dos Factos e sua Relevância no Processo Penal Português, Almedina, 1992, pp. 96 e 144. 8 Assim, Henrique Salinas, Os limites Objetivos do ne bis in idem e a Estrutura Acusatória do Processo penal Português, Universidade Católica Portuguesa Editora, 2014, pp. 221. 9 Jorge de Figueiredo Dias, Extradição e non bis in idem», Parecer, DJ, 1995, tomo I, pp. 219; e. Frederico Isasca, Alteração Substancial dos Factos e sua Relevância no Processo Penal Português, Almedina, 1992, pp. 96 e 144. 10 Idem. 11 Cf. Acórdão de 2/6/2005, proc. 7177/04, Cons. Pereira Madeira, disponível em www.dgsi.pt referência 05P1441. 12 Veja-se neste sentido Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Lisboa, Verbo, vol. III, 2.ª edição, pp. 273. 13 Cf. por todos: acórdão STJ de 2out2003, recurso revista n.º 2585/03 – 2.ª Secção; e acórdão STJ de 02/10/2003, recurso de agravo n.º 480/03 – 7.ª Secção 14 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6/7/2015, proc. 1149/06.1TAOLH-A.L1.S1, Cons. João Silva Miguel. 15 Neste sentido também: acórdão TRÉvora, de 22nov2018, proc. 526/16.4GFSTB.E1, Desemb. Maria Filomena Soares; acórdão TRÉvora, de 20mar2018, proc. 9336/17.0T8STB.E1, Desemb. José Proença da Costa; acórdão TRÉvora, de 22nov2018, proc. 526/16.4GFSTB.E1, Desemb. Maria Filomena Soares; acórdãos TRÉvora, de 217set2013 e de 1out2013, proc. 97/11.8PFSTB.E1 e 948/11.7PBSTR.E1, ambos do Desemb. Gomes de Sousa; e acórdão do STJ, de 2jul2008, Cons. Raúl Borges, todos disponíveis em www.dgsi.pt 16 Neste sentido cf. na doutrina Cf. Germano Marques da Silva, conferência parlamentar sobre a revisão do Código de Processo Penal, Assembleia da República, Código de Processo Penal, vol. II, tomo II, Lisboa 1999, p. 65; Germano Marques da Silva. Registo da prova em Processo Penal, Tribunal Colectivo e Recurso, Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues, vol. I, Coimbra Editora, 2001; Germano Marques da Silva, Forum Justitiae, maio de 1999, p. 21; Sérgio Gonçalves Poças, Processo penal quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto, JULGAR, n.º 10, 2010, p. 22. Na jurisprudência cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/2/2015, proc. 131/11.1TASLV.S1, Cons. Isabel Pais Martins; e acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 56/2006, de 18/1/2006, Cons. Fernanda Palma, DR, II, de 14abr2006; acórdão do TRÉvora, de 26abr2022, proc. 10/19.4GAGDL.E1, Des. Gomes de Sousa; acórdão do TRÉvora, de 22abr2014, proc. n.º 291/13.7GEPTM.E1, Des. Ana Barata Brito. 17 Neste exato sentido cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - Uniformizador da Jurisprudência n.º 3/2012, n.º 3/2012, de 8mar2012, publicado no DR-I n.º 77, de 18abr2012 18 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/2004, de 24mar2004, Cons. Rui Moura Ramos, disponível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos 19 CPC Anot., vol. III, ed. 1981, p. 245. 20 Neste mesmo sentido pode ver-se Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, vol. II, ed. 1981, pp. 297 ss.); e também Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, ed. 1993, pp. 111 ss.). O mesmo tem vindo igualmente a ser sublinhado pela jurisprudência (cf. acórdão STJ, de 18/1/2001, proc. 3105/00 – www.dgsi.pt). 21 Francisco Augusto das Neves e Castro, Theoria das provas e sua aplicação aos actos civis, Livraria Internacional, de Ernesto Chardron, Porto, 1880, pp. 47. 22 Neste exato sentido cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 2004, Coimbra Editora, pp. 202/2003. 23 Mas de menos no respeitante ao segmento das condições pessoais do arguido. Estas, com relevância para os termos previstos no artigo 71.º, § 2.º, al. d) CP, obtém-se com base no contributo dado pelo relatório social (naturalmente), mas em conjugação com o que o arguido tenha manifestado na audiência e nas demais circunstâncias que constem dos autos ou se apurem na audiência. O não deve limitar-se a abrir aspas e transcrever o relatório social, relegando o juízo que lhe compete sobre esse importante segmento do julgamento, para o técnico de reinserção social! Uma vez que o relatório social, nos termos da lei, constitui uma mera «informação» (artigo 1.º, al. g) CPP), gizada para habilitar o juiz no conhecimento de factos concretos relevantes para a escolha e graduação da medida da pena. Tal «informação» está sujeita ao escrutínio judicial, nos termos gerais, subordinado à livre apreciação do julgador. Cf. neste sentido cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, pp. 915 (anotação ao artigo 370.º), Universidade Católica Portuguesa Editora, 2007. E na jurisprudência, por todos, cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/4/1999, proc. 98P1409; e acórdão de 20/10/2010, proc. 845/09.6JDLSB, www.dgsi.pt . Não obstante, considera-se que – pelo menos implicitamente – terá sido isso mesmo o que terá sucedido. 24 Neste sentido decidiram entre muitos outros os seguintes arestos: Ac. TRLisboa, de 29/1/2020, proc. 5824/18.0T9LSB-3; Ac. TRPorto, de 9/1/2020, proc. 1204/19.8T8OAZ.P1; Ac. TRÉvora, de 7/5/2019, proc. 112/14.3TAVNO.E1 , todos disponíveis em www.dgsi.pt . 25 Acórdão do STJ, de 20/4/2006, proc. 06P363, Cons. Rodrigues da Costa; acórdão Tribunal da Relação de Évora, de 27set2022, proc. 358/14.4TABJA.e1, Desemb. Gomes de Sousa. 26 Cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2020, Universidade Católica Editora, pp. 341. 27 Maria Elisabete Ferreira, O Crime de Violência Doméstica na Jurisprudência Portuguesa (Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel da Costa Andrade, vol. I, 2017, p. 583, BFDUC) 28 Neste sentido, por todos, com as referencias de enquadramento nele vertidas cf. Maria Elisabete Ferreira, O crime de violência doméstica na jurisprudência portuguesa. Do pseudo requisito da intensidade da conduta típica à exigência revistada de dolo específico, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel da Costa Andrade, 2017, Instituto Jurídico, Boletim da Faculdade de Direito – Universidade de Coimbra – Studia Iuridica, 1008, pp. 569 ss. 29 Comentário Conimbricence do Código Penal, Parte Especial, tomo I, 2.º ed., 2012, pp. 512 (em anotação ao artigo 152.º). 30 Neste sentido, p. ex. André Lamas Leite, A Violência Relacional Íntima: Reflexões Cruzadas entre o Direito penal e a Criminologia, revista JULGAR, n.º 12, 2010, pp. 25 ss.; em sentido não muito distinto Nuno Brandão, A Tutela Especial Reforçada da Violência Doméstica, revista JULGAR, n.º 12, 2010, p. 9 ss. 31 Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3.ª Ed., pág. 110. 32 Neste sentido podem ver-se: Maria Manuela Valadão e Silveira, Sobre o Crime de Maus Tratos Conjugais, Revista de Direito Penal, vol. I, n.º 2, ano 2002, UAL, pp. 32, 33 e 42. Maria Também Maria Elisabete Ferreira, Da Intervenção do Estado na Questão da Violência Conjugal em Portugal, 2005, Almedina; e Maria Elisabete Ferreira, O Crime de Violência Doméstica na Jurisprudência Portuguesa (Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel da Costa Andrade, vol. I, 2017, pp. 569 ss., BFDUC); Sara Margarida das Neves Simões, 2015, UCP, pp. 8 ss. 33 Madalena Alarcão, (des) Equilíbrios Familiares, Quarteto, 2000, pp. 296. 34 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Gestlegal, 2.ª ed., pp. 363/364. 35 Cf. neste sentido cf. Ac. TRÉvora, de 22/4/2014, proc. n.º 291/13.7GEPTM.E1, Des. Ana Barata Brito; Decisão Sumária de 20fev2019, TRÉvora, proc. 1862/17.8PAPTM.E1, Des. Ana Brito; e Ac. TRÉvora, de 26abr2022, proc. 10/19.4GAGDL.E1, Des. Gomes de Sousa. Neste sentido também Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral II – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas – Editorial Notícias, pp. 197. 36 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, pp. 90-91; e Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2020 [reimpressão da edição de 2017], pp. 30. 37 Hans-Heirich Jescheck y Thomas Weigend, Tratado de Derecho Penal – Parte General, Comares editorial, 5.ª edición (corregida y ampliada), 2002, pp. 902 |