Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FRANCISCO MATOS | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS FISCALIZAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 11/09/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | Os tribunais administrativos são os competentes para a apreciar os litígios que tenham por objeto a interpretação, validade e execução de contratos, mesmo que puramente privados, submetidos a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público. (Sumário do Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 78380/13.3YIPRT.E1 Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório. 1. (…), Unipessoal, Lda., com sede na Rua Padre (…), nº (…), 1º, sala F, em Vagos, instaurou contra Município de Vila Nova da Barquinha, com endereço na Praça da República, Vila Nova da Barquinha, procedimento de injunção de obrigação emergente de transacção comercial, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia € 106.025,48, a título de capital, juros e taxas de justiça. Alegou que a (…) – (…) Serviços de Engenharia Total, Lda., celebrou com o R. um contrato de prestação de serviços de fiscalização, acompanhamento técnico, financeiro e coordenação em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho, na empreitada do complexo Escolar e Ciência Viva de Vila Nova da Barquinha, que a (…) prestou os serviços e emitiu diversas facturas que o R. não pagou e que celebrou com a (…) em contrato de cessão de créditos que incluiu todos os créditos por esta detidos sobre o R. O R. deduziu oposição, considerando, em síntese, a (…) não cumpriu o contrato (não manteve na obra a equipa de fiscalização indicada na proposta e constante do caderno de encargos), razão porque deduziu aos montantes em dívida a quantia de € 94.380,00. A A. respondeu por forma a defender a improcedência da defesa do R..
II - O Tribunal a quo errou na aplicação do Direito, não só ao considerar-se materialmente competente para o julgamento da presente ação, mas também ao condenar o Réu, ora Recorrente, no pedido formulado pela Autora. III – E errou também na apreciação que fez da prova produzida. IV - A 30.05.2013, no Balcão Nacional de Injunções, a sociedade comercial “(…), Unipessoal, Lda.”, ora Recorrida, intentou um procedimento de injunção contra o Município de Vila Nova da Barquinha, requerendo a notificação deste para proceder ao pagamento da quantia de € 106.025,48, sendo € 94.672,00, de capital, € 11.200,48, de juros de mora e taxa de justiça de € 153,00. V - Esta sociedade – “(…), Unipessoal, Lda.” que nenhuma relação tinha com o Município de Vila Nova da Barquinha, apenas surge por via da celebração de um contrato de cessão de créditos com a sociedade comercial (…), Lda., sociedade esta com quem o Município de Vila Nova da Barquinha celebrou um contrato de prestação de serviços. VI - Através da celebração do supra referido contrato de cessão de créditos, a “(…), Lda.” terá cedido à ora Recorrida, “(…), Unipessoal, Lda.”, créditos alegadamente detidos sobre o Município. VII - Com efeito, para fundamentar a sua pretensão, a requerente do procedimento de injunção, e ora Recorrida, (…), Unipessoal, Lda., alegou que em 17 de Junho de 2009 a empresa (…), Lda. celebrou com a Câmara de Vila Nova da Barquinha um contrato para prestação de serviços de fiscalização, acompanhamento técnico, financeiro e coordenação em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho da empreitada do complexo escolar e Ciência Viva de Vila Nova da Barquinha, no âmbito do qual foram emitidas várias faturas, sendo que parte delas não foram pagas. VIII - O Município recusou pagar a totalidade do valor contratual estabelecido, devido ao facto de a (…), Lda. ter incumprido uma parte substancial do contrato celebrado, designadamente, no que respeita às obrigações principais assumidas no âmbito do mesmo, e consagradas nas especificações técnicas e no próprio caderno de encargos. IX - Da instrução da causa resultou provado que: • Em 17.06.2009, o Município e a (…), Lda. celebraram, por escrito contrato de prestação de serviços de fiscalização, acompanhamento técnico, financeiro e coordenação em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho no âmbito da construção do Complexo Escolar e Ciência Viva de Vila Nova da Barquinha, mediante o pagamento de uma contraprestação. • Foram previamente estabelecidas as condições e especificações técnicas para tal fiscalização e acompanhamento, que ficaram a constar do Caderno de encargos do Procedimento, a que se vinculou a (…), Lda. • Quanto à composição da Equipa Técnica e do Tempo de Permanência em Obra, ficou contratualmente estabelecido que a equipa de fiscalização, acompanhamento técnico e financeiro e de coordenação em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho deveria ser constituída, no mínimo, pelos seguintes técnicos: g) 1 Engenheiro Civil ou Engenheiro Técnico Civil (coordenador da equipa); h) 1 Engenheiro Electrotécnico; i) 1 Engenheiro de Máquinas; j) 1 Técnico de Construção Civil; k) 1 Técnico Superior de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho (coordenador de segurança em obra); l) 1 Técnico de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho; • Sem prejuízo da carga horária a afectar a outras tarefas cometidas à fiscalização, acompanhamento técnico e financeiro e coordenação em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho, a carga horária de cada elemento em obra deverá ser, no mínimo, a seguinte: e) Técnico de construção civil (fiscal) – Em permanência (sempre que o empreiteiro ou subempreiteiros estejam a trabalhar em obra); f) Técnico de segurança, higiene e saúde no trabalho – Deverá permanecer em obra por um período mínimo semanal de 15:00 Horas; g) Engenheiro Electrotécnico e Engenheiro de Máquinas – Deverão permanecer em obra por um período mínimo semanal de 9:00 Horas; h) Engenheiro Civil ou Engenheiro Técnico Civil (coordenador da equipa) – Tratando-se do coordenador da equipa de fiscalização, acompanhamento técnico e financeiro e de coordenação em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho, deverá apresentar uma disponibilidade para permanência em obra idêntica à do técnico de construção civil. • A GSET, Lda. comprometeu-se a formar esta equipa, constituída pelos técnicos acima referidos, e a afetá-los à obra, no mínimo, os tempos semanais acima indicados. • No período compreendido entre Abril de 2009 a meados de 2011, a (…) apenas manteve em permanência na obra um fiscal de construção civil, a Engenheira (…). • Esta técnica, além do exercício desta função de fiscal de construção civil, fazia também o acompanhamento de toda esta obra e desempenhava em simultâneo as funções de técnico superior de segurança, higiene e saúde (CSO) e de técnico de técnico de segurança, higiene e saúde no trabalho. X – Resultou, portanto, provado que, na obra onde, supostamente, deveriam estar, no mínimo, duas pessoas em permanência, estava apenas uma que acumulava funções que, nos termos previstos no contrato, deveriam ter sido atribuídas a quatro pessoas diferentes. (Sendo que mesmo esta não estava em permanência afeta à fiscalização desta obra, uma vez que, como a própria esclareceu, acumulava esta atividade com a fiscalização de outras três empreitadas que decorreram em simultâneo no Concelho de Vila Nova da Barquinha). XI – Ou seja, durante mais de dois anos de execução da obra, a (…) afetou à fiscalização daquela obra um único elemento – a Engenheira (…) – que desempenhava sozinha, em simultâneo, as funções de Engenheiro Civil, Técnico de Construção Civil, Técnico Superior de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho (coordenador de segurança em obra), e Técnico de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho. XII - A sentença ao condenar o Município no pagamento do valor total do contrato errou na aplicação do Direito, e também na apreciação que fez da prova produzida. XIII – Em primeiro lugar, refira-se que o Tribunal a quo é materialmente incompetente para o julgamento da presente causa. XIV – A apreciação e boa decisão da presente causa, implica a discussão e a apreciação do contrato de prestação de serviços de fiscalização de obra pública subjacente ao contrato de cessão de créditos. XV - Na verdade, o crédito peticionado pela Recorrida advém, não do contrato de cessão de créditos, mas do contrato de prestação de serviços, sendo este, aliás, o único em que interveio o Recorrente Município. XVI - O contrato de prestação de serviços de fiscalização, acompanhamento técnico, financeiro e coordenação em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho celebrado entre o Município e a (…), Lda., e cuja discussão no que respeita à sua execução e (in)cumprimento é fundamental para a boa apreciação da causa, tem por objeto a fiscalização de uma empreitada de construção de uma obra pública de grande envergadura, um complexo escolar municipal. XVII - Como consta do próprio Contrato n.º 5/2009 para a Fiscalização, Acompanhamento Técnico, Financeiro e Coordenação em Matéria de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho da Empreitada de “Complexo Escolar e Ciência Viva de Vila Nova da Barquinha” (junto aos autos), a Câmara Municipal em reunião ordinária de 14 de Janeiro de 2009, e na sequência da realização de um concurso público com observância das formalidades legais, deliberou adjudicar a prestação de serviços à (…), Lda. XVIII - Este procedimento prévio à celebração do contrato de prestação de serviços de fiscalização cujo incumprimento se discute nestes autos, regido por normas de direito público, é desde logo decisivo para a determinação da jurisdição competente para o conhecimento de tal litígio. XIX - A competência dos tribunais administrativos e fiscais, por seu turno, está definida no art. 212º, nº 3, da CRP: “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.” XX - O artigo 4º, nº 1, alínea e), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, prevê que “compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objeto questões relativas à validade de atos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público.” XXI - O contrato de prestação de serviços celebrado entre o aqui Recorrente e a empresa (…), Lda., tendo por objeto a fiscalização de uma empreitada de obra pública, é claramente um contrato administrativo, contrariamente à caracterização jurídica que dele é feita pelo Tribunal a quo. XXII - O contrato a que se reporta o presente processo é um contrato administrativo, através do qual se constituiu uma verdadeira relação jurídica administrativa, tendo em conta, não só a natureza dos sujeitos envolvidos, concretamente da C. M. de Vila Nova da Barquinha, mas também, a natureza pública do objeto do contrato através do qual a Câmara se faz substituir pela empresa (…) na fiscalização de uma obra pública. XXIII - Com efeito, como estatuía o artigo 178.º, n.º 2, alínea h), do CPA, são contratos administrativos, os contratos de prestação de serviços para fins de imediata utilidade pública. XXIV - O objecto do contrato visa a prossecução de um interesse público – a segurança e a boa construção das obras públicas, inserido nas atribuições da autarquia, o que é revelador da ambiência de direito público em que o contrato aqui em causa se insere. XXV - As marcas da sua natureza pública são, de igual modo, evidenciadas no elenco das especificações exigidas no caderno de encargos, para as quais se remete. XXVI - Assim, atendendo ao objeto e aos fins do contrato, cremos ser indiscutível a sua natureza pública. XXVII - Estamos pois perante um contrato de “prestação de serviços para fins de utilidade pública”, especialmente previsto no art. 178º, nº 2, al. h), do CPA de 1992. XXVIII - Donde resulta que o Tribunal a quo não possui competência material para conhecer do litígio objecto dos presentes autos. XXIX - A incompetência em razão da matéria é uma exceção dilatória (artigo 494º, alínea a), do Código de Processo Civil), insanável (artigos 288º, nº 3 e 265º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil), de conhecimento oficioso (artigo 495º do Código de Processo Civil) e determina a absolvição da instância (artigos 288º, nº 1, alínea a) e 493º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil). XXX - A arguição da incompetência é tempestiva, nos termos previstos no art. 102º, n.º 1, do CPC, porquanto foram violadas regras respeitantes a tribunais judiciais e a tribunais não judiciais, circunstância em que a excepção pode ser arguida ou oficiosamente conhecida em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa. XXXI - Termos em que deverá ser declarada a incompetência material do Tribunal a quo e, consequentemente, anulada a sentença proferida. XXXII - Ainda que se entendesse que o Tribunal a quo é materialmente competente para o julgamento da presente ação – o que apenas se pondera, sem nunca conceder, por mero dever de patrocínio – ainda assim, ter-se-ia de concluir da leitura da sentença recorrida que a mesma errou na apreciação da prova produzida e na aplicação do Direito. XXXIII - Resultou provado que a (…), Lda. celebrou com a Câmara um contrato para prestação de serviços de fiscalização, acompanhamento técnico, financeiro e coordenação em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho da empreitada do complexo escolar e Ciência Viva de Vila Nova da Barquinha. XXXIV - As condições e especificações técnicas da prestação de serviços contratada constam da Parte II, art. 2º do Caderno de Encargos, e estabelecem quanto à composição da equipa que a mesma deveria ser constituída, no mínimo, por um Engenheiro Civil ou Engenheiro Técnico Civil (coordenador da equipa), um Engenheiro Electrotécnico, um Engenheiro de Máquinas, um Técnico de Construção Civil, um Técnico Superior de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho (coordenador de segurança em obra) e um Técnico de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho. XXXV - Quanto à carga horária de cada elemento em obra estabeleceu-se que devia ser, no mínimo, a seguinte: Engenheiro Civil ou Engenheiro Técnico Civil, em permanência; Engenheiro Electrotécnico, 9 horas por semana; Engenheiro de Máquinas, 9 horas por semana; Técnico de Construção Civil, em permanência; Técnico Superior de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho (coordenador de segurança em obra), em permanência; Técnico de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, 15 horas por semana. XXXVI - No período compreendido entre Abril de 2009 a meados de 2011, a (…), Lda. apenas manteve em permanência na obra um único elemento, a Engenheira (…) que desempenhava três funções distintas: a função de fiscal de construção civil, a função de técnico superior de segurança, higiene e saúde (CSO) e a função de técnico de segurança, higiene e saúde no trabalho. XXXVII - Com efeito, resultou provado que a empresa cedente (…, Lda.) não cumpriu os termos do contrato celebrado com o Município, designadamente ao não afectar à fiscalização daquela obra municipal uma equipa constituída pelos elementos técnicos contratados para o efeito. XXXVIII - Estando estas condições expressamente consagradas e previstas no Contrato celebrado e no Caderno de Encargos, e tendo resultado provado o incumprimento das mesmas, não podia o Juiz a quo ter preferido sentença condenatória do Município no pagamento da quantia total. XXXIX - Tendo havido, comprovadamente, uma redução da prestação (quer no que se refere ao número de elementos afectos à obra, quer no que se refere ao tempo de afectação de cada um desses elementos), decorre da aplicação dos mais elementares princípios de Direito Civil, a necessidade de se determinar uma correspectiva redução da contraprestação. XL - A sentença recorrida premiou o incumprimento do contraente faltoso e legitimou o seu enriquecimento sem causa, ao conceder-lhe o direito ao recebimento da totalidade do valor previsto no contrato que ele próprio incumpriu! XLI - A sentença, ao condenar o Município no pagamento do valor integral do contrato, vem atribuir uma vantagem patrimonial, manifestamente ilegítima e injustificada, ao contraente faltoso. XLII - A sentença vem justificar esta condenação alegando que o Município não reclamou nem manifestou insatisfação relativamente à prestação defeituosa da (…). XLIII - Ou melhor, alegando que as reclamações tiveram “um registo genérico e inconsistente”. XLIV - Assim, depois de ter considerado provado o incumprimento do contrato, a sentença, numa tentativa de justificar a condenação, refere, contraditoriamente, primeiro que o Recorrente apresentou reclamações (pags. 6 a 8 da sentença), embora com registo genérico e inconsistente, e depois que o Recorrente aprovou, com o seu silêncio, aquele incumprimento! XLV - Assim, por um lado, o Meritíssimo Juiz a quo reconhece e dá como assente que o R., apresentou reclamações, embora com registo genérico e inconsistente e que, através de carta endereçada à (…), alegou o incumprimento do contrato (conforme, aliás, consta do documento de fls. 227 e 228 que na sentença se dá por reproduzido) mas, por outro, conclui que o “silêncio do R.” deve valer com aprovação tácita desse incumprimento! XLVI - O que importa e cumpre ressalvar é que na fundamentação da sentença acaba por se confirmar que houve efectivamente queixas! XLVII - Tal como no decurso da audiência de discussão e julgamento, o próprio Juiz a quo assume nas asserções e considerações que teceu a ocorrência dessas queixas por parte do dono da obra. (Neste sentido, veja-se as declarações proferidas na última audiência de julgamento, realizada no dia 8 de Julho, no decurso da inquirição da testemunha …, do minuto 1:26:40 a 1:27:00 e 1:34:00 a 1: 36:55.) XLVIII - Embora depois, na sentença proferida, contraditoriamente, o Juiz a quo dê esse facto como não provado! XLIX - Na verdade a própria fundamentação da sentença confirma que as queixas, por falta de elementos da equipa, ocorreram e foram transmitidas à (…). L - No entanto, estranhamente, depois de reconhecer a dedução destas queixas (pese embora com o tal “registo genérico e inconsistente”), o Meritíssimo Juiz entende dar como não provado o facto referido no ponto 6 da fundamentação, que “o R. comunicou por diversas vezes à (…) que estava insatisfeita com o desempenho desta pela falta de elementos da sua equipa na obra referida em 1.” LI - Nestes termos, atendendo ao depoimento das testemunhas referidas na motivação da sentença e à prova documental junta, o Juiz a quo não podia, por uma questão de coerência e de lógica com os factos dados como provados, ter considerado – tal como considerou – não provado que “o R. comunicou por diversas vezes à (…) que estava insatisfeita com o desempenho desta pela falta de elementos da sua equipa na obra”. LII - Na verdade, o R. comunicou por diversas vezes à (…) que estava insatisfeita com o desempenho desta pela falta de elementos da sua equipa na obra, pelo que este facto devia ter sido dado como provado. LIII - Bem vistas as coisas, o simples recurso às regras da experiência comum e ao bom senso impunham, só por si, que tal facto fosse dado como provado. LIV - É que considerando apenas a verificação dos factos que resultaram provados, era obviamente inconcebível e inverosímil que o dono da obra, por mais imbecil e pateta que fosse, não se queixasse! LV - Assim, face à prova produzida, devia ter sido dado como provado que “o Réu comunicou diversas vezes à (…) que estava insatisfeita com o desempenho desta pela falta de elementos da sua equipa na obra referida em 1.” LVI - A prova deste facto resultou do depoimento de todas as testemunhas. LVII - Sobre este facto incidiu, em primeiro lugar, o depoimento da testemunha da Autora, (…), Sócio Gerente da (…), que mentindo de forma escabrosa garantiu ao Tribunal que estiveram afectos à obra todos os elementos da equipa contratada, em termos de composição e de tempos de afectação. Referiu ainda que nunca nenhum elemento faltou. E que nunca houve qualquer reclamação por parte do Município. LVIII - Para melhor se poder avaliar da credibilidade, isenção e parcialidade do depoimento desta testemunha, deve ter-se em conta que foi esta testemunha, proprietária da (…), quem cedeu os alegados créditos à Recorrida, em representação da (…), Lda. mantendo até à presente data o cargo de sócio-gerente da (…)! LIX - Como facilmente se depreende, não existe nenhuma outra testemunha inquirida nos presentes autos tão directamente envolvida e com tanto interesse no desfecho da presente causa! LX - Não se entende por isso como pôde o Tribunal atribuir algum tipo de credibilidade a uma testemunha que mentiu tão flagrante e descaradamente, ao prestar um depoimento que, em todos os aspectos, foi posteriormente contrariado pelos depoimentos isolados e conjugados de todas as restantes testemunhas, e até por si próprio em sede de acareação! LXI - Aliás, repare-se que nem o Tribunal justificou o facto de ter atribuído credibilidade ao depoimento desta testemunha em detrimento dos outros depoimentos. LXII - A falta de honestidade desta testemunha revelou-se absolutamente evidente quando se lhe perguntou se se recordava da equipa afecta a esta obra – o senhor (…) resolveu elencar o nome de todos os técnicos que constituíam a equipa, “esquecendo-se” da Engenheira (…), cujo nome omitiu. LXIII - Salienta-se que a testemunha (…) foi a única testemunha que, ao longo do seu depoimento, não referiu o nome da Engenheira (…), que de resto foi referenciada por todas as testemunhas por ter sido, precisamente, a personagem preponderante e principal da fiscalização. A “faz tudo”, como a própria muito significativamente se intitulou! LXIV - A Engenheira (…) foi o único elemento que durante mais de dois anos esteve na obra afecta à fiscalização da obra, e que, em simultâneo, não só assumiu as funções que contratualmente cabiam a três elementos diferentes como ainda fiscalizou outras obras no Concelho adjudicadas à (…). LXV - Assim é óbvio que tal omissão não foi inocente, mas teve a virtualidade de demonstrar a desonestidade do depoimento da referida testemunha. LXVI - A segunda testemunha (comum) ouvida sobre esta matéria foi (…), ex-Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova da Barquinha, mas actualmente sem qualquer ligação ao Município, que depôs calma e serenamente, demonstrou não ter nenhum interesse, nem passado nem presente, neste litígio. LXVII - Com efeito, esclareceu ao longo do um extenso, coerente e credível depoimento, de forma absolutamente isenta e imparcial, todos os factos objecto do presente processo, sem omissões ou subterfúgios. LXVIII - A propósito da “comunicação da insatisfação” por parte da Câmara, referiu que foram dirigidas várias reclamações e que ele próprio transmitiu essa insatisfação directamente ao próprio sócio gerente da (…), (…), quer presencialmente, numa reunião em que esteve também presente o Vereador (…) e o Eng.º (…). LXIX - Os depoimentos das testemunhas Américo Arada e Victor Pombeiro foram de tal forma díspares e contraditórios que foi requerida a acareação de ambos. LXX - Em sede de acareação, a testemunha (…) acabou por admitir a realização de duas reuniões, uma com o Dr. (…), em Novembro de 2012, e outra, posteriormente, com o Vereador (…) e com o Engenheiro (…), no âmbito das quais se discutiu precisamente a questão do incumprimento do contrato por parte da (…) e a necessidade de, por esse motivo, se proceder à redução do preço. LXXI - A testemunha (…), que sob juramento referiu, insistente e perentoriamente que “nunca, em tempo algum lhe foi dirigida qualquer reclamação” entrou em contradição também relativamente a este aspecto, acabando também por admitir a recepção, em Setembro de 2012, da carta enviada pelo Município transmitindo a sua insatisfação e manifestando a intenção de proceder à redução do preço. LXXII - Face à manifesta contradição em que incorreu esta testemunha, não podemos deixar de ficar atónitos com a inexplicável e injustificada credibilidade que lhe foi atribuída pelo Meritíssimo Juiz a quo. LXXIII - Na verdade, não se consegue alcançar a razão pela qual o depoimento isolado desta testemunha, em sentido totalmente contrário ao das restantes, que além do mais acabou por ser contrariado e rectificado pelo seu depoimento em sede de acareação, mereceu tamanho crédito por parte do Meritíssimo Juiz. LXXIV - Repare-se que a sentença que na sua fundamentação o credibiliza, também o descredibiliza ao considerar como provados factos que foram negados à exaustão por esta testemunha, como seja a questão da constituição da equipa, que esta testemunha jurou ter estado sempre completa, com todos os elementos previstos no contrato. LXXV - No que se refere à insatisfação manifestada pela Câmara, o Meritíssimo Juiz desconsiderou o depoimento sério e fidedigno não só da testemunha (…), mas de todas as outras que se lhe sucederam. E fê-lo sem justificar a razão pela qual concluiu implicitamente que a testemunha mentiu! LXXVI - Em sede de acareação, a testemunha (…) reafirmou, de forma clara e escorreita, que ele próprio interpelou directamente a testemunha … (com quem tinha uma relação próxima já vinda do passado) dando-lhe conta das irregularidades da fiscalização na obra, tendo este último garantido que iria ver o que se passava e corrigir a situação. LXXVII - Também a este propósito, a testemunha (…), confrontada com os telefonemas, acabou por admitir a realização dos mesmos (aos quais, sintomaticamente, nunca antes se tinha referido) embora lhes tenha atribuído outras motivações. LXXVIII - Pois bem, em sentido oposto ao depoimento da testemunha (…) e em consonância com o depoimento da testemunha (…), foi o depoimento também honesto, desinteressado e coerente da totalidade das restantes testemunhas, quer da Autora, quer do Réu, a saber: (…), (…), (…), (…), (…) e (…). LXXIX - Todas as testemunhas acima referidas confirmaram nos seus depoimentos a ocorrência de queixas dirigidas pelo Município. LXXX - Assim, e atendendo ao depoimento das testemunhas supra referenciadas, e até como decorrência lógica dos factos assentes, devia ter sido dado como provado que a Câmara se queixou por diversas vezes à (…). LXXXI - Em conformidade com a prova testemunhal produzida, também devia ter sido considerado provado que a (…) tinha pleno conhecimento da falta dos elementos da equipa em obra, tendo encarregue a engenheira (…) de assumir todas as tarefas destinadas a três especialidades técnicas distintas, com base nos depoimentos acima referidos, nas alegações deste recurso. LXXXII - Que a obra sofreu atrasos imputáveis – ainda que não em exclusivo – ao incumprimento do contrato por parte da (…), designadamente, por não terem sido afectos à obra todos os elementos previstos no contrato e pela não realização de trabalhos que competia à (…) realizar e que tiveram de ser realizados por terceiros, conforme resulta dos depoimentos acima referidos, nas alegações deste recurso. LXXXIII - Que o Município, ao ter conhecimento do incumprimento por parte da (…), só não formalizou a outro nível as suas reclamações nem avançou com a resolução do contrato atendendo, por um lado, à relação pessoal que, desde há anos, mantinha com o representante da empresa (…), e sobretudo devido ao facto de estar sujeito a prazos muito apertados para conclusão da obra sob pena de perdimento dos financiamentos comunitários e de ter assumido com o Ministério da Educação o compromisso de abrir a Escola no ano escolar de 2011/2012. LXXXIV - Que a carta de cobrança enviada à Câmara, relativamente à qual esta respondeu através do envio da carta de fls. 194, invocando dificuldades financeiras e dizendo que iria pagar, referia-se não às faturas em causa nestes autos mas sim a um conjunto de faturas, que no total perfaziam cerca de 200 mil euros, que se reportavam a trabalhos prestados também no âmbito de outras empreitadas, sendo que cerca de 130 mil euros foram pagos depois de recepção da carta. LXXXV - Quanto à apreciação que faz desta carta, o Juiz a quo não está a ser rigoroso quando na fundamentação da sentença refere que “A carta de fls. 194 aponta para uma ausência de insatisfação quanto ao serviço da (…)”. Está, uma vez mais, a desconsiderar e a fazer tábua rasa de tudo quanto se provou na audiência de julgamento, designadamente, que aquela carta foi enviada pelo Município à (…) na sequência e em resposta a uma interpelação da (…) para cobrança de créditos, no valor de 200 mil Euros, respeitantes a várias facturas emitidas pela (…) na sequência de trabalhos realizados em várias obras. LXXXVI - Sendo certo que, depois do envio da dita carta, foram efectuados diversos pagamentos à (…), cerca de 130 mil euros foram efectivamente pagos. LXXXVII - Isto é, como se provou, aquela carta reportava-se de uma forma geral e abstracta a um conjunto vasto de facturas, não se reportava – como se sabe – às facturas em causa nos presentes autos. LXXXVIII - Todos estes factos, que não foram sequer elencados no rol dos factos provados ou não provados, foram referenciados no âmbito da fundamentação da sentença para justificar a condenação. LXXXIX - E deviam todos eles ter sido considerados provados em conformidade com os depoimentos supra mencionados. XC - A sentença também errou na aplicação do Direito. XCI - Através da documentação junta aos autos, confirmada pelo depoimento das testemunhas, provou-se que na formação do preço contratual da prestação de serviços concorreram os valores referentes a cada um dos elementos da equipa de fiscalização, tendo em conta os tempos mínimos de permanência em obra definidos no caderno de encargos. XCII - Isto é, provou-se que a (…), Lda. ao elaborar a proposta que apresentou no procedimento, atendeu a todos os requisitos constantes do caderno de encargos, designadamente aos relativos à constituição a equipa técnica, desde logo os tendo reflectido no quadro acima transcrito. XCIII - A (…) assumiu no contrato que celebrou a obrigação de colocar em obra uma equipa constituída por seis elementos, cada um dos quais com uma determinada afectação temporal à obra, mas dois deles com uma afectação de 100%. XCIV - E o certo é que não estiveram presentes na obra os elementos que foram contratados, e os que foram adjudicados à obra não estiveram afectos à mesma, o tempo previsto no contrato. XCV - Como facilmente se compreende, a não constituição da equipa nos moldes previstos, traduziu-se para a (…) numa economia dos custos inicialmente reflectidos na formação do preço contratual. XCVI - Donde decorre a necessidade de repor o desequilíbrio contratual, através da redução do preço do contrato. XCVII - Com base nos valores constantes dos quadros acima apresentados, apurou-se que o não cumprimento da constituição da equipa de fiscalização, nos termos inicialmente previstos, representou para a (…), Lda. uma poupança de recursos e de custos na ordem dos 94.380,00 €, conforme resulta demonstrado no documento elaborado pelo Engenheiro (…) junto aos autos. XCVIII - O Recorrente invocou o carácter incompleto ou defeituoso da prestação para justificar o não pagamento da totalidade do valor fixado no contrato. XCIX - Repare-se que, no caso em pareço, estamos perante um contrato que implica uma prestação de serviços de fiscalização de natureza continuada e permanente. C - Pelo que não pode deixar de se entender que a simples ausência dos elementos previstos no contrato, sem o assentimento do Município, traduz por si só grave incumprimento contratual. CI - Face a este tipo de incumprimento, que é insusceptível de ser corrigido ou repetido – a menos que se conseguisse voltar atrás no tempo – não se pode exigir que o Município faça mais do que fez. CII - A exigência prescrita na sentença de “exigir a eliminação dos defeitos” não se pode aplicar ao presente caso desde logo porque essa eliminação sempre seria impossível. CIII - Face ao tipo de incumprimento aqui em causa, a correspectividade das prestações, era insusceptível de repor por outra via que não fosse o recurso à redução do preço. CIV - É que estamos perante uma forma de incumprimento ou cumprimento defeituoso continuado e insusceptível de reparação, que ocorreu com carácter de permanência. CV - A Autora, não obstante, saber que tinha assumido contratualmente um compromisso diário e continuado, e não obstante a necessidade de haver uma fiscalização permanente na obra, assegurada por uma equipa pluridisciplinar constituída por determinados elementos, deixou de prestar esses serviços de fiscalização de que fora incumbida e cuja prestação assumiu. CVI - Como se provou, a Autora, ora Recorrida, foi por diversas vezes confrontada com o sucedido e alertada para o desagrado do Réu relativamente ao que se estava a passar. Mas apesar disso, persistiu no seu comportamento faltoso. CVII - A Recorrida incumpriu o contrato que validamente celebrou. CVIII - Estamos perante um contrato de prestação de serviços celebrado em 17.06.2009, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março. CIX - Sendo que, então o artº 185º do CPA determinava que são aplicáveis a todos os contratos administrativos com objecto passível de contrato de direito privado, o regime de invalidade do negócio jurídico previsto no Código Civil. CX - Como se sabe, no cumprimento defeituoso, tal como na falta de cumprimento, a culpa do devedor presume-se, sendo apreciada nos termos da responsabilidade civil (cfr. arts. 799º, nºs 1 e 2 e 798º, ambos do CC). CXI - No presente caso, o contrato celebrado entre as partes é um contrato sinalagmático e dele emergem obrigações recíprocas e interdependentes para ambas as partes: por um lado, a obrigação de prestar um serviço continuado e permanente (a fiscalização da obra através da afectação à mesma de uma equipa composta por determinados elementos) e, por outro, a obrigação de pagar o preço, sendo esta, de resto, a obrigação principal que recai sobre o Município contratante. CXII - Ora, face ao incumprimento da prestação por parte da Recorrida, assiste ao Município, Recorrente, o direito à redução do preço. CXIII - É o que estabelece o artigo 1222º do CC. O dono da obra pode exigir a redução do preço que é feita nos termos do artigo 884º do CC. CXIV - Como se sabe, a redução do preço, não integra uma forma de ressarcimento dos danos, mas apenas e só o reajustamento das prestações evitando o desequilíbrio contratual. CXV - Assim, comprovados os defeitos da prestação de serviços, e a poupança daí decorrente para a Recorrida, tem o Recorrente direito à redução do preço acordado. CXVI - A redução do preço não tem um objectivo ressarcitório, visa apenas o reajustamento das prestações e a reposição do equilíbrio contratual. CXVII - Nos termos do nº 2 do art. 661º do CPC, “se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade”, o tribunal “condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo da condenação imediata na parte que já seja líquida”. CXVIII - Por sua vez, o art. 566º do CC permite que o tribunal, no caso de a indemnização dever ser fixada em execução de sentença, condene desde logo o devedor no pagamento do quantitativo que considere provado. CXIX - A factualidade apurada, e as especificidades inerentes ao presente contrato, determinam uma interpretação e aplicação dos normativos de Direito em termos que ditam uma diferente solução de Direito, incorrendo a sentença em errada interpretação e aplicação do disposto no artº 1222º do CC. CXX - A propósito de um caso idêntico, em que foi determinada a redução da contraprestação de acordo com a equidade, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16.06.2011, proferido no âmbito do processo n.º 298370/09.7YIPRT.L1-2. Termos em que se requer a Vossas Excelências seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e decidindo-se pela incompetência material do Tribunal a quo. Ou, quando assim não se entenda, seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se por Acórdão que, atendendo aos fundamentos expostos, julgue improcedente a ação, absolvendo o Recorrente do pedido!” Respondeu a A. defendendo a confirmação da sentença recorrida. Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. Assim, a questão da incompetência do tribunal, em razão da matéria, não obstante suscitada ex novo no recurso pode ser conhecida. Contesta, porém, a A. que no despacho saneador proferido nos autos foi afirmada a competência do tribunal, designadamente, em razão da matéria e que a conformação das partes com este despacho, incluso o R., determinou a formação de caso julgado formal quanto a esta matéria o que obsta agora à suscitada (re)apreciação da (in)competência. Antes da reforma processual introduzida pelo D.L. nº 329-A/95, de 12/12, constituiu objeto de discussão as condições em que o despacho saneador constituía caso julgado formal relativamente às questões que nele deviam ser apreciadas, mas com a reforma essas dúvidas foram removidas e as excepções dilatórias e nulidades processuais apreciadas no despacho saneador, transitado, deixaram de poder ser discutidas em momento posterior no processo quanto às questões concretamente apreciadas (artº 510º, nº 3, do CPC revogado). Idêntico o regime vigente; na parte em que conhece das excepções dilatórias e nulidades processuais, o despacho saneador, logo que transite, constitui caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas (artº 595º, nº 1, al. a) e nº 3, 1ª parte, do CPC). “Concretamente quer dizer, neste caso, que se tenha apreciado alguma dúvida que dessas questões suscitasse, resolvendo-a num sentido ou noutro”.[1] Tornando aos autos, o despacho saneador afirmou, é certo, a competência do tribunal em razão da matéria – “o tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e da hierarquia”, consignou-se – mas fê-lo de forma tabelar, isto é, sem resolver, a propósito, qualquer dúvida, por não lhe haver sido colocada. A afirmação genérica, ou tabelar, pelo despacho saneador, da competência do tribunal em razão da matéria, não obsta a que se conheça da suscitada incompetência, por não se haver formado caso julgado sobre a questão. Para sustentar a incompetência do tribunal em razão da matéria, o R. argumenta que o contrato que celebrou com a (…) é um contrato administrativo e que a sua adjudicação ao (…) foi precedida de concurso público. Iniciando por este segundo fundamento (a apreciação do primeiro implicaria a apreciação dos termos do contrato que não se mostra junto aos autos e cuja junção se torna, a nosso ver, dispensável pela solução deste último), dispõe o artº 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19-02, na redacção dada pela Lei n.º 107-D/2003, de 31-12 e, entretanto, alterado pela Lei n.º 59/2008, de 11-09, que: 1 – Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto: […] e) – Questões relativas à validade de atos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contrato a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público.” A propósito do âmbito de aplicação desta norma, o Ac. do STJ de 22/10/2015, ajuizou o seguinte: “Sucede que, segundo a alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF, passaram a estar incluídos no âmbito da jurisdição administrativa, os litígios que tenham por objeto, nomeadamente, a execução de contratos sujeitos a um regime substantivo regulado, em alguns dos seus aspectos, inclusivamente em sede de procedimento pré-contratual, pelo direito público. Assim, para tais efeitos, nos termos daquela disposição, a delimitação da competência material entre os tribunais administrativos e os tribunais judiciais deixou de se estribar na distinção tradicional entre “atos de gestão pública” e “atos de gestão privada”, para passar a fazer-se com abstração da natureza das normas que materialmente regulam o contrato, bastando que “a lei preveja a possibilidade da sua submissão a um procedimento pré-contratual de direito público”, como se refere no acórdão do Tribunal de Conflitos, de 11/03/2010, proferido no processo n.º 028/09. Nessa conformidade, como se observa no mesmo aresto, “o acento tónico indiciador da natureza administrativa da relação jurídica é aqui colocado não no conteúdo do contrato nem na qualidade das partes, mas nas regras de procedimento pré-contratuais potencialmente aplicáveis”. E é esse também o entendimento corrente da doutrina. Nas palavras de Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, aliás citadas no acórdão do Tribunal de Conflitos, de 19/12/2012, proferido no processo n.º 020/12: «A opção tomada na alínea e), que constitui a grande revolução do Código na matéria, traduziu-se na adição à jurisdição dos tribunais administrativos do conhecimento dos litígios relativos a contratos precedidos ou precedíveis de um procedimento administrativo de adjudicação, independentemente da qualidade das partes nele intervenientes – de intervir aí uma ou duas pessoas colectivas de direito público ou apenas particulares – e independentemente de, pela natureza e regime, eles serem contratos administrativos ou contratos de direito privado (civil, comercial, etc.» De igual modo, se pronunciam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, quando sustentam que: «Sem prejuízo de outros casos que possam resultar de legislação especial, inscreve-se ainda nas competências dos tribunais administrativos, por força do artigo 4.º, nº 1 – que, deste modo, amplia o âmbito da jurisdição administrativa (…) a apreciação de litígios: b) relativos à interpretação, validade e execução de qualquer tipo de contrato, desde que haja lei especial que diga que esse tipo específico de contrato (ou que um contrato com esse objeto) deve ser obrigatoriamente precedido (ou pode sê-lo) de um procedimento pré-contratual (concurso público, concurso limitado, negociação ou ajuste direto) regulado por normas de direito público (…)» E ainda Mário de Aroso de Almeida, observa que: «A previsão da alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF possui, contudo, um alcance mais amplo, pois, […] atribui à jurisdição administrativa a competência para dirimir os litígios emergentes de todos os contratos que a lei submeta, ou admita que possam ser submetidos, a um procedimento de formação regulado por normas de direito público, independentemente da questão de saber se “a prestação do co-contraente pode condicionar ou substituir, de forma relevante, a realização das atribuições do contraente público.»”[2] No mesmo sentido, José Carlos Vieira de Almeida: “(…) também na alínea e) se atribui à jurisdição administrativa os litígios que tenham por objeto a interpretação, validade e execução de contratos, mesmo que puramente privados, desde que estejam submetidos a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público”.[3] Não obstante os autos não se mostrarem instruídos com o contrato, como já se anotou, o R. alegou que “o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Autarquia e a (…) – (…) Serviços e Engenharia Total, Lda., foi celebrado na sequência de procedimento pré-contratual aberto para o efeito e tramitado nos termos do Decreto-Lei nº 197/99, de 8 de Junho” (artº 5º da oposição que deduziu à injunção) e a A. na resposta à oposição aceitou expressamente este facto (artº 1º da resposta à oposição). Não se podendo validamente suscitar dúvidas que o contrato, cuja execução motiva o pedido da A., foi submetido a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público, a apreciação do litígio é da jurisdição administrativa e, assim, excluída da competência dos tribunais judiciais. A incompetência absoluta é uma exceção dilatória cuja verificação implica a absolvição do réu da instância (artºs 577º, al. a) e 99º, nº 1, ambos do CPC). Procede, pois, o recurso, mostrando-se prejudicadas as demais questões nele suscitadas.
Em síntese, os tribunais administrativos são os competentes para a apreciar os litígios que tenham por objeto a interpretação, validade e execução de contratos, mesmo que puramente privados, submetidos a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público.
2.2. Custas. Porque vencida no recurso, incumbe à A. pagar as custas (artº 527º, nºs 1 e 2, do CPC).
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