Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | CARLOS BERGUETE COELHO | ||
Descritores: | RECURSO INÍCIO DO PRAZO | ||
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Data do Acordão: | 03/04/2010 | ||
Votação: | DECISÃO DO RELATOR | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | REJEITADO | ||
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Sumário: | 1- Tendo o arguido estado presente na audiência e requerido a dispensa de presença à leitura da sentença, o que lhe foi deferido, não existe fundamento para que deva beneficiar da contagem do prazo de recurso de harmonia com o previsto no art.333.º, nº.5, ou no art.334.º, nº.6, ambos do CPP, atendendo a que não se torna aqui necessário que seja pessoalmente notificado da sentença, mas apenas que esta seja notificada ao seu defensor. | ||
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Decisão Texto Integral: | Decisão Sumária Nos autos de processo comum, perante tribunal singular, do 2º.Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial de Loulé, realizado o julgamento e por sentença de 21.07.2009, foi o arguido M. condenado, além do mais, como autor material: - de um crime de difamação, p. e p. pelo art.180º, nº.1, do Código Penal (CP), na pena de 80 (oitenta) dias de multa; - de um crime de injúria, p. e p. pelo art.181º, nº.1, do CP, na pena de 40 (quarenta) dias de multa; - em cúmulo destas penas, na pena única de 100 (cem) dias de multa, à razão diária de €10,00 (dez euros), perfazendo o total de €1.000,00; - a pagar ao demandante a quantia de €500,00 (quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a data da notificação ocorrida em 24.05.20089 e até integral pagamento. Inconformado com tal decisão, o arguido interpôs recurso, formulando as conclusões que se alcançam de fls.297/300. O Ministério Público apresentou resposta, concluindo, como decorre de fls.312/313, pela procedência do recurso. Este foi admitido por despacho de fls.315. Neste Tribunal da Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, suscitando a questão prévia da intempestividade do recurso. Cumprido que foi o nº.2 do art.417º do Código de Processo Penal (CPP), o arguido respondeu, sustentando que o mesmo deve ser entendido por tempestivo. O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, como sejam as de nulidade da sentença e dos vícios previstos no art.410º, nº.2, do CPP, conforme decorre dos arts.379º, nº.2, e 412º, nº.1, do CPP e da jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ nº.7/95, de 19.10, publicado in D.R. I-A Série de 28.12.1995. Em conformidade, reside em apreciar se a decisão recorrida enferma do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do n.º2 daquele art.410.º e, ainda que assim se não entenda, se os factos provados não são subsumíveis aos tipos legais que lhe foram imputados, em razão dos quais foi condenado. Todavia, havendo sido colocada a questão prévia da intempestividade do recurso, de cuja apreciação e decisão dependerá o conhecimento do mérito do mesmo, sendo certo que a anterior admissibilidade não é vinculativa (art.414º, nº.3, do CPP), importa afrontá-la desde já. De relevante, resulta dos autos que a sentença foi proferida em 21.07.2009 e depositada em 23.07.2009 (fls.280), tendo sido lida nessa primeira data, conforme acta de fls.279, na presença do defensor do arguido e encontrando-se este último ausente, por ter sido dispensada a sua presença, na sequência de requerimento seu nesse sentido, deferido por despacho prolatado na sessão da audiência de julgamento realizada em 30.06.2009, em que esteve presente (fls.230/234). Não obstante ao arguido ter sido dispensada a sua presença e a sentença ter sido lida na presença do seu defensor, foi-lhe efectuada notificação pessoal da sentença em 25.08.2009 (fls.287). O recurso veio a ser interposto em 21.09.2009, conforme data da efectivação do respectivo registo postal (fls.290), nos termos do art.150º, nº.1, alínea b), do Código de Processo Civil (CPC), “ex vi” art.4º do CPP. E, tratando-se de recurso de sentença, o prazo para interposição do recurso conta-se, em geral, do respectivo depósito na secretaria, nos termos da alínea b) do nº.1 do art.411º do CPP, sendo que, no caso vertente, em que não tem por objecto a reapreciação da prova gravada - o que o arguido não vem colocar em causa e é manifesto -, tal prazo é de 20 dias (v. nº.s 1 e 4 do mesmo preceito legal). Ora, contando-se esse prazo desde a data desse depósito (23.07.2009), o prazo para interposição do recurso terminara em 14.09.2009 (dia útil seguinte ao termo do mesmo em 12.09.2009, de acordo com o art.144º, nº.2, do CPC, “ex vi” mesmo art.4º do CPP) e, assim, muito antes da sua interposição, ainda que considerada a possibilidade conferida pelo art.107º, nº.5, do CPP, por referência ao art.145º do CPC. Diferentemente será se se atender à data da notificação da sentença ao arguido (25.08.2009), já que então a sua interposição, em 21.09.2009 (dia útil seguinte ao termo), estará dentro daquele prazo de 20 dias. Apreciando: Segundo o art.332º, nº.1, do CPP, É obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 333.º e nos n.os 1 e 2 do artigo 334º. Na verdade, se bem que o arguido goze do direito de estar presente aos actos processuais que directamente lhe dizem respeito e como garantia de exercício da sua defesa (art.61º, nº.1, alíneas a) a c), do CPP), a lei processual penal admite, nos casos previstos naqueles arts.333º e 334º, que a audiência de julgamento se realize na sua ausência. Já através da revisão constitucional operada pela Lei Constitucional nº.1/97, com o aditamento ao art.32º da Constituição da República Portuguesa (CRP) do seu nº.6 – A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento –, se deu expressão à necessidade de responder aos sucessivos adiamentos e acumulação de processos originados pela restrição que se traduzia na circunstância de, só nos casos previstos nos nºs.1 e 2 do art.334º do CPP, na versão anterior à Lei nº.59/98, de 25.08, ser permitida a realização da audiência sem a presença do arguido. Alargou-se, por isso, o respectivo âmbito de permissão, desde logo, com a versão introduzida por essa lei e, depois, com a actual redacção dada aos arts.333º e 334º pelo Dec.Lei nº.320-C/2000, de 15.12 (não alterada pela revisão operada pela Lei nº.48/2007, de 29.08), sendo que da Proposta de Lei nº.41/VIII que o precedeu, na exposição de motivos, se fez constar: Atendendo ao facto de uma das principais causas de morosidade processual residir nos sucessivos adiamentos das audiências de julgamento por falta de comparência do arguido, limitam-se os casos de adiamento da audiência em virtude dessa falta, nomeadamente quando aquele foi regularmente notificado. Com efeito, a posição do arguido no processo penal é protegida pelo princípio da presunção de inocência, prevista no n.º 2 do art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa, que surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo, o qual implica a absolvição do arguido no caso do juiz não ter a certeza sobre a prática dos factos que subjazem à acusação. Se o arguido já beneficia deste regime processual especial, não pode permitir-se a sua total desresponsabilização em relação ao andamento do processo, razão que possibilita, por um lado, a introdução da modalidade de notificação por via simples (…) e, por outro lado permite que o tribunal pondere a necessidade da presença do arguido em audiência, só a podendo adiar nos casos em que aquele tenha sido regularmente notificado da mesma e a presença desde o início da audiência se afigure indispensável para a descoberta da verdade material. Se o tribunal considerar que a presença do arguido desde o início da audiência não é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material (…) a audiência não é adiada (…)”. Igualmente, conforme se pode ler em anotação àquele art.32º, nº.6, in “Constituição da República Portuguesa Anotada” de Gomes Canotilho e Vital Moreira, Coimbra Editora, 2007, volume I, a pág.523, Deve notar-se, porém, que a Constituição condiciona a legitimidade destes actos à observância dos direitos de defesa. Entende-se por direito de defesa, nestes casos, o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência, o direito de requerer que seja ouvido em segunda data, o direito à notificação da sentença e o direito ao recurso, o direito de requerer e consentir que a audiência tenha lugar na sua ausência, o direito a defensor. A situação que os autos reflectem é equiparada à prevista no nº.2 do art.334º do CPP, dado que foi o próprio arguido que requereu que a leitura da sentença tivesse lugar sem a sua presença, dispondo o seu nº.4 que Sempre que a audiência tiver lugar na ausência do arguido, este é representado, para todos os efeitos possíveis, pelo defensor, o que se harmoniza com o art.373º, nº.3, do CPP, ao prever, sob a epígrafe Leitura da sentença, que o arguido que não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído. Trata-se, igualmente, de derrogação da obrigatoriedade de presença do arguido, prevista no art.332º, nº.5, do CPP, que se não confunde, porém, com a ausência à audiência a que alude o art.333º, nº.5, do CPP, donde resulta que tão-só nos casos previstos nos seus nºs.2 e 3 do mesmo preceito, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente, motivando então que o prazo para a interposição do recurso pelo arguido conta-se a partir da notificação da sentença. E, ainda, se o arguido requereu que fosse dispensada a sua presença à leitura da sentença, o art.334º, nº.6, do CPP excepciona a necessidade de notificação ao arguido quando detido ou se apresente voluntariamente, afigurando-se que a imposição de notificação ao defensor é suficiente para lhe garantir que tenha cabal conhecimento da sentença e que perante esta reaja através de recurso, já que os cuidados exigidos relativamente ao julgamento na sua ausência não se colocam. Tendo, pois, como pacífico que sempre que o arguido seja julgado na ausência, terá de ser notificado pessoalmente da sentença, com a consequência de que o prazo para a interposição do recurso só desde então se iniciará, como vem sendo reconhecido na jurisprudência e à luz do disposto nos arts.333º, nº.5, e 334º, nº.6, do CPP e 32º, nºs.1 e 6, da CRP (v. entre outros, os acórdãos: desta Relação de 25.10.2005, no proc.nº.2256/05, da Relação de Lisboa de 09.05.2006, de 26.10.2006 e de 14.12.2007, respectivamente nos procs. nº.3388/2006-5, nº.7224/2006-9 e nº.9342/07-9, e do Tribunal Constitucional nº.429/2003, de 24.09, e nº.312/2005, de 08.06, todos acessíveis em www.dgsi.pt), já não se vê fundamento bastante para que, na situação, como a presente, em que esteve presente na sessão da audiência em que foi designada data para leitura da sentença, assistido por defensor e com o inerente conhecimento de quando tal se verificaria, requerendo que fosse, como foi, dispensada a sua presença, a solução deva ser idêntica. Na verdade, a razão de ser daquela necessidade de notificação pessoal não é mais do que resultado da exigência de que não veja limitado o seu direito de defesa por falta de conhecimento dos motivos que levaram à sua condenação, na perspectiva de que, tendo estado ausente, isso não constitui, todavia, motivo para que, de modo algum, seja coarctado no exercício do mesmo, só assim se cumprindo o desiderato constitucional reflectido naquele art.32º da CRP. Mas, se a situação presente é, na realidade, diversa, pois o arguido esteve presente na audiência e formulou mesmo o propósito de não comparecer à leitura da sentença, deve considerar-se notificado depois de esta ter sido lida perante o seu defensor, nos termos do referido art.373º, nº.3, do CPP, sem que se detecte que, de alguma forma, seja com tal procedimento restringida a sua possibilidade de defesa, “maxime” de recorrer. Seguindo a argumentação do acórdão do Tribunal Constitucional nº.59/99, de 02.02.1999 (www.dgsi.pt): (...) são configuráveis várias hipóteses que apontam para que as garantias de defesa de um arguido só serão plenamente adquiridas se ao mesmo for dado um cabal conhecimento da decisão condenatória que a seu respeito foi tomada. Mas, entende este Tribunal, esse cabal conhecimento atinge-se, sem violação das garantias de defesa que o processo criminal deve comportar, desde que o seu defensor – constituído ou nomeado oficiosamente -, contando que se trate do primitivo defensor, seja notificado da decisão condenatória tomada pelo tribunal (…). Na verdade, os deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre esse defensor, na vertente do relacionamento entre ele e o arguido, apontam no sentido de que o mesmo, que a seu cargo tomou a defesa daquele, lhe há-de, com propriedade, transmitir o resultado do julgamento levado a efeito (…). De harmonia com tais deveres, há-de concluir-se que o arguido, por intermédio do conhecimento que lhe é dado pelo seu defensor (aquele primitivo defensor) ficará ciente dos motivos fácticos e jurídicos que o levaram a ser considerado como agente de um ilícito criminal e da reacção, a nível de imposição de pena, que lhe foi aplicada pelo Estado, ao exercitar o seu jus puniendi. Por seu lado, resulta do acórdão do Tribunal Constitucional nº.545/2003, de 11.11, (www.dgsi.pt), reportando ao já decidido pelo acórdão do mesmo Tribunal nº.109/99, de 10.02.1999 (que não julgou inconstitucional a norma que se extrai da leitura conjugada dos arts.113º, nº.5 e 411º, nº.1 do CPP, interpretada no sentido de que com o depósito da sentença na secretaria do tribunal, o arguido que, justificadamente, não esteve presente na audiência em que se procedeu à leitura pública da mesma, deve considerar-se notificado do seu teor, para o efeito de, a partir desse momento, se contar o prazo para recorrer da sentença, se, nessa audiência, esteve presente o seu mandatário), não importar um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido nem violar o princípio das garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso quando estando o defensor do arguido presente na audiência, em que se procede à leitura pública da sentença e ao seu depósito na secretaria do tribunal, pode aí ficar ciente do seu conteúdo. E, de posse de uma cópia dessa sentença – que a secretaria lhe deve entregar de imediato – pode, nos dias que se seguirem, relê-la, repensá-la, reflectir, ponderar e decidir, juntamente com o arguido, sobre a conveniência de interpor recurso da mesma. Acrescentando que tendo em conta que a decisão sobre a eventual utilidade ou conveniência de interpor recurso, em regra, depende mais do conselho do defensor do que, propriamente, de uma ponderação pessoal do arguido, há que concluir que este pode decidir se deve ou não defender-se, interpondo, se quiser, em prazo contado da leitura da sentença que o condene, o respectivo recurso. E pode tomar essa decisão com inteira liberdade, sem precipitações e sem estar pressionado por qualquer urgência. O processo continua, pois, a ser due process of law, a fair process. Assim, na esteira do entendimento consagrado (reafirmado, entre outros, no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14.03.2007, no proc. nº.29/04.0GBFND-B.C1, também disponível em www.dgsi.pt), afigura-se que, tendo o arguido estado presente na audiência e requerido a dispensa de presença à leitura da sentença, o que lhe foi deferido, não existe fundamento para que deva beneficiar da contagem do prazo de recurso de harmonia com o previsto no art.333º, nº.5, ou no art.334º, nº.6, ambos do CPP, atendendo a que não se torna aqui necessário que seja pessoalmente notificado da sentença, mas apenas que esta seja notificada ao seu defensor. A tanto não obsta a circunstância do arguido não ter estado presente na primeira sessão da audiência (acta de fls.211), nem a de ter sido, depois da leitura da sentença, desta notificado pessoalmente. Quanto à primeira, só seria relevante se essa ausência se tivesse mantido posteriormente, o que não se verificou. Relativamente à segunda, não pode ter a virtualidade de modificar o regime legal, enquanto valorizando aspecto que não se reputa idóneo para ter criado um sentido não justificado pelas razões a que a problemática “sub judice” respeita, sem perder de vista que ao seu defensor sempre incumbiria ter cuidado, se assim o entendesse por conveniente, pela interposição de acordo com tal regime e independentemente dessa notificação. Como tal, o recurso mostra-se intempestivamente interposto, causa que determina a sua não admissão e que, por isso, obsta ao seu conhecimento. Ao abrigo do disposto no art.420º, nº.1, alínea b), do CPP, impõe-se a sua rejeição. Termos em que se decide: - rejeitar o recurso interposto pelo arguido, por ter sido interposto fora de tempo. Custas a cargo do recorrente, com a taxa de justiça em soma correspondente a 3 UC, acrescida de igual importância por força do art.420º, nº.3, do CPP. Elaborada informaticamente, em processador de texto, e integralmente revista pelo Relator. Évora, 4 de Março de 2010 __________________________________ (Carlos Jorge Viana Berguete Coelho) |