Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | GILBERTO DA CUNHA | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO VALORAÇÃO DAS DECLARAÇÕES DO CO-ARGUIDO VÍCIOS DO ART. 410.º DO CPP MEDIDA DA PENA | ||
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Data do Acordão: | 03/25/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | 1. Se um arguido prestar declarações incriminatórias de um qualquer co-arguido, estas são passíveis de valoração desde que o declarante não se furte ao contraditório (cf. n.º4 do art.345.º do CPP, ex adversu) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: RELATÓRIO. Decisão recorrida. No processo comum nº---.0GALGS do 1º Juízo do Tribunal judicial da Comarca de Lagos, os arguidos A. e V., foram acusados pelo Ministério Público da prática em co-autoria material e em concurso real de um crime de furto simples, pp. pelo art.203º do C. Penal e de um crime de furto qualificado, pp. pelos arts.203º, nº1 e 204º, nº2, al.e) do mesmo Código, sendo ainda imputado ao arguido V. a prática de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, pp. pelo art.3º, nºs 1 e 2 do DL nº2/98 de 3 de Janeiro. Realizado o julgamento perante tribunal colectivo, em 8-7-2009 foi proferido acórdão julgando parcialmente provada e procedente a acusação e em consequência decidido o seguinte: 1) Absolver o arguido A. da prática de um crime de furto qualificado, pp. pelos arts.203.º, n.º1 e 204.º, n.º2, alínea e) do C.P; 2) Absolver o arguido V. da prática de um crime de furto qualificado, pp. pelos arts.203.º, n.º1 e 204.º, n.º2, alínea e) do C.P; 3) Condenar o arguido A. pela prática, como co-autor material, de um crime de furto simples, pp. pelo art.203.º, n.º1 do C.P, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão; 4) Condenar o arguido A. pela prática, como co-autor material, de um crime furto simples, pp. pelo art.203.º, n.º1 do C.P, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão; 5) Condenar o arguido V. pela prática, como co-autor material, de um crime de furto simples, pp. pelo art.203.º, n.º1 do C.P, na pena de 2 (dois) anos de prisão; 6) Condenar o arguido V. pela prática, como co-autor material, de um crime de furto simples, pp. pelo art.203.º, n.º1 do C.P, na pena de 2 (dois) anos de prisão; 7) Condenar o arguido V. pela prática, como autor material, de um crime de condução sem habilitação legal, pp. pelo art.3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º2/98, de 3 de Janeiro, por referência aos arts.121.º e 122.º do Código da Estrada, na pena de 1 (um) ano de prisão; 8) Operar ao cúmulo jurídico das mencionadas penas parcelares, condenando o arguido A. na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, com execução se suspende pelo período de dois anos e seis meses. 9) Operar ao cúmulo jurídico das sobreditas penas parcelares, condenando o arguido V. na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; Recurso. Inconformado com essa decisão condenatória, o arguido V. interpôs o presente recurso pugnando pela sua absolvição, ou caso assim não seja entendido, pela redução da pena aplicada, rematando a motivação com as seguintes (transcritas) conclusões: A - O Acórdão ora recorrido, pelo qual o arguido é condenado pela prática de dois crimes de furto simples pp. pelo art.°203° n.°1 do C.P, e de um crime de condução sem habilitação legal, pp. pelo art.°3°, n.°s 1 e 2 do Decreto-Lei n.°2/98, de 3 de Janeiro, por referência aos art.°s 121° e 122° do Código da Estrada, é de manifesta injustiça porquanto o arguido foi condenado face a uma convicção do Tribunal a quo que carece de qualquer suporte probatório. B - Como matéria relevante para a apreciação deste recurso importa desde logo destacar a factualidade que o tribunal a quo deu incorrectamente como provada e que resultou na condenação do arguido - Artigo 412° n.°3 alínea a) do C.P.P. C - "1) A hora não concretamente apurada da noite de 23 para 24 de Fevereiro de 2007, os arguidos dirigiram-se ao Parque Industrial da Torre, em Odiáxere, no veículo de matrícula 07-049-CP, na concretização de um plano previamente elaborado com o objectivo de se apropriarem de todos os objectos que ali encontrassem e pudessem trazer consigo. 2) O condutor do veículo era o arguido V.. 3) Chegados ao supra citado Parque Industrial, os arguidos avistaram o veiculo de matrícula ---, marca Iveco, modelo 35 S 12, branco, propriedade da sociedade denominada "J., Lda" junto à loja n.°17 - "Auto Joteca". 4) Dirigiram-se a esse veiculo e desencaixaram três dos taipais laterais de alumínio que o compõem, dois com cerca de três metros de comprimentos por 50 centímetros de altura e outro com cerca de 2 metros de comprimento por 50 centímetros de altura, apresentando estes os dizeres "Mia", de valor que concretamente não foi possível apurar, e levaram-nos consigo. 5) De seguida, dirigiram-se a um depósito da sociedade denominada "W., Lda." e introduziram-se no seu interior através de um portão que se encontrava aberto. 6) Aí retiraram e levaram consigo: (...) 7) O arguido V. não é titular de carta de condução ou qualquer outro documento que o habilite a conduzir veículos motorizados." D - Esta factualidade, considerada provada no Acórdão recorrido, não tem qualquer suporte probatório, pois de todo o exposto no acórdão recorrido - em sede de fundamentação - resulta que foram consideradas como provas para a condenação do arguido V. somente as declarações do co-arguido A.. E - Assim, resulta claro face à análise da prova indicada pelo tribunal a existência de uma situação de Erro Notório na Apreciação da Prova (art.°410 n.°2 alínea c) do C.P.P), com especial relevância para o que o Tribunal recorrido refere a respeito das declarações do arguido A. que é, claramente aquilo que a si próprio favorece, especialmente no que concerne à prática do crime de condução sem habilitação legal, que o próprio também não possui e pelo qual já foi igualmente condenado. F- Existe também erro notório na apreciação da prova por violação do princípio in dubio pro reo, pois como supra se demonstrou, o tribunal a quo violou o princípio da Presunção de Inocência e o princípio in dubio pro reo, pois declara que fundou a sua convicção quanto aos factos ocorridos apenas nas declarações do arguido A., sendo que destas declarações com carácter muito pouco credível (ainda mais que se encontram de relações cortadas) e também pela posição deste co-arguido, é impossível sequer de deduzir, quanto mais de afirmar que o V. tenha cometido os factos, pelo que na dúvida deveria ter decidido em sentido favorável. G - Também quanto à medida da pena o Tribunal recorrido violou o disposto no art.°71° do C.P., porquanto - ainda que se tenha convencido que o arguido cometeu os crimes, o que não se concebe - deveria ter em atenção a falta de prova, as suas condições sócio, familiares, sendo a pena manifestamente desproporcional face a estes factores. Contra-motivou o Ministério Público no tribunal recorrido, pugnando pela rejeição do recurso por alegadamente ser extemporâneo e caso assim não se entenda pela sua improcedência, com a consequente manutenção do acórdão recorrido, concluindo nos seguintes termos: I - QUESTÃO PRÉVIA 1ª - Como se verifica do carimbo aposto a fls. 232 o acórdão foi depositado em 10-7-2009, tendo o arguido do mesmo sido notificado em 19-7-2009, tendo apresentado a Motivação em 22-9-2009. Nos termos do artigo 410 nº1 do CPP o prazo para interposição do recurso é de 20 dias, tendo em conta que como se constata da leitura da Motivação o recorrente limita-se a discordar da matéria de facto provada, não a impugnando em conformidade com o determinado no artigo 412° nºs 3 e 4 do CPP e não o tendo feito impede o tribunal ad quem de apreciar o recurso nesta perspectiva. 2º - Assim o prazo de recurso terminou em 8-9-2009, eventualmente em 11-9-2009, com a multa do artigo 145° do CPC, pelo que quando deu entrada a Motivação já havia expirado o referido prazo de 20 dias, pelo que deve o recurso ser REJEITADO, nos termos do disposto nos artigos 420° n° 1 alínea b) e 414° n° 2, ambos do CPP. Sem prescindir II - DO RECURSO 3ª - Não é verdade que para a condenação do recorrente tenham sido tomadas em conta exclusivamente as declarações, do co-arguido, (embora seja o único argumento o de o co-arguido também não ter carta de condução), como resulta do elemento literal: a convicção do Tribunal "baseou-se na consideração da globalidade da prova produzida em audiência, designadamente nas declarações do arguido A. e depois na leitura do Acórdão resulta o que cada elemento contribuiu para a convicção do Tribunal. 4ª - O facto provado sob o n° 7 resulta da informação da DGV de fls.58 dos autos, sendo a insinuação do recorrente de o co-arguido A. também não ter carta de condução e assim nunca iria admitir tal facto de total irrelevância, já que quem ia a conduzir a viatura era o recorrente como resulta por um lado de a viatura ser sua pertença como é esclarecido pelo depoimento da pessoa que lha vendeu, I., conjugado com o facto de a testemunha B. elemento da GNR que encetou perseguição ao veículo e quando este parou viu o co-arguido A. sair do lugar do pendura, o que se por um lado confirmou que este não ia a conduzir, logo era o recorrente, por outro confirma o que este co-arguido referiu. 5ª - Sendo falso que o Tribunal tenha fundamentado a sua convicção exclusivamente no depoimento do co-arguido, é verdade que o Tribunal não teve qualquer dúvida em considerar também a responsabilidade do recorrente pelo que não há erro notório na apreciação da prova por violação do princípio in dubio pro reo: não havendo dúvida não pode haver violação deste princípio. 6ª - A pena afigura-se-nos justa e adequada, tendo sido levados em conta todos os elementos do artigo 71° do Código Penal. 7ª - O douto Acórdão não violou qualquer disposição legal. Termos em que deve ser rejeitado o recurso, ou se assim não for doutamente entendido deve ser-lhe negado provimento confirmando-se o douto acórdão recorrido. Nesta Relação a Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta, considerando que é de 20 dias o prazo para interposição do recurso, o qual terminou em 8-9-2009 e que este só foi apresentado em 22-9-2009, emitiu parecer no sentido do recurso ser rejeitado. Cumprido o disposto no nº2 do art.417º do CPP respondeu o recorrente refutando a argumentação expendida, com base na qual é sustentado ser de 20 dias o prazo para interposição do recurso, bem como ter sido apresentado só em 22-9-2009, contrapondo ser de 30 dias o referido prazo e ter sido apresentado em 18-9-2009 (data da expedição do fax), concluindo que tendo o recorrente estado ausente da audiência de julgamento e tendo-lhe sido notificado o acórdão em 19-7-2009, o recurso deve ser considerado tempestivo. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência. Cumpre decidir. FUNDAMENTAÇÃO. No acórdão recorrido foi dado como provada a seguinte factualidade: A) Factos provados Produzida a prova e discutida a causa resultaram provados os seguintes factos: 1) A hora não concretamente apurada da noite de 23 para 24 de Fevereiro de 2007, os arguidos dirigiram-se ao Parque Industrial da Torre, em Odiáxere, no veículo de matrícula ---, na concretização de um plano previamente elaborado com o objectivo de se apropriarem de todos os objectos que ali encontrassem e pudessem trazer consigo. 2) O condutor do veículo era o arguido V.. 3) Chegados ao supra citado Parque Industrial, os arguidos avistaram o veículo de matrícula …, marca Iveco, modelo 35 S 12, branco, propriedade da sociedade denominada “J., Lda.”, junto à loja n.º17 – “Auto Joteca”. 4) Dirigiram-se a esse veículo e desencaixaram três dos taipais laterais de alumínio que o compõem, dois com cerca de três metros de comprimento por 50 centímetros de altura e outro com cerca de 2 metros de comprimento por 50 centímetros de altura, apresentando este os dizeres “Mia”, de valor que concretamente não foi possível apurar, e levaram-nos consigo. 5) De seguida, dirigiram-se a um depósito da sociedade denominada “W., Lda.” e introduziram-se no seu interior através de um portão que se encontrava aberto. 6) Aí retiraram e levaram consigo: - 38 (trinta e oito) peças/réguas de alumínio de cor branca e castanho de várias dimensões, pertencentes à caixilharia de portas e janelas, no valor de 38,00€; - 2 (duas) portas de correr em alumínio de cor cinzenta, com os respectivos vidros colocados, no valor de 20,00€; - 3 (três) portas de correr de alumínio, uma de cor cinzenta e duas de cor castanha, todas com rede mosquiteira, no valor total de 30,00€; - 5 (cinco) janelas de correr em alumínio, quatro de cor branca e uma de cor castanha, todas com rede mosquiteira, no valor de 50,00€; - 2 (dois) aros de janelas de correr para rede mosquiteira, no valor de 10,00€; - 2 (duas) réguas de persiana em plástico de cor branca, no valor de 10,00€. 7) O arguido V. não é titular de carta de condução ou qualquer outro documento que o habilite a conduzir veículos motorizados. 8) Ao agir como descrito, os arguidos pretendiam fazer seus os objectos que encontrassem nos locais acima descritos, o que conseguiram. 9) Sabiam que os referidos objectos não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade do seu dono. 10) Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que tais actos eram, como são, proibidos e punidos por lei. 11) Com a mesma liberdade e consciência agiu o arguido V. ao conduzir o supra identificado veículo na via pública, bem sabendo que não era titular de carta de condução e que dela necessitava para o efeito. 12) Os objectos supra referidos foram recuperados e, posteriormente, entregues aos seus donos. 13) O veículo referido em 1) corresponde a um Volkswagen, modelo Transporter, de tipo ligeiro de mercadorias. 14) O arguido A. confessou parcialmente os factos e mostrou arrependimento. 15) Por sentença proferida em 30/03/2004, transitada em 19/04/2004, no âmbito do Proc. n.º---/02.2PALGS, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Lagos, foi o arguido A. condenado pela prática, em 18/08/2002, de um crime de furto, p. e p. pelo art.203.º, n.º1 do CP, na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de 4,00€. 16) Por sentença proferida em 24/06/2005, transitada em 11/07/2005, no âmbito do Proc. n.º---/03.4PALGS, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Lagos, foi o arguido A.condenado pela prática, em 26/05/2003, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.3.º, n.º1 do DL n.º2/98, de 03/01, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 3,00€. 17) O arguido A. vive com a mãe, dois irmãos e um filho de 2 anos de idade. 18) Sofreu um aneurisma no ano de 2007 e está desempregado desde então. 19) Em virtude da referida doença, não pode fazer esforços físicos. 20) Actualmente, encontra-se internado em centro hospitalar. 21) Não aufere qualquer subsídio de desemprego. 22) A progenitora trabalha de vez em quando. 23) Por sentença proferida em 01/07/1999, já transitada, no âmbito do Proc. n.º---99.5, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Lagos, foi o arguido V. condenado pela prática, em 04/06/1999, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.3.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º2/98, de 03/01, na pena de 130 dias de multa, à taxa diária de 300$00. 24) Por Acórdão proferido em 10/07/2000, transitado em 28/09/2000, no âmbito do Proc. n.º---/00, do Tribunal Judicial de Cuba, foi o arguido V. condenado pela prática, em 24/09/1999, de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelos arts.210.º, n.ºs 1 e 2 do CP, na pena de 2 anos e 6 meses, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, com a condição de pagar ao ofendido a quantia de 25.000$00, no prazo de 6 meses. 25) Por sentença proferida em 14/02/2002, transitada em 01/03/2002, no âmbito do Proc. n.º---/02.5PAPTM, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Portimão, foi o arguido V. condenado pela prática, em 18/01/2002, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.3.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º2/98, de 03/01, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 meses. 26) Por sentença proferida em 06/05/2002, transitada em 21/05/2002, no âmbito do Proc. n.º--/02.0GALGS, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Lagos, foi o arguido V. condenado pela prática, em 29/04/2002, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.3.º, n.º 2 do DL n.º2/98, de 03/01, na pena de 1200,00€ de multa. 27) Por sentença proferida em 18/06/2003, transitada em 03/07/2003, no âmbito do Proc. n.----/98.8GALGS, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Lagos, foi o arguido V. condenado pela prática, em 26/10/1998, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.3.º do DL n.º2/98, de 03/01, e um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.204.º do CP, na pena de 14 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos e na pena de 160 dias de multa à taxa diária de 2,50€. 28) Por sentença proferida em 19/07/2004, transitada em 27/09/2006, no âmbito do Proc. n.º---/04.0GALGS, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Lagos, foi o arguido V. condenado pela prática, em 09/07/2004, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.3.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º2/98, de 03/01, na pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 4 anos. 29) O arguido V. vive com a mulher e um filho de 8 anos de idade. 30) Está actualmente desempregado, não auferindo subsídio de desemprego. 31) A mulher é empregada de mesa, auferindo mensalmente cerca de 600,00€. 32) Vivem em casa arrendada, despendendo mensalmente cerca de 80,00€ para pagamento da renda à Câmara Municipal de Lagos. B) Factos não provados Não se provaram todos os factos descritos na acusação que se não compaginam com a factualidade supra descrita e ainda que: a) O valor global dos taipais referidos em 4) era de 500,00€. b) O depósito da sociedade denominada “W., Lda.” encontrava-se vedado por uma rede e os arguidos introduziram-se no seu interior cortando a referida rede com um objecto que não foi possível identificar. O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção da seguinte forma: Motivação da decisão de facto A fundamentação das decisões judiciais, exigida constitucionalmente (art. 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa - C.R.P.) é uma das garantias inerentes ao próprio conceito de Estado de Direito Democrático (art. 2º da C.R.P.). Através da fundamentação permite-se a sindicância da legalidade do acto, pois aquela serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, actuando ainda como meio de autodisciplina da autoridade decidente, já que configura um importante meio para a obrigar a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão – assim, Germano Marques da Silva, Curso de Proc. Penal, III, 2º edição, Editorial Verbo, 2000, pág. 294. No âmbito do processo penal, a obrigação de fundamentar as sentenças está consagrada nos artigos 97º, n.º 4, e 374º, n.º 2, do Código de Processo Penal, os quais exigem que sejam especificados os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar tal convicção. A prova é, salvo quando a lei dispuser diferentemente, apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente (art. 127º do Cód. de Processo Penal). “A regra da livre apreciação da prova em processo penal não se confunde com apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de todo em todo imotivável. O julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observância a regras de experiência comum utilizando como método de avaliação da aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e controlo” (Ac. do Trib. Constitucional nº 1165/96, de 19 de Novembro; BMJ, 461, pág. 93). Os factos provados e os não provados resultaram, assim, da análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, tendo em consideração os critérios acima referidos. A convicção do Tribunal quanto aos factos provados baseou-se na consideração da globalidade da prova produzida em audiência, designadamente nas declarações do arguido A. que confirmou toda a factualidade constante da acusação, à excepção do facto do depósito da sociedade W., Lda. se encontrar vedado por uma rede e os arguidos a terem cortado para se introduzirem no seu interior, referindo que o mesmo tinha um portão aberto e que foi desse modo que se introduziram no seu interior, pelo que, na ausência de qualquer outra prova, se deram como provados os factos tal como confessados pelo arguido. Ainda no que concerne ás declarações deste arguido e mais concretamente no que respeita ao facto de ter dito que o seu irmão V. praticou consigo os factos e que era este último que conduzia o veículo naquele dia, sem ser portador de documento que o habilitasse a conduzir tal veículo, esclarecendo que o irmão comprou o veículo cerca de dois meses antes dos factos, na companhia do cunhado L., pelo preço de 500,00€, importa realçar que não existe qualquer impedimento do arguido depor nessa qualidade contra os co-arguidos no mesmo processo e, consequentemente, de valorar a prova feita por um arguido contra os seus co-arguidos (vide, neste sentido, Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição, p.869 e 870; Germano Marques da Siva, in Curso de Processo Penal, II, 3.ª edição, p.191 e 192, e Medina de Seiça, O Conhecimento Probatório do co-arguido, Coimbra, 1999, p.157). Porém, doutrina e jurisprudência têm vindo a apontar duas limitações a este entendimento: não pode valer como meio de prova o depoimento de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando, a instâncias deste outro co-arguido, o primeiro se recusar a responder, no exercício do direito ao silêncio (art.345.º, n.º4 do CPP que consagrou a jurisprudência já constante do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º524/97 e Acórdão do STJ, de 25/02/1999, in CJ, Ac. do STJ, VII, 1, p.229); e, por outro lado, uma vez que a apreciação do valor probatório do depoimento do arguido feito contra um seu co-arguido no mesmo processo ou em processo conexo deve suscitar especiais cautelas ao julgador, viola o princípio da presunção de inocência a fundamentação exclusiva da condenação na valoração do depoimento do co-arguido, sendo necessária uma corroboração probatória das declarações do co-arguido (Ac. STJ, de 12/07/2006, in www.dgsi.pt; Ac. STJ, de 07/12/2005, in CJ, Ac do STJ, XIII, 3, p.227). Contudo, como salienta o STJ no Ac. de 12/03/2008, in www.dgsi.pt, e também no seguimento do Ac. STJ, de 27/11/2007, in www,dgsi.pt, o que está em causa é a posição interessada do arguido que, assumido o seu impedimento para depor como testemunha (art.133.º do CPP), não obsta a que preste declarações, nomeadamente para esclarecer o tribunal sobre a sua responsabilidade criminal numa postura de colaboração na procura da verdade material. Sendo um meio de prova legal, cuja admissibilidade se inscreve no art.125.º do CPP (que dispõe que são admitidas as provas que não forem proibidas por lei), as declarações do co-arguido podem e devem ser valoradas no processo. Efectivamente, uma coisa são proibições de prova (verdadeiros limites à descoberta da verdade material) e outra, completamente diferente, é a valoração da prova, e na qual está implícita uma apreciação de credibilidade da prova produzida em termos legais. Portanto, a questão que se coloca neste caso é, como em relação a todos os meios de prova, uma questão de credibilidade do depoimento do co-arguido, credibilidade que só pode ser apreciada em concreto face às circunstâncias em que é produzida. Assim, dizer em abstracto e genericamente que o depoimento do co-arguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova, é uma subversão das regras de produção de prova sem qualquer apoio na letra ou no espírito da lei. É evidente que, tal como em relação ao depoimento da vítima, é necessário ser muito cauteloso no momento de pronunciar uma condenação somente na declaração de co-arguido porque este pode ser impulsionado por razoes aparentemente suspeitas, nomeadamente o anseio de obter um trato judicial favorável, o ânimo de vingança, ódio ou ressentimento ou o interesse em desculpar-se mediante a incriminação de outro ou outros acusados. Nessa medida, para dissipar qualquer dessas suspeitas objectivas é razoável que o co-arguido transmita algum dado externo que corrobore objectivamente a sua manifestação incriminatória com o que deixará de ser uma imputação meramente verbal e se converte numa declaração objectivada e superadora de uma eventual suspeita inicial que pese contra a mesma (e foi nesse sentido a alteração introduzida pelo n.º4 do art.345.º do CPP, na senda do já defendido pela jurisprudência). No caso dos autos, o arguido A. prestou declarações de uma forma perfeitamente credível e consistente, tendo, aliás, assumido também a prática dos factos que se vieram a dar como provados e tendo referido que a viatura em causa foi conduzida pelo irmão, V., que não tem carta de condução, de uma forma espontânea e no seguimento do relato dos factos, esclarecendo até que não fala com o irmão há cerca de dois ou três meses porque se chatearam (afirmação que produziu de forma calma e sem qualquer indício de rancor de sua parte) não denotando as suas declarações qualquer intenção que não o esclarecimento dos mesmos e a descoberta da verdade material. Por fim, ainda se dirá que, tal como quando é exercido o direito ao silêncio, as declarações incriminadoras de co-arguido continuam a valer como prova quando o incriminado está ausente, como sucedeu no caso dos autos. Na verdade, tal ausência não afecta o direito ao contraditório – que, na fase de julgamento, onde pontifica a oralidade e imediação, pressupõe a possibilidade de o arguido, por intermédio do seu defensor, sugerir as perguntas necessárias para aquilatar da credibilidade do depoimento que se presta e infirmá-lo caso se mostre adequado –, pois estando presente o defensor do arguido o mesmo pode e deve exercer o contraditório sobre os meios de prova produzidos (arts. 63.º e 345.º do CPP) (vide neste sentido, o já citado Ac. STJ, de 12/03/2008). Por outro lado, o tribunal fundou a sua convicção igualmente nos depoimentos das testemunhas M., B. e C., agentes da GNR de Lagos, que prestaram depoimentos coerentes, espontâneos e isentos, confirmando que estava a decorrer uma operação de fiscalização de trânsito normal, no decurso da qual o veículo em causa e onde seguiam duas pessoas foi mandado parar, não tendo o condutor obedecido, pelo que se deu início à sua perseguição, até chegar referindo todavia que não chegaram a ver quem conduzia o veículo, e mais concretamente a testemunha B. esclareceu que viu o arguido A. a sair do lado direito do veículo (isto é, do lado do pendura, o que corrobora as declarações prestadas pelo co-arguido) quando, a dada altura, o veículo “empanou”, e os arguidos se colocaram em fuga. Acresce que a testemunha V. anterior proprietária do veículo utilizado na prática dos factos, também confirmou a venda do veículo, o modo como a mesma se processou e a quem foi o mesmo vendido, e de cujo depoimento, em conjugação com as declarações do co-arguido se conclui, de forma inequívoca, que o veículo utilizado nos furtos pertencia ao arguido V. Foi igualmente considerado o depoimento de J., representante legal da sociedade J., Lda. que confirmou que lhe foram retirados os taipais do veículo e que o valor dos mesmos ascendia a 3.000,00€. Sucede que quanto a este valor o depoimento da testemunha mostrou-se impreciso e inseguro, pelo que, não existindo igualmente nos autos qualquer auto de exame e avaliação dos mesmos, não foi possível apurar qual o valor daqueles objectos. E ainda o auto de apreensão, efectuada em 24/02/2007, do veículo com a matrícula ---, dos objectos furtados e dos documentos; documentos de fls.22 a 38; reportagem fotográfica de fls.41 a 47, termo de entrega dos objectos a fls.55 e 78, informação da DGV de que o arguido V. não é detentor de carta de condução a fls.58, auto de exame e avaliação de fls.97. As condições pessoais dos arguidos e os seus antecedentes criminais resultaram dos CRCs juntos aos autos a fls.138 a 146, informação de fls.200 (quanto ao arguido V:) e declarações prestadas pelo arguido A. quanto às suas próprias condições pessoais, em conjugação com o documento emitido pelo Centro Hospitalar de Lisboa. Já quanto aos factos não provados, a convicção do Tribunal resultou da circunstância de, quanto a eles, não ter sido produzida prova suficientemente consistente firme e estruturada sobre os factos em causa, de modo a poder o tribunal formular um juízo positivo isento de dúvida sobre o mesmo, e, tendo o arguido A. negado os mesmos, o tribunal considerou-os não provados. O tribunal “ a quo” procedeu à subsunção legal da factualidade supra descrita, à escolha da espécie e determinação da medida das penas do seguinte modo: Fundamentação Jurídica Vêm os arguidos acusados da prática, como co-autores materiais, de um crime de furto, p. e p. pelo art.203.º, n.º1 do CP, e de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts.203.º, n.º1 e 204.º, n.º2, alínea e), ambos do CP. Dispõe o art.203.º, n.º1 do CP que pratica o crime de furto “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia”. O bem jurídico protegido pela referida norma incriminadora é a propriedade, enquanto especial relação de facto com a coisa, como “disponibilidade da fruição da coisa com um mínimo de representação jurídica” (vide, neste sentido, José de Faria Costa, in Comentário Conimbricense do CP, t.II, Coimbra Editora, p.30). O tipo objectivo de ilícito do crime de furto é composto pelos seguintes elementos: a subtracção, de uma coisa móvel, com carácter alheio. A estes elementos expressamente previstos no art.203.º, n.º1 do C.P, há que considerar ainda um outro elemento implícito: o valor patrimonial da coisa. No que tange ao primeiro elemento do tipo objectivo, a subtracção traduz-se na conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor, contra a sua vontade, implicando, por consequência, a eliminação do domínio de facto que outrem detinha sobre a coisa, fazendo entrar no domínio de facto do agente as utilidades da coisa. Por outro lado, é necessário que esteja em causa uma coisa móvel, cuja noção se encontra no direito civil (art.205.º do Código Civil). Para efeitos penais, mais concretamente no que respeita ao crime de furto, tem-se entendido por coisa toda a substância corpórea ou incorpórea, susceptível de ser subtraída e apreendida, pertencente a alguém e que tenha um valor que, embora reduzido, não seja desprezível, sendo susceptível de causar prejuízo à pessoa lesada e, portanto, juridicamente relevante. É ainda necessário que a coisa móvel tenha carácter alheio, isto é, que “esteja ligada, por uma relação de interesse, a uma pessoa diferente daquela que pratica a infracção” (José de Faria Costa, in ob. cit., p.41), por não lhe pertencer (mesmo que não esteja determinado o proprietário) ou sequer estar sob o seu poder de guarda ou detenção. Por seu lado, dispõe o art.204.º, n.º2, alínea e) do citado diploma legal que pratica o crime de furto qualificado “Quem furtar coisa móvel alheia: (…) e) Penetrando em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas”. É escalamento “a introdução em casa ou em lugar fechado dela dependente, por local não destinado normalmente à entrada, nomeadamente por telhados, portas de terraços ou de varandas, janelas, paredes, aberturas subterrâneas ou por qualquer dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada ou passagem.” – cfr. art.202.º, alínea e) do CP. No que concerne ao tipo subjectivo do ilícito, este é constituído pelo dolo e pela ilegítima intenção da apropriação. Ou seja, para ser cometido o crime de furto, é necessário que o agente, para além do dolo genérico, tenha actuado com um determinado dolo específico. Quanto ao dolo genérico, este verificar-se-á sempre que exista conhecimento dos elementos objectivos do tipo e vontade de os realizar, em qualquer das modalidades contempladas no artigo 14º do Código Penal. No que concerne ao dolo específico, este traduz-se na ilegítima intenção de apropriação da coisa para si ou para terceiro. Como refere Maia Gonçalves (in Código Penal Português Anotado, Almedina, 16.º edição, p.664), este dolo específico preenche-se com a “intenção de o agente, contra a vontade do proprietário ou detentor da coisa furtada, se passar a comportar relativamente a ela animo sibi rem habendi, integrando-a na sua esfera patrimonial ou de outrem”. Dispõe o art.26.º do CP que é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução. Provou-se que, a hora não concretamente apurada da noite de 23 para 24 de Fevereiro de 2007, os arguidos dirigiram-se ao Parque Industrial da Torre, em Odiáxere, no veículo de matrícula ---, na concretização de um plano previamente elaborado com o objectivo de se apropriarem de todos os objectos que ali encontrassem e pudessem trazer consigo. Chegados ao supra citado Parque Industrial, os arguidos avistaram o veículo de matrícula ---, marca Iveco, modelo 35 S 12, branco, propriedade da sociedade denominada “J.,Lda.”, junto à loja n.º17 – “Auto Joteca”, dirigiram-se a esse veículo e desencaixaram três dos taipais laterais de alumínio que o compõem, dois com cerca de três metros de comprimento por 50 centímetros de altura e outro com cerca de 2 metros de comprimento por 50 centímetros de altura, apresentando este os dizeres “Mia”, todos com um valor que concretamente não foi possível apurar, e levaram-nos consigo. Mais se provou que, de seguida, se dirigiram a um depósito da sociedade denominada “W.., Lda.” e introduziram-se no seu interior através de um portão que se encontrava aberto, daí retirando e levando consigo 38 peças/réguas de alumínio de cor branca e castanho de várias dimensões, pertencentes à caixilharia de portas e janelas, no valor de 38,00€; 2 portas de correr em alumínio de cor cinzenta, com os respectivos vidros colocados, no valor de 20,00€; 3 portas de correr de alumínio, uma de cor cinzenta e duas de cor castanha, todas com rede mosquiteira, no valor total de 30,00€; 5 janelas de correr em alumínio, quatro de cor branca e uma de cor castanha, todas com rede mosquiteira, no valor de 50,00€; 2 aros de janelas de correr para rede mosquiteira, no valor de 10,00€; 2 réguas de persiana em plástico de cor branca, no valor de 10,00€. E ainda que, ao agir como descrito, os arguidos pretendiam fazer seus os objectos que encontrassem, o que conseguiram, sabendo que os referidos objectos não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade do seu dono e agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que tais actos eram, como são, proibidos e punidos por lei. Todavia, não se provou que o depósito da sociedade denominada “W…, Lda.” se encontrava vedado por uma rede e que os arguidos se introduziram no seu interior cortando a referida rede com um objecto que não foi possível identificar, pelo que quanto ao crime de furto qualificado que lhes era imputado na acusação, não se provaram todos os seus elementos constitutivos, pelo que, quanto a esse, devem os arguidos ser apenas condenados pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo art.203.º, n.º1 do CP. Pelo exposto, dado que não existem causas de justificação da ilicitude ou de exclusão da culpa, conclui-se que os arguidos são jurídico-penalmente responsáveis pela prática, como co-autores materiais, de dois crimes de furto simples, p. e p. pelo art.203.º, n.º1 do CP, pois preencheram, com as suas condutas, os aludidos elementos constitutivos do mesmo. Vem ainda o arguido V. acusado da prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.3.º, n.º2 do Decreto-Lei n.º2/98, de 3 de Janeiro. Para que se possa responsabilizar criminalmente o arguido torna-se necessário que se encontrem preenchidos todos os elementos constitutivos do tipo legal de crime que lhe é imputado. Assim, nos termos do art.3.º, n.º1 do citado diploma legal, “Quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.” Por outro lado, dispõe o n.º2 da referida norma que “Se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.” Trata-se de um crime de perigo abstracto, em que a própria acção é, em si mesma, considerada perigosa, segundo a experiência comum aceite pelo legislador, sem que o tipo penal exija a existência de um perigo em resultado da acção. Isto é, como crime abstracto que é, este ilícito não exige, para a sua consumação, que se prove uma concreta situação de perigo para determinados bens jurídicos, bastando a prova de que o agente conduzia um veículo automóvel (no caso concreto dos autos) sem para tal estar habilitado. São, pois, elementos objectivos deste crime a acção de condução, de um automóvel, em via pública ou equiparada e a falta de título legal que habilite a condução do aludido veículo. O título legal que habilita a condução de automóvel ligeiro de mercadorias (cfr. arts.105.º e 106.º, n.ºs1 e 2, alínea b) do CE) denomina-se carta de condução, nos termos dos arts.122.º, n.º1 e 123.º do Código da Estrada. No caso vertente, ficou provado que o arguido V. conduziu o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ---, sem ser titular de carta de condução ou qualquer outro documento que o habilite a conduzir veículos motorizados. Mais se provou que o arguido agiu livre e conscientemente ao conduzir o supra identificado veículo na via pública, bem sabendo que não era titular de carta de condução e que dela necessitava para o efeito, encontrando-se verificado o elemento subjectivo do tipo legal, ou seja, o dolo – cfr. art.14.º do CP. Dado que não existem causas de justificação da ilicitude ou da exclusão da culpa, conclui-se, de forma inequívoca, que o arguido V. é jurídico-penalmente responsável pela prática do crime pelo qual se mostra acusado pois preencheu, com a sua conduta, os aludidos elementos constitutivos do crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.3.º, n.º2 do Decreto-Lei n.º2/98, de 3 de Janeiro. Determinação da medida da pena A aplicação de uma pena criminal visa a protecção dos bens jurídicos (protecção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), sem que a sua medida ultrapasse a medida de culpa do agente, nos termos do art.40.º, n.ºs1 e 2 do C.P. Na determinação da medida concreta da pena, a primeira operação consiste em, enquadrados juridicamente os factos, encontrar a moldura penal abstracta que lhes corresponde. O crime de furto previsto no art.203.º, n.º1 do C.P é punível com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. O crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal é punível com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias (cfr. art.3.º, n.º2 do Decreto-Lei n.º3/98, de Decreto-Lei n.º2/98, de 3 de Janeiro. Sendo os crimes em causa puníveis, em alternativa, com pena de prisão ou pena de multa, cumpre, em primeiro lugar, determinar a pena a aplicar. Para tanto, deve atender-se ao disposto no art.70.º do C.P, de acordo com o qual o tribunal dá preferência à pena não privativa da liberdade sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Resulta do art.40.º do CP que, a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa. Pode, assim, afirmar-se que a medida da pena se situa entre o ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e o limite imposto pela culpa do agente, sendo dentro desses parâmetros que deve ser considerada a prevenção especial de socialização (cfr., neste sentido, Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, p.227 a 231). Atendendo aos vários crimes por que ambos os arguidos já foram condenados no passado, entende o tribunal que apenas a pena privativa de liberdade realiza de forma adequada as finalidades da punição, a qual é a única que se afigura adequada ao restabelecimento da paz jurídica, afectada pela prática dos crimes, oferecendo um nível satisfatório de estabilização das expectativas da comunidade na validade da norma infringida. Ora, determinada a natureza da pena a aplicar, e optando-se pela pena de prisão, a moldura penal a ter em conta é de 1 mês no seu limite mínimo e 3 anos no seu limite máximo, quanto aos crimes de furto simples, e de um mês no seu limite mínimo e de 2 anos no seu limite máximo quanto ao crime de condução sem habilitação legal – cfr. art.41.º, n.º1 do C.P em conjugação com as respectivas normas incriminadoras. Portanto, tendo em conta as já supra aludidas molduras penais, estabelece o art.71.º do CP que a determinação da medida concreta da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente. A culpa traduz a vertente pessoal do crime, entendida no seu sentido comum, isto é, o juízo de censura que é possível dirigir ao agente por não se ter comportado, como podia, de acordo com a norma, e vista em concreto, como culpa pelo concreto ilícito praticado. A prevenção significa, por um lado, prevenção geral positiva, e prevenção especial de socialização. Quanto aos dois crimes de furto, as exigências de prevenção geral in casu, mostram-se elevadas, uma vez que é por demais evidente o aumento da prática deste tipo de crime, sendo elevadas as necessidades de prevenção geral, quer relativamente ao reforço da consciência jurídica comunitária, quer no que respeita ao sentimento de segurança face à violação de uma norma. O grau de ilicitude é mediano, tendo em atenção o valor dos objectos furtados e o modo de execução dos crimes. Por outro lado, os arguidos agiram com dolo directo e por isso de intensidade elevada. A favor dos arguidos, os objectos furtados foram recuperados e entregues aos seus donos. Mais concretamente, no que respeita ao arguido A,, importa reter que o mesmo confessou os factos e mostrou-se arrependido. Está familiarmente inserido e padece de doença que não lhe permite fazer esforços. Já foi condenado, no ano de 2004, pela prática, em Agosto de 2002, de um crime de furto, p. e p. pelo art.203.º, n.º1 do CP, na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de 4,00€; e no ano de 2005, foi condenado pela prática, em Maio de 2003, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.3.º, n.º1 do DL n.º2/98, de 03/01, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 3,00€. A anterior condenação pela prática de crime idêntico demonstra que a pena aplicada nesses autos não se mostrou suficiente para obstar a que o arguido incorresse na prática de novos crimes, pelo que as exigências de prevenção especial se mostram elevadas. Quanto ao arguido V., este também está familiarmente inserido mas o mesmo não sucede profissionalmente. Por outro lado, já foi condenado anteriormente, no ano de 2000, pela prática, em Setembro de 1999, de um crime de roubo qualificado na pena de 2 anos e 6 meses suspensa pelo período de 3 anos; e em 2003, pela prática, em Outubro de 1998, de um crime de furto qualificado na pena 14 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, o que, igualmente demonstra que as duas penas anteriormente aplicadas não foram suficientes para o dissuadir da prática de novos crimes contra bens patrimoniais. Ainda quanto ao arguido V., no que respeita ao crime de condução sem habilitação legal, importa atentar nas prementes exigências de prevenção geral, atendendo aos elevadíssimos índices de sinistralidade nas estradas portuguesas), à sua situação pessoal supra referida, e ao facto do arguido já apresentar cinco anteriores condenações pela prática de crime idêntico: no ano de 1999, pela prática, em Junho desse ano, na pena de 130 dias de multa, à taxa diária de 300$00; em 2002, foi novamente condenado pela prática do mesmo crime, em Janeiro desse ano, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 meses; ainda em 2002 foi novamente condenado pelo mesmo crime, praticado em Abril de 2002, na pena de 1.200,00€ de multa; em 2003, novamente condenado pela prática do referido crime, em Outubro de 1998, na pena de 160 dias de multa à taxa diária de 2,50€; em 2004, pela prática, em Julho de 2004, desse crime na pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 4 anos. Donde se conclui que a censura penal tal como foi traçada nas respectivas decisões não se mostrou eficaz, sendo visível a insensibilidade do arguido pelas penas aí cominadas, circunstância que agrava os limites da culpa e as exigências de prevenção especial. Em face destes elementos e em conclusão, consideramos adequado e proporcional aplicar ao arguido A. a pena de 20 (vinte) meses de prisão para cada um dos crimes de furto, e a V., a pena de 2 (dois) anos de prisão para cada um dos dois crimes de furto simples, e ainda a pena de 1 (um) ano de prisão pela prática do crime de condução sem habilitação legal, penas estas que se mostram adequadas a incutir-lhes a necessidade de respeitar os bens jurídicos envolvidos e se afiguram consentâneas com a medida das suas culpas. Cúmulo jurídico: Atento o disposto no art.77.º, n.º1 do C.P, “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena.” Ora, é precisamente esta situação que se verifica nos presentes autos quanto aos arguidos, pelo que importa, portanto, apurar a pena única a aplicar ao mesmo. Dispõe, ainda, o art.77.º, n.º1 do citado diploma legal que na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Por outro lado, nos termos do n.º2 do art.77.º do CP, a pena única aplicada tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo ultrapassar os 900 dias de multa (tratando-se de pena de multa), e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. Assim sendo, a pena única a aplicar ao arguido A. tem de situar-se entre 1 ano e 8 meses de prisão e os 3 anos e 4 meses de prisão. E a pena única a aplicar ao arguido V. tem de situar-se entre os 2 anos e os 5 anos de prisão. Em conclusão, operando o cúmulo jurídico das penas parcelares com os critérios estabelecidos no art.77.º do Código Penal, atendendo à personalidade dos arguidos e ao grau de ilicitude dos factos numa perspectiva conjunta, atentas as circunstâncias já explanadas no momento da determinação concreta das penas parcelares e muito concretamente no que concerne às suas condições pessoais de vida e aos seus antecedentes criminais, entendemos adequado condenar o arguido A. na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e o arguido V. na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão. Dispõe o art.50.º do CP que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.” Portanto, as penas de prisão aplicadas aos arguidos podem ser suspensas na sua execução, importando desde logo averiguar se essas suspensões são adequadas. Este juízo de prognose consiste num juízo acerca da suficiência e adequação da simples censura do facto e da ameaça de prisão para realizarem as finalidades da punição (ou seja, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – art.40.º, n.º1 do CP), tendo em atenção a personalidade do agente, as suas condições de vida, na sua conduta anterior e posterior ao crime e nas circunstâncias do crime. Subjacente à decisão de suspensão da execução da pena está um juízo de prognose favorável sobre o futuro comportamento do arguido, ou seja, quando se possa prever que o mesmo não cometerá futuros crimes. “Na suspensão da execução da pena (de prisão) não são as considerações sobre a culpa do agente que devem ser tomadas em conta, mas antes juízos prognósticos sobre o desempenho da sua personalidade perante as condições de vida, o seu comportamento e bem assim as circunstâncias de facto que permitam ao julgador fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas” (cf., Ac. STJ, de 25/06/2003, CJ STJ, ano XXI, tomo II, p.21”. E decidiu ainda o Ac. Relação de Guimarães, de 12/01/2009, in www.dgsi.pt, que a suspensão da pena de prisão “é um poder-dever e tem de assentar num juízo de prognose antecipado que seja favorável ao arguido. Sempre que haja razões fundadas e sérias para acreditar que o agente, por si só, evitará o cometimento de novos crimes, deve decretar-se a suspensão. Quando, pelo contrário, se deva duvidar dessa capacidade, há-de denegar-se a suspensão.” Porém, apesar da conclusão sobre esse juízo de prognose, a suspensão da execução não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime, enquanto prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Assim, e ainda que se entenda que não é provável que o agente incorra na prática de crimes semelhantes àqueles por que foi condenado, pode o tribunal concluir por “um prognóstico favorável à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização” mas rejeitar a suspensão “por considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico” (cf. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, p.344), isto é, rejeitar a suspensão pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas comunitárias na manutenção da vigência da norma violada, e no restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime. No que concerne ao arguido A. importa considerar que o arguido confessou parcialmente os factos e mostrou-se arrependido, está familiarmente inserido, padece de doença que não lhe permite ter esforços físicos. Por outro lado, apesar de apresentar como antecedentes criminais a condenação pela prática de um crime de furto, p. e p. pelo art.203.º, n.º1 do CP, na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de 4,00€; e no ano de 2005, uma condenação pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.3.º, n.º1 do DL n.º2/98, de 03/01, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 3,00€, mais tais factos remontam já aos anos de 2002 e 2003, respectivamente. Assim, no caso dos autos, postulam-se, efectivamente, razões ponderosas que justificam a suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido, porquanto a personalidade do arguido não se revela totalmente desvinculada do direito nem inviabiliza um juízo de prognose favorável quanto à sua reinserção social, podendo concluir-se que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam, ainda, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, não se justificando a execução efectiva da pena de prisão, com vista a viabilizar a sua integração social, devendo antes ser esta suspensa, pelo período de 2 anos e 6 meses (cfr. arts.50.º, 70.º, 71.º e 40.º do C.P.). Já no que respeita à situação do arguido V., esta merece efectivamente tratamento diferenciado. O arguido está igualmente inserido familiarmente, mas não profissionalmente. Por outro lado, apresenta um extenso rol de condenações anteriores: - no ano de 1999, pela prática, em Junho desse ano, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 130 dias de multa, à taxa diária de 300$00; - no ano de 2000, pela prática, em Setembro de 1999, de um crime de roubo qualificado na pena de 2 anos e 6 meses suspensa pelo período de 3 anos; - no ano de 2002, pela prática, em Janeiro desse ano, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 meses; - no ano de 2002, pela prática, em Abril de 2002, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 1.200,00€ de multa; - no ano de 2003, pela prática, em Outubro de 1998, de um crime de furto qualificado na pena 14 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, e de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 160 dias de multa à taxa diária de 2,50€; - no ano de 2004, pela prática, em Julho de 2004, do crime de condução sem habilitação legal, na pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 4 anos. Donde se concluir que, embora já lhe tendo sido dadas várias oportunidades com a aplicação de penas de prisão suspensas na sua execução, mais concretamente, quatro penas de prisão suspensas, ainda assim o arguido persistiu em continuar a praticar crimes, pelo que não é razoável concluir que a simples ameaça de prisão o irá dissuadir da prática de novos crimes, uma vez que o não conseguiu das anteriores quatro vezes. Na verdade, todas estas considerações justificam a recusa da suspensão da execução da pena de prisão, não se podendo concluir, perante os seus antecedentes criminais, o seu comportamento e personalidade, e as suas condições de vida que a simples ameaça da prisão evita a prática de futuros crimes. Em face destas circunstâncias, entendemos que o cumprimento efectivo de pena de prisão é o único meio capaz de repor a confiança nos demais concidadãos na validade e na vigência das normas violadas e para repor a paz jurídica, sendo igualmente o único meio para fazer com que o arguido não volte a cometer factos de idêntica natureza ou de outra natureza criminal, de tal modo que nem com regime de prova, deveres e regras de conduta se configura a possibilidade de ressocialização do arguido. Assim, decide-se não suspender a pena aplicada ao arguido V.. Nos termos do disposto no art.109.º, n.º1 do CP, uma vez que o veículo de matrícula ----apreendido nos autos foi utilizado para a prática de um crime, existindo sérios riscos do mesmo vir a ser utilizado para a prática de novos factos ilícitos típicos, deve o mesmo ser declarado perdido a favor do Estado. Apreciando. Poderes de cognição deste tribunal. Objecto dos recursos. Questões a examinar. Questão prévia: Antes do mais importa examinar a questão prévia suscitada pelo recorrido/Ministério Público na 1ª Instância e no parecer emitido nesta Relação pela Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta, sobre a intempestividade do recurso interposto pelo arguido V. Sustentam os Dignos Magistrados do Ministério Público na 1ª Instância e nesta Relação que o recurso interposto pelo arguido V., é extemporâneo, porquanto o prazo para a sua apresentação é de 20 dias (e não de 30 dias), já que entendem dever ser de rejeitar liminarmente o recurso no tocante à impugnação da matéria de facto por inobservância do ónus de especificação constante dos nºs 3 e 4 do art.412º do CPP, o qual terminou em 8-9-2009. Vejamos. Nos termos dos nºs 1 e 4 do art.411º do CPP, na redacção introduzida pela Lei nº48/2007 de 29 de Agosto, o prazo de interposição de recurso é de 20 ou 30 dias, consoante o recurso não tiver ou tiver por objecto a reapreciação da prova gravada. Se houver lugar a esta o prazo é de 30 dias e se não houver o prazo é de 20 dias. Nos casos em que o recorrente pretenda impugnar amplamente a matéria de facto, o que implica a reapreciação da prova gravada, mas por falta ou deficiente cumprimento do ónus de especificação decorrente dos nº3 e 4 do art.412º do CPP, tal não vir a suceder, ficando os poderes do tribunal “ad quem” restringidos à matéria de direito, sem prejuízo da impugnação da matéria de facto mas restrita aos vícios enunciados no nº2 do art.410º do CPP, o prazo de interposição de recurso não passa a ser de 20 dias. O que releva para a determinação do prazo de interposição do recurso é se o recorrente manifestou pretender o reexame amplo da matéria de facto, independentemente de o ter feito em devida e boa forma, com observância daquele ónus. Emerge da minuta de recurso que o arguido ao interpor o presente recurso, com ele pretende também impugnar amplamente a matéria de facto, não obstante não ter observado com todo o rigor o referido ónus de especificação previsto nos nº3 e 4 do art.412º do CPP, pelo que é de 30 dias o prazo de interposição do recurso. O recorrente não esteve presente na audiência de julgamento, tendo este decorrido na sua ausência, pelo que tinha-lhe se ser notificado pessoalmente a sentença proferida, como foi, o que sucedeu em19-7-2009, contando-se a partir dessa data o prazo para interposição do recurso (art.333º, nº5 do CPP). Assim, o termo final do prazo de 30 dias ocorreu em 18-9-2009. O recurso foi remetido para o tribunal por fax expedido em 18-9-2009 (cfr.fls.242/254), tendo o respectivo original dado entrada em juízo em 22-9-2009. Quando, como é o caso, o acto tenha sido apresentado em juízo através de telecópia, vale como data da sua prática o da expedição. Deste modo, o recurso foi apresentado nesse prazo, pelo que teremos de concluir pela sua tempestividade, improcedendo a questão prévia suscitada. Prosseguindo. Tendo sido documentadas, através de gravação em suporte magnético as declarações e depoimentos prestados oralmente na audiência de julgamento, este Tribunal em princípio, pode conhecer de facto e de direito (arts.363º, 364º e 428º do CPP com as alterações introduzidas pela Lei nº48/2007 de 29/8). Todavia, o erro de julgamento e o consequente reexame da matéria de facto não é de conhecimento oficioso. Com efeito, quando o recorrente pretenda impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos prescritos no nº3 do art.412, do CPP, deve especificar: A) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; B) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, C) As provas que devem ser renovadas. Acrescenta o nº4 desse preceito, com a alteração introduzida à norma supracitada pela mencionada Lei nº48/2007, de 29/8, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações nas previstas nas alíneas a) e b) do nº3 do art.412º, fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº2 do art.364º (indicação do início e termo de cada declaração), devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. Apesar da minuta do recurso estar longe de poder ser considerada modelar em sede de impugnação da matéria de facto, nomeadamente no que concerne às conclusões, que não se mostram elaboradas com inteira observância do ónus de especificação imposto nos nºs 3 e 4 do art.412 do CPP, ainda assim, com algum esforço suplementar, é perceptível dentro dos pontos de facto dados como provados no acórdão recorrido que o recorrente menciona transcrevendo-os, o que em concreto neles considera incorrectamente julgado e os motivos que na sua óptica impõem decisão diversa, pelo que tendo presente os princípios da celeridade e da economia processual julga-se dispensável o convite ao aperfeiçoamento, conhecendo-se da impugnação da matéria de facto, nos termos invocados. Sendo o objecto do recurso, como é sobejamente sabido e constitui jurisprudência uniforme, delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da correspondente motivação (art.412º, nº1 do CPP) as questões a examinar que reclamam solução, elencadas por ordem preclusiva sem prejuízo de outras que sejam de conhecimento oficioso, consistem em saber: 1º. Da admissibilidade da valoração das declarações do arguido A. na parte em que ele imputa ao recorrente a co-autoria nos crimes de furto em causa e a ser o condutor do veículo e da insuficiência dessas declarações para fundamentar a sua condenação pela prática desses crimes (furtos e condução de veículo automóvel sem habilitação legal); 2º. Se na avaliação da prova foi violado o principio “in dubio pro reo” o recorrente deve ser absolvido em obediência a esse princípio. 3º. Se o acórdão recorrido enferma do erro notório na apreciação da prova, ou de algum dos outros dos vícios prevenidos no art. 410 n.º2, alin. a), b) e c) do CPP; 4º. Se as penas parcelares e única são excessivas e desproporcionadas e consequentemente se devem ser reduzidas. Examinemos pela ordem indicada as questões enunciadas. 1ª. Questão: Da admissibilidade da valoração das declarações do arguido A. na parte em que ele imputa ao recorrente a co-autoria nos crimes de furto e a ser o condutor do veículo e da insuficiência dessas declarações para fundamentar a sua condenação pela prática desses crimes (furtos e condução de veículo automóvel sem habilitação legal). Alega o recorrente que a sua condenação pela prática como co-autor dos crime de furto e autor do crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, a que se reportam os ponto nº1 a 7 dos factos dados como provados no acórdão recorrido, se estriba unicamente nas declarações do co-arguido A. e que tal prova não deve ser julgada suficiente para a sua condenação por tais crimes, tanto mais, que ambos estão de relações cortadas. Vejamos. Liminarmente, importa desde logo precisar que a convicção do julgador quanto aqueles factos não se funda exclusivamente nas declarações do co-arguido A. Na verdade, a falta de título que habilitasse o recorrente a conduzir o veículo automóvel em causa, radica na informação prestada pela (então) DGV através do ofício que está junto a fls.58 dos autos. As declarações de co-arguido sobre factos desfavoráveis a outro, são um meio de prova válido, sujeito à livre a apreciação do julgador, salvo se aquele depois de prestar essas declarações se recusar a responder a perguntas e esclarecimentos que lhe sejam formulados (art.345º, nº4 do CPP). O arguido pode prestar declarações tanto incriminatórias contra qualquer arguido como de outra ordem, a avaliar pelo que se estipula no art. 343.º do CPP, segundo o qual, o arguido pode prestar declarações em qualquer fase da audiência desde que referidas ao objecto do processo, sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo. Da conjugação deste preceito com o art. 344.º ressalta também que o arguido pode confessar ou negar os factos, indicar causas que possam excluir a ilicitude ou culpa, bem como quaisquer circunstâncias que interfiram na definição da sua responsabilidade ou medida concreta da pena, nessa postura processual cabendo a prestação de declarações que desfavoreçam o co-arguido. Apesar de ao arguido ser reservado, sem prejuízo individual, o direito ao silêncio, de não ser ajuramentado e de não ser obrigado a responder às perguntas que lhe são feitas, nos termos do art. 343.º do CPP, pode querer concorrer para a descoberta da verdade, como manifestação de um sentimento de dignidade, auto-incriminando-se ou terceiros, não vedando a lei esta postura. É por demais consabido que os arguidos podem usar de vingança ou desresponsabilizar-se recíproca ou multilateralmente, mas isso só significa que o tribunal deve estar atento, usando de cautela na valoração das provas (cf. ac. do STJ de 20.6.2001, in CJ/STJ, tomo II, pag. 233). Claro está, que na sequência da jurisprudência que vinha já fazendo vencimento o legislador na revisão do CPP operada pela Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto, veio acolher no nº4 do citado art.345º, que se o arguido prestar declarações incriminatórias contra qualquer co-arguido, estas nessa medida só são válidas se o arguido não se furtar ao contraditório, não valendo contra o co-arguido se esse contraditório não puder ser estabelecido, nomeadamente pela ou recusa do arguido produtor da prova. Na verdade, já antes daquela alteração normativa a jurisprudência vinha entendendo que estava vedado ao tribunal valorar as declarações de um co-arguido, proferidas em prejuízo de outro co-arguido quando, a instâncias deste, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio, sob pena de violação do art. 32º, n.º 5 da CRP. Mas há ainda quem entenda que as declarações desfavoráveis aos demais co-arguidos, pela sua fragilidade, decorrente de eventual conflito de interesses e de antagonismo entre si, devem ser submetidas a tratamento específico e retiradas do alcance do regime normal da livre apreciação da prova. E o Supremo Tribunal de Justiça, vem a tal propósito entendendo dever exigir-se respeito pelo estatuto de arguido (incompatível com o juramento próprio das testemunhas e com a vinculação ao dever de responder com verdade) e pelo princípio do contraditório (concretizado na possibilidade conferida ao defensor do arguido de formular perguntas ao co-arguido por intermédio do presidente do tribunal, visando as declarações prestadas, na medida em que afectem o arguido por si representado), além de cautelas especiais na valoração dessas declarações que, de um modo geral, se reconduzem à exigência de corroboração. Como nos dá conta Medina de Seiça, in “ O Conhecimento Probatório do Co-Arguido”, Studia 42, Coimbra Editora, entre as soluções propostas para modular doutrinal e normativamente o particular regime das declarações do co-arguido, avulta a doutrina da corroboração, com o que se quer significar «a existência de elementos oriundos de fontes probatórias distintas da declaração que, embora não se reportem directamente ao mesmo facto narrado na declaração, permitem concluir pela veracidade desta”. Significa que as declarações do co-arguido só podem fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando existe alguma prova adicional a tornar provável que a história do co-arguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações. [1] Ou, noutros termos, a exigência de corroboração significa que as declarações dos co-arguidos nunca podem, só por si, e por mais inequívocas e credíveis que sejam, suportar a prova de um facto criminalmente relevante. Exige-se para tanto que as declarações sejam confirmadas por outro autónomo contributo que “fale” no mesmo sentido, em abono daquele facto. A regra da corroboração, como salienta Medina de Seiça, ob. citada, a fls.226, “não constitui uma regra legal no sentido de impor um juízo, de dar por assente um determinado resultado probatório apenas pelo facto dele ser oriundo desta ou daquela fonte de valor tarifado. Traduz-se, antes, numa exigência acrescida de verificação de um material probatório, que não pode sustentar, por si só, enquanto narração de um dado enunciado factual, o juízo valorativo e consequente decisão, pois requer uma confirmação adicional para que tal enunciado, já considerado atendível de um ponto de vista intrínseco, possa ser apresentado como razão de convencimento.” No caso sub judice, não vem alegado, nem se constata da acta da audiência de julgamento que o arguido A. depois de ter feito as suas declarações, incriminando-se a si próprio e ao co-arguido, ora recorrente V., se tenha recusado submeter-se ao contraditório, negando-se a responder a qualquer pergunta ou esclarecimento. Como é sublinhado no acórdão recorrido e corroborado pela jurisprudência citada do STJ, ausência do co-arguido não afecta o direito ao contraditório – que, na fase de julgamento, onde pontifica a oralidade e imediação, pressupõe a possibilidade de o arguido, por intermédio do seu defensor, sugerir as perguntas necessárias para aquilatar da credibilidade do depoimento que se presta e infirmá-lo caso se mostre adequado –, pois estando presente o defensor do arguido o mesmo pode e deve exercer o contraditório sobre os meios de prova produzidos (arts. 63.º e 345.º do CPP) (vide neste sentido, o já citado Ac. STJ, de 12/03/2008). Por outro lado, como também é asseverado no douto acórdão sob censura, o arguido A. prestou declarações de uma forma perfeitamente credível e consistente, tendo, aliás, assumido também a prática dos factos que se vieram a dar como provados e tendo referido que a viatura em causa foi conduzida pelo irmão, V. que não tem carta de condução, de uma forma espontânea e no seguimento do relato dos factos, esclarecendo até que não fala com o irmão há cerca de dois ou três meses porque se chatearam (afirmação que produziu de forma calma e sem qualquer indício de rancor de sua parte) não denotando as suas declarações qualquer intenção que não o esclarecimento dos mesmos e a descoberta da verdade material. Ora, não obstante efectivamente o arguido A. e o seu irmão e co-arguido, ora recorrente V., não falarem um com o outro desde há cerca se 2/3 meses, o que foi referido por aquele de forma espontânea na audiência de julgamento, tal circunstância não foi julgada idónea de modo a retirar a credibilidade às declarações que prestou nessa sede, pois segundo foi constatado pelos julgadores, isso foi referido sem qualquer rancor, não denotado qualquer outra intenção que não fosse o esclarecimento da verdade. Se assim foi percepcionado e entendido pelos julgadores na 1ª Instância, que beneficiando da oralidade e imediação em toda a sua plenitude, atribuíram credibilidade às declarações do arguido A., este tribunal de recurso só poderia censurar essa convicção se ficasse demonstrado, o que não acontecesse, que tal opção é inadmissível face às regras da experiência comum [2] . Por isso que este Tribunal ad quem, sem os benefícios que inegavelmente conferem a imediação e a oralidade que bafejaram o Tribunal recorrido (sem a cor nem o cheiro que não ressumam das gravações), não pode desconsiderar depoimentos que foram considerados ou considerar declarações que foram, em 1.ª instância, desconsideradas, sem razões sustentáveis, a partir, designadamente, das gravações do julgamento realizado. È que existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes e declarantes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados ou valorizados por quem os presencia, os quais escapam à gravação ou ao registo, o que não afasta a necessidade do tribunal indicar os fundamentos suficientes para permitir o controlo da razoabilidade da convicção gerada, apelando para as regras da experiência, da lógica e da ciência. Como se afirmou no acórdão da Relação do Porto proferido no recurso nº. 9920001 (também reproduzido no Ac. Rel. Porto de 5/6/2002, proc. 0210320, in www.dgsi.pt) “a actividade dos juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão. Por isso, a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (inclusive, os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a mesma estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente”. Isto é, a percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a imediação das provas, sendo certo que, não raras vezes, o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos, resultando antes da conjugação lógica de outros elementos probatórios, que tenham merecido a confiança do tribunal. Assim, a reapreciação pelo Tribunal da Relação das provas gravadas, só pode abalar a convicção acolhida pelo tribunal de 1ª Instância, caso se verifique que a decisão sobre a matéria de facto não tem qualquer fundamento nos elementos de prova constantes do processo ou está profundamente desapoiada face às provas recolhidas”. Com efeito, a prova gravada não consente a percepção do que aconteceu em toda a sua plenitude, não gravando, os olhares, os esgares, as hesitações, o recado feito de personagem com papel bem desempenhado. Nesta matéria, não é demais relembrar, que assume primordial relevância a imediação, isto é, a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão. Só esse contacto vivo permite avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações e depoimentos prestados. Isto é, a percepção dos depoimentos e declarações só é perfeitamente conseguida com a imediação das provas. Por outro lado diremos também que, dependendo o juízo de credibilidade da prova por declarações do carácter e probidade moral de quem as presta e não sendo tais atributos apreensíveis, em princípio, mediante exame e análise da gravação áudio onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto com as pessoas, é evidente que o tribunal superior, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal a quo. Assim, pelos motivos explanados não nos merece qualquer reparo a atribuição de credibilidade conferida na 1ª Instância às declarações prestadas pelo arguido A. Acresce ainda dizer, que as suas declarações são corroboradas, por factos periféricos com aptidão para demonstrarem a verosimilhança desse relato e por conseguinte, no que aqui releva, ter sido o recorrente o condutor do veículo nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido, bem como a sua comparticipação como co-autor dos furtos a que se reporta essa materialidade. Na verdade, pertence ao arguido, ora recorrente o veículo utilizado para transportar os objectos que haviam sido ilicitamente subtraídos aos respectivos donos. O arguido/recorrente estava com o co-arguido V. no momento da intercepção por elementos da GNR, desse veículo em que ambos se faziam transportar. Nesse momento foi presenciado por um desses elementos daquela força de segurança [que depôs na audiência de julgamento], que na mencionada viatura apenas se faziam transportar duas pessoas e que o V., saiu do lado do pendura, o que logicamente pressupõe, ser o outro ocupante o condutor. Assim, não nos merece qualquer reparo a convicção alcançada pelo tribunal “ a quo”, no tocante a materialidade dada como provada, no que concerne aos pontos nº1 a 7 a que se reporta o recorrente, nomeadamente no que tange à sua comparticipação que neles lhe é atribuída no respeita aos furtos e a ser ele o condutor do veículo nas circunstâncias referidas, que salvo o devido respeito, foi formada segundo os ditames supra referidos, respeitando os limites impostos pelas regras da experiência comum, logrando através da conjugação e concatenação dos elementos probatórios em que se alicerça, obter a certeza exigida para que essa materialidade fosse dada como provada. 2ª. Questão: Da alegada violação do principio “in dubio pro reo”. Como é sobejamente sabido, o princípio do “in dubio pro reo” é um corolário da presunção de inocência, consagrada constitucionalmente no art.32º nº2 da CRP. Integra uma norma directamente vinculante e constitui um dos direitos fundamentais dos cidadãos. (cfr.arts.18º nº1, da CRP; 11º, da Declaração Universal dos Direitos do Homem; 6º nº2, da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos e Liberdades Fundamentais e 14º nº2, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos). Tem o seu campo natural e lógico na apreciação da prova. Com efeito, enquanto não for demonstrada a culpabilidade do arguido, não é admissível a sua condenação. O que quer significar que só a prova de todos os elementos constitutivos de uma infracção permite a sua punição. Mas esse é um problema de direito probatório em processo penal. Como acentua Hans Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, 4ª edª, pag.127 e segs. tal princípio “ serve para resolver dúvidas a respeito da aplicação do Direito que surjam numa situação probatória incerta”. Ora, da simples leitura da fundamentação do acórdão recorrido, é patente que o Tribunal “a quo” não teve dúvidas sobre os factos que deu como assentes, dúvidas que este Tribunal de recurso, a quem não tem acesso em toda a sua plenitude à oralidade e a imediação com as provas, também não nos assalta, pois que só se a fundamentação revelasse que aquele Tribunal, face a algum ou alguns factos, tivesse ficado em dúvida “patentemente insuprível”, como se referiu no Ac. do STJ de 15/06/2000, publicado na Col. Jur. Ano VII, Tomo 2º, pag.228, é que se podia afirmar que havia sido postergado o princípio “ in dubio pro reo”, que sendo um corolário da presunção de inocência, só vale até ser, como foi, elidida em julgamento. A fundamentação da decisão de facto do acórdão recorrido não evidencia qualquer dúvida que tenha sido solucionada em desfavor do arguido/recorrente. Não tem, pois, sentido vir invocar-se o princípio in dubio pro reo, que como se disse, significa que perante factos incertos, a dúvida favorece o arguido, pois tal invocação tem o seu campo de aplicação no domínio da valoração da prova, ou seja, no âmbito do apuramento da matéria de facto. Ora, o tribunal recorrido fixou os factos de harmonia com as provas (como consta da motivação), que valorou, como atrás dissemos, tendo presente o disposto no artigo 127º do CPP, não resultando da decisão recorrida que o tribunal tivesse quaisquer dúvidas quanto aos factos que deu como provados. Não se verifica no caso sub judicio a violação do aludido princípio, pelo que com este fundamento também não ocorre causa que determine qualquer modificação da matéria de facto e com esse fundamento se imponha a absolvição do recorrente. 3ª Questão: Da alegada existência do erro notório na apreciação da prova ou de algum dos outros vícios previstos no nº2 do art.410º do CPP. Conforme resulta do estatuído no nº2 do art.410º, do CPP, os vício previstos nas alíneas a), b) e c), têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos. Trata-se de vícios intrínsecos da decisão, não sendo lícito afirmar-se a sua existência recorrendo a elementos que lhe sejam exteriores, designadamente de depoimentos e declarações prestados, quer durante o inquérito, instrução, quer até na audiência de julgamento. O erro notório na apreciação da prova, como vício relevante em processo penal, é segundo a doutrina e jurisprudência mais generalizadas, o que é evidente para qualquer indivíduo de médio discernimento e deve resultar do texto da sentença conjugado com as regras da experiência comum. Para além disso, a sua essência, consiste em que para existir como tal, terá de se retirar de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O vício de erro notório na apreciação da prova, só pode verificar-se relativamente aos factos tidos como provados e não provados e não às interpretações ou conclusões de direito com base nesses factos. O erro tem assim de aferir-se do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum (sem recurso, por exemplo, a declarações ou depoimentos prestados durante o inquérito, instrução ou julgamento), tendo ainda que resultar desse texto de forma tão patente que não escape à observação do homem de formação média. O erro notório na apreciação da prova não reside na desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido a dos recorrentes. A este respeito, dos arestos do STJ publicados, respigam-se os trechos de maior relevo: «Se existe mera discordância do recorrente entre aquilo que o colectivo teve como provado e aquilo que o recorrente entende não ter resultado da prova produzida, não se verifica qualquer dos vícios indicados no art. 410º- 2 a) e c), do CPP.» (Ac. de 19.3.98, no BMJ 475-261): «Quando o recorrente pretende contrapor a convicção que ele próprio alcançou sobre os factos à convicção que o tribunal teve sobre os mesmos factos, livremente apreciados segundo as regras da experiência, está a confundir insuficiência da matéria de facto com a insuficiência da prova para decidir, sendo a sua convicção irrelevante.» (Ac. de 9.12.98, no BMJ 482-68). É que o erro na apreciação da prova só pode resultar de se ter dado como provado algo que notoriamente está errado «que não pode ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, sendo o erro de interpretação detectável por qualquer pessoa.» (Ac. de 12.11.98, no BMJ 481-325). «Erro notório na apreciação da prova é aquele de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta.» (Ac. STJ, de 9.12.98, BMJ 482 - 68). Ora, a decisão supra mencionada, examinada na sua globalidade, assenta em premissas que se harmonizam entre si segundo um raciocínio lógico e coerente e de acordo com as regras da experiência comum, pelo que não padece de tal vício. Aliás, se bem interpretamos o texto da minuta do recurso, o que a este propósito vem alegado, nada tem a ver com este vício, na medida em que faz apelo a elementos alheios ao texto do acórdão recorrido, como são as declarações do co-arguido A. prestados na audiência de julgamento, que considera pelas razões que aduz e sobre as quais atrás nos pronunciamos, serem insuficientes para relativamente a ele ser dado como provados os factos descritos nos pontos nº1 a 7 da materialidade assim julgada no acórdão recorrido. Como dissemos, o erro notório na apreciação da prova, enquanto vício intrínseco da sentença, como dissemos, tem de resultar da própria decisão (sem recurso a elementos externos), por si ou conjugado com as regras da experiência comum e tem de ser de tal forma patente que não escape à observação do homem de formação média. Parece-nos até que o recorrente confunde o erro notório na apreciação da prova com o erro de julgamento, este sim, que tem ser invocado através do mecanismo da impugnação da matéria de facto, nos termos prescritos nos nºs 3 e 4 do art.412º do CPP e consiste em o tribunal dar com “provado” certo facto relativamente sobre o qual não foi feita prova bastante e que, por isso, deveria ter sido considerado “não provado”, ou então, o contrário. Mas não pode ser confundido o erro notório na apreciação da prova com o erro de julgamento, como faz o recorrente. Aliás, o erro de julgamento, apontado pelo recorrente que também serve de fundamento a invocação deste vício, já atrás foi objecto de apreciação e da correspondente decisão. É, pois, indubitável que o acórdão recorrido não padece deste vício. Também não vêm expressamente invocados, nem se descortina que ocorram os outros vícios previstos nas alíneas a) e b) do nº 2 do art.410º do CPP. Como a factualidade descrita no acórdão recorrido não se baseia em provas proibidas e não se vislumbrando que enferme de algum dos vícios previstos no nº2 do art.410º, do CPP, tem-se por definitiva a decisão sobre a matéria de facto proferida na 1ª Instância. Consequentemente improcede a absolvição do arguido/recorrente da prática dos crimes pelos quais foi condenado na 1ª Instância, que vinha ancorada na modificação da matéria de facto nos termos por si preconizados, pelo que não obtendo êxito quanto a esta, aquela pretensão tem também necessariamente de improceder. 4ª. Questão: Da alegada excessividade e desproporcionalidade das penas aplicadas e da sua eventual redução. Sedimentada a factualidade apurada nos termos supra mencionados e estando também assente que essa materialidade consubstancia, a prática como co-autor material pelo arguido/recorrente de dois crime de furto simples, pp. pelo art.203º, nº1 do C. Penal, pelos quais foi punido relativamente a cada um deles com a pena de 2 anos de prisão e de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, pp. pelo art.3º, nºs 1 e 2 do DL nº2/98 de 3 de Janeiro, pelo qual foi punido com a pena de 1 ano de prisão, sendo que efectuado o cúmulo jurídico destas penas parcelares, foi fixada a pena única em 3 anos e 6 meses de prisão, é chegado o momento de nos debruçarmos sobre se estas penas são excessivas e desproporcionadas e, se por isso, devem ser reduzidas, como pretexta o recorrente. Vejamos. Como é sobejamente sabido, em sede de dosimetria da pena relevam os arts. 40º e 71º, do C. Penal. Culpa e prevenção são assim os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (ou de determinação concreta da pena). – Figueiredo Dias, “As consequências jurídicas do crime”, pag.274. As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. Se é certo que a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa (art.40º nº2, do C. Penal), “ a medida da pena há-de primordialmente ser dada pela medida da necessidade da tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto. Aqui a protecção dos bens jurídicos assume um significado prospectivo, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção ou mesmo reforço da vigência da norma infringida. Até ao máximo conseguido pela culpa, é a medida exigida pela tutela dos bens jurídicos que deve determinar a medida da pena –F. Dias, Ob. Cit.pag. 227. Estão aqui em causa exigências de prevenção geral positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida. Estas exigências não permitem que a pena baixe do quantum indispensável para que se não ponha irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade da norma violada e, por essa via, o sentimento de confiança e segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais. Ob.cit.pag.242 e ss. No dizer da Prof. Fernanda Palma, “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, in Jornadas sobre a revisão do Código Penal (1998), AAFDL, pp.25-51 e in “Casos e Materiais de Direito Penal” (2000), Almedina (32/33) «A protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda a prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial. Por outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena. E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela protecção de bens jurídicos. A pena como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito pode ser desnecessária, segundo critérios preventivos especiais, ou ineficaz para a realização da prevenção geral. Revertendo ao caso concreto, importa desde logo sublinhar que encontrando-se definitivamente fixada a matéria de facto, só a esta nos podemos ater, pelo que este tribunal não pode considerar qualquer facto ou circunstância que nela não se contenha. Não vem posto em crise a opção feita pela aplicação ao recorrente de pena de prisão. Aos referidos crimes de furto corresponde em abstracto a pena de prisão de 1 mês a 3 anos e ao crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal corresponde a pena de prisão de 1 mês a 2 anos. O tribunal recorrido justifica a aplicação das mencionadas penas na ponderação das seguintes circunstâncias: Na acentuada exigência reclamada pela prevenção geral, quanto aos dois crimes de furto, uma vez que é por demais evidente o aumento da prática deste tipo de crime, sendo elevadas as necessidades de prevenção geral, quer relativamente ao reforço da consciência jurídica comunitária, quer no que respeita ao sentimento de segurança face à violação de uma norma. O grau de ilicitude é mediano, tendo em atenção o valor dos objectos furtados e o modo de execução dos crimes. Por outro lado, o arguido agiu com dolo directo, sendo por isso intenso. Revela-se também acentuada a exigência reclamada pela prevenção especial, pois já anteriormente sofreu duas condenações pela prática de crimes contra a propriedade. Com efeito, em 2000 foi condenado pela prática, em Setembro de 1999, de um crime de roubo qualificado na pena de 2 anos e 6 meses suspensa pelo período de 3 anos e em 2003, foi condenado pela prática, em Outubro de 1998, de um crime de furto qualificado na pena 14 meses de prisão, também suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, o que demonstra que estas as duas penas não foram suficientes para o dissuadir da prática de novos crimes contra bens patrimoniais. A seu favor milita a circunstância dos objectos furtados terem sido recuperados e restituídos aos respectivos donos. No que respeita ao crime de condução sem habilitação legal, é também algo acentuada a exigência reclamada pela prevenção geral, dado a frequência com que este crime vem sendo praticado, sendo muito acentuada a exigência reclamada pela prevenção especial, pois o arguido sofreu anteriormente cinco condenações pela prática de crime idêntico. Assim, no ano de 1999 foi condenado pela prática, em Junho desse ano, na pena de 130 dias de multa, à taxa diária de 300$00; em 2002, foi novamente condenado pela prática do mesmo crime, em Janeiro desse ano, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 meses; ainda em 2002 foi novamente condenado pelo mesmo crime, praticado em Abril de 2002, na pena de 1.200,00€ de multa; em 2003, novamente condenado pela prática do referido crime, em Outubro de 1998, na pena de 160 dias de multa à taxa diária de 2,50€; em 2004, pela prática, em Julho de 2004, desse crime na pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 4 anos. Donde efectivamente se conclui, que a censura penal tal como foi traçada nas respectivas decisões não se mostrou eficaz, para o dissuadir de voltar a delinquir, sendo visível a indiferença e insensibilidade do arguido pelas penas aí cominadas, circunstância que agrava os limites da culpa e acentua as exigências de prevenção especial. Foi ainda ponderado na circunstância de estar familiarmente inserido. Salvo o merecido respeito e melhor opinião, afigura-se-nos que o tribunal “ a quo” sopesou de forma criteriosa as circunstâncias apuradas e relevantes nesta sede, sendo ajustadas e proporcionadas as penas parcelares aplicadas ao arguido/recorrente, as quais não ultrapassam a medida da sua culpa, pelo que consequentemente devem ser mantidas. Na verdade, as penas de prisão aplicadas ao recorrente respeitam os ditames atrás referidos, não sendo desproporcionadas nem excessivas em relação à sua culpa e às exigências reclamadas pela prevenção, pelo que efectivamente entendemos que devem ser mantidas. Também a pena única resultante do cúmulo jurídico daquelas penas parcelares, salvo o devido respeito por opinião diferente, teve em conta as regras estabelecidas para o concurso de infracções no art.77º, nºs 1 e 2 do C. Penal, sendo que a pena aplicável tem como limite máximo 5 anos de prisão e como limite mínimo 2 anos de prisão, pelo que considerando-se em conjunto os factos e a personalidade do arguido, temos também por ajustada e proporcionada a pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, fixada na 1ª Instância, que por isso também mantemos inalterada. Nesta conformidade e sem mais desenvolvidas considerações por supérfluas, concluímos que o recurso deve improceder, mantendo-se na íntegra o douto acórdão recorrido, que não afronta nem posterga nenhum dos princípios e preceitos legais invocados pelo recorrente. DECISÃO. Nestes termos e com tais fundamentos negamos provimento ao recurso e em consequência mantemos integralmente o douto acórdão recorrido. Custas pelo arguido/recorrente fixando-se a taxa de justiça devida em 4 UC’s [arts.513º, nº1 e 514º, nº1 do CPP na redacção anterior à dada pelo DL nº34/2008, de 26-2; 82º, nº1 e 87º, nº1, al.b) e nº3, do CCJ]. Évora, 25-03-2010 (Elaborado e integralmente revisto pelo relator). Gilberto Cunha (relator) Martinho Cardoso (adjunto) _____________________________ [1] - Impõe-se salientar que o art. 344.º n.º 3 do CPP não prevê qualquer limitação ao exercício do direito de livre apreciação da prova, resultante das declarações do arguido. [2] Ensinava o Prof. Vaz Serra que as regras da experiência não são normas jurídicas mas são partes dessas normas porque estas as mandam, expressa ou tacitamente, ter em conta, pelo que a sua violação implica infracção de lei substantiva – Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 108.º, pág. 358. |