Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
| Processo: |
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| Relator: | SÓNIA KIETZMANN LOPES | ||
| Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO FORMALIDADES AD PROBATIONEM PROVA POR CONFISSÃO | ||
| Data do Acordão: | 10/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | i) A introdução do n.º 2 do artigo 1069.º do Código Civil veio evidenciar que a exigência de forma escrita para os contratos de arrendamento é meramente ad probationem. ii) Assim, tendo a Autora invocado a existência de um contrato de arrendamento verbal relativo a um prédio urbano para fins habitacionais, sem que haja alegado ter procedido ao pagamento de renda por, pelo menos, seis meses, a celebração do contrato de arrendamento apenas podia ser provada por confissão expressa da Ré (artigos 364.º, n.º 2 e 1069.º, n.º 1, ambos do Código Civil). iii) Não tendo a Ré confessado a celebração do contrato de arrendamento – desde logo porquanto sustenta ter celebrado com a Autora um mero contrato de alojamento temporário –, não poderá a Autora ver declarada a existência do invocado contrato de arrendamento, nem retirar consequências do seu alegado incumprimento. (Sumário da Relatora) | ||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 864/22.7T8ABF.E1 – Apelação Tribunal Recorrido - Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Local Cível de Albufeira Recorrente – (…) Recorrido – Apartamentos (…), Unipessoal, Lda. * Sumário (…)* Acordam no Tribunal da Relação de Évora:I. RELATÓRIO 1. (…) intentou, no Juízo Local Cível de Albufeira, ação declarativa sob a forma de processo comum, contra Apartamentos (…), Unipessoal, Lda., pedindo a condenação desta no pagamento: · da quantia de € 2.520,00 “a título de danos resultantes do incumprimento contratual”; · da quantia de € 3.000,00, “a título de responsabilidade civil por assédio no arrendamento”. Para o efeito alegou, em síntese, que em, outubro de 2021, deparando-se numa rede social com um anúncio, intitulado “arrendamento”, relativo a um apartamento que se encontraria disponível pela renda mensal de € 600,00, contactou a responsável por tal anúncio, que se intitulou de “apenas administradora” e que a informou incluir aquele valor as despesas, com exceção da internet. Mais alegou, que aquela responsável lhe mostrou o apartamento, tendo a Autora acordado com a mesma que pagaria de imediato à Ré uma caução no valor de € 600,00 e que pagaria a renda respeitante ao mês de novembro assim que ocupasse o apartamento, o que aconteceu em novembro de 2021 e consubstancia a celebração de um contrato de arrendamento verbal entre a Autora e a Ré, por intermédio da representante da Ré. Alegou, também, que, não obstante tivesse solicitado ao representante da Ré a entrega do contrato de arrendamento e dos recibos de renda, paga relativamente aos meses de novembro de 2021 a março de 2022, o contrato e recibos não lhe foram entregues, apesar de aquele representante assegurar que o faria, que o contrato estava em vigor e que tal vigência se iria manter inalterada, o que impediu a Autora de deduzir as rendas em sede de IRS, causando-lhe um prejuízo de € 180,00 e, a manter-se tal impedimento, lhe determinará um prejuízo de € 270,00 relativo ao IRS de 2022. Alegou, ainda, que em 01/03/2022 foi informada pelo representante da Ré que não iria assinar qualquer contrato de arrendamento e que a Autora teria de abandonar o apartamento até 31/03/2022. Alegou, também, que no dia 15/03/2022 alguém da parte da Ré colocou um aviso por baixo da porta do apartamento, a solicitar que, até ao dia 31/03/2022 fossem saldados os valores em dívida e entregues as chaves do locado na medida em que “a partir dessa data” não seriam “aceites quaisquer prorrogações de estadia” e, a partir de 15/03/2022, tomou conhecimento de que pessoas não identificadas, munidas das chaves dos apartamentos sitos no mesmo imóvel, entravam e saíam dos mesmos quando os arrendatários lá não estavam e remexiam os pertences destes, o que motivou queixas à autoridade policial, além do que, por mais de uma vez, alguém fechou a torneira de segurança da água de todo o edifício, deixando os habitantes dos apartamentos sem água a partir das 20h00, tendo, ainda, a Ré alterado o código de acesso do portão elétrico de entrada no prédio e, mais tarde, desligado o mesmo, obrigando quem pretendia entrar a pedir autorização aos representantes da Ré, o que causou um ambiente de pânico, revolta e desconfiança nomeadamente na Autora e seu companheiro, os quais, sentindo-se ansiosos e perturbados, em pânico e sem conseguir dormir, por recearem que algo de mal lhes pudesse acontecer, decidiram entregar o apartamento à Ré, no dia 09/04/2022. Alegou, ainda, que, a partir de dia 31/03/2022, constatou que passaram a estar presentes no prédio, 24 horas por dia, vários homens corpulentos, os quais abordavam os habitantes, incluindo a Autora, acerca da sua identidade, do apartamento que habitavam e quando pretendiam abandonar o imóvel, ficando a observar os habitantes incessantemente, quando entravam e saíam do edifício, o que causou à Autora medo, tristeza, constrangimento, desconforto e vergonha. Por último, alegou que passou a viver com o seu companheiro, de favor, por temporadas, em casas de amigos, enquanto procuram um imóvel para habitar, por um valor de renda que consigam comportar. * A Ré contestou, alegando que o apartamento em causa não constitui uma fração destinada à habitação, inserindo-se, ao invés, num prédio urbano edificado e licenciado como empreendimento turístico, não sendo a Ré o respetivo proprietário, mas sim quem à data dos factos explorava o empreendimento, prestando serviços temporários de alojamento, no âmbito da sua atividade de aluguer e exploração de todo o tipo de apartamento de turismo, exploração hoteleira e atividades de animação turística.Mais alegou ter celebrado com a Autora um mero contrato de alojamento temporário, tendo a contrapartida monetária, que incluía um conjunto de serviços, como eletricidade, água, manutenção, gestão de resíduos, segurança e receção, sido calculada com base num valor mensal, por se ter tratado de contrato de longa duração, com caução inicial paga para fazer face a eventuais estragos que pudessem afetar a fração. Alegou, ainda, que, por força da cessação do acordo de exploração de unidade hoteleira celebrado com a proprietária da quase totalidade das frações que compõem o estabelecimento hoteleiro e do início de obras no prédio urbano em causa, avisou, antecipadamente, todos os seus hóspedes, que aquele estabelecimento turístico iria encerrar no dia 31/03/2022, data em que efetivamente entregou o empreendimento turístico à respetiva proprietária. Concluiu pedindo a condenação da Autora como litigante de má fé, em quantia não inferior a € 2.500,00, por a mesma sustentar a sua pretensão num contrato de arrendamento que sabia não existir. * Em articulado subsequente, veio a Autora requerer a condenação da Ré como litigante de má fé, em multa não inferior a 8 UC, por saber ter sido celebrado um contrato de arrendamento, negando-o na ação.A Ré opôs-se a esta condenação. * Em 30/01/2024, a Autora, sem que a Ré se opusesse, formulou ampliação do pedido no sentido de a Ré ser condenada a pagar:· quantia não inferior a € 2.520,00, “a título de danos resultantes do incumprimento contratual”; · quantia não inferior a € 3.000,00, “a título de responsabilidade civil por assédio no arrendamento”; · juros, à taxa legal, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento. 2. Realizada a audiência prévia, foi fixado o objeto do litígio, bem como foram enunciados os temas da prova. * Após a audiência final, foi proferida sentença no âmbito da qual a Ré foi absolvida do pedido, ambas as partes foram absolvidas dos pedidos de condenação como litigantes de má fé e a Autora foi condenada nas custas da ação, sem prejuízo do apoio judiciário. 3. Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação da sentença, que foi alvo de despacho de aperfeiçoamento, atenta a extensão das conclusões. No recurso aperfeiçoado a Recorrente formulou as seguintes conclusões: «1. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença, datada de 07-03-2024, com as Ref.ª citius 131070184 e 131550448, proferida pelo Tribunal a quo que julgou totalmente improcedente, por não provada, a ação apresentada pela Autora, ora Recorrente. 2. Antes de mais, a Recorrente entende que a Sentença ora recorrida é nula, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 615.º do CPC, em virtude de o douto Tribunal a quo não ter feito constar da matéria de facto dada como provada e como não provada, factos essenciais à discussão da causa (aos quais apenas se referiu na Motivação da decisão de facto), e não se ter pronunciado sobre outros factos essenciais, conforme melhor descrito infra, o que, desde já se invoca. 3. Caso assim se não o entenda, entende a Recorrente que, face à prova produzida – em especial, à prova documental e à prova gravada –, cuja reapreciação, muito respeitosamente, ora se requer, e bem assim, ao direito aplicável, a decisão do Tribunal a quo deveria ter sido de total procedência da ação apresentada pela Autora, ora Recorrente, razão pela qual apresenta e motiva o presente recurso. 4. O presente recurso versa, assim, sobre matéria de facto e de direito. Da Nulidade da douta Sentença recorrida 5. No âmbito dos presentes autos, para fundar o por si peticionado, a Recorrente invocou, nomeadamente, o facto de ter celebrado um contrato de arrendamento com a Ré e que tal contrato foi por esta incumprido, o que lhe causou danos, em especial, danos não patrimoniais, e invocou que a Ré praticou atos que consubstanciam assédio no arrendamento, do que também resultaram danos para si. 6. No entanto, o douto Tribunal a quo, no âmbito da matéria de facto dada como provada e não provada na douta Sentença, não fez menção à natureza do dito contrato (de arrendamento), nem aos seus termos, e não fez qualquer referência a nenhum incumprimento contratual de tal contrato (apenas o fez, em ambos os casos, na Motivação da decisão de facto), o que se inscreve nas nulidades previstas no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e/ou c), o que ora se invoca. 7. Por outro lado, o douto Tribunal a quo não se pronunciou acerca de quaisquer danos não patrimoniais decorrentes de tal incumprimento, e não deu como provada, ou como não provada, a criação pela Ré de um ambiente hostil, intimidativo, humilhante, e desestabilizador, com vista a provocar a desocupação do locado (assédio no arrendamento), nem quaisquer danos decorrentes de tal facto, o que consubstancia a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), o que ora se invoca. Dos factos 8. O douto Tribunal a quo considerou como provados os factos previstos nos pontos n.º 1 a 30 dos factos dados como provados, constantes da douta Sentença recorrida. 9. O Tribunal a quo considerou como não provados os factos indicados nos pontos A a N dos factos dados como não provados, constantes da douta Sentença recorrida. 10. Com todo o respeito, existe um erro notório na apreciação da prova, pois que a prova efetivamente produzida nos presentes autos impunha resposta diferente aos factos dados como provados e não provados. Da discordância sobre os factos provados e não provados 11. Salvo o devido respeito, a Recorrente não pode concordar com a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, na medida em que não pode aceitar que não tenham sido considerados como provados os seguintes factos: a) que a Autora, em outubro de 2021, celebrou com a Ré, por intermédio da sua representante, (…), um contrato de arrendamento, pelo prazo de um ano; b) que se verificou um sério e grave incumprimento de tal contrato de arrendamento por parte da Ré, pelo seguinte: i) pelo facto de a Ré não ter reduzido o contrato a escrito e não ter entregue à Autora faturas-recibo pelo pagamento das rendas; e ii) pelo facto de a Ré tudo ter feito para cessar o dito contrato no dia 31 de março de 2022, mediante um pré-aviso formal de apenas 15 dias, colocado debaixo da porta do locado (Doc. n.º 9 junto à PI), fazendo referência a outro tipo contratual que não o celebrado entre as Partes, e coagido a Autora, no dia 31 de março de 2022, a assinar um documento e a abandonar o apartamento no prazo de nove dias, sob pena de ver substituída a fechadura do locado, retirados os seus pertences, e a ter pagar a quantia de 500 euros pela substituição da fechadura e retirada dos bens do locado, mais a quantia de 100 euros por cada dia em que os seus bens estivessem no armazém da proprietária do locado (Doc. junto no dia 01-06-2023, em sede de Audiência Prévia, sob a Ref.ª citius 128582655); c) que, pelo menos, no dia 31 de março de 2022, a Ré praticou atos que constituem a criação de um ambiente que se inscreve na figura do assédio no arrendamento; d) que a Autora sofreu graves danos não patrimoniais com tal incumprimento contratual e com tal assédio no arrendamento, na medida em que as atuações da Ré não apenas afetaram gravemente o seu estado psicológico, em especial, após dia 15 de março de 2022, como determinaram a cessação do contrato de arrendamento entre as Partes, o que deixou a Recorrente sem habitação e sem qualquer alternativa, vendo-se obrigada a viver de favor na casa de terceiros após tais factos. 12. Por outro lado, salvo o devido respeito, não pode a Recorrente aceitar que tenham sido dados como não provados, pelo menos, os factos constantes dos pontos A, B a E (no que concerne à natureza do contrato celebrado), e J e K dos factos dados como não provados, os quais se impugnam. i. Do facto constante do ponto A, dos factos dados como não provados 13. No âmbito da douta Sentença resultou como facto não provado que a Autora tenha pago a caução em finais de outubro de 2021 (ponto A dos factos dados como não provados), o que se impugna. 14. Tal conclusão encontra-se em contradição com o facto n.º 9 dos factos dados como provados e não tem adesão às regras da experiência comum, e ao que efetivamente aconteceu e foi confirmado pela Autora e pela testemunha (…) – isto é, que a caução foi paga de imediato em outubro de 2021, antes de a Autora ser submetida a uma cirurgia, a qual se verificou no dia 27 de outubro desse ano, para efeitos de reserva do locado. 15. Neste sentido, as declarações de Parte da Autora, entre os 4m42s e os 5m20s da prova gravada, e o depoimento da testemunha (…), entre os 18m38s e os 19m01s da prova gravada, relativamente a tal facto. 16. Por conseguinte, com base em tal prova gravada, cuja reapreciação ora se requer, não poderia o douto Tribunal a quo ter dado como não provado o facto constante do ponto A dos factos dados como não provados, o que, com o devido respeito, ora se impugna, mas sim, como facto provado. ii. Dos factos B, C, D e E dos factos dados como não provados – mais especificamente, do contrato celebrado entre Autora e Ré, como contrato de arrendamento, pelo prazo de um ano 17. Conforme referido, o douto Tribunal a quo não considerou, especificamente, como facto provado ou como facto não provado, a natureza do contrato celebrado entre a Autora e a Ré, por intermédio de (…), nem o prazo de vigência de tal contrato. 18. Apesar de ter dado como provada toda a factualidade descrita nos pontos 1 a 11 dos factos dados como provados, o douto Tribunal a quo, apenas no âmbito da Motivação da decisão de facto (embora referindo-se aos factos B a E dos factos considerados não provados), entendeu como não provada a existência de contrato de arrendamento, em face de não estar “seguro” da sua ocorrência e face à presença de supostos “elementos contraditórios”, o que, com o devido respeito, ora se impugna. 19. A Recorrente não pode aceitar tal entendimento do douto Tribunal a quo, pois que, foi devidamente provado nos presentes autos que o contrato celebrado com a Ré, por intermédio de (…), foi, efetivamente, um contrato de arrendamento celebrado pelo prazo de um ano, inexistindo qualquer razão nos argumentos apontados pelo douto Tribunal a quo para sustentar tal suposta contradição. Efetivamente, 20. Conforme resulta dos documentos n.os 1 a 4 da PI, o contrato proposto pela Ré, por intermédio de (…), à Recorrente, foi, apenas e só, de arrendamento – o único contrato que esteve em causa entre as Partes –, e foi-lhe sempre assegurado que ninguém a ia tirar do apartamento no Verão. 21. Quando a Recorrente, nas suas Declarações de Parte, referiu que lhe foi dito que “não havia contrato”, quis fazer menção ao facto de a Ré se ter recusado a lhe fornecer um contrato escrito, mas apenas “recibos mensais” – cfr. sobre os termos do contrato de arrendamento, as declarações de parte da Autora, nos períodos entre os 3m25s e os 16m22s e os 39m04s e 39m43s da prova gravada. 22. O facto de a testemunha (…) ter dito não saber se os recibos emitidos pela Ré, posteriormente à celebração do contrato, davam para apresentar em sede de IRS, apenas põe em causa a idoneidade de tais documentos para efeitos fiscais, nada mais. 23. O facto de a Recorrente ter perguntado à testemunha (…) se iam tirar as pessoas no Verão, tendo esta lhe dito que não, que podiam ficar tranquilamente, mas, todavia, ter juntado à PI recibos onde claramente é mencionada a estadia de longa duração endereçados ao “excelentíssimo hóspede”, nenhuma relevância assume, pois que tais documentos foram elaborados depois da celebração do contrato de arrendamento entre as Partes – isto é, após a aceitação pela Autora da proposta contratual formulada pela Ré, através de (…). 24. Para além disso, a Autora referiu que nada detetou nos recibos que lhe foram entregues pela Ré (que se referiam a “hóspede”), pois que confiou na palavra dada pelos representantes da Ré – cfr., neste sentido, as declarações de parte da Autora entre os 54m12s e os 55m49s, bem como entre os 39m04s e os 39m43s da prova gravada. 25. Por sua vez, a testemunha (…) confirmou que lhe foram dadas instruções para “alugar os apartamentos anualmente” e que o contrato de arrendamento da Autora era “mensal anual”, isto é, renovava-se mensalmente até perfazer um ano de contrato, e que assegurou aos arrendatários, entre os quais, a Recorrente, de que ninguém os ia tirar dos apartamentos no Verão, para estarem descansados. 26. Nestes sentidos, o depoimento da testemunha (…), no período entre os 02m37s e os 05m50s e no período entre os 17m25s e os 19m16s, da prova gravada. 27. No que concerne ao facto de a testemunha (…) ter dito que os anúncios não falavam em arrendamento, a mesma posteriormente confirmou no seu telemóvel, perante o douto Tribunal a quo, que foi esse – “arrendamento” – o tipo contratual proposto no anúncio da Autora (o que foi dado como provado no ponto 3 dos factos dados como provados) – cfr. o depoimento desta testemunha no período entre os 07m36s e os 13m04s da prova gravada. 28. O facto de a testemunha (…) ter dito que as condições posteriormente mudaram para supostas estadias mensais, tendo o douto Tribunal a quo concluído que o contrato celebrado entre as Partes o foi ao abrigo de tais novas instruções, salvo o devido respeito, não faz sentido. 29. Em primeiro lugar, a Autora respondeu ao anúncio da Ré, em 21 de outubro de 2021, isto é, imediatamente a seguir à sua colocação, uma vez que a época baixa no Algarve acabara de começar. 30. A Recorrente, a testemunha (…) e a testemunha (…) – os únicos intervenientes na celebração do contrato – foram perentórias em afirmar, sem margem para dúvidas, que o contrato celebrado entre a Recorrente e a Ré foi de arrendamento, e que o prazo do mesmo era anual e se prolongaria para além do Verão de 2022. 31. A testemunha (…) fez questão de dar nota de que “é péssima com datas” e referiu, de modo assertivo e totalmente seguro, que não tinha dúvidas de que a Recorrente foi residir para o aldeamento ainda de acordo com as condições iniciais (arrendamento anual). 32. E teve tal certeza com base em dois fundamentos – o contrato da Autora ter sido dos contratos iniciais, pois que esta foi residir para o bloco 2 (quando eram 4 blocos); e o facto de se recordar perfeitamente de que o contrato da Autora foi celebrado antes do contrato celebrado por uma amiga sua, o qual também tivera as condições iniciais – arrendamento anual. 33. Cfr., nestes sentidos, o que foi dito pela testemunha (…) nos períodos entre os 17m25s e os 17m36s e entre os 23m59s e os 29m18s da prova gravada, e o que foi também confirmado pela Autora no período entre os 39m04s e os 39m43s da prova gravada, em que ambas afirmaram, sem quaisquer dúvidas, de que o contrato celebrado foi um arrendamento anual. 34. Em sentido coincidente com o dito pela Autora e pela testemunha (…), cfr. o depoimento da testemunha (…), no período entre os 3m16s e os 06m14s da prova gravada. 35. Por outro lado, cumpre referir que, pese embora o contrato de trabalho de (…) tenha cessado em 15-10-2021, a mesma continuou a trabalhar para a Ré por largas semanas após tal data, o que se constata pelo Doc. n.º 8 junto à PI, por si elaborado, e foi confirmado pela Autora. 36. Cfr., nestes sentidos, o referido, a este propósito, pela testemunha (…), no período entre os 23m59s e os 29m18s, e o que foi dito pela Autora, nos períodos entre os 06m04s e os 06m55s, e entre os 41m00s e os 41m37s da prova gravada. 37. As declarações da testemunha (…) em sentido contrário no que respeito ao regime (e natureza) do contrato, salvo o devido respeito, não merecem qualquer credibilidade. 38. Tal testemunha nunca esteve presente na celebração do contrato, e é expectável que a mesma não pretenda assumir qualquer falta. 39. Por outro lado, não merece igualmente credibilidade o facto de tal testemunha ter dito que os “utentes” tinham perfeita noção da duração da sua suposta “estadia”, face a tudo o que passou a partir de 15 de março de 2022, incluindo a contratação de homens corpulentos – seguranças –, pela Ré, para garantir a desocupação do prédio. 40. Ainda relativamente à natureza do contrato celebrado entre as Partes como de arrendamento, cumpre referir o facto de ter sido exigida caução à Autora, e de não lhe terem sido prestados quaisquer serviços – veja-se, neste sentido, as declarações da Autora, p. ex., no período entre os 41m00s e os 41m37s da prova gravada. 41. Atento o supra exposto, deveria o douto Tribunal a quo ter dado como factos provados os constantes dos pontos B a E dos factos dados como não provados (no que concerne à natureza do contrato celebrado pela Autora, atento o teor da motivação da decisão de facto da douta sentença) e como provada a celebração entre as Partes de um contrato de arrendamento anual, pois que foi justamente isso que resultou da prova documental e gravada nos presentes autos, não existindo base para qualquer dúvida relativamente a tal facto. iii. Do incumprimento, pela Ré, do contrato de arrendamento celebrado com a Recorrente e dos danos não patrimoniais por esta sofridos em resultado de tal incumprimento 42. Conforme referido, no âmbito da matéria de facto dada como provada e não provada, não foi considerada como provada, ou como não provada, a existência de qualquer incumprimento contratual, pela Ré, do dito contrato de arrendamento celebrado com a Autora. 43. Por outro lado, no que concerne aos danos decorrentes de tal incumprimento contratual, apenas foi dado como provado o facto constante do ponto 21 dos factos dados como provados, embora sem referência a qualquer incumprimento contratual, e sem qualquer consequência prática. 44. Apenas no âmbito da matéria de Direito, na parte final da douta sentença, o douto Tribunal a quo se pronunciou sobre o incumprimento contratual invocado pela Recorrente e sobre os danos decorrentes do dito incumprimento, para afastar liminarmente qualquer incumprimento ou dano (patrimonial) sofrido pela Autora, sem qualquer referência aos danos não patrimoniais. 45. Salvo o devido respeito, em face da prova documental constante dos autos, nomeadamente do doc. n.º 11 junto à PI, das declarações da Autora, e da prova testemunhal, mais especificamente, dos depoimentos de (…) e de (…), 46. é patente que, a Ré, ao ter colocado um aviso por baixo da porta do locado, no dia 15 de março de 2022 (doc. 9 junto à PI), e tudo ter feito para cessar o contrato de arrendamento celebrado com a Recorrente no dia 31 de março de 2022, mediante a imposição, perante vários seguranças por si contratados, da assinatura de uma declaração a 31 de março de 2022 (junta aos autos pela Ré, no dia 01-06-2023, em sede de Audiência Prévia), sob pena de ter de ter de pagar valores e avultados e ficar sem os seus pertences, incumpriu, de forma grave, o contrato de arrendamento celebrado com a Recorrente. 47. Em face da prova realizada nos presentes autos, o douto Tribunal a quo deveria também ter considerado como factos provados o incumprimento do contrato de arrendamento celebrado entre as Partes, nesses termos, bem como os graves danos não patrimoniais sofridos pela Autora, para além dos referidos no ponto 21 dos factos dados como provados, e condenado a Ré a indemnizar a Autora por tais danos. 48. Cfr., no que concerne a tal incumprimento contratual, e aos danos não patrimoniais decorrentes do mesmo, para além da dita prova documental, as declarações da Autora nos períodos entre os 17m48s e os 19m48s, entre os 26m25s e os 31m09s, entre os 46m05s e os 48m34s, e entre os 50m04s e os 53m24s da prova gravada, 49. bem como o depoimento da testemunha (…), no período entre os 14m55s e os 16m45s da prova gravada. iv – Dos factos constantes dos pontos J e K, dos factos dados como não provados – em especial, do assédio no arrendamento e dos danos decorrentes do mesmo 50. Por fim, e conforme referido, o douto Tribunal a quo considerou como não provados, os factos constantes dos pontos J e K dos factos dados como não provados, o que se impugna. 51. Salvo o devido respeito, foi devidamente provado pela Autora e pelas testemunhas (…) e (…) a presença de homens corpulentos, seguranças, diariamente, no prédio, a partir de 31 de março de 2022 (ainda que com discrepância relativamente ao seu número), e que os mesmos abordavam os habitantes do prédio, tendo a Autora referido a presença dos mesmos 24 horas por dia. 52. Veja-se, nestes sentidos, o referido pela Autora em sede de declarações de parte, no período entre os 26m26s e os 33m06s da prova gravada. 53. assim como o relatado pela testemunha (…), nos períodos entre os 08m08s e os 08m26s e os 09m40s e os 12m37s, da prova gravada. 54. bem como o depoimento da testemunha (…), nos períodos entre os 08m04s e os 09m47s, entre os 13m58s e os 15m44s, entre os 20m16s e os 20m35s, e entre os 24m38s e os 24m57s, da prova gravada, a qual descreveu também o impacto que tal facto causou no ambiente do prédio e nos seus habitantes. 55. Por outro lado, no que concerne ao facto dado como não provado designado pela letra J, o mesmo remete-nos para a problemática de a Ré, com as suas condutas, ter, deliberadamente, de modo intencional e ilegítimo, criado um ambiente intimidativo, perigoso, humilhante e desestabilizador no prédio, com vista a conseguir a desocupação do mesmo, o que logrou obter. 56. Atenta a natureza do contrato por si celebrado com a Ré – contrato de arrendamento pelo prazo de um ano –, não se pode senão considerar que, pelo menos, a contratação de homens corpulentos, com vista a garantir a saída de todos os arrendatários, e a imposição aos arrendatários da assinatura de declarações pré-elaboradas com sanções onerosas em caso de permanência após determinado prazo para evitar a saída forçada imediata, como assédio ao arrendamento. 57. O douto Tribunal a quo deu como não provada a presença dos ditos homens no prédio, e no que concerne à assinatura pela Autora, de tal declaração, no dia 31 de março de 2022, e os termos em que a mesma foi assinada, nada considerou, pese embora, no nosso modesto entender, tais factos constituam factos essenciais. 58. Por outro lado, no que concerne à criação intencional, pela Ré, de um ambiente que se inscreva na noção de assédio no arrendamento, com vista à desocupação, o douto Tribunal a quo também nada referiu. 59. Salvo o devido respeito, em face da prova documental constante dos autos (a declaração junta pela Ré, em sede de Audiência prévia) e da prova gravada, em especial, as declarações de parte da Autora, e os testemunhos de (…) e de (…). 60. não pode a Recorrente considerar senão que, efetivamente, no dia 31 de março de 2022, foi efetiva e deliberadamente criado, pela Ré, um ambiente intimidativo, perigoso, humilhante e desestabilizador no prédio, com vista à desocupação (assédio no arrendamento), através dos expedientes supra identificados, o que deveria ter sido dado como provado. 61. Cfr., nestes sentidos, as declarações da Autora, no período entre os 26m26s e os 31m10s e entre os 46m05s e os 48m34s da prova gravada. 62. Bem como as declarações da testemunha (…), no período entre os 09m40s e os 12m37s da prova gravada, onde descreve igualmente tais factos e que, atento o ambiente criado, ambos, a Autora e a testemunha, se sentiram pressionados a assinar a dita declaração. 63. E, ainda, o testemunho de (…), nos períodos entre os 08m04s e os 09m47s, entre os 13m58s e os 15m44s, entre os 20m16s e os 20m35s e entre os 24m38s e os 24m57s. 64. Finalmente, com o devido respeito, em face da prova gravada nos presentes autos e pela natureza das coisas e regras da experiência, não pode a Recorrente aceitar como não provados o facto K dos factos dados como não provados. 65. bem como que o douto Tribunal a quo não tivesse sequer considerado qualquer dano não patrimonial decorrente da criação do dito ambiente (assédio no arrendamento), e de tal ambiente ter levado a Autora a assinar a dita declaração e a abandonar o locado passados 9 dias, sem qualquer solução, quando havia celebrado um contrato de arrendamento anual com a Ré. 66. De facto, conforme resultou da prova gravada, a Autora sofreu graves danos não patrimoniais com o sucedido, nomeadamente, os constantes do facto K, os quais deveriam ter sido dados como provados pelo douto Tribunal a quo. 67. Bem como, os danos decorrentes do facto dado como provado no ponto 21 dos factos dados como provados, e todos os demais danos não patrimoniais decorrentes da saída prematura do locado. 68. O que foi provado pelas declarações da Autora nos períodos entre os 17m48s e os 19m48s, entre os 26m25s e os 31m09s, entre os 46m05s e os 48m34s, e entre os 50m04s e os 53m24s da prova gravada, 69. e pelo testemunho de (…), no período entre os 14m55s e os 16m45s da prova gravada. Da discordância acerca da matéria de direito 70. No âmbito da matéria de Direito, o douto Tribunal a quo fez referência aos artigos 1022.º e 1023.º, Código Civil, relativos ao contrato de locação e de arrendamento, para depois fazer menção ao disposto no RJIEFET, nomeadamente ao artigo 45.º de tal diploma legal. 71. Salvo o devido respeito, entende a Recorrente que, dados os contornos do caso em apreço, tal disposição legal, prevista no artigo 45.º do RJIEFET, não tem aplicação in casu. 72. O que está aqui em causa, e ficou provado nos presentes autos, é a existência de uma proposta contratual formulada pela Ré, através da sua comissária, … (artigo 800.º, n.º 2, do CC), a qual foi aceite pela Autora, nos termos do artigo 405.º do CC, de boa-fé, pelo que foi celebrado um contrato de arrendamento pelo prazo de um ano. 73. Se existiu alguma ilegalidade in casu, o foi em resultado da ação da Ré, pelo que jamais a Autora poderia ser prejudicada por tal facto, nem tal poderia ser invocado pela Ré ou declarado pelo Tribunal a quo, na medida em tal seria beneficiar o infrator, quando é manifesto que a Autora agiu sempre de boa-fé em toda a relação contratual. 74. No nosso modesto entender, o douto Tribunal a quo deveria ter dado como provada a celebração de tal contrato de arrendamento, pelo prazo de um ano, ou pelo prazo de três anos, caso se considere que o prazo de um mês renovável, até perfazer um ano, proposto pela Ré, colide com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 1097.º, n.º 1 e 3, do Código Civil. 75. Ao ter atuado nos termos acima identificados, a Ré violou os deveres de boa-fé contratual, previstos no artigo 762.º, n.º 2, do CC, bem como os deveres do senhorio (artigo 1031.º do CC), e incumpriu o dito contrato de arrendamento, sendo responsável pelos danos causados à Autora (artigo 798.º do CC). 76. Por outro lado, com tais factos, a Ré criou, intencionalmente, um ambiente intimidativo, hostil e humilhante, com vista a provocar a desocupação do locado – assédio no arrendamento (artigo 13.º-A da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro) – sendo responsável civilmente pelos danos causados à Autora (artigos 483.º e 496.º do CC). 77. Com todo o respeito, ao ter decidido nos termos constantes da douta sentença, salvo melhor opinião, o douto Tribunal a quo violou os ditos artigos 405.º, 800.º, n.º 2, 1097.º, n.º 1 e 3, 762.º, n.º 2, 1031.º e 798.º, todos do Código Civil, assim como violou o disposto no artigo 13.º-A da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro, e os artigos 483.º e 496.º do Código Civil, pois que, para além dos artigos 1022.º e 1023.º do Código Civil, deveriam ter sido estas as normas aplicadas ao caso em apreço, nos termos supra mencionados, e condenada a Ré conforme peticionado nos presentes autos.» * A Ré apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.* O recurso foi admitido e foram colhidos os vistos.4. Questões a decidir Considerando as conclusões do recurso, as quais delimitam o seu objeto nos termos do disposto nos artigos 608.º n.º 2, 635.º n.º 4 e 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil (de ora em diante CPC), sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, são as seguintes as questões a decidir: i) Da nulidade da sentença; ii) Da impugnação da matéria de facto; iii) Se Autora e Ré celebraram um contrato de arrendamento, cujos termos a Ré incumpriu, assediando ainda a Autora, com o que lhe causou danos ressarcíveis. II. FUNDAMENTOS 1. Fundamentos de facto 1.1 Na decisão recorrida julgaram-se provados os seguintes factos: «1. A Autora nasceu no dia 14-02-1990, é de nacionalidade brasileira e reside em Portugal desde 2018. 2. Em outubro de 2021, a Autora procedeu à realização de pesquisas na Internet com vista a tentar encontrar um imóvel para efeitos de arrendamento, no concelho de Albufeira. 3. Aquando dessas pesquisas, a Autora, ao consultar o Marketplace da plataforma digital Facebook, deparou-se com um anúncio com o título “Arrendamento” e fotografias de um apartamento, com a indicação de que um imóvel sito em (…), Albufeira, se encontrava disponível pelo valor mensal de € 600,00 (seiscentos euros). 4. Nesse mesmo dia, a Autora entrou em contacto, via Marketplace da plataforma digital Facebook, com o responsável por tal anúncio, a fim de obter mais informações. 5. Aquando desse contacto, a interlocutora da Autora foi (…), a qual se apresentou como “apenas administradora”. 6. (…) informou a Autora de que o apartamento permanecia disponível, e que o valor não era negociável, mas que incluía despesas, exceto Internet. 7. Aquando da visita ao imóvel, a autora foi recebida por (…), que lhe mostrou apartamento o apartamento n.º 16, correspondente à fração autónoma designada pela letra Q do prédio urbano, de tipologia T0, constituído sob o regime de propriedade horizontal, denominado Apartamentos Turísticos (…), lote n.º 5, sito (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º (…), da freguesia de (…) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º (…), da freguesia de (…). 8. A autora ficou interessada em ocupar o apartamento. 9. Ficou acordado que a autora pagaria de imediato à Ré uma caução no valor de € 600,00 (seiscentos euros), o que aconteceu. 10. E que pagaria o valor respeitante ao mês de novembro de 2021 quando entrasse para o apartamento, o que aconteceu. 11. Mais ficou acordado entre Autora e Ré que a Autora entraria para o apartamento no início de novembro, data essa em que lhe seriam entregues as chaves do imóvel, ficando a mesma obrigada a pagar o valor mensal de € 600,00 (seiscentos euros), com despesas incluídas, no início de cada mês. 12. Entretanto, (…) deixou de exercer funções de rececionista na Ré. 13. A partir desse momento, passou a ser interlocutor da Autora o sr. (…). 14. A Autora manteve-se no apartamento desde 01 de novembro de 2021 até 09 de abril de 2022. 15. Nesse período, foram-lhe entregues uns documentos a indicar que a mesma pagou a quantia relativa ao mês correspondente, referente à estadia de longa duração. 16. Nunca ninguém da parte da sociedade Ré, ou quem quer que fosse, entregou à Autora qualquer fatura-recibo relativa ao pagamento de rendas. 17. A Autora não pôde deduzir no seu IRS a título de rendas o valor pago respeitante aos meses de novembro e dezembro de 2021. 18. No dia 01 de março de 2022 foi a Autora informada pessoalmente pelo sr. (…) de que tinha de abandonar o locado até dia 31 de março de 2022. 19. No dia 15 de março alguém colocou um aviso por baixo da porta do apartamento a solicitar que, até ao dia 31 de março de 2022 fossem saldados os valores em dívida e entregues as chaves do locado na medida em que “a partir dessa data” não seriam “aceites quaisquer prorrogações de estadia”. 20. Tal comunicação foi endereçada a todas as pessoas que se encontravam a habitar no edifício. 20.-A A Ré apresentou à Autora, e esta assinou, um documento intitulado “Declaração”, datado de 31 de março de 2022, e no qual consta que a Autora “declara, para os devidos efeitos legais, que irá desocupar e entregar ao seu proprietário o apartamento n.º 16 […], impreterivelmente até ao dia 9 de abril de 2022, entregando-o livre de quaisquer pessoas e bens, com exceção daqueles que equipam o apartamento em causa. Mais declara que, caso até essa data não proceda à entrega do apartamento em causa, autoriza, desde já, que nessa mesma data seja substituída a fechadura do apartamento acima referido e retiradas do local as coisas que lá se encontrarem, sendo que, nesse caso, se compromete a pagar a quantia de € 500,00 (quinhentos euros) pela substituição da fechadura e retirada dos seus bens do local, pagando, ainda, adicionalmente uma taxa diária de € 100,00 (cem euros), por cada dia em que os seus bens se mantiverem no armazém do proprietário até à data em que os mesmos de lá sejam por si levantados. Na data da entrega do apartamento será devolvido o valor da caução, deduzidos as despesas a que haja lugar por equipamento e utensílios danificados”[1]. 21. Autora e o seu companheiro (…) viveram de favores casa de amigos, enquanto procuram um imóvel para habitar, por um valor de renda que consigam comportar. 22. A Ré é uma sociedade comercial que tem por objeto o aluguer e exploração de todo o tipo de apartamento de turismo, exploração hoteleira e atividades de animação turística. 23. A R. não tem como atividade comercial o arrendamento de bens seus ou de terceiros. 24. O prédio urbano em causa é titular do alvará de autorização de utilização turística (…), emitido em 12/11/2009, pelo Município de Albufeira, para 90 apartamentos do tipo T0 e 10 apartamento do tipo T1. 25. A fração em causa não é uma fração destinada a habitação, mas sim uma unidade de alojamento num empreendimento turístico denominado “Apartamentos (…)” do tipo “Apartamento Turístico”. 26. Ré não é proprietária da fração em causa. 27. A Ré explorou, até ao dia 31 de março de 2022, o empreendimento turístico designado por “Apartamentos (…)”, por via de um acordo de exploração de unidade hoteleira celebrado com a proprietária. 28. O acordo de exploração de unidade hoteleira celebrado pela ré com a proprietária da quase totalidade das frações que compõem o estabelecimento hoteleiro cessou. 29. A ré acordou com a proprietária entregar-lhe o empreendimento turístico no dia 31 de março de 2022. 30. A pedido de alguns hóspedes, aceitou, com a anuência da proprietária, que alguns destes permanecessem no empreendimento mais uns dias para além do dia 31 de março de 2022. 31. No dia 31 de março de 2022 foram alterados pela proprietária todos os códigos de acesso ao empreendimento turístico, no qual se inclui o portão.» 1.2 A decisão recorrida não considerou provados os seguintes factos: «A. A autora pagou a caução em finais de outubro de 2021. B. Logo após a entrada no imóvel, por mais de uma vez, a Autora solicitou ao sr. (…) que lhe fosse entregue o contrato de arrendamento para assinar e os recibos das rendas pagas, uma vez que pretendia obter a dedução à coleta para efeitos de IRS. C. Sr. (…) tranquilizou sempre a Autora, indicando-lhe que o contrato estava em vigor, e que tal situação se iria manter inalterada. D. O sr. (…) dizia-lhe que a entrega das faturas-recibos relativas às rendas mensais por si pagas se iria verificar oportunamente, e a mesma poderia deduzi-las no seu IRS. E. Perante as sucessivas reclamações da Autora, ainda lhe foi prometido que os “escritórios em Lisboa” iriam emitir todas as faturas relativas aos pagamentos das rendas, por si efetuados. F. O facto de não ter podido deduzir no seu IRS o valor pago respeitante aos meses de novembro e dezembro de 2021 causou à autora um prejuízo de € 180,00 (cento e oitenta euros). G. E não o tendo feito no IRS relativo ao ano de 2022, no que respeita às rendas relativas aos meses de janeiro, fevereiro e março de 2022, tal causou-lhe danos no valor de € 270,00 (duzentos e setenta euros). H. A partir de dia 15 de março, pessoas não identificadas, fazendo-se munir das chaves dos apartamentos, entravam e saíam dos mesmos e remexiam os pertences dos arrendatários quando estes lá não estavam, ou entravam e saíam repentinamente quando se apercebiam que alguém estava em casa. I. Também após dia 15 de março, por mais de uma vez, alguém fechou a torneira de segurança da água de todo o edifício cerca das 20h00, deixando todos os habitantes dos apartamentos do edifício sem água por largos momentos, até se aperceberem do que se sucedera. J. A partir de dia 31 de março de 2022, a Autora constatou que passaram a estar presentes no prédio, 24 horas por dia, cerca de seis, sete homens corpulentos, os quais abordavam os habitantes, incluindo a Autora, acerca da sua identidade, do apartamento que estavam a habitar, quando pretendiam abandonar os imóveis. K. O que causou grande incómodo e constrangimento à Autora, a qual sentiu medo, mas ao mesmo tempo tristeza, constrangimento, desconforto e vergonha. L. A Autora e o companheiro desta, (…), consigo residente, os quais, dado não conseguirem mais viver em tal ambiente, sentindo-se muito ansiosos e perturbados, em pânico, sem conseguir dormir, receando que algo de mal lhes pudesse acontecer. M. A autora sustenta a sua alegação em factos que sabe serem falsos, tentando retirar proveitos para si, que sabe não lhe serem devidos. N. A ré sabe que se formou um contrato de arrendamento com a autora e teve conhecimento de todos os demais graves factos referidos na PI, da sua exclusiva autoria, sofridos pela Autora.» 2. Do objeto do recurso 2.1 Das nulidades 2.1.1 Da nulidade da sentença nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas “b) e/ou c)”, do CPC A Recorrente sustenta que a sentença é nula por da matéria de facto provada e da matéria de facto não provada não constar a natureza do contrato celebrado – que considera ser de arrendamento – os seus termos e o respetivo incumprimento contratual, o que entende configurar as “nulidades previstas no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e/ou c)”. De acordo com o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC é nula a sentença quando não “especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. A alínea c) do mesmo preceito, por sua vez, dita ser nula a sentença quando os “fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne e a decisão ininteligível”. Analisada a sentença, temos que, efetivamente, na fixação da matéria de facto – provada e não provada – o tribunal a quo não fez constar que o contrato em questão consubstancia um arrendamento, nem tão pouco que o mesmo foi incumprido. A questão que se coloca, contudo, é a de saber se o deveria ter feito. A resposta é negativa, pois que de matéria de direito se trata. Na verdade, não obstante se saiba que na “distinção entre o que se entende por matéria de direito e matéria de facto reside uma das questões de maior complexidade de todo o direito processual civil”[2], posto que expressões existem que “têm, simultaneamente, um sentido técnico-jurídico, de onde o legislador retira determinados efeitos, e um significado vulgar e corrente, facilmente captado pelas pessoas comuns (v.g. arrendamento, renda, inquilino, hóspede, proprietário, possuidor, preço, lucro, empréstimo, consentimento, etc.)”[3], consabido é, também, que “a inclusão daquelas expressões numa ou noutra das categorias dependerá fundamentalmente do objecto da acção. Se o objecto da acção, no todo ou em parte, estiver precisamente dependente e localizado no significado real daquelas expressões, tem de considerar-se que estamos perante matéria de direito”[4], que não pode integrar a matéria de facto. Ora, objeto da presente ação é, precisamente, saber se entre Autora e Ré foi celebrado um contrato de arrendamento e se o mesmo foi incumprido pela Ré. Como tal, caso o tribunal a quo levasse à matéria de facto a existência de um contrato de arrendamento e o seu incumprimento, estaria a lançar mão de conceitos normativos de que depende a solução, no plano jurídico, do caso em apreço. Bem andou, portanto, o tribunal a quo ao não ter considerado os aludidos conceitos nos factos. Não se verifica, em suma, a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e/ou c), do CPC. 2.1.2 Da nulidade da sentença nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC Invoca a Recorrente, ainda, que a sentença é nula nos termos previstos na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, porquanto o tribunal a quo não se pronunciou acerca de quaisquer danos não patrimoniais decorrentes do incumprimento e não deu como provada, ou como não provada, a criação pela Ré de um ambiente hostil, intimidativo, humilhante e desestabilizador, com vista a provocar a desocupação do locado, nem quaisquer danos decorrentes de tal facto. Contudo, analisada a decisão recorrida, verifica-se que nas alíneas H) a J) da matéria de facto não provada o tribunal se pronunciou quanto aos factos que a Autora invocara para demonstrar ter sido criado pela Ré um ambiente tendente a provocar a desocupação do apartamento (entrada e saída por estranhos, fecho da água, presença de homens corpulentos), bem como sobre os efeitos psicológicos daí decorrentes e alegados pela Autora (alíneas K e L). Questão diversa é a de a Autora não concordar com a circunstância de tais factos terem sido feitos constar como não provados, o que, porém, se subsumiria, quando muito, a um erro de julgamento, ao invés de uma nulidade da sentença. A Recorrente discorda das opções tomadas em sede de apreciação fáctica, discorda do entendimento do tribunal, mas isso não constitui nulidade da sentença, podendo configurar, quando muito, um erro de julgamento. Por outro lado, na fundamentação de direito da decisão recorrida, o tribunal a quo sufragou o entendimento de que não se verificou um incumprimento contratual, nem a responsabilidade da Ré por alegados prejuízos (cfr. página 16 da sentença), pelo que, ainda que sumariamente (uma vez que os factos subjacentes haviam sido julgados não provados), o tribunal a quo pronunciou-se acerca dos aspetos que a Recorrente identifica como omissos. Não pode, como tal, concluir-se que o tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar e, como tal, também esta nulidade invocada pela Recorrente não se verifica. 2.2 Da impugnação da decisão da matéria de facto Na presente ação a Autora pede a condenação da Ré no pagamento de quantias a título de danos resultantes do incumprimento de um contrato de arrendamento (v. g. por não redução do contrato a escrito, por falta de entrega dos recibos e consequente impossibilidade de dedução da renda paga em sede de IRS, por exigência de abandono prematuro do apartamento e por assédio no arrendamento). Para o efeito alegou, em síntese, ter celebrado um contrato de arrendamento verbal com a Ré, tendo por objeto um apartamento para habitação, e pago renda entre novembro de 2021 e março de 2022 (artigos 58º e 59º da petição inicial). O artigo 1069.º do Código Civil, de ora em diante CC, determina que: “1- O contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito. 2- Na falta de redução a escrito do contrato de arrendamento que não seja imputável ao arrendatário, este pode provar a existência de título por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis meses”. Temos, pois, duas previsões distintas. Começando pela última, verificar-se-á quando a falta de redução a escrito do contrato de arrendamento não seja imputável ao arrendatário e haja havido lugar a utilização do locado sem oposição do senhorio, bem como ao pagamento da renda por, pelo menos, seis meses. Nesta circunstância, o arrendatário poderá provar a existência do contrato de arrendamento por qualquer meio, o que significa que os “arrendatários que celebraram contratos verbais, mas que demonstrem (por exemplo, através de transferência bancária) que já pagam rendas há mais de seis meses (ainda que sem recibo de quitação) podem fazer valer o contrato (desde que a falta de redução a escrito não lhe[s] seja imputável)[5] [6]. Ora, no caso dos autos, considerando não resultar do alegado pela própria Autora que tivesse pago renda por um período de, pelo menos, seis meses, é aplicável o n.º 1 do preceito acabado de transcrever. Ou seja, estamos em sede do regime regra: o contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito. Coloca-se, então, a questão de saber se, em tal caso, estamos perante uma formalidade ad substantiam ou ad probationem. A respeito dita o artigo 364.º do CC que: “1. Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior. 2. Se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório.” O n.º 1 rege as formalidades ad substantiam e o n.º 2 as formalidades ad probationem. A doutrina e a jurisprudência inclinam-se no sentido de que a introdução do n.º 2 do artigo 1069.º do CC veio evidenciar que a exigência de forma escrita para os contratos de arrendamento é meramente ad probationem[7], ainda que estejamos perante uma situação do n.º 1 do preceito[8]. Assim, no caso dos autos, teremos que, no que diz respeito à celebração do contrato invocado pela Autora, apenas é admissível prova por confissão expressa da Ré (com exclusão, portanto, das confissões resultantes da não impugnação de factos nos articulados). Tendo este aspeto em mente, passemos a decidir os concretos pontos da matéria de facto impugnados pela Autora. 2.2.1 Factos que a Recorrente considera deverem ser aditados aos factos provados – ponto 11 das conclusões A Autora começa por insurgir-se contra a circunstância de não ter sido considerado provado que: a) “a Autora, em outubro de 2021, celebrou com a Ré, por intermédio da sua representante, (…), um contrato de arrendamento pelo prazo de um ano”; b) “se verificou um sério e grave incumprimento de tal contrato de arrendamento por parte da Ré”; c) “pelo menos, no dia 31 de março de 2022, a Ré praticou atos que constituem a criação de um ambiente que se inscreve na figura do assédio no arrendamento” e d) “a Autora sofreu graves danos não patrimoniais com tal incumprimento contratual e com tal assédio no arrendamento, na medida em que as atuações da Ré não apenas afetaram gravemente o seu estado psicológico, em especial, após dia 15 de março de 2022, como determinaram a cessação do contrato de arrendamento entre as Partes, o que deixou a Recorrente sem habitação e sem qualquer alternativa, vendo-se obrigada a viver de favor na casa de terceiros após tais factos”. Embora a Recorrente não especificasse os concretos meios probatórios que, a seu ver, impunham decisão diversa sobre estes pontos (artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do CPC), resulta patente serem tais meios os que enunciou para, mais adiante no seu recurso, insurgir-se contra a não prova de vários factos, pelo que se entende tomar posição acerca da impugnação, também nesta parte. E tomando posição, importa referir que: A primeira parte do ponto a) [“a Autora, em outubro de 2021, celebrou com a Ré, por intermédio da sua representante, (…), um contrato de arrendamento”], não podia ser dada como provada, não só por ser matéria de direito, nos termos já supra explicitados, como também por não ter sido quanto à mesma produzida prova suscetível de a provar, pois, como vimos já, a celebração de um contrato de arrendamento apenas podia resultar de confissão expressa da Ré nesse sentido, não tendo tal confissão ocorrido. Acresce que a parte final do ponto a) [“pelo prazo de um ano”] jamais foi alegada pela Autora. No que concerne ao ponto b) [“se verificou um sério e grave incumprimento de tal contrato de arrendamento por parte da Ré”], também ele, pelos já apontados motivos, consubstancia matéria de direito/conclusiva. É certo que a Recorrente densificou tal ponto em duas alíneas, pretendendo que se considere provado que: i) “a Ré não reduziu o contrato a escrito” e “não entregou à Autora as faturas-recibo pelo pagamento das rendas”. Ora, o primeiro segmento pressupõe a existência de um contrato de arrendamento, que, como vimos, só podia ser provado por confissão expressa da Ré nesse sentido, tendo tal confissão inexistido. O segundo segmento, por sua vez, mostra-se vertido no ponto 16 da matéria de facto provada, pelo que não faz sentido a pretensão de que seja aditado à matéria de facto. Na segunda alínea “concretizadora”, a Autora fez verter o seguinte: ii) “pelo facto de a Ré tudo ter feito para cessar o dito contrato no dia 31 de março de 2022, mediante um pré-aviso formal de apenas 15 dias, colocado debaixo da porta do locado, fazendo referência a outro tipo contratual que não o celebrado entre as Partes, e coagido a Autora, no dia 31 de março de 2022, a assinar um documento e a abandonar o apartamento no prazo de nove dias, sob pena de ver substituída a fechadura do locado, retirados os seus pertences, e a ter pagar a quantia de 500 euros pela substituição da fechadura e retirada dos bens do locado, mais a quantia de 100 euros por cada dia em que os seus bens estivessem no armazém da proprietária do locado”. Ora, o facto correspondente à primeira parte deste ponto ii) encontra-se vertido nos pontos 19 e 20 da matéria de facto provada. Já o segundo segmento, pese embora não alegado pela Autora na petição inicial, foi discutido pelas partes, pois resulta do documento junto em audiência prévia e cujo teor e subscrição foram confirmados tanto pela Autora, como por todas as testemunhas, encontrando-se, pois, provado, pelo que ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do CPC, podia e devia ser aditado, nos seguintes termos: 20.-A A Ré apresentou à Autora, e esta assinou, um documento intitulado “Declaração”, datado de 31 de março de 2022, e no qual consta que a Autora “declara, para os devidos efeitos legais, que irá desocupar e entregar ao seu proprietário o apartamento n.º 16 […], impreterivelmente até ao dia 9 de abril de 2022, entregando-o livre de quaisquer pessoas e bens, com exceção daqueles que equipam o apartamento em causa. Mais declara que, caso até essa data não proceda à entrega do apartamento em causa, autoriza, desde já, que nessa mesma data seja substituída a fechadura do apartamento acima referido e retiradas do local as coisas que lá se encontrarem, sendo que, nesse caso, se compromete a pagar a quantia de € 500,00 (quinhentos euros) pela substituição da fechadura e retirada dos seus bens do local, pagando, ainda, adicionalmente uma taxa diária de € 100,00 (cem euros), por cada dia em que os seus bens se mantiverem no armazém do proprietário até à data em que os mesmos de lá sejam por si levantados. Na data da entrega do apartamento será devolvido o valor da caução, deduzidos as despesas a que haja lugar por equipamento e utensílios danificados.” Efetivamente, apenas esta realidade e não a invocada coação resulta da prova produzida em audiência de julgamento, já que a Autora nas suas declarações de parte não soube explicar no que consistira tal coação (tendo mesmo sido contraditória, pois afirmou ter assinado a declaração porque ficou com medo de pagar € 500,00, quando é certo que o que assinou é, precisamente, uma declaração a onerá-la com o pagamento de € 500,00 caso não procedesse à entrega do apartamento – cfr. minuto 47 das declarações de parte), incorrendo a testemunha (…) no mesmo tipo de contradição (cfr. minuto 10 e ss. do seu depoimento – afirmou ter-lhes sido dito que ou assinavam ou as suas coisas eram colocadas fora do apartamento, mas, na realidade, a declaração que a Autora assinou previa, precisamente, a hipótese de os bens serem retirados do apartamento). Por sua vez e no que tange ao ponto c) [“pelo menos, no dia 31 de março de 2022, a Ré praticou atos que constituem a criação de um ambiente que se inscreve na figura do assédio no arrendamento”] trata-se de matéria de direito, conclusiva e que pressupunha dar-se como provada a celebração de um contrato de arrendamento, sem que haja sido produzida prova apta para o efeito (confissão expressa da Ré), conforme vimos já. Por último e no que concerne o ponto d) [“a Autora sofreu graves danos não patrimoniais com tal incumprimento contratual e com tal assédio no arrendamento, na medida em que as atuações da Ré não apenas afetaram gravemente o seu estado psicológico, em especial, após dia 15 de março de 2022, como determinaram a cessação do contrato de arrendamento entre as Partes, o que deixou a Recorrente sem habitação e sem qualquer alternativa, vendo-se obrigada a viver de favor na casa de terceiros após tais factos”], também ele é conclusivo/encerra matéria de direito, exceto na parte da afetação psicológica e da falta de alternativa habitacional, factos que, o primeiro, o tribunal a quo julgou não demonstrado (factos K e L) – contra o que se insurgiu a Recorrente mais adiante no seu recurso e a essa propósito será analisado – e o segundo foi considerado provado pelo tribunal a quo, como se vê do ponto 21. do elenco de factos. Procede, pois, parcialmente, a impugnação, nesta parte, com aditamento do facto 20.-A, nos termos sobremencionados. 2.2.2. Factos que a Recorrente considera terem erroneamente sido julgados não provados 2.2.2.1 Facto A - pontos 12 a 16 das conclusões Consta deste ponto da matéria de facto não provada que: “A autora pagou a caução em finais de outubro de 2021”. A Recorrente entende não só que este facto está demonstrado, como, também, que o mesmo está em contradição com o ponto 9 dos factos provados, cujo teor é: “Ficou acordado que a autora pagaria de imediato à Ré uma caução no valor de € 600,00 (seiscentos euros), o que aconteceu.” Ouvidas as declarações de parte da Autora e o depoimento da testemunha (…) e confrontando-os com o documento junto sob o n.º 5, não pode deixar de se concordar com o tribunal a quo quando assinala a contradição entre a data enunciada no documento (08/11/2021) e aquelas declarações e depoimento, não considerando, consequentemente, provado o facto A. Aliás, acrescentamos nós, a própria Autora referiu, ao minuto 42 das suas declarações, ter recebido o recibo da caução na data em que procedeu ao pagamento da mesma, o que ilustra a relevância da data que consta do recibo, não coincidente com “finais de outubro de 2021”. Por outro lado, tal facto não está em contradição com o facto provado 9., já que o segmento “o que aconteceu”, inserto neste facto 9., refere-se ao pagamento da caução e não à data em que o mesmo se deu. Improcede, assim, a impugnação, nesta parte. 2.2.2.2 Factos B, C, D e E) – pontos 17 a 41 das conclusões Estes factos versam a existência do contrato de arrendamento e inerente pagamento de rendas, sendo que não foram alvo de confissão expressa por banda da Ré, pelo que, pelos motivos já enunciados, não podem ser dados como provados com base nos meios de prova ora invocados pela Recorrente (documentos 1 a 4 da petição inicial – consubstanciados em troca de mensagens entre uma trabalhadora da Ré e a Autora, sem que resulte dos autos ou da prova produzida em julgamento que tal trabalhadora seja procuradora com poderes confessórios –, declarações de parte da Autora, prova testemunhal, de … e …, e documento n.º 8). Improcede, portanto, a impugnação, nesta parte. 2.2.2.3 Factos H) a K) – pontos 50 a 69 das conclusões Neste segmento começa a Recorrente por insurgir-se contra a circunstância de não terem sido julgados provados os factos J) e K). O teor destes factos é o seguinte: “J. A partir de dia 31 de março de 2022, a Autora constatou que passaram a estar presentes no prédio, 24 horas por dia, cerca de seis, sete homens corpulentos, os quais abordavam os habitantes, incluindo a Autora, acerca da sua identidade, do apartamento que estavam a habitar, quando pretendiam abandonar os imóveis. K. O que causou grande incómodo e constrangimento à Autora, a qual sentiu medo, mas ao mesmo tempo tristeza, constrangimento, desconforto e vergonha.” Realizada a audição da prova que a Recorrente invoca para sustentar que estes factos deveriam ter sido julgados demonstrados, não pode, também nesta sede, deixar de se acompanhar a fundamentação do tribunal a quo, à qual se acrescentará, apenas, que as declarações de parte e depoimentos foram contraditórios não só quanto ao número de seguranças (cfr. minutos 26/27 das declarações de parte da Autora, minuto 8:27 da primeira parte do depoimento da testemunha … e minutos 8:22 e 25:48 do depoimento da testemunha …), como quanto à data a partir da qual os seguranças se encontrariam no empreendimento (cfr. minutos 26/27 e 1h03 das declarações de parte da Autora, minutos 6 e ss. da segunda parte do depoimento da testemunha … e minuto 25 do depoimento da testemunha …), à abordagem que os seguranças teriam feito (cfr. minutos 26 e seguintes das declarações de parte da Autora, minuto 12:40 da 1ª parte do depoimento da testemunha …, minutos 8:40 e seguintes da 2ª parte do depoimento da testemunha … e minuto 8:26 do depoimento da testemunha …) e aos sentimentos gerados pela respetiva conduta (cfr. minutos 31/32 das declarações de parte da Autora e minutos 14:09 e seguintes do depoimento da testemunha …). Entende ainda a Recorrente – cfr. pontos 58 e seguintes das conclusões – que o tribunal a quo devia ter considerado provado que “no dia 31 de março de 2022, foi efetiva e deliberadamente criado, pela Ré, um ambiente intimidativo, perigoso, humilhante e desestabilizador no prédio, com vista à desocupação (assédio no arrendamento)”. Ora, conforme havíamos já referido, o assim alegado está concretizado nos factos que constam das alíneas H) a J) da matéria de facto não provada, referentes à entrada e saída por estranhos, ao fecho da água e à presença de homens corpulentos. Esclarecemos já por que motivo andou bem o tribunal a quo ao julgar não provado o facto J). No que diz respeito aos factos H) e I), entendemos igualmente não assistir razão à Recorrente. Na verdade, ouvida a prova invocada (declarações de parte da Autora e depoimento das testemunhas … e …), constatamos, tal como o tribunal a quo, que a parte e as testemunhas se limitaram a expressar convicções quer quanto à entrada nos apartamentos, quer quanto à falta de água. Efetivamente, a Autora reconheceu que ninguém entrou no seu apartamento ou remexeu as suas coisas – minuto 24 das declarações de parte –, enquanto a testemunha (…), que se convenceu de que haviam entrado no seu apartamento e usado a casa de banho, reconheceu não ter assistido à alegada intrusão. Além do que a Autora e as testemunhas não foram igualmente consentâneas na descrição dos alegados fechos de água, denotando discrepâncias quer quanto às datas em que se terá/terão dado, quer quanto à extensão dos fechos, sua duração e horas em que se deram. Não se vislumbra, assim, motivo para que os factos H) a K) passem a constar como provados, improcedendo a impugnação nesta parte. * No que concerne aos pontos 42 a 49 das conclusões, remete-se para o que, a propósito, foi dito supra quanto a dar-se como provada a existência de um contrato de arrendamento e seu incumprimento.* Assim, em síntese, a impugnação da matéria de facto procede apenas quanto ao aditamento do seguinte facto, o que se determina:20.-A A Ré apresentou à Autora, e esta assinou, um documento intitulado “Declaração”, datado de 31 de março de 2022, e no qual consta que a Autora “declara, para os devidos efeitos legais, que irá desocupar e entregar ao seu proprietário o apartamento n.º 16 […], impreterivelmente até ao dia 9 de abril de 2022, entregando-o livre de quaisquer pessoas e bens, com exceção daqueles que equipam o apartamento em causa. Mais declara que, caso até essa data não proceda à entrega do apartamento em causa, autoriza, desde já, que nessa mesma data seja substituída a fechadura do apartamento acima referido e retiradas do local as coisas que lá se encontrarem, sendo que, nesse caso, se compromete a pagar a quantia de € 500,00 (quinhentos euros) pela substituição da fechadura e retirada dos seus bens do local, pagando, ainda, adicionalmente uma taxa diária de € 100,00 (cem euros), por cada dia em que os seus bens se mantiverem no armazém do proprietário até à data em que os mesmos de lá sejam por si levantados. Na data da entrega do apartamento será devolvido o valor da caução, deduzidos as despesas a que haja lugar por equipamento e utensílios danificados.” 2.3. Fundamentos de Direito Como vimos já, é fundamento último de todos os pedidos formulados pela Autora a existência de um contrato de arrendamento. Efetivamente, a Autora pede a condenação da Ré no pagamento de quantias a título de danos resultantes do incumprimento de um contrato de arrendamento (v. g. por não redução do contrato de arrendamento a escrito, por falta de entrega dos recibos e consequente impossibilidade de dedução da renda paga em sede de IRS, por exigência de abandono prematuro do apartamento e por assédio no arrendamento). Como vimos já, o artigo 1069.º do CC determina que: “1- O contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito. 2- Na falta de redução a escrito do contrato de arrendamento que não seja imputável ao arrendatário, este pode provar a existência de título por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis meses”. Ora, a Autora alegou (cfr. pontos 11º e 17º, ambos da petição inicial) ter ocupado o apartamento em questão a 1 de novembro de 2021, mês em que procedeu ao pagamento da primeira “renda” (cfr., também, os pontos 10 e 11 da matéria de facto provada, não sindicada em sede de recurso), sendo que em março de 2022 pagou a última renda (cfr. artigos 58º e 59º, ambos da petição inicial). Ou seja, a Autora não alegou, nem está demonstrado, ter procedido ao pagamento mensal de renda por um período de seis meses, não estando, como tal, verificados os pressupostos enunciados no artigo 1069.º, n.º 2, do CC. Não se verificando as circunstâncias versadas no n.º 2 do artigo 1069.º do CC, não poderá o alegado arrendatário ver declarada a existência do contrato de arrendamento verbal[9]. E, não podendo ver declarada a existência do contrato de arrendamento, não pode a Autora valer-se das consequências do seu alegado incumprimento, do assédio no arrendamento e dos danos daí decorrentes, devendo a ação necessariamente improceder. Mas, ainda que assim não se entendesse, sempre o sucesso da ação esbarraria no que vem disposto no artigo 45.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 39/2008. Senão vejamos. O apartamento em questão não é uma fração destinada a habitação, mas sim uma unidade de alojamento do tipo “Apartamento Turístico”, com alvará de autorização de utilização turística, sita num empreendimento turístico denominado “Apartamentos (…)” (cfr. ponto 25 da matéria de facto provada), cuja exploração estava acometida à Ré (sociedade comercial que tem por objeto o aluguer e exploração de todo o tipo de apartamento de turismo, exploração hoteleira e atividades de animação turística), por via de um acordo de exploração de unidade hoteleira, celebrado com a proprietária, entidade terceira – cfr. pontos 22, 24, 25, 26 e 27 da matéria de facto provada. O supra citado artigo 45.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 39/2008 dita que: “As unidades de alojamento previstas no n.º 3 [aquelas em que a propriedade e a exploração turística não pertencem à mesma entidade] não podem […] ser objecto de contratos que comprometam o uso turístico das mesmas, designadamente, contratos de arrendamento […]” (sublinhado nosso). Assim, caso Autora e Ré tivessem celebrado um contrato de arrendamento tendo por objeto o apartamento em questão, a circunstância de a Ré ter exigido a sua “cessação antecipada” (nas palavras da Autora), não configuraria o facto ilícito (desconformidade entre a conduta devida e prestada) pressuposto da responsabilidade invocada pela Autora (artigo 798.º e seguintes do CC). Não se vislumbra, em síntese, fundamento para alterar o sentido da decisão recorrida. 3. Custas Custas pela Recorrente, atento o decaimento (artigo 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC e Tabela I-B do Regulamento das Custas Processuais), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia. III. DECISÃO Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia. Évora, 30 de outubro de 2025 Sónia Kietzmann Lopes (Relatora) Manuel Bargado (1º Adjunto) Sónia Moura (2ª Adjunta) (Acórdão assinado digitalmente) __________________________________________________ [1] Com vista a evitar ulterior reprodução da matéria de facto “consolidada” e visando a respetiva perceção lógica, opta-se por, desde já, inserir o facto que resulta da procedência parcial da impugnação da matéria de facto. [2] Neste sentido, Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol. II, Almedina, pág. 229. [3] Neste sentido, Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Almedina, pág. 179. [4] Neste sentido, Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Almedina, pág. 179. [5] Neste sentido, Maria Olinda Garcia, in Julgar Online, março de 2019, pág. 8. [6] Ressalvado o devido respeito, tendo em conta a letra da lei, parece-nos que não será necessária a demonstração de um pagamento de renda “há mais de seis meses”, como escreve a autora, mas apenas a demonstração de um pagamento de renda há pelo menos seis meses. [7] Neste sentido, Maria Olinda Garcia, in ob. e loc. citados e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24/01/2023, proferido no processo n.º 343/19.0T8ACB.C1 e disponível na base de dados da dgsi. [8] Neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/01/2022, proferido no processo n.º 9715/19.9T8LRS.L1.S1 e disponível na base de dados da dgsi. [9] Neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10/07/2025, proferido no âmbito do processo n.º 7368/22.6T8STB.E1 e disponível na base de dados da dgsi. |