Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1071/20.9T8TMR.E1
Relator: FRANCISCO XAVIER
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
INÍCIO DO PRAZO PRESCRICIONAL
Data do Acordão: 05/26/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I. O prazo prescricional estabelecido no n.º 1 do artigo 498º do Código Civil inicia-se logo que o interessado tenha conhecimento do direito que lhe compete, ainda que desconheça a pessoa do responsável e a extensão integral dos danos sofridos.
II. Para que o lesado tenha conhecimento do direito que lhe compete e se inicie o prazo da prescrição, não basta a prática do facto danoso, é necessário que o lesado tenha conhecimento da prática desse facto, que conheça a sua existência enquanto tal, como causador dos danos sofridos, pois só nesse momento é que se torna conhecedor da existência dos factos que integram os pressupostos legais do direito de indemnização fundado na responsabilidade civil extracontratual (facto ilícito, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano), sabendo que dispõe do direito à indemnização pelos danos que sofreu.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – Relatório
1. M. instaurou acção declarativa, com processo comum, contra NÓS Comunicações, SA., pedindo a condenação da R., no pagamento, a título de indemnização, da quantia de € 13.379, 08, acrescida dos juros legais.

2. Para tanto, invocou, em síntese:
- Que por sentença de 09/11/2019, proferida no processo n.º 1556/18.7T8TMR, confirmada pelo acórdão da Relação de 23/04/2020, foi condenada a pagar ao seu vizinho do andar inferior, (…), a quantia de € 2.986,72, a título de danos patrimoniais, pelos danos causados na sequência de infiltrações de água provenientes do seu andar, e de € 1.000,00 por danos não patrimoniais;
- Que não teve qualquer responsabilidade pelas ditas infiltrações;
- Que também teve prejuízos na sua própria habitação; e
- Que só em 12/10/2018 veio a ter conhecimento, através de uma peritagem que mandou realizar, que os funcionários da R., com quem tinha contratado “serviços NOS-variados” em 18/04/2017, na execução dos trabalhos, aquando da montagem da “TV Cabo” em 03/05/2017, perfuraram um tubo de águas pluviais do imóvel/condomínio, que foi causa directa das aludidas infiltrações.
Concluiu, assim, que a R. é responsável pelo ressarcimento dos prejuízos causados, nos termos do artigo 483º do Código de Processo Civil, pretendendo reaver da R. as quantias pagas na dita acção e ser indemnizada pelas despesas que teve com o referido processo e com a reparação dos danos causados na sua fracção, e, bem assim, com a reparação do tubo perfurado pela R., que mandou reparar, em 04/12/2019, para evitar problemas futuros.

3. Citada, a R. apresentou contestação, invocando, além do mais, a excepção peremptória da prescrição, nos termos do n.º 1 do artigo 498º do Código Civil, alegando que a acção foi instaurada mais de 3 anos após a intervenção da R., que ocorreu em 03/05/2017, e requereu a intervenção acessória de Instaljet – Telecomunicações Unipessoal Lda., empresa com a qual a R. tinha à data uma parceria e que procedeu à instalação em causa nos autos, a qual veio a ser admitida.
Admitida a intervenção, também a interveniente veio invocar na contestação a excepção da prescrição.

4. Cumprido o contraditório quanto à matéria de excepção, veio a ser proferida decisão na qual se julgou verificada a invocada excepção da prescrição, nos termos do disposto no artigo 498º n.º 1 do Código Civil, absolvendo-se as RR do pedido.

5. Inconformada interpôs a A. o presente recurso, o qual motivou, concluindo do seguinte modo:
1.ª A presente acção de indemnização foi prematuramente decidida por sentença, de 26/5/2021, que declarou a excepção de prescrição – cfr. artigo 498º, n.º 1, do Código Civil –, absolvendo as RR do pedido;
2.ª A sentença, com a qual a Autora não se conforma, foi proferida no terminus dos articulados, conhecendo de uma excepção que foi invocada pelas RR;
3.ª A Mtª Juíza acabou por efectuar um raciocínio matemático, sem atender a todos os elementos fácticos constantes da petição inicial;
4.ª Duas questões prévias se colocam:
5.ª 1ª – efectuando um mea culpa (por culpa do nosso escritório) rectifica-se a posição assumida na resposta à contestação da 2ª Ré porque na verdade o artigo supra mencionado estatui que o prazo ocorre mesmo que o autor do dano seja desconhecido, bem como a extensão do mesmo;
6.ª 2ª – a sentença de que se recorre aquando da notificação suscitou muita perplexidade na medida em que, à primeira vista, não era distinguível a citação de um Acórdão da matéria da lavra da Mtª Juíza; tendo-se requerido uma correcção do erro, ou, in limine arguindo a nulidade da sentença, veio a mesma proferir despacho indeferindo o requerido, porquanto a matéria atinente à citação estava devidamente assinalada com aspas; tal actuação, não consentânea com o ensinado em MTC-Metodologia do Trabalho científico, olvida os fundamentos de facto e acarreta mesmo em nosso entender a nulidade da dita sentença – cfr. artigo 615º, n.º 1, als b) e c) do Código de Processo Civil; finalmente diga-se que a Mtª Juíza usou 14 linhas para decidir;
7.ª Sem embargo, e percorrendo os articulados, temos que na petição inicial teve-se o cuidado de invocar que só em Outubro de 2018 a Autora tomou conhecimento do direito que lhe assistia;
8.ª O facto de as acções pseudo (em matéria de qualidade) efectuadas pelas RR – instalação em 3 de Maio de 2017 de TV cabo no apartamento da Autora –, como se explica na p.i. para a qual se remete com a devida vénia, só em 2018 (data em que a Autora pagou uma peritagem e foi demandada pelo vizinho de baixo por infiltrações de água) produziram efeitos;
9.ª E por isso mesmo é naquela data que deve iniciar-se o prazo de prescrição, donde tendo em conta a data da propositura da presente acção 24/8/2020, e a data da citação da Ré “NOS” 15/9/2020, deve concluir-se pela inexistência da excepção que julgou a presente acção;
10.ª 10-Analisando a contestação da Ré “NOS” constata-se que, com o devido respeito, fez a leitura da petição inicial que mais lhe convinha, que aliás, é a mesma que foi plasmada na sentença de que ora se recorre; porém, mas sem relevância – cfr. jurisprudência citada pela Mtª Juíza, a 1ª Ré ainda alude a troca de correspondência com a Autora dentro do prazo prescricional;
11.ª A 1ª Ré suscitou a intervenção da INSTAUET, por ter sido esta pessoa colectiva que levou a cabo a instalação mencionada;
12.ª Na sua contestação a 2ª Ré cautelosamente suscita também a excepção de prescrição. E dizemos cautelosamente porque pode constatar-se que a mesma leu a petição e coloca o assento tónico no processo volitivo contido no artigo 498º, n.º 1 do Código Civil;
13.ª Contudo, a interpretação efectuada de tal preceito não pode colher, o processo volitivo é complexo, e matura-se com o conhecimento efectivo da possibilidade de reparação do dano;
14.ª A Autora reconhece que, à primeira vista, é quase ridículo o pleito – um furo num tubo comum do condomínio, para instalar a T Cabo –, mas a verdade é que, como se diz na p.i, já a levou a despender milhares de euros;
15.ª A sentença recorrida, se não for considerada nula, viola o disposto no artigo 498º, n.º 1, do Código Civil, ao efectuar uma errada interpretação deste preceito, conjugada que seja a matéria de facto alegada na petição inicial, devendo ser revogada e substituída por despacho que ordene o normal prosseguimento dos autos.

6. Não se mostram juntas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Cumpre apreciar e decidir.
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II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:
(i) Das nulidades da sentença;
(ii) Da verificação da invocada excepção da prescrição do direito da A. à peticionada indemnização.
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III – Fundamentação
A) - Os Factos
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais resultantes do relato dos autos, sendo ainda de considerar que:
- A acção foi instaurada em 24/08/2020; e
- A R. foi citada em 15/09/2020.
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B) – O Direito
1. Com a presente acção visa a A. ser indemnizada pelos prejuízos sofridos em consequência da actuação da R. que, em 03/05/2017, ao instalar na sua habitação a “TV Cabo”, perfurou o tubo de águas pluviais do condomínio, ao nível da varanda da sua fracção, que alegadamente esteve na origem das infiltrações provocadas na habitação do seu vizinho e na sua própria, cujas despesas de reparação suportou, alegando, também, que só teve conhecimento do facto gerador do dano – a perfuração do dito tubo – em 12/10/2018, quando mandou realizar uma peritagem.
A R. e a Interveniente, como se referiu, invocaram a excepção da prescrição do direito da A., nos termos do artigo 498º, n.º 1, do Código Civil, excepção esta que a decisão recorrida julgou procedente com a seguinte fundamentação:
«Veio a A. intentar acção peticionado indemnização tendo como causa de pedir o instituto da responsabilidade civil extra-contratual contra NOS Comunicações SA tendo sido chamada Instalget Lda.
Em sede de contestação foi invocada a prescrição e foi cumprido o contraditório.
Os autos possuem elementos suficientes que permitem que seja já proferida decisão.
No âmbito da responsabilidade extracontratual, nos termos do disposto no artº 498º n.º 1 do CC, o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos.
Como se refere no Ac TRE 17.03.2010 “O Julgador a quo perante a factualidade supra descrita, em que estão em causa somente danos materiais e tendo em conta o prazo consignado no n.º 1 do artº 498º n.º 1 do CC, concluiu estar “demonstrado nos autos que o acidente ocorreu em 18 de Fevereiro de 2006 e que esta acção deu entrada em juízo no dia 13 de Abril de 2009, na qual a R. foi citada em 22 de Abril de 2009, verifica-se, de forma clara, que já havia decorrido integralmente o prazo prescricional na ocasião em que esta acção entrou em juízo por não se terem verificados quaisquer causas de interrupção ou suspensão da prescrição nos termos previstos nos artºs 318º e ss. e 323º e ss., todos do Código Civil.”
Não podemos deixar de estar em consonância com o que é dito pelo Julgador a quo. Ao contrário do que refere a recorrente (que não se dignou apresentar resposta à matéria e excepção deduzida na contestação), não existe qualquer factualidade que ponha em causa e obstaculize o normal decurso do prazo prescricional.
Não existindo, até porque nem foi alegado, qualquer ilícito criminal por parte do condutor do veículo seguro na ré, ao direito indemnizatório a que se arroga a autora, há que aplicar, sem qualquer margem de dúvida, o prazo prescricional de três anos consignado no n.º 1 do artº 498º do CC.
Tal prazo deverá contar-se a partir do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu. Todas as ocorrências situadas a jusante desse momento poderão ter interesse para outros efeitos, nomeadamente para interrupção ou suspensão do prazo, mas não para o início da contagem do mesmo.
De tal decorre que as missivas, quer de 17/04/209, quer de 18/05/2009, a que a recorrente alude nas suas conclusões, não fazem com que o prazo prescricional só comece a contar da data em que a ré expressamente reconheceu o declinar da responsabilidade (carta de 18/05/2009), por tal nada ter a ver com a existência do próprio direito e o momento que a autora tomou dele conhecimento, que não pode deixar de se situar na data em que o acidente ocorreu, já que o que releva para o inicio da contagem do prazo não é o conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo direito, mas, tão só, o conhecimento dos factos constitutivos desse direito, tais como saber que o acto foi praticado e que dessa prática resultaram para si danos.
O facto da autora ter junto da ré efectuado tentativas para resolução extrajudicial do litígio, não releva para obstar ao decurso normal do prazo prescricional, já que tal não caracteriza uma situação de interrupção promovida pelo titular, a qual, aliás, para ser relevante tem de ser efectuada através de “meios jurisdicionais” (cfr. artº 323º do CC) em que se evidencie intenção directa ou indirecta de vir a exercer o direito, não obstante bastar qualquer “diligência judicial que seja incompatível com o desinteresse pelo direito de cuja prescrição se trate”.
Por outro lado, do comportamento da ré, não há nada que indicie que em algum período tenha, perante a autora, reconhecido expressa ou tacitamente o direito a que esta se arroga na presente acção de modo a poder-se concluir, nesta vertente e ao abrigo do disposto no artº 325º do CC, ter operado a interrupção da prescrição.
Para nós é claro que a autora, enquanto lesada, teve conhecimento dos factos constitutivos do seu direito no próprio dia em que ocorreu o acidente (18/02/2006), pelo que não existindo causas de interrupção ou suspensão da prescrição, atenta a data da instauração da acção, deve ter-se tal direito por prescrito.
(…) Para efeitos do n.º 7 do artº 713º do Cód. Processo Civil, em conclusão:
1 – O prazo prescricional geral, no âmbito da responsabilidade extracontratual, é de três anos (artº 498º n.º 1 do CC)
2 – A contagem de tal prazo inicia-se no momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, isto é que conheça os pressupostos que condicionam a responsabilidade, ou seja, que o acto foi praticado por alguém e que dessa prática resultaram para si danos.
3ª – O facto de existirem tentativas para resolução extrajudicial do litígio não obsta a que o prazo prescricional continue a correr, por não se evidenciar qualquer causa de suspensão ou interrupção da prescrição previstas na lei.”
Ora, in casu os argumentos a convocar são, mutatis mutandis, exactamente os mesmos. Com efeito, o facto gerador do dano, segundo a Autora revela na PI, ocorreu a 3.05.2017 tendo a presente acção sido intentada apenas a 24.08 e citada a Ré a 15.09.2020.
Donde, sem necessidade de mais considerações se julga verificada a invocada excepção da prescrição nos termos do disposto no artº 498º n.º 1 do CC, absolvendo-se as RR do pedido.»

2. A A. discorda do assim decidido, começando por invocar a nulidade da sentença, com fundamento nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, invocando, em síntese, que: “a sentença de que se recorre aquando da notificação suscitou muita perplexidade na medida em que, à primeira vista, não era distinguível a citação de um Acórdão da matéria da lavra da Mtª Juíza; tendo-se requerido uma correcção do erro, ou, in limine arguindo a nulidade da sentença, veio a mesma proferir despacho indeferindo o requerido, porquanto a matéria atinente à citação estava devidamente assinalada com aspas; tal actuação, não consentânea com o ensinado em MTC-Metodologia do Trabalho científico, olvida os fundamentos de facto e acarreta mesmo em nosso entender a nulidade da dita sentença – cfr. artigo 615º, n.º 1, als b) e c) do Código de Processo Civil; finalmente diga-se que a Mtª Juíza usou 14 linhas para decidir”.
Vejamos:
Em face do preceituado no artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Esta disposição legal está em consonância com o disposto no n.º 1 do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, que impõe que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei, e com a consagração na lei ordinária do mesmo dever de fundamentação, por via da expressa previsão do n.º 1 do artigo 154.º do Código de Processo Civil, de acordo com o qual as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas, e, bem assim, com o artigo 6º da Declaração Europeia dos Direitos do Homem, como uma componente essencial da garantia a um processo equitativo (cf. artigo 20º, nº 4, da Lei Fundamental).
Com efeito, a fundamentação das decisões, quer de facto, quer de direito, proferidas pelos tribunais estará viciada caso seja descurado o dever de especificar os fundamentos decisivos para a determinação da sua convicção, já que a opacidade nessa determinação sempre colocaria em causa as funções que estão ínsitas na motivação da decisão, ou seja, permitir às partes o eventual recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação em causa e, simultaneamente, permitir o controlo dessa decisão, colocando o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos seguros, um juízo concordante ou divergente.
Porém, como é pacífico, o vício de falta de fundamentação, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, só ocorre quando houver falta absoluta dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão, e já não quando essa fundamentação ou motivação for deficiente, incompleta, não convincente, medíocre ou até errada, porquanto essa situação determinará a sua revogação ou alteração por via de recurso, quando o mesmo for admissível, mas não a respectiva nulidade.
Quanto à nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, a mesma ocorre quando: “os fundamentos estejam em oposição com a decisão, ou ocorra ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
A nulidade prevista na 1.ª parte da alínea c) do referido preceito legal remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos.
Por outro lado, como ensina Remédio Marques (Acção Declarativa À Luz Do Código Revisto, 3.ª Edição, pág. 667), “a ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, seja da sua parte decisória, seja dos respectivos fundamentos”, e “a obscuridade, de acordo com a jurisprudência e doutrina dominantes, traduz os casos de ininteligibilidade da sentença.”

3. Ora, no caso concreto, não vemos em que é que se baseia a invocada nulidade por falta de fundamentação, porquanto, ainda que, sucintamente e também por adesão aos fundamentos do acórdão que se citou na decisão, resulta da mesma que se fundou na aplicação da norma do n.º 1 do artigo 498º do Código Civil, considerando-se que havia decorrido o prazo da prescrição, porquanto a acção foi instaurada após o decurso do prazo prescricional de 3 anos contado do facto gerador do dano, consignando-se os factos que se tiveram por relevantes, ou seja, a data do facto gerador do dano e a data da instauração da acção e da citação.
E também não ocorre nulidade por falta de fundamentação por na decisão se ter dedicado à apreciação do caso concreto escassas 3 linhas, pois a decisão funda-se no entendimento que se retirou do acórdão anteriormente transcrito e da sua aplicação ao caso concreto.
A questão que a recorrente coloca tem mais a ver com a “obscuridade” da decisão, susceptível de colocar em causa a sua inteligibilidade, por não estar suficientemente demarcado o texto do acórdão que se cita como fundamento para a decisão proferida nestes autos, e parecer que a decisão se está a pronunciar sobre um “acidente de viação”, que nada tem a ver com o caso em apreço, questão esta que a Recorrente colocou ao tribunal recorrido que esclareceu que: “o texto em apreço é uma citação do aí mencionado Acórdão, devidamente delimitada por aspas.”
De facto, verifica-se que a citação do dito acórdão, enxertada na decisão recorrida, não é feita com destaque que facilmente permita distinguir a citação do restante texto da decisão, e até se aceita que, não havendo aquele destaque e face à existência de diversas aspas no texto citado, numa primeira leitura não se consiga logo distinguir onde termina a citação e começa a apreciação do caso concreto propriamente dita.
Porém, embora se concorda que a metodologia de fundamentação adoptada não seja a mais correcta nem adequada à necessidade de clareza de que devem pautar as decisões judiciais, ainda assim, com uma leitura mais atenta se compreende o texto decisório e, após, a explicação do julgador, também a Recorrente o entendeu, embora não concorde com a decisão. Mas, esta é a questão que a seguir se apreciará, e que nada tem a ver com as nulidades da decisão.
Deste modo, improcedem as arguidas nulidades.

4. Quanto à questão da prescrição:
A prescrição é o instituto jurídico pelo qual os direitos subjectivos se extinguem se não forem exercidos durante certo lapso de tempo fixado na lei (artigo 298°, n.º 1 do Código Civil), e tem como principal fundamento a inércia de alguém que, podendo ou devendo actuar para exercitar um direito, se abstém de o fazer. Sustenta-se numa ideia de negligência do titular do direito em exercitá-lo, negligência essa que faz presumir a sua vontade de renunciar a tal direito, ou, pelo menos, o torna desmerecedor de protecção jurídica.
Este instituto visa a certeza e a segurança do tráfico jurídico, a protecção dos obrigados, especialmente dos devedores, contra as dificuldades de prova a longa distância temporal, e exercer pressão sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efectivação, quando não queiram abdicar deles.
Não se suscitam dúvidas de que no caso concreto a pretensão da A. se fundamenta na responsabilidade civil pela prática de actos ilícitos, nos termos do artigo 483º do Código Civil, que no caso imputa à R. NOS Comunicações, SA..
Ora, em face do disposto no n.º 1 do artigo 498º do Código Civil, “[o] direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.” (sublinhado nosso)
Como já referiam Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao referido preceito (cf. Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição revista e actualizada, pág. 503):
“São dois os prazos de prescrição estabelecidos no n.º 1. Logo que o lesado tenha conhecimento do direito à indemnização, começa a contar-se o prazo de três anos. Desde o dano começa, porém, também a correr o prazo ordinário, ou seja, o de vinte anos.
Para o começo do primeiro prazo não é necessário que o lesado tenha conhecimento da extensão integral do dano (cfr. Vaz Serra, na Rev. de Leg. e de Jur., anos 95.º, pág. 308; 96.º, págs.183 a 215, e 97.º, pág. 231), pois pode pedir a sua fixação para momento posterior; nem é necessário que conheça a pessoa do responsável, pois não deve admitir-se que a incúria do lesado em averiguar quem o lesou e quem são os responsáveis prolongue o prazo da prescrição. O que é necessário, para começo da contagem do prazo, é que o lesado tenha conhecimento do direito que lhe compete (cfr., a este respeito, o acórdão do S.T.J., de 27 de Novembro de 1973, e a anotação de Vaz Serra, na Rev. de Leg. e de Jur ., ano 107.º, págs. 296 e segs.).” Mais longe foi o direito italiano, em que o prazo de prescrição se conta a partir do dano.”
Efectivamente, como resulta do preceito e se diz na anotação que antecede, o prazo de prescrição de 3 anos previsto na norma inicia-se logo que o interessado tenha conhecimento do direito que lhe compete, ainda que desconheça a pessoa do responsável e a extensão integral dos danos sofridos.
E para que o lesado tenha conhecimento do direito que lhe compete não basta a prática do facto danoso, é necessário que tenha o conhecimento da prática desse facto, que conheça a sua existência enquanto tal, como causador dos danos sofridos, pois só com esse conhecimento é que fica a saber que tem o direito a ser indemnizado.
Neste sentido, entendeu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03/11/2005 (proc. n.º 04B4235), disponível como os demais citados, sem outra referência, em www.dgsi.pt, que:
«1 - Se alguém adquire a propriedade de um determinado imóvel e outrem - ilicitamente, porque sem título e sem consentimento - o ocupa, é a partir do conhecimento dessa situação que se conta o prazo de prescrição do direito à indemnização pelo dano sofrido com essa ocupação.
2 - O prazo de prescrição de três anos inscrito no art. 498, nº1 do CCivil conta-se a partir dessa data …»
E no mesmo sentido conclui-se no aresto do Supremo Tribunal de Justiça, de 14/10/2021 (proc. n.º 1292/20.4T8FAR-A.E1.S1), que:
«1. Para efeito de contagem do termo inicial do prazo prescricional estabelecido no artigo 498º, nº 1, do Código Civil, o lesado terá conhecimento “do direito que lhe compete” quando se torne conhecedor da existência dos factos que integram os pressupostos legais do direito de indemnização fundado na responsabilidade civil extracontratual (facto ilícito, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano), sabendo que dispõe do direito à indemnização pelos danos que sofreu …»
Conforme se escreveu neste aresto, que passamos a transcrever:
“… tal como ensina Menezes Cordeiro [In “Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo IV, 2005, Almedina, pág. 166], que, sobre o início da contagem do prazo de prescrição, existe o sistema subjectivo segundo o qual o prazo de prescrição só começa a correr quando o credor tenha conhecimento dos elementos essenciais relativos ao seu direito, e o sistema objectivo, adoptado pela lei portuguesa, no art. 306º, nº 1, 1ª parte, do C. Civil, segundo o qual o prazo de prescrição começa a correr assim que o direito possa ser exercido e independentemente do conhecimento que o credor tenha ou possa ter dos elementos essenciais do direito.
Daí a afirmação feita no supra citado Acórdão do STJ, de 20.03.2014 (processo nº 420/13.0TBMAI.P1.S1) [Acessível in www.dgsi.pt/stj], de que «o prazo prescricional deve começar a correr no momento em que o direito, exigível, pode ser exercido».
Com efeito, como refere Vaz Serra [“Prescrição e Caducidade”, in BMJ, nº 105, págs. 190, 193 e 194], «o tempo legal da prescrição deve ser um tempo útil, não podendo censurar-se o credor pelo facto de não ter agido numa altura em que não podia fazê-lo. Se assim não fosse, poderia acontecer que a prescrição se consumasse antes de poder ser exercido o direito prescrito», não sendo de aceitar uma solução que faça « correr o prazo de prescrição antes de o credor poder praticamente exercer o seu direito», sublinhando que o termo inicial do prazo deve ter como ponto de partida a existência objectiva, no aspecto jurídico - e não de mero facto - das condições necessárias e suficientes para que o direito possa ser exercitado, isto é, a ausência de causas (« impedimentos de natureza jurídica») que impeçam o exercício do direito e, com ele, consequentemente, o da prescrição.
Ainda sobre esta problemática, escreveu este mesmo Professor [Em anotação ao Acórdão do STJ de 27.11.1973, in RLJ, ano 107, pág. 296] que « o prazo de prescrição a que se refere o nº 1 do art. 498º do C. Civil conta-se a partir do conhecimento, pelo titular do respectivo direito, dos pressupostos que condicionam a responsabilidade e não da consciência da possibilidade legal do ressarcimento», salientando que «não se afigura suficiente o conhecimento de tais pressupostos, sendo ainda preciso que o lesado tenha conhecimento do direito que lhe compete, como expressamente diz a lei: se ele conhece a verificação dos pressupostos da responsabilidade do lesante, mas não sabe que tem direito de indemnização, não começa a correr o prazo de prescrição de curto prazo», acrescentando mais adiante « Se ele ( lesado) tendo embora conhecimento da verificação dos pressupostos da responsabilidade do lesante, ignora o seu direito de indemnização, seria violento que a lei estabelecesse um prazo curto para exercício desse direito e declarasse este prescrito com o decurso de tal prazo».
Neste mesmo sentido, refere Antunes Varela [In “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 6ª ed., Coimbra 1989, pág. 596], que o lesado tem conhecimento do seu direito quando conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu.
E afirma Rodrigues Bastos [In “Notas ao Código Civil”, Vol. II, pág. 299], que o prazo de prescrição inicia-se «com o conhecimento, por parte do lesado …. da existência, em concreto, dos pressupostos da responsabilidade civil, que se pretende exigir», concluindo que «o prazo corre desde o momento em que o lesado tem conhecimento do dano (embora não ainda da sua extensão integral), do facto ilícito e do nexo causal entre a verificação deste e a ocorrência daquele».
Daí que com base nestes ensinamentos seja de concluir, conforme já se escreveu no Acórdão de 12.09.2019 (processo nº 2032/16.8T8STR.E1-A.S1) [Relatado pela ora relatora, subscrito pela Senhora Conselheira Adjunta Catarina Serra e acessível in www.dgsi/stj.pt] que, para efeito de contagem do termo inicial do prazo prescricional estabelecido no art. 498º, nº 1 do C Civil, o lesado terá conhecimento “do direito que lhe compete” quando se torne conhecedor da existência dos factos que integram os pressupostos legais do direito de indemnização fundado na responsabilidade civil extracontratual (facto ilícito, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano), sabendo que dispõe do direito à indemnização pelos danos que sofreu [No mesmo sentido decidiram, entre outros, os Acórdãos do STJ, de 12.04.1996, in BMJ nº 445, pág. 441; de 04.11.2008 (processo 08A3127)e de 23.06.2016 ( processo nº 54/14.2TBCMN-B.G1.S1), estes últimos acessíveis in www.dgsi/stj.pt].
Vale isto por dizer, na expressão do Acórdão do STJ, de 21.06.2018 (processo nº 1006/15.0T8AGH.L1.S1) [Acessível in www.dgsi/stj.pt], que « mesmo que persistam os efeitos do facto ilícito, designadamente os danos, o começo do prazo da prescrição conta-se a partir do momento em que o lesado sabe que dispõe do direito à indemnização», «sendo certo também não ser indispensável conhecer a extensão integral do dano».” (fim de citação)

5. Voltando ao caso concreto, não subsistem dúvidas de que a intervenção da R. na fracção da A. para instalação da “TV Cabo” ocorreu em 03/05/2017, alegando a A. que foi esta intervenção, que ao perfurar o tubo das águas pluviais do condomínio, ao nível da varanda da fracção da A., deu causa às infiltrações na fracção do vizinho da A., no andar inferior, e na sua própria habitação.
Porém, em face do alegado a A. só teve conhecimento do facto lesivo – a perfuração do dito tubo de águas pluviais – e que foi esse facto que originou os danos pelos quais pretende ser ressarcida, em 12/20/2018 (em face da peritagem que mandou efectuar – cf. artigo 20º da petição inicial), pelo que se conclui que foi só nesta data que teve “conhecimento do direito que lhe compete”, como se exige no n.º 1 do artigo 498º do Código Civil, iniciando-se, então, o cômputo do prazo da prescrição (cf. ainda o artigo 306º do mês código).
Deste modo, tendo em conta a data do alegado conhecimento e que a acção foi instaurada em 24/08/2020 e a R. citada em 15/09/2020, [independentemente da interrupção da prescrição ao 5º dia, nos termos da norma do n.º 2 do artigo 323º do Código Civil], é manifesto que a essa data ainda não tinha decorrido o prazo prescricional de 3 anos previsto no n.º 1 do artigo 498º do Código Civil.

6. Em face do exposto, procede a apelação, com a consequente revogação da decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos.
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IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos.
Custas a cargo das Apeladas.
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Évora, 26 de Maio de 2022
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
Florbela Moreira Lança
(documento com assinatura electrónica)