Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | MARTINHO CARDOSO | ||
Descritores: | ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA REENVIO PARCIAL | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 05/26/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | DECRETADO O REENVIO PARCIAL | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I – Existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada se o tribunal não apurou as condições pessoais e a situação económica dos arguidos com vista à fixação da indemnização que arbitrou a favor das ofendidas e a cujo pagamento condicionou a suspensão da execução da pena de prisão, nem indagou da situação económica das ofendidas. | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | I Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal singular acima identificados, do Juízo de Competência Genérica de Ourique, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, são arguidos: -- CC e -- AA Após julgamento, foi decidido: Ø Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por RG contra os arguidos e em consequência e a título de danos não patrimoniais foi o arguido AA condenando a pagar-lhe 15.500 € e o arguido Cc 2.500 €; Ø Mais foi, ao abrigo do disposto do art.º 82.º-A, do Código de Processo Penal, arbitrado à vítima AG uma indemnização de 1.500 €, a pagar pelo arguido CC. Ø O arguido CC foi condenado por três crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos art.º 171.º, n.º 3 al.ª a) e 170.º, do Código Penal, na pessoa de RG; e um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos art.º 171.º, n.º 3 al.ª a) e 170.º, do Código Penal, na pessoa de AG, em quatro penas parcelares de 9 meses de prisão. Em cúmulo jurídico, pena única de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, na condição de até ao final da suspensão pagar as acima mencionadas indemnizações de 2.500 € a RG e 1.500 € a AG; e Ø O arguido AA foi condenado por um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 1, do Código Penal, na pessoa de RG; um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 3, alínea b), na pessoa de RG; e quatro crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos art.º 171.º, n.º 3 al.ª a) e 170.º, do Código Penal, na pessoa de RG, nas penas parcelares de 1 ano quanto ao crime p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 1[1], do Código Penal, e 9 meses por cada um dos restantes 5 crimes. Em cúmulo jurídico, pena única de 3 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, na condição de até ao final da suspensão pagar a acima mencionada indemnização de 15.500 € a RG. # Inconformados com o assim decidido, ambos os arguidos interpuseram recurso, apresentando o do arguido AA as seguintes conclusões: 1.O arguido, inconformado com a decisão, vem interpor o presente recurso que abrange não só a matéria de direito, mas também a matéria de facto (artigos 410.º, 411.º e 412.º do Código de Processo Penal), por padecer dos vícios formais previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. 2.O Recorrente entende que o Tribunal a quo deu como provados factos que realmente não o foram em sede de audiência de julgamento, julgando incorretamente diversos pontos, concretamente os pontos 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36 e 37, da Matéria de Facto provada. 3.Ao longo de todo o processo o Recorrente sempre pugnou pela sua absolvição quer da acusação, quer do pedido de indemnização civil por não ter cometido os crimes pelos quais vem acusado! 4. Não foi produzida prova suficiente em sede de audiência, nem existe prova documental ou testemunhal, nos presentes autos, que sustente e fundamente tal decisão judicial. 6.O depoimento para memória futura da menor RG, ao contrário do que vem mencionado na Fundamentação da Decisão recorrida não se mostra credível. 7.Tratou-se de um depoimento que nada tem de espontâneo e sério. 8.A versão da menor é vaga e inconsistente, repleta de exageros, fantasias e ideias imaginárias; 9.Pelo menos no que tange ao ora Recorrente. 10.Realçando-se acima de tudo a falta de demonstração de sofrimento ou nervosismo com o tema sobre o qual a menor estava a ser inquirida em sede de declarações para memória futura. 11.O que torna a defesa do arguido quase impraticável, por se confrontar com a muralha inexpugnável da ausência de datas, horas e até locais. 12.Não poderá, por conseguinte, aceitar-se as datas dadas como provadas pelo tribunal nos pontos 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20 da Matéria de Facto provada, devendo consequentemente, tais pontos ser julgados «Não Provados»; 13.O Relatório Pericial, nas respostas aos quesitos conclui que o depoimento apresentado pela examinanda, após avaliação C.B.C.A. foi considerado “Muito Provavelmente Credível”, não confere certezas. 14.E desacompanhado de outras provas de nada vale, pois situa-se no campo das probabilidades, não devendo ser valorado como prova. 15.Não existe, nem nunca existiu nenhuma relação de proximidade entre a menor e o arguido que facilitasse ou potencializasse abusos sexuais. 16.O arguido nunca teve a chave do Centro Comunitário, que está fechado há alguns anos, tendo unicamente trabalhado no exterior do mesmo. 17.E numa aldeia tudo se sabe, não existem relatos ou testemunhos de ninguém que tivesse visto, uma vez que fosse, o arguido e a menor juntos, em locais suspeitos e/ou situações impróprias. 18.As festas de Verão são realizadas no exterior desse Centro Comunitário. 19.E sendo Rio de Moinhos uma aldeia pequena, onde há sempre pessoas na rua, desde logo se questiona o facto de a menor afirmar que o arguido se despia em plena via pública sem nunca ter sido visto por ninguém. 20. Não foram encontrados no telemóvel do arguido fotos de cariz pornográfico. Por outro lado, 21.O Tribunal não teve em linha de conta os restantes depoimentos prestados em tribunal, em especial aqueles que beneficiam o arguido AA. 22. Designadamente os depoimentos de VR e de AR de Rio de Moinhos, que conhecem bem o arguido e que o descrevem como uma pessoa séria, bem inserida socialmente, respeitada, respeitadora e de quem nada se ouviu falar em seu desabono; 23.A esse propósito também é omitido na douta sentença o Relatório Social amplamente favorável à pessoa do Arguido. 24.Os depoimentos das testemunhas inquiridas, em especial dos professores, descrevem a menor RG como uma menina bem inserida, que nunca deu mostras de estar psicologicamente afetada, apática, isolada, depressiva, sem alegria de viver, sentindo-se prisioneira dos seus medos, dos seus receios e fobias, apresentando baixa autoestima. 25.Não correspondendo à verdade que a menor RG começou a viver isolada no seu mundo, sem vontade de estar com os seus amigos pois é ela própria que ao longo do seu relato dos factos afirma que saia sempre para ir ter com os amigos. 26.Sendo que os professores referiram que a RG se dava bem com todos os colegas e que até brincavam. 27.Não é verdade que a menor sai de manhã para a escola e de tarde já não sai de casa, porque é vista com frequência na aldeia. 28.Pelo que, concluir-se que: “Devido ao trauma sofrido pela menor RG, as suas futuras relações de intimidade poderão ficar em risco” ou que, “ Os afetos, o carinho e amor ficaram comprometidos, na pessoa da menina RG” é pura ficção. 29.Ao menos no que é atribuído à conduta do arguido, que é e sempre tem sido uma pessoa exemplar e não abusou sexualmente da menor. 30.Está em causa a condenação de um Homem que clama inocência, confrontado com uma acusação de factos repugnantes. 31.Mas a culpa não se pode presumir: tem de resultar de factos ou elementos concretos. Destarte, 32. A douta sentença, apreciada a prova testemunhal e os documentos juntos dos autos não poderia ter dado como provado que: “As menores e vítimas dos presentes autos viviam, no verão de 2015, num contexto familiar de perigo para as mesmas, o que os arguidos conheciam, aproveitando-se dessa situação para se aproximarem das menores ofendidas e praticarem nelas abusos sexuais.” “…Em face do acabado de referir, não restam dúvidas a este tribunal em conferir total credibilidade às declarações, para memória futura, da menina RG…” 33.Não correspondendo à verdade que : “Os arguidos exploraram o desequilíbrio familiar e as precárias condições financeiras das meninas e não a leviandade da RG e AG como pretenderam convencer este tribunal.” 34.Pois em momento algum o Recorrente aludiu ou mencionou que a menor RG seria leviana ou tentou convencer o Tribunal de tal. 35.O Recorrente apenas se defendeu veementemente das acusações de que lhe foram feitas pela menor. 36.Que é um direito que lhe assiste! 37.Entende assim, o Recorrente, que o Tribunal a quo não poderia ter afastado o princípio "ln dubio pro reo" e decidir-se pela condenação do arguido por considerar que existe erro notório na apreciação da prova, e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada nos pontos 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36 e 37, nos termos do art. 410.º n.º 2, alíneas a) e c). do CPP. 38.O princípio “in dubio pro reo”, com assento no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, impõe ao julgador que o “non liquet” da prova seja sempre resolvido a favor do arguido. 39.Este princípio decorre do princípio da presunção de inocência do arguido, dando resposta ao problema da dúvida sobre o facto. 40.Face a tudo o que supra se expôs, deve o arguido ser absolvido com as necessárias consequências. Por outro lado e sem conceder, 41.Numa mera hipótese que não se admite, mas que se equaciona por exercício de patrocínio, caso seja de manter a condenação do arguido dever-se-á adequar a medida da pena a tal condenação, bem como o montante fixado a título de indemnização civil; 42.Isto, em virtude de nos parecer desmedida e desproporcional, pecando por excesso, a medida da pena de prisão aplicada ao arguido. 43.Outrossim, haverá, ainda, que adequar o montante indemnizatório fixado na sentença recorrida, por ser excessivo, desproporcional e desconforme com os critérios da maioria da jurisprudência em casos semelhantes. 44.Requer-se, assim, a adequação do montante indemnizatório fixado às circunstâncias concretas, à culpa e às possibilidades económicas do agente. Acresce que, 45.A imposição do dever de pagar a indemnização de 15.500€ à menor RG no prazo da suspensão da execução da pena de prisão, como condição para a suspensão da mesma, não nos merece acolhimento; 46.Pois, com o devido respeito, entendemos que a douta sentença, não valorou suficientemente as condições pessoais, familiares e financeiras da Recorrente, mais bem descritas no Relatório Social. 47.E bem assim, excedendo amplamente o ponto ideal de equilíbrio face às reais possibilidades de cumprimento da mesma pelo Recorrente. 48.Sendo evidente a desproporção entre esse valor e as actuais disponibilidades económicas do Arguido que: “presentemente e desde há dois meses, beneficia da concessão de Rendimento Social de Inserção, no montante mensal de € 189,63, dos quais suporta as despesas de eletricidade, gás e água, para além da medicação prescrita, tanto para as crises álgicas recorrentes e decorrentes da discopatia, como para a diabetes, hipertensão dislipidemia e doença vascular periférica, patologias que lhe foram diagnosticadas. 49.A douta sentença violou, em nosso entender o disposto no artigo 13º da C.R.P. e nos artigos 40.º, 50.º, 51.º n.º 2 , do Código Penal, 50.Pelo que, deverá decidir-se a não submissão da condição de suspensão da pena em que o Recorrente foi condenado ao pagamento da indemnização de 15.500€. 51.Entendemos assim que se mostram violados o disposto no artigos 13º e 32.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa; 40.º, 50.º, 51.º n.º 2 , 71.º n.º 1 e 2 do Código Penal, 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; 97.º n.º 5, 127.º, 374.º n.º2 e 379.º n.º1 alínea a) e alínea c) todos do Código de Processo Penal, e ainda o previsto no artigo 483.º do Código Civil, por ter considerado (mal), como provados, os factos descritos em 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36 e 37, da matéria de facto. Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido deve dar-se provimento ao presente recurso substituindo a douta sentença do Tribunal a quo por outra: a)Em que o Recorrente seja absolvido da prática dos crime que lhe são imputados, bem como do pedido de indemnização civil formulado. b)Ou, numa mera hipótese que não se admite, mas que se equaciona por exercício de patrocínio, caso seja de manter a condenação do arguido dever-se-á adequar a medida da pena a tal condenação, bem como o montante fixado a título de indemnização civil; c)Devendo ainda ser eliminada a imposição do dever de pagar a indemnização de 15.500€ no prazo da suspensão da execução da pena de prisão, como condição para a suspensão da mesma. # A Digna Magistrada do M.º P.º do tribunal recorrido respondeu ao recurso do arguido AA, concluindo da seguinte forma: 1ª Se atentarmos nas conclusões de recurso apresentadas pelo recorrente, verifica-se que o que o arguido parece, em síntese, discordar é da apreciação e valoração da prova feita pelo Tribunal “a quo”, no que concerne ao depoimento para memória futura da menor RG, ao relatório de perícia médico-legal, considerando, em suma, (pelo que depreendemos das suas palavras), que os vários factos concernentes aos vários crimes de abuso sexual de criança deveriam ter sido dados como não provados. 2ª Contudo, parece-nos que o recurso apresentado não pode ser conhecido, desde logo por manifesta ausência de fundamento de recurso. 3ª Se atentarmos tanto na motivação, como nas conclusões de recurso apresentadas, resulta claro que o Recorrente apenas se limita a discordar da valoração feita pelo Tribunal “a quo” à prova produzida em audiência de julgamento, apenas pondo em causa, em suma, a isenção e credibilidade da assistente e da testemunha a que genericamente se refere. 4ª Sucede que, a simples divergência entre a convicção pessoal do Recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o Tribunal “a quo” firmou sobre esses factos, não pode, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, servir de base à impugnação da matéria de facto. 5ª Do texto da sentença recorrida não resulta, igualmente, qualquer um dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, nem qualquer violação de qualquer disposição legal. 6ª Cabe ao julgador determinar a sua medida concreta de acordo com o disposto no artigo 71.º do Código Penal, sendo a mesma feita, dentro dos limites fixados na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tomando-se para tal em conta, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do respectivo tipo de crime, deponham a favor ou contra aquele. Entre outras, haverá então que ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (cfr. n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal). 7ª Na decisão ora recorrida foram respeitados e ponderados os critérios determinação e de escolha da pena, já que se sopesaram todas as circunstâncias favoráveis e desfavoráveis. 8ª Contra o arguido, releva a ilicitude elevada, dadas as circunstâncias de a conduta lhe ser imputada a título de dolo directo e, por isso intenso. 9ª Deste modo, as circunstâncias agravantes sobrepõem-se claramente às circunstâncias atenuantes e são significativas, nos termos apontados, as exigências de prevenção. Pelo que, bem andou o tribunal a quo ao aplicar ao arguido, 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, pela prática dos seis crimes de abuso sexual. 10ª Não obstante a actuação do arguido, sopesando todos os aspectos analisados para efeitos de graduação da pena, designadamente a ausência de antecedentes criminais, o Tribunal “a quo” julgou estarem reunidas as condições mínimas para ser decretada a suspensão da pena de prisão por igual período, nos termos do artigo 50.º, do Código Penal. 11ª Efectuada a ponderação à luz do artigo 50.º do Código Penal, entendeu, e bem, o tribunal recorrido que se justificava conceder ao arguido uma última oportunidade de emendar a sua conduta em liberdade, suspendendo a execução da pena de prisão por igual período. 12ª Todavia, de modo a assegurar melhor a ressocialização, reeducação e reintegração do arguido na sociedade, bem andou o Tribunal “a quo” ao decidir que a suspensão deverá ser condicionada ao pagamento da indemnização de € 15.500,00 fixada a favor da menor RG, devendo o arguido comprovar nos autos o pagamento dessa quantia dentro prazo da suspensão. 13ª Face a todo o exposto a douta sentença recorrida, na determinação concreta da medida da pena, aplicou uma pena adequada e proporcional às necessidades de prevenção geral e de prevenção especial que no caso em apreço se impõem. 14ª Acresce apenas dizer que os motivos da eventual falta de cumprimento das condições da suspensão serão oportunamente apreciados pelo Tribunal à luz do disposto no artigo 5.º do Código Penal. 15ª Por todo o exposto, improcedem todas as alegações do aqui recorrente, pois a sentença recorrida não merece qualquer reparo, nem violou qualquer disposição legal. Nestes termos, negando provimento ao presente recurso e, em consequência, mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos Vossas Excelências, como sempre, doutamente decidirão, assim fazendo a habitual JUSTIÇA! # Por seu lado, o recurso do arguido CC apresenta as seguintes conclusões: A. Conclusões sobre a factualidade 1º O arguido CC veio acusado da prática de crimes de abuso sexual de criança, especificamente, de importunação sexual (um crime em relação à menor AG e um crime em relação à menor RG) e, em relação apenas a esta última, de dois crimes de sugestão para a prática de atos sexuais de relevo. 2º Em momento algum, o arguido reconheceu a prática dos alegados atos criminalmente puníveis. 3º Por estritas razões de defesa optou por manter-se em silêncio em fase de audiência de discussão e julgamento. 4º Aliás, o arguido sempre reiterou a sua inocência em todas as fases do processo acusatório! 5º Tanto assim que o processo viria a ser parcialmente arquivado alegadamente por falta de prova bastante e idónea. 6º Sendo certo que o impulso investigatório teve lugar a seguir à realização de uma ação de sensibilização e informação do Programa Escola Segura, na Escola EB2,3 de Aljustrel, despoletando e conduzindo à queixa focada na menor RG. 7º O Ministério Público instruiu o processo de investigação com intervenção especializada em áreas de desenvolvimento psicossocial de crianças e arrolou vários professores como testemunhas que depuseram em sede de audiência de discussão e julgamento, como resulta nos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. 8º Compulsados os autos, constata-se que tanto os professores, em particular o diretor da turma, identificado na sentença de condenação do arguido CC, assim como a própria instituição Escola, redobraram a atenção sobre os comportamentos e os resultados escolares obtidos em especial pela aluna RG. 9º Resulta dos autos que o desenvolvimento psicossocial e o percurso escolar da menor RG bem como da irmã AG, em todos os parâmetros, foram considerados sem disfuncionalidades, em conformidade com o espectável, comparativamente ao aluno médio da classes frequentadas, no ano letivo corrente e posterior à ocorrência dos factos imputados aliás, em datas imprecisas, nunca concretizadas em termos de dia e hora, ao arguido CC 10º A própria sentença salienta que as menores não sofreram danos físicos, mas, também – reitera o arguido - nunca deu causa a qualquer dano mental, social ou de outra natureza com violação dos direitos de personalidade dos menores tutelados pela lei e pela constituição. 11º Ora, em sede de sentença, os factos imputada ao arguido CC censurados criminalmente, por violação do direito à autodeterminação sexual das menores, podem ser reconduzidos a dois tipos de momentos: a) Um, de alegada importunidade sexual relativamente às duas menores, encontrando-se estas à janela da sua residência. b) Outro, de alegada sugestão para a prática de ato sexual de relevo em relação à menor RG num casão sito em rua que desemboca próximo da residência da irmã do próprio arguido, por onde o arguido passa por ser o caminho mais direto. 12º Registado para memória futura, consta que as meninas estando á janela da sua residência em data e hora desconhecidas e imprecisas viram o arguido CC (o “parvinho”, assim sendo identificado pelo pai das menores junto das filhas) olhando fixamente para elas e mexendo no seu pénis, chamaram a mãe que estaria no interior da casa, tendo esta ordenado o seu recolhimento, sem ter confirmado a presença do arguido percorrendo rua comum que conduz à casa de residência da irmã do arguido e sem que as menores ou a mãe destas, tenham trocado uma única palavra com ele. 13º Quanto à alegada sugestão para a prática de ato sexual de relevo a troco de dinheiro com a menina RG no casão existente na proximidade da residência desta (sita, aliás, frente à residência da irmã do próprio arguido CC), tal convite teria ocorrido por duas vezes, decididamente, repudiadas pela própria menor, a acreditar no deposto por si para memória futura. 14º Em nenhuma destas circunstâncias, porém, se vislumbram lesões efetivas do direito à autodeterminação sexual das menores ou produção culposa de quaisquer tipos de danos impostos pelo arguido em razão de violação de direitos que mereçam a tutela do direito e devam por isso ser objeto de indemnização às menores RG e AG. 15º Efetivamente, como resulta dos autos e dos depoimentos das testemunhas: a) As meninas não foram retidas no percurso escolar tendo obtido o rendimento espectável e suficiente para transitarem de ano. b) Não se sentiram amedrontadas ou sob ameaça continuando a brincar no recreio da escola e a circular de bicicleta nas ruas da aldeia. c) Realmente as meninas não viviam nem angustiadas, nem em estado depressivo ou incapazes de responder às solicitações próprias da sua idade nem existem nos autos atestados médicos de receitas medicamentosas ou de tratamentos psicológico ou de outra etiologia causados, inequivocamente, pelos atos imputados, alegadamente, ao arguido CC. d) A própria sentença, ora objeto de recurso, não refere nem elenca comprovadamente qualquer desvalor de personalidade, imputável com culpa ao arguido CC, decorrente de violação dos direitos de personalidade dos menores dignos da tutela do direito. B. Conclusões de Direito 16º Os arguidos – CC e AA – a pedido dos demandantes, foram responsabilizados pelo pagamento de forma solidária (artº 497º do CC) pelo pagamento por danos sofridos pela menor RG, no montante de € 30 000,00. 17º O direito à indemnização com base em facto ilícito a favor das menores requer, antes de mais, que estas tenham sido lesadas e sofridos danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (conf. nº 1 do art.º 496º do Código Civil). 18º Ora, com os fundamentos expostos, a ausência de danos tutelados pelo direito, torna desnecessário identificar a quem cumpre indemnizar pelo que o arguido CC não se conforma com a condenação de pagamento dos montantes de € 2 500,00 e de € 1500,00, respetivamente, às menores RG e AG. 19º De resto, o pedido de indenização civil a pagar á menor AG, a douto pedido do Ministério Público, teve lugar já em fase de audiência de discussão e julgamento tendo sido arbitrado pelo tribunal a pedido não dos demandantes mas do Ministério Público. 20º Intui-se pois “a irrelevância civil e criminal” por parte dos demandantes dos factos imputados ao arguido CC em particular no que tange à menor AG. 21º Vindo o arguido CC pedir que seja feita a JUSTIÇA que o caso merece, com fundamento na regra fundamental do IN DUBIO PRO REU, requerendo e obtendo: a) A absolvição dos crimes pelos quais vem acusado., b) A absolvição do pedido indemnizatório fixado na sentença ora recorrida. # A Digna Magistrada do M.º P.º do tribunal recorrido respondeu ao recurso do arguido Carlos Fernandes, concluindo da seguinte forma: 1ª Se atentarmos nas conclusões de recurso apresentadas pelo recorrente, verifica-se que o que o arguido parece, em síntese, discordar é da apreciação e valoração da prova feita pelo Tribunal “a quo”, no que concerne ao depoimento para memória futura das menores, considerando, em suma, (pelo que depreendemos das suas palavras), que os vários factos concernentes aos vários crimes de abuso sexual de criança deveriam ter sido dados como não provados e o arguido deveria ter sido absolvido dos crimes pelos quais foi acusado e dos pedidos indemnizatórios. 2ª Contudo, parece-nos que o recurso apresentado não pode ser conhecido, desde logo por manifesta ausência de fundamento de recurso. 3ª Se atentarmos tanto na motivação, como nas conclusões de recurso apresentadas, resulta claro que o Recorrente apenas se limita a discordar da valoração feita pelo Tribunal “a quo” à prova produzida em audiência de julgamento, apenas pondo em causa, em suma, a isenção e credibilidade das menores. 4ª Sucede que, a simples divergência entre a convicção pessoal do Recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o Tribunal “a quo” firmou sobre esses factos, não pode, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, servir de base à impugnação da matéria de facto. 5ª Do texto da sentença recorrida não resulta, igualmente, qualquer um dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, nem qualquer violação de qualquer disposição legal. 6ª Por todo o exposto, improcedem todas as alegações do aqui recorrente, pois a sentença recorrida não merece qualquer reparo, nem violou qualquer disposição legal. Nestes termos, negando provimento ao presente recurso e, em consequência, mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos Vossas Excelências, como sempre, doutamente decidirão, assim fazendo a habitual JUSTIÇA! # Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do reenvio dos autos para novo julgamento, ao abrigo do art.º 426.º, do Código de Processo Penal, a fim de ser apurada a situação económica dos arguidos, uma vez que sobre a mesma nada consta da matéria de facto assente como provada, sendo certo que, ao ter o tribunal "a quo" condicionado a suspensão das penas ao pagamento de indemnizações às ofendidas, fica-se sem se saber se não terá condenado os arguidos ao pagamento de quantias cujo cumprimento não seja razoavelmente de se lhes exigir e, portanto, em violação do art.º 51.º, n.º 2, do Código Penal. Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Procedeu-se a exame preliminar. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. II Na sentença recorrida e em termos de matéria de facto, consta o seguinte: -- Factos provados: 1. RG e AG são irmãs e nasceram, respetivamente, em 24/11/2004 e 2/11/2003; 2. Ambas residem na localidade de Rio de Moinhos, concelho de Aljustrel, onde residem também os arguidos; 3. O arguido CC nasceu em 17/02/1973 e costuma deslocar-se com frequência à residência de uma irmã que se situa em frente à residência das menores, sita na ----, em Rio de Moinhos e frequenta também, com regularidade, a área circundante à residência das menores; 4. O arguido AA nasceu em 1/06/1960 e trabalha na Junta de Freguesia de Rio de Moinhos e colabora num minimercado, sito na mesma localidade explorado por uma prima sua, que é frequentado pela menor RG. Dos factos perpetrados pelo arguido CC: 5. Em datas e horas não concretamente apuradas, mas seguramente no ano de 2014, um local isolado situado junto de um casão, perto da Travessa do Largo, em Rio de Moinhos, o arguido CC, aproveitando-se do facto de a menor RG se encontrar sozinha, abordou-a e disse-lhe: “Vai ali àquela casa que dou-te dinheiro para tu fazeres sexo comigo”, ao que a menor não acedeu, abandonando o local; 6. Passado algum tempo, em datas e número de vezes não concretamente apuradas, mas seguramente, pelo menos uma vez, tendo sido a última vez no mês de Setembro de 2015, o arguido aproveitando, novamente, o facto de a menor RG se encontrar sozinha, perto do referido casão sito junto da Travessa do Largo, começou a acariciar o seu pénis até ficar ereto e pediu para a menor se despir e o masturbar em troca de dinheiro, ao que esta não acedeu, fugindo do local; 7. Mais tarde, em data e hora não concretamente apurada do mesmo ano de 2015, em frente à residência das menores, o arguido CC, ao aperceber-se que as menores RG e AG se encontravam numa das janelas da sua residência a olhar para o exterior, começou a acariciar o seu pénis, colocando a mão no interior das calças até o mesmo ficar ereto enquanto as olhava fixamente e mexia no seu órgão genital; 8. De seguida, as menores chamaram a mãe que ao se aperceber do que se estava a passar no exterior, de imediato, fechou a janela, proibindo-as de olhar para o local; 9. Ao agir das formas descritas, e em todas as ocasiões em que o fez, formulando propostas de teor sexual à menor RG em troca de dinheiro e acariciando e exibindo o seu pénis à menor RG e à sua irmã AG, cujas idades não ignorava e sabia serem menores de 14 anos de idade, o arguido atuou com o propósito concretizado de lesar a esfera íntima destas menores, bem sabendo que com a sua conduta importunava, perturbava e causava susto e receio às mesmas, o que conseguiu; 10. Agiu o arguido de forma voluntária, livre e consciente, conhecedor de que tais práticas eram contrárias aos interesses e prejudicais ao normal desenvolvimento de AG e RG, não ignorando que, em razão da sua idade, as suas atuações provocavam transtornos na formação e estruturação da personalidade destas menores, prejudicando-as no seu normal desenvolvimento físico e psicológico; 11. Mais sabia o arguido CC que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, e, ainda assim, não se coibiu de as adotar. Dos factos perpetrados pelo arguido AA: 12. Em data e horas não concretamente apuradas, mas seguramente no Verão de 2015, durante as festas de Verão de Rio de Moinhos, o arguido AA deslocou-se ao parque infantil situado junto do campo de futebol, da referida localidade, onde RG brincava com uns amigos; 13. De seguida, aproveitando-se de um momento em que a menor ficou sozinha, o arguido AA convidou-a para se deslocar até uma zona denominada por campo de cima, onde se situa um campo de futebol pelado isolado, ao que a menor não acedeu, fugindo para o parque infantil; 14. Nesse mesmo dia, algum tempo depois, o arguido AA voltou a encontrar a menor RG num campo situado atrás do Centro Comunitário da localidade de Rio de Moinhos; 15. Nesse local, aproveitando o facto de a menor se encontrar, novamente, sozinha, o arguido retirou o seu pénis do interior das calças, acariciou-o na frente da menor e pediu-lhe para ela também lhe mexer, ao que esta não acedeu, tendo acabado por abandonar o local; 16. Mais tarde, mas no mesmo circunstancialismo de tempo e lugar, já no interior do bar do referido Centro Comunitário, o arguido voltou a exibir o seu pénis à menor RG; 17. Após, em momento e circunstancialismo não concretamente apurados, o arguido pegou no seu telemóvel e mostrou-lhe fotografias de terceiros a manter relações sexuais entre si e onde era possível visualizar “um homem a abrir uma vagina de uma mulher”; 18. Posteriormente, em datas e horas não concretamente apuradas, no exterior do Centro Comunitário de Rio de Moinhos, o arguido AA convidou a menor RG, pelo menos, uma vez, para se deslocar aos balneários do Clube Futebol Operário, em Rio de Moinhos e se despir para ele, ao que esta não acedeu; 19. Tais insistências continuaram e em data e hora não concretamente apuradas, mas certamente no Verão de 2015, enquanto a menor RG abandonava a zona do Centro Comunitário de bicicleta, o arguido agarrou o selim do aludido velocípede, puxou-o para trás e acariciou as nádegas da menor, que de imediato fugiu do local; 20. No dia 10 de Dezembro de 2015, no minimercado onde trabalha o arguido AA, em Rio de Moinhos, o arguido ofereceu €20,00 à menor RG para que esta se deslocasse pelas 21h00 ao “campo dos berlindes” que se situa junto do Centro Comunitário da referida localidade, para lhe mexer no pénis, ao que esta não acedeu; 21. Ao agir da forma descrita, e em todas as ocasiões em que o fez, formulando propostas de teor sexual dirigidas a RG, cuja idade não ignorava e sabia ser inferior a 14 anos de idade, o arguido atuou com o propósito concretizado de lesar a esfera íntima desta menor, bem sabendo que com a sua conduta importunava, perturbava, e causava susto e receio à mesma; 22. O arguido previu e quis agir do modo acima descrito, segundo estímulo e com o propósito de alcançar prazer e satisfação sexuais, com intenção de satisfazer os seus instintos libidinosos, querendo ter contactos de natureza e conteúdo sexuais com a menor RG, apalpando-lhe as nádegas, bem sabendo que RG tinha idade inferior a 14 anos; 23. Agiu o arguido conhecedor de que tais práticas eram contrárias ao interesse e prejudiciais ao normal desenvolvimento de RG, não ignorando que, em razão da sua idade, a mesma não tinha ainda a capacidade e o discernimento necessários para uma livre e esclarecida decisão no que concerne à visualização de fotografias de natureza sexual e exibição do seu pénis enquanto o acariciava, com o que se conformou; 24. O arguido tinha perfeito conhecimento da perturbação que as suas atuações provocavam na formação e estruturação da personalidade desta menor, cuja idade não olvidava, prejudicando-a no seu normal desenvolvimento físico e psicológico; 25. O arguido agiu sempre de forma deliberada, voluntária e consciente, bem sabendo que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, e, ainda assim, não se coibiu de as adotar; 26. Teor dos CRC dos arguidos; 27. O arguido AA vive sozinho e não tem filhos; 28. O arguido CC mora com os pais e não tem filhos; 29. O arguido CC padece de atraso global do desenvolvimento, desde a nascença, com défice cognitivo ligeiro; 30. Na sequência das condutas dos arguidos/demandados, a demandante, RG, ficou psicologicamente afetada dos as atuações dos demandados, tendo passado a ser uma criança apática, com um isolamento afetivo familiar e uma patologia depressiva; 31. A menor RG começou a viver isolada no seu mundo sem vontade de estar com os seus amigos; 32. A menor RG sai de manhã para a escola e de tarde já não sai de casa; 33. Antes dos factos praticados pelos demandados, contra a demandante, quando regressava da escola, saía de casa para ir brincar com os amigos, o que já não acontece; 34. A menina RG não tem alegria de viver, sente-se prisioneira dos seus medos, dos seus receios e fobias, apresentando baixa autoestima, devidos aos comportamentos ilícitos dos dois demandados; 35. Devido ao trauma sofrido pela menor RG, as suas futuras relações de intimidade poderão ficar em risco; 36. Os afetos, o carinho e amor ficaram comprometidos, na pessoa da menina RG, devido à conduta dos demandados; 37. A RG, também na sequência da conduta dos demandados, não consegue ver o mundo com a simplicidade e a inocência com que uma criança da sua idade deveria ver e viver nele; 38. As menores RG e AG vivem com os pais; 39. A mãe das menores já esteve em casa abrigo por violência doméstica, praticada pelo progenitor na progenitora das meninas; 40. A mãe das menores já saiu de casa e esteve ausente da mesma por cerca de três meses, devido a relações extraconjugais; 41. A menor RG esteve sinalizada e com um processo na CPCJ, no âmbito do qual o seu diretor de turma, no 5º ano de escolaridade, tinha de fazer relatórios periódicos sobre o estado de alimentação e vestuário com que se apresentava; 42. O arguido CC não convive nem se relaciona com o arguido AA, que conhece apenas de vista; 43. O arguido CC conhece de vista as duas meninas RG e AG; 44. O arguido CC necessita de conviver, partilhando os bancos da praça, na aldeia. # -- Factos não provados: Com interesse para a decisão da causa nenhum facto resultou não provado. # Fundamentação da decisão de facto: O Tribunal gizou a sua convicção na prova indicada na acusação e produzida em julgamento, ou seja, reportagem fotográfica de fls. 46 a 47 e 68, assentos de nascimento das menores, CRC dos arguidos, prova pericial médico-legal das menores e do arguido CC, prova testemunhal especialmente das ofendidas RG e AG, do militar da GNR JF e da mãe das menores. O arguido CC remeteu-se ao silêncio. O arguido AA negou os factos constantes da acusação e pedido civil. A menor foi ouvida em declarações para memória futura, próximo do tempo dos factos, pois fê-lo em Março de 2016, sendo que a factualidade praticada pelos arguidos ocorreu no verão de 2015. Nesta altura a menor tinha apenas 11 anos. Não obstante a menor AG ter prestado as suas declarações mais de um ano depois da ocorrência dos factos que incriminam os arguidos, isto é, em Setembro de 2016 quando, repita-se, as condutas delituosas cometidas pelos arguidos ocorreram no verão de 2015, as declarações da menor RG incluem a matéria de facto respeitante à sua irmã AG que depôs, reitera-se, com proximidade, ao verão de 2015. Neste período, delimitado entre 21 de Junho de 2015 e 22 de Setembro do mesmo ano (verão) as menores tinham 10 e 11 anos de idade. Os arguidos é que eram os adultos e não as ofendidas. Os arguidos conheciam as condições familiares e económicas das meninas, pois todos vivem numa aldeia pequena onde tudo se sabe. Os arguidos sabiam do contexto familiar desequilibrado em que as menores viviam (cfr. factos 39 a 41). Estes foram relatados pelas testemunhas dos arguidos, pelas declarações do arguido AAs, pelo militar da GNR e pelo professor/diretor de turma da RG, no ano letivo imediatamente a seguir ao verão de 2015 (2015/2016). O arguido AA declarou que a mãe da RG viveu com o seu irmão, que não é o pai das ofendidas, na residência também do arguido. Enquanto isto, a RG e a AG estavam com o pai e com o tio. O militar da GNR, que conhece os arguidos de vista e tendo atuado somente no exercício das suas funções profissionais, o que lhe confere imparcialidade, afirmou que numa ação de prevenção criminal e policiamento comunitário, no âmbito da valência de “Escola Segura”, ministrou uma ação de esclarecimento informativo à turma do 5º ano de escolaridade onde era aluna a menor RG. Nesta sessão, ocorrida numa sala da respetiva escola, no final deu conta de que a RG estava perturbada, chorando. A menina tinha-se identificado com o relato informativo e de imediato o militar da GNR contactou o diretor de turma da RG, FN, e entenderam por bem encaminhar o caso para procedimento criminal, tendo dado origem ao auto de notícia com o que se iniciou o presente processo. Este professor, nessa altura, realizava relatórios para o processo pendente na CPCJ relativo à RG, no âmbito dum circunstancialismo de facto, distinto da factualidade dos presentes autos, correspondente aos cuidados de alimentação e vestuário, devidos à menor, pelos seus progenitores. A violência doméstica, da qual foi vítima a progenitora das menores, foi confirmada pela testemunha MB, técnica de apoio à vítima, com formação de base em Psicologia, contribuindo assim e também, para contextualizar o desequilíbrio do agregado familiar onde se integram as menores ofendidas, acrescentou que o tio das menores é verbalmente de estilo agressivo e reside por perto das sobrinhas, aqui vítimas. Os arguidos sabiam que as condições económicas do agregado familiar das menores eram muito precárias, assim como que RG e AG viviam no seio de uma elevada instabilidade emocional. O presente procedimento criminal não se iniciou com uma queixa crime, da parte dos representantes legais das menores, iniciou-se de modo espontâneo da parte da vítima RG quando se reviu na mencionada ação informativa sobre assédio sexual. As testemunhas dos arguidos, AR e VR, respetivamente pedreiro, prestador de serviços ao arguido AA e cunhado do arguido CC, contribuíram para a fixação da factualidade relativa ao contexto familiar em que as menores viviam e vivem. Esta testemunha, a dada altura do seu depoimento, e a título exemplificativo, disse que os familiares com quem a RG e a AG vivem dizem asneiras à frente das mesmas. A testemunha AR, que fez trabalhos na Junta de Freguesia e noutros locais, a mando do arguido AA, afirmou que a mãe das meninas sai por dois ou três meses com um homem para manter uma relação extraconjugal e que a RG e a AG ficam com o pai e com os tios. As menores e vítimas dos presentes autos viviam, no verão de 2015, num contexto familiar de perigo para as mesmas, o que os arguidos conheciam, aproveitando-se dessa situação para se aproximarem das menores ofendidas e praticarem nelas abusos sexuais. Em face do acabado de referir, não restam dúvidas a este tribunal em conferir total credibilidade às declarações, para memória futura, da menina RG e, consequentemente, da sua irmã AG, também aqui vítima. Os arguidos exploraram o desequilíbrio familiar e as precárias condições financeiras das meninas e não a leviandade da RG e AG como pretenderam convencer este tribunal. Os factos do 30 ao 36, respeitantes ao pedido de indemnização civil para além dos constantes na acusação e que também se deram como provados, resultaram do relatório médico-legal efetuado a cada uma das menores e da experiência comum. As condições económicas e familiares do arguido AAs resultaram das suas declarações. As condições pessoais, nomeadamente familiares do arguido CC resultaram do relatório médico-legal realizado às suas faculdades mentais III De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo da apreciação dos assuntos de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer. De modo que as questões postas ao desembargo desta Relação são as seguintes: Postas pelo arguido AA: 1.ª – Que foi por ter avaliado mal a prova produzida em julgamento que o tribunal "a quo" deu como provado que o arguido AA praticou os crimes pelos quais depois o condenou, bem como no pedido cível, tendo, além do mais, sido violado o princípio "in dubio pro reo"; e 2.ª – Que a pena única aplicada ao arguido é excessiva, assim como também é excessivo o montante indemnizatório fixado, sendo que, por outro lado, foi imposta ao arguido AA uma condição de suspensão da pena que lhe é impossível cumprir. Postas pelo arguido CC: – Que foi por ter avaliado mal a prova produzida em julgamento que o tribunal "a quo" deu como provado que o arguido CC praticou os crimes pelos quais depois o condenou, bem como no pedido cível, tendo, além do mais, sido violado o princípio "in dubio pro reo". # Como já acima se disse, de acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (diploma do qual serão todos os preceitos legais a seguir referidos sem menção de origem), o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado. Mas o tribunal ad quem deve oficiosamente certificar-se de que não existem os vícios mencionados no art.º 410.º, n.º 2. "É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art.º 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito” (Ac. do Plenário das secções do STJ de 19.10.95, in D.R., I-A‚ de 28.12.95). Vem isto a propósito do seguinte: O arguido CC foi condenado na pena única de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, na condição de pagar, até ao final da suspensão, as indemnizações de 2.500 € a RG e 1.500 € a AG. E o arguido AA foi condenado na pena única de 3 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, na condição de pagar, até ao final da suspensão, a indemnização de 15.500 € a RG. Aquelas verbas de 2.500 € e de 15.500 € são o resultado da procedência parcial do pedido cível deduzido pela ofendida RG, enquanto a de 1.500 € foi arbitrado à vítima AG ao abrigo do disposto do art.º 82.º-A, do Código de Processo Penal. Acontece que para esta decisão da 1.ª Instância de fixar tais montantes indemnizatórios e de suspender a execução das penas aos arguidos na condição de eles os pagarem, bem como para a aferição da correcção dessa decisão por esta Relação, é imprescindível conhecer a situação económica dos arguidos. Vejamos: -- Quanto aos montantes indemnizatórios: Estabelece o art.º 129.º do Código Penal que a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil. Por seu lado, o art.º 483.º, n.º 1, do Código Civil, diz que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. O art.º 496.º, n.º 1, do mesmo Código, preceitua, citado apenas na parte que agora interessa ao caso: 1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 2. ... 3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494.º; ... Circunstâncias referidas no art.º 494.º que são: … o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso .... Também no tocante aos queixumes do arguido AA quanto à pretensa severidade da pena única que lhe foi aplicada, manda o art.º 77.º, do Código Penal, ao determinar que se tenha em consideração o conjunto dos factos e da personalidade do agente, que na determinação concreta da pena o tribunal atende às condições pessoais do agente e a sua situação económica (art.º 71.º, n.º 2 al.ª d), do mesmo código). Por fim, e no tocante à alegação do arguido AA de que a suspensão da execução da pena não devia ter ficado condicionada à obrigação de indemnizar a ofendida RG, uma vez que a situação económica do mesmo não lho vai permitir, embora o art.º 51.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, permita que a suspensão da execução da pena fique subordinada a que o condenado pague, dentro de certo prazo, no todo, a indemnização devida ao lesado, o n.º 2 também precavê que os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir – o que poderá ser o caso, se o arguido manifestamente não tiver posses que lhe permitam solver a indemnização de 15.500 € que o tribunal "a quo" lhe impôs como condição da suspensão. Na verdade, sobre a situação económica dos arguidos consta apenas o seguinte: 4. O arguido AA nasceu em 1/06/1960 e trabalha na Junta de Freguesia de Rio de Moinhos e colabora num minimercado, sito na mesma localidade explorado por uma prima sua, que é frequentado pela menor RG. 27. O arguido AA vive sozinho e não tem filhos; 28. O arguido CC mora com os pais e não tem filhos; 29. O arguido Carlos padece de atraso global do desenvolvimento, desde a nascença, com défice cognitivo ligeiro; Deveras intrigante é a situação de o tribunal "a quo" ter na sessão de julgamento a que se reporta fls. 408 vs. solicitado a realização de relatórios sociais, os mesmos não constarem do processo, não lhes ser feita qualquer referência na sentença – e o arguido AA alegadamente transcrever em seu recurso partes interessantes do mesmo para este assunto. Além disso, também causa alguma perplexidade a descrição dos antecedentes criminais dos arguidos, contante do ponto 26 dos factos provados e que é: 26. Teor dos CRC dos arguidos; Nem mais. Que o teor dos CRC dos arguidos não está na sentença, mas decerto consta do processo? Pois consta. Mas tem que estar descriminado na sentença e expressamente levado em consideração em termos de fixação de pena no tocante à existência ou não de particulares exigências de prevenção (art.º 71.º, n.º 1, do Código Penal). Em resumo, por a situação económica dos arguidos não ter sido suficientemente apurada pelo tribunal "a quo", nem da sentença constar o teor dos CRC dos arguidos, não se apetrechou o mesmo com todos os conhecimentos de facto necessários e imprescindíveis à uma boa solução jurídica de tais questões – ou, se o fez na posse de tais conhecimentos, não os revelou porém, como devia, na decisão recorrida –, tornando impossível aferir se a indemnização por danos não patrimoniais foi bem fixada, se a pena única está correctamente doseada e se à suspensão sob a condição de indemnizar obsta ou não o n.º 2 do art.º 51.º do Código Penal – isto é, a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão que foi tomada, vício descrito no art.º 410.º, n.º 2 al.ª a), do Código de Processo Penal, de conhecimento oficioso (Ac. do Plenário das secções do STJ de 19.10.95, in D.R., I-A‚ de 28.12.95). Na pesquisa do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o art.º 410.°, n.º 2 al.ª a), do Código de Processo Penal, há que averiguar se o tribunal, cingido ao objecto do processo desenhado pela acusação ou pronúncia, mas vinculado ao dever de agir oficiosamente em busca da verdade material, desenvolveu todas as diligências e indagou todos os factos postulados por esses parâmetros processuais, concluindo-se pela verificação de tal vício – insuficiência – quando houver factos relevantes para a decisão, cobertos pelo objecto do processo (mas não necessariamente enunciados em pormenor na peça acusatória) e que indevidamente foram descurados na investigação do tribunal criminal, que, assim, se não apetrechou com a base de facto indispensável, seja para condenar, seja para absolver: ac. TRP de 6-11-96, proc. n.º 9640709, www.dgsi.pt – seja para dosear a condenação, na parte criminal e/ou na parte cível, acrescentamos nós agora. Na verdade, a insuficiência da matéria de facto provada para proferimento da respectiva decisão verifica-se quando há lacuna, deficiência ou omissão no apuramento e investigação daquela matéria. Podendo e devendo fazer-se uma total reconstrução dos factos com vista à sua subsunção na concreta previsão legal, houve uma falha naquela reconstrução, o que necessariamente se repercute na qualificação jurídica dos mesmos e/ou na medida da pena aplicada, bem como em qualquer outra consequência que dos factos se deva imputar ao arguido, acarretando a normal consequência de uma decisão viciada por falta de base factual. Este vício influencia e repercute-se na decisão proferida, a qual, por isso, poderá não ser a decisão justa que devia ter sido proferida. E só existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando o tribunal deixe de investigar, podendo fazê-lo, toda a matéria de facto relevante, de tal forma que os factos declarados provados não permitam, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do julgador. (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13-5-98, Colectânea de Jurisprudência dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1998, II-199, e de 25-9-97, Boletim do Ministério da Justiça 469-351; e acórdão da Relação de Coimbra, de 27-10-99, Colectânea de Jurisprudência, 1999, IV-68). Ora da fundamentação da convicção não resulta que fosse impossível ao tribunal apurar a situação económica dos arguidos, tanto mais que eles estiveram presentes em julgamento, nunca andaram fugidos e até foram pedidos relatórios sociais sobres as condições sócio-económicas dos mesmos, os quais, porém não aparecem em lado algum do processado. E que tal fosse também impossível quanto às ofendidas e para uso exclusivo dos critérios fixados no art.º 494.º do Código Civil, no tocante à fixação da indemnização por danos não patrimoniais. Assim e como da fundamentação da convicção não resulta que as mencionadas situações económicas dos arguidos e das ofendidas não tenha sido apurada por inexistência de qualquer meio de prova a seu respeito, o vício de insuficiência da matéria fáctica provada para a decisão não permite decidir da causa por este tribunal, pelo que se impõe a anulação do julgamento efectuado e o reenvio do processo para novo julgamento relativamente apenas ao apuramento dessas situações económica e social dos arguidos para aqueles efeitos, e ainda a necessidade de indagação também da situação económica das ofendidas para efeitos da fixação da indemnização por danos morais, bem como a descrição do teor dos CRC dos arguidos para efeitos de aferição de pena no tocante à existência ou não de particulares exigências de prevenção (cf. art.º 426.º e 426.º-A, do Código de Processo Penal), ficando, em consequência, prejudicado o conhecimento das questões suscitadas nos recursos dos arguidos. IV Assim, tendo em conta o disposto no art.° 426.º, do Código de Processo Penal, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste tribunal em determinar o reenvio do processo para novo julgamento a fim de ser sanado o mencionado vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, julgamento a efectuar pelo tribunal competente, nos termos do art.° 426.º-A do Código de Processo Penal. Sem custas. # Évora, 26-05-2020 (elaborado e revisto pelo relator; tem voto de conformidade por parte da Exma. Desembargadora Adjunta, Dr.ª Ana Barata Brito, nos termos do art.º 15.º-A do Decreto-lei n.º 10-A/2020, de 13-3, na redacção da Lei n.º 20/2020, de 1-5) João Martinho de Sousa Cardoso Ana Maria Barata de Brito __________________________________________________ [1] Este n.º 1 é agora acrescentado por esta Relação, uma vez que por lapso não constava da sentença recorrida, lapso que agora se sanou ao abrigo do art.º 380.º, n.º 1 al.ª b) e 2, do Código de Processo Penal. |