Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | EMÍLIA RAMOS COSTA | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DEVER DE OBEDIÊNCIA RECUSA DEVER DE RESPEITO | ||
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Data do Acordão: | 04/11/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I – Diferentemente do regime previsto no art. 639.º do Código de Processo Civil relativamente à impugnação da matéria de direito, onde se consagra o convite ao Apelante de completar as suas conclusões, no regime previsto para a impugnação da matéria de facto, o incumprimento do disposto no art. 640.º do mesmo Diploma Legal, leva à rejeição dessa parte do recurso. II – Nos termos do art. 128.º, n.º 1, al. e), do Código do Trabalho, o trabalhador está sujeito ao dever de obediência relativo a ordens ou instruções relacionadas com a execução ou a disciplina do trabalho, bem como com a segurança e saúde no trabalho, desde que tais ordens ou instruções não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias. III – A entidade empregadora, na relação com os seus trabalhadores, está sujeita ao dever de urbanidade e probidade (art. 127.º, n.º 1, al. a), do Código do Trabalho) e encontra-se proibida de exercer pressão sobre estes para que actuem no sentido de influir desfavoravelmente nas condições de trabalho (do art. 129.º, n.º 1, al. c), do Código do Trabalho). IV – Assim, não está sujeito ao dever de obediência, o trabalhador a quem foi dada a ordem de datar uma declaração de recebimento da comunicação interna, que até já tinha assinado, onde constava, designadamente, que apenas poderia se deslocar do posto de trabalho, designadamente para ir à casa de banho, entre as 10h00 e as 10h30, e que nunca poderia usar o telemóvel, sob pena de despedimento com justa causa, quando o mesmo, ao denotar um comportamento apreensivo e cauteloso, por não saber como dever actuar em situações de emergência, recebeu por parte do representante da entidade empregadora, em vez da adequada informação, gritos e ameaças de que se não datasse tal declaração seria sujeito a processo disciplinar, por violação por parte do empregador do disposto nos arts. 127.º, n.º 1, al. a) e 129.º, n.º 1, al. c), ambos do Código do Trabalho (sumário elaborado pela relatora). | ||
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Decisão Texto Integral: | Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] ♣ Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:I – Relatório N… (A.) intentou a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, manifestando, por via da apresentação do requerimento a que alude o artigo 98.º - C do Código de Processo do Trabalho, a sua oposição ao despedimento promovido por S… (R.), ambos devidamente identificados nos autos. … Realizada a audiência de partes, não foi possível resolver por acordo o litígio.… Seguiu-se a regular tramitação processual, tendo sido dispensada a audiência prévia e admitido o pedido reconvencional, e, após a realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, em 26-11-2018, onde foi fixado como valor da causa o montante de €43.577,82, com a seguinte decisão:Por tudo o exposto, o Tribunal julga ilícito o despedimento, com fundamento em justa causa, promovido pela entidade empregadora, e, em consequência: 1. Condena a entidade empregadora S… a pagar ao trabalhador N…: A. A quantia de 25.369,24 (vinte e cinco mil trezentos e sessenta e nove euros e vinte e quatro cêntimos) a título de indemnização de antiguidade vencida por reporte a 26 anos de serviço, à razão de 30 dias por cada ano de antiguidade, quantia à qual acrescem as que, ao mesmo título, se vencerem até ao trânsito em julgado da sentença, desde que excedam aqueles 26 anos; B. A quantia de € 8.529,92 (oito mil quinhentos e vinte e nove euros e noventa e dois cêntimos) a título de retribuições vencidas referentes aos meses de Abril de 2018 a novembro de 2018 (inclusive e considerando que o trânsito em julgado da decisão não ocorrerá antes do final do presente mês), quantia à qual acrescem as que, a título de retribuições se vencerem, incluindo os proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal devidos pela cessação do contrato, até ao trânsito em julgado da sentença, tudo sem prejuízo da dedução do subsídio de desemprego que haja sido auferido pelo trabalhador, o qual será entregue pela entidade empregadora à Segurança Social, e da remuneração que foi paga ao trabalhador pelo trabalho prestado no mês de abril de 2018. A. A quantia total de € 959,91 (novecentos e cinquenta e nove euros e noventa e um cêntimos) a título de créditos laborais peticionados referentes a formação profissional não assegurada pela ré nos anos de 2013 a 2017. 2. Absolve a entidade empregadora do demais peticionado designadamente quanto ao pedido de condenação no pagamento dos danos não patrimoniais. … Não se conformando com esta decisão, veio a R. interpor recurso da mesma, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem:A – A decisão recorrida não apreciou e interpretou correctamente a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento. B – A Apelante discorda do julgamento da matéria de facto, efectuada pelo tribunal “a quo”, já que entende, que os depoimentos prestados pelas partes e pelas testemunhas I…e A…concatenados com a prova documental junta aos autos, concretamente o procedimento disciplinar, considerando regular, bem como a apreciação e interpretação de factos dados como não provados, impunham uma decisão diversa da proferida. C – A R. Apelante instaurou ao A. apelado o procedimento disciplinar junto aos autos por violação do disposto nos arts. 128 nº 1 alíneas e) e h) do Código do Trabalho, D – A Sanção disciplinar de despedimento deverá ser considerada lícita e válida, porquanto o comportamento e omissivo do A. acerca da discordância de diversas normas das boas práticas de higiene e segurança alimentar, revelou manifesta intenção de incumprimento futuro das mesmas, designadamente no tocante à utilização de telemóvel no local de trabalho e à permissão de fumar. E – As declarações de parte do legal representante da A. e da testemunha I…foram claras e inequívocas, não padeceram de contradições e o facto do tribunal “a quo” qualificar tais depoimentos como parciais ou protectores, não pode contribuir para o seu descrédito ou desvalorização. F – Até porque, com base no seu confronto com as declarações do A., facilmente se constata que mais ninguém assistiu ao diálogo entre eles. G – O tribunal “a quo” não poderá nem deverá ter desvalorizado, a discordância do A. relativamente às normas de conduta, pelo simples facto de não se ter provado qualquer incumprimento objectivo subsequente até porque, H – Foi evidente, o despropósito do A. relativamente à insensatez das suas opiniões pessoais suscitadas acerca da justiça e pertinência das normas relativas à utilização de telemóveis e permissão para fumar, I – A desvalorização destes depoimentos fundou-se numa superficial análise depreciativa, induzida talvez pela constatação da forte personalidade do administrador da R. que por vezes é confundida com mau carácter ou desrespeitador dos seus subordinados. J – A decisão recorrida, não coligiu suficientes comportamentos ilegais da R. que permitem concluir pela ilicitude do despedimento do A. L – Subsidiariamente e caso se entenda que o despedimento foi ilícito e assim dever ser arbitrada indemnização a favor do A. esta sempre deverá ser calculada no seu limiar legal mínimo, atento todo o contexto do procedimento disciplinar ocorrido e até o facto não irrelevante, de terem improcedido na totalidade os alegados danos morais peticionados pelo A. M – Por conseguinte, deverá neste considerando condicional a indemnização ser fixada em 15 dias por ano de antiguidade, face à diminuta ilicitude do despedimento conjugada com o comportamento do A., revelador até de vontade de sair da empresa. N – Ao decidir pela procedência ainda que parcial do pedido, violou o tribunal “à quo” o disposto nos arts. 154 e 607 nº 4 e 615 nº 1 alínea b), todos do C.P.C. Termos em que, deverá o presente recurso de apelação ser julgado procedente e, em consequência ser proferida decisão que por via da alteração da matéria de facto, absolver a R. dos pedidos, ou caso ainda assim não se entenda sempre a indemnização atribuída ao A. ser reduzida para o seu limite legal mínimo assim se fazendo JUSTIÇA. … Contra-alegou o A., concluindo pela improcedência do recurso, devendo ser mantida a decisão recorrida nos seus exactos termos e com os fundamentos dela constantes.… O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito devolutivo, e, após a subida dos autos ao Tribunal da Relação, foi dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do art. 87.º do Código de Processo do Trabalho, tendo o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitido parecer, pugnando pela improcedência do recurso, devendo ser mantida na íntegra a decisão recorrida.O A. respondeu ao parecer pugnando pela manutenção da sentença recorrida. Também a R. respondeu ao parecer pugnando pela procedência do presente recurso. Tendo sido mantido o recurso nos seus precisos termos, foram colhidos os vistos legais, cumprindo agora apreciar e decidir. ♣ II – Objecto do RecursoNos termos dos arts. 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). No caso em apreço, as questões que importa decidir são: 1) Impugnação da matéria de facto; 2) Licitude do despedimento de que o Apelado foi alvo; e 3) Quantum indemnizatório excessivo fixado ao Apelado. ♣ III – Matéria de FactoO tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos: 1. A S… é uma sociedade que se dedica à atividade de abate de gado industrialização e comercialização. 2. O trabalhador N…, trabalha sob as ordens, direção e fiscalização da S…, desde 1992, com a categoria de fiel de armazém e, pelo menos desde janeiro de 2017, desempenha funções na secção de etiquetagem da sala de desmancha. 3. No dia 20.10.2017, 3 dias depois do seu regresso ao trabalho após cumprimento de sanção disciplinar de suspensão por 2 dias, que veio a impugnar judicialmente, o A. foi chamado pelo administrador J…. 4. Onde, na sequência de carta anteriormente dirigida à sua entidade empregadora solicitando esclarecimentos sobre as funções afetas à etiquetagem, lhe foi transmitido por aquele administrador que a S… não negociava com funcionários. 5. Após o administrador da R. chamou àquele local 3 colegas do A., o A…, o S… e a Eng. I… e na presença destes transmitiu-lhe que durante o seu período de ausência, tinha existido implementação de novas regras, com proibição de uso de telemóveis e restrição das pausas para uso do balneário, entre outras, e que a violação dessas novas normas conduziria a despedimento com justa causa. 6. Acrescentando ainda que os funcionários A… e S…, que trabalham com o A., seriam seus chefes, consoante as suas funções fossem desempenhadas na secção de etiquetagem ou na secção do cais e que poderiam utilizar o telemóvel no exercício das suas funções, durante o seu horário de trabalho, ao contrário do A. 7. Tendo o A. uma boa relação com estes colegas respondeu que na sua opinião a escolha destes colegas para chefiar foi excelente. 8. Ao que o administrador J…retorquiu, com agressividade e em tom depreciativo, que aquele não tinha direito a opinião. 9. Foi ainda por reiterado, de forma prepotente e agressiva, antes de entregar ao autor as novas regras enunciadas nas comunicações (CI.C.02 e CI.C.03), que o desrespeito pelo mesmo das aludidas regras daria origem a despedimento com justa causa. 10. Em seguida, foi disponibilizada ao A., pela Eng. I…es, por ordem direta do Administrador da R., a comunicação interna (CI.C.02 e CI.C.03) que havia sido fornecida em reunião geral de trabalhadores, na qual o A. não tinha estado presente. 11. Esta funcionária solicitou ao A. que lesse o seu teor e assinasse uma declaração de recebimento da supra referida comunicação interna, garantindo assim o conhecimento das regras de cumprimento obrigatório. 12. O A. respondeu que precisaria de tempo para ler e tomar conhecimento das referidas comunicações antes de assinar, uma vez que se tratava de uma comunicação longa. 13. Nesse seguimento, o Administrador, J…, disse em tom agressivo que todos os funcionários tinham já assinado a declaração e que ele também devia fazê-lo. 14. O A. sentindo-se constrangido, pressionado e intimidado, assinou a declaração de recebimento e tomada de conhecimento das supra indicadas comunicações. 15. Tendo sido dada por terminada a reunião, o A. levou consigo cópia das comunicações que lhe foram disponibilizadas e entregues. 16. Uns dias mais tarde, e após leitura atenta das comunicações em causa, o A., em conversa privada com A…, manifestou a sua discordância relativamente aos pontos 2 e 10 da comunicação CI.C.02 e o ponto 3 b da comunicação CI.C.03, designadamente no que concerne à permissão da utilização da casa de banho apenas no período de pausa compreendida entre as 10h e as 10h15 e a proibição do uso de telemóveis em todos os locais de laboração, sendo que o autor trabalhava numa secção onde a carne já estava embalada e uma vez que inexistia uma extensão telefónica fixa no sector onde o A. e os seus colegas laboram, num total de aproximadamente 30 funcionários, receando a falta de flexibilidade por parte da administração em situações de urgência e aproveitamento dessas situações para instaurar procedimentos disciplinares contra os trabalhadores. 17. Todavia, a partir do dia em que tomou conhecimento da obrigatoriedade das novas regras estabelecidas, o A. absteve-se de qualquer comportamento violador das mesmas, não tendo utilizado o seu telemóvel na área de laboração e aproveitado as pausas para satisfazer as suas necessidades, nomeadamente para tomar refeições, utilizar a casa de banho ou fumar, sempre nos locais apropriados para o efeito, e durante o curto período de 15 minutos. 18. Entretanto, na manhã do dia 25.10.2017, o Administrador da R., J…, dirigiu-se ao A. solicitando-lhe que o acompanhasse ao seu escritório. 19. O que o A. fez prontamente. 20. Aí chegados, o Sr. J… disse ao A. que, aquando da aposição da assinatura na declaração de recebimento da comunicação interna, este não havia datado a mesma. 21. Foram entretanto chamados ao gabinete a Eng. I… que trazia a declaração para o autor datar, R… e o Sr. M…. 22. O autor aproveitou aquele momento para expressar a sua apreensão e discordância quanto às aludidas normas alegando o facto de poder ter de ir à casa de banho em situações de urgência ou, por ter filhos pequenos, ser necessário estar contatável para alguma eventualidade e receoso que em tais situações de emergência não houvesse flexibilidade da administração, pois tais situações não encontravam previsão na aludida comunicação e ali se referia que o incumprimento de tais normas seria causa de despedimento, alertando ainda que, pelo facto de não existir extensão telefónica na sala onde laboram aproximadamente 30 pessoas, incluindo o próprio, o telemóvel seria necessário para que estes pudessem estar contactáveis se houvesse alguma emergência. 23. Pensou o autor que a sua assinatura (que ficaria completa com a aposição da data) significaria a concordância com as normas em causa e assim, caso pontualmente sentisse necessidade de ir à casa de banho fora do período de pausa ou de atender ou efetuar uma chamada de emergência durante o período de laboração isso seria motivo de despedimento com justa causa, tal como se encontra descrito na comunicação CI.C.02, e tal como lhe foi transmitido pelo Administrador J…, aquando da primeira reunião. 24. Em face da relutância do A. em datar o referido documento o Administrador da R., J…, gritou-lhe num tom agressivo, dizendo-lhe que este ou datava o documento ou seria objeto de processo disciplinar. 25. E quando o autor, de forma cordata, referiu uma vez mais qual a sua posição sobre o assunto, o Administrador da R., gritando bem alto, disse-lhe “Rua! Rua! Tem duas horas para sair da empresa!” 26. Pelo que o A., por ordem direta e verbal do Administrador, abandonou a empresa por volta das 13 horas, o que fez sem lhe ter sido fornecida qualquer comunicação escrita relativamente à sua suspensão preventiva e tendo posteriormente sido instaurado o processo disciplinar ao A. no âmbito do qual veio a ser-lhe aplicada a sanção disciplinar de despedimento, por decisão datada de 26.03.2018 e comunicada ao trabalhador a 9 de abril de 2018. 27. A sanção disciplinar de dois dias de suspensão com perda de retribuição aplicada ao autor foi impugnada por este, por se tratar, no entender do A., de uma sanção abusiva por parte da aqui Ré, através de ação comum que corre termos neste Juízo do Trabalho sob o n.º 1572/17.6T9BJA, a qual foi julgada procedente por decisão ainda não transitada em julgado. 28. O A. sempre efetuou as suas tarefas e funções com rigor, zelo e diligência, sendo cumpridor de todas as normas e regras legais e as implementadas na empresa da R. 29. Submetendo-se até, por ordem da R., a funções não integradas na sua categoria profissional, e demonstrando sempre a sua disponibilidade para o trabalho. 30. Também sempre tratou todos os superiores hierárquicos, colegas e pessoas relacionadas com a empresa com urbanidade e probidade. 31. O Administrador da R. …, que exerce as aludidas funções na empresa nos últimos dois anos, reiteradamente destrata os funcionários da empresa, gritando, intimidando, pressionando, humilhando, hostilizando, constrangendo e rebaixando os seus subordinados, revelando-se inflexível nas suas posições e não aceitando as sugestões dos trabalhadores. 32. O A., nas situações supra descritas, sentiu-se triste, revoltado, vexado e humilhado perante os seus colegas e atingido na sua honra pessoal e profissional, facto que se mantem sempre que se recorda da humilhação de que foi vítima. 33. O autor foi trabalhador da R. durante mais de 25 anos, sem que tenha tido algum processo disciplinar antes do ano de 2017. 34. O A. auferia ultimamente o vencimento mensal de 905€ (valor hora de € 5,63) acrescido de 70,74€ a titulo de diuturnidade, subsidio de assiduidade no valor de 90,50€, e o subsidio de refeição diário de 4,5€, para além de subsidio de férias e de natal. 35. A R. proporcionou ao autor as seguintes ações de formação profissional nos últimos 2 anos: a) Em 26/02/2016 – 1/2h Objecto – Sistema “First” – Plano de defesa Alimentar b) Em 31/03/2016 – 2 horas Objecto – Procedimento do sistema de segurança alimentar c) Em 18/04/2016 – 1 hora Objecto – recepção de materiais e embalagem d) Em 16/03/2017 – 2 horas Objecto – Boas práticas de higiene … E deu como não provados os seguintes factos:a) No dia 25.10.2017, o A. ao cruzar-se com o administrador J… e na presença do funcionário R… e da referida Eng.ª I… disse, claramente e de viva voz, que não datava a comunicação interna e que não iria cumprir as normas dela constantes, designadamente continuaria a fumar quando entendesse e a utilizar o telemóvel sempre que necessário, pois tinha filhos pequenos. b) Disse ainda que o mandassem embora para o fundo de desemprego. c) O trabalhador tem sido sinalizado pela administração da empresa como um funcionário que com frequência se recusa a cumprir ordens ou normas internas da empresa. d) A ré tenha ministrado formação ao autor antes do ano de 2016. e) O administrador Sr. J… demonstre uma atitude persecutória em relação ao autor. ♣ IV – Enquadramento jurídicoConforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se o tribunal a quo (i) fez uma correcta apreciação da prova produzida; (ii) aplicou bem o direito ao considerar que o despedimento foi ilícito; e (iii) exagerou no quantum indemnizatório fixado ao Apelado. … 1 – Impugnação da matéria de factoDe acordo com as conclusões formuladas pela Apelante, a decisão recorrida não apreciou e interpretou correctamente a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, discordando a Apelante do julgamento da matéria de facto efectuada pelo tribunal a quo, por entender que os depoimentos prestados pelas partes e pelas testemunhas I… e A…, concatenados com a prova documental junta aos autos, concretamente o procedimento disciplinar, considerado regular, bem como a apreciação e interpretação de factos dados como não provados, impunham uma decisão diversa da proferida. Ora, estipula o art. 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que: 1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Dispõe, por sua vez, o art. 640.º do Código de Processo Civil que: 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º. Por fim, estatui o art. 635, n.º 4, do Código de Processo Civil que: 4 - Nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso. Relativamente à interpretação das obrigações que impendem sobre a Recorrente, nos termos do n.º 1 do art. 640.º do Código de Processo Civil, cita-se, entre muitos[2], o acórdão do STJ, proferido em 03-03-2016, no âmbito do processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt: I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe. II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso. III – O ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado. IV – Nem o cumprimento desse ónus pode redundar na adopção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação, e que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, máxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte Recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica. Cumpre decidir. No caso em apreço, facilmente se constata, sem haver sequer necessidade de recorrer às insuficiências constantes das alegações de recurso, que nas conclusões formuladas inexiste qualquer menção aos concretos pontos de facto que são objecto de impugnação, conforme, pelo menos, se impõe que conste do teor das conclusões. Sempre se dirá, de igual modo, que, nessas conclusões, também inexiste qualquer menção aos concretos meios probatórios constantes do processo ou às concretas passagens das gravações realizadas que impunham decisão diversa sobre os concretos pontos da matéria de facto impugnada, que, conforme mencionámos, não foram indicados, não se bastando esta exigência com uma alusão genérica à prova documental constante dos autos e ao depoimento de determinadas testemunhas. Por fim, também nessas conclusões inexiste a decisão que, no entender da Apelante, deveria ter sido proferida sobre as tais questões de facto alegadamente impugnadas, mas que desconhecemos quais sejam. E, a ser assim, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da Apelante, é impossível a este Tribunal, em face de tais conclusões, directa ou indirectamente, apreender quais sejam os pontos da matéria de facto dada por assente que se mostram impugnados. Importa ainda salientar que, diferentemente do regime previsto no art. 639.º do Código de Processo Civil relativamente à impugnação da matéria de direito, onde se consagra o convite ao Apelante de completar as suas conclusões, no regime previsto para a impugnação da matéria de facto, o incumprimento do disposto no art. 640.º do mesmo Diploma Legal, leva à rejeição dessa parte do recurso. Estamos, portanto, perante uma omissão insusceptível de ser ultrapassada, verificando-se, em consequência, que o ónus de impugnação previsto no art. 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente ao processo laboral nos termos do art. 87.º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho, não foi observado. Nesta conformidade, rejeita-se o recurso na parte referente à impugnação da matéria de facto, por falta de observância do ónus de impugnação previsto no art. 640.º do Código de Processo Civil. … 2 – Licitude do despedimentoDe acordo com as conclusões formuladas pela Apelante, esta instaurou ao Apelado procedimento disciplinar, por violação do disposto no art. 128.º, n.º 1, als. e) e h), do Código do Trabalho, em virtude do comportamento omissivo do Apelado relativamente à discordância de diversas normas das boas práticas de higiene e segurança alimentar, tendo revelado manifesta intenção de incumprimento futuro das mesmas, designadamente no tocante à utilização de telemóvel no local de trabalho e à permissão de fumar, pelo que o tribunal a quo, ao desvalorizar a discordância do Apelado quanto a tais normas de conduta pelo simples facto de não se ter provado qualquer incumprimento objectivo subsequente, fez uma análise superficial e depreciativa dos factos. Mais alegou que a decisão recorrida não coligiu suficientes comportamentos ilegais da Apelante que permitem concluir pela ilicitude do despedimento do Apelado. Dispõe o art. 351.º do Código do Trabalho que: 1 - Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. 2 - Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador: a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores; b) Violação de direitos e garantias de trabalhadores da empresa; c) Provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empresa; d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afecto; e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa; f) Falsas declarações relativas à justificação de faltas; g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco; h) Falta culposa de observância de regras de segurança e saúde no trabalho; i) Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes; j) Sequestro ou em geral crime contra a liberdade das pessoas referidas na alínea anterior; l) Incumprimento ou oposição ao cumprimento de decisão judicial ou administrativa; m) Reduções anormais de produtividade. 3 - Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes. Estipula o art. 128.º do Código do Trabalho que: 1 - Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve: a) Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade; b) Comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade; c) Realizar o trabalho com zelo e diligência; d) Participar de modo diligente em acções de formação profissional que lhe sejam proporcionadas pelo empregador; e) Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias; f) Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios; g) Velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador; h) Promover ou executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa; i) Cooperar para a melhoria da segurança e saúde no trabalho, nomeadamente por intermédio dos representantes dos trabalhadores eleitos para esse fim; j) Cumprir as prescrições sobre segurança e saúde no trabalho que decorram de lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. 2 - O dever de obediência respeita tanto a ordens ou instruções do empregador como de superior hierárquico do trabalhador, dentro dos poderes que por aquele lhe forem atribuídos. Regulamenta ainda o art. 328.º do Código do Trabalho que: 1 - No exercício do poder disciplinar, o empregador pode aplicar as seguintes sanções: a) Repreensão; b) Repreensão registada; c) Sanção pecuniária; d) Perda de dias de férias; e) Suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade; f) Despedimento sem indemnização ou compensação. 2 - O instrumento de regulamentação colectiva de trabalho pode prever outras sanções disciplinares, desde que não prejudiquem os direitos e garantias do trabalhador. 3 - A aplicação das sanções deve respeitar os seguintes limites: a) As sanções pecuniárias aplicadas a trabalhador por infracções praticadas no mesmo dia não podem exceder um terço da retribuição diária e, em cada ano civil, a retribuição correspondente a 30 dias; b) A perda de dias de férias não pode pôr em causa o gozo de 20 dias úteis; c) A suspensão do trabalho não pode exceder 30 dias por cada infracção e, em cada ano civil, o total de 90 dias. 4 - Sempre que o justifiquem as especiais condições de trabalho, os limites estabelecidos nas alíneas a) e c) do número anterior podem ser elevados até ao dobro por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. 5 - A sanção pode ser agravada pela sua divulgação no âmbito da empresa. 6 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.os 3 ou 4. Estatui igualmente o art. 330.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que: 1 - A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infracção. Preceitua também o art. 381.º do Código do Trabalho que: Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes ou em legislação específica, o despedimento por iniciativa do empregador é ilícito: a) Se for devido a motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso; b) Se o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente; c) Se não for precedido do respectivo procedimento; d) Em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das suas modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. E, por fim, estipula o art. 487.º do Código Civil que: 1. É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa. 2. A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso. Apreciemos então. Tendo sido rejeitada a impugnação da matéria de facto, mostram-se assentes os factos provados nos exactos termos que constam da sentença recorrida. A referida sentença apresentou a seguinte fundamentação quanto a esta matéria: Não estando em causa a regularidade formal do processo de despedimento, vejamos então se ocorre justa causa de despedimento do trabalhador. O conceito de justa causa encontra-se consagrado no art. 351º, nº 1: constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. O nº 2 da mesma disposição legal enumera, a título meramente exemplificativo, alguns comportamentos que poderão constituir justa causa de despedimento. Prevê-se, ainda, no nº 3 que na apreciação da justa causa se atenda, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes. Sobre o conceito de justa causa na nova legislação laboral transcrevem-se, pela sua pertinência, as considerações tecidas no Acórdão do STJ datado de 08-03-2018: “Deste modo, são elementos do conceito de justa causa de despedimento: a) a existência de uma conduta do trabalhador que evidencie uma violação culposa dos seus deveres contratuais; b) que essa conduta seja objetivamente grave em si mesma e nas suas consequências; c) e que por força dessa gravidade seja imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral. Na síntese de M. do ROSÁRIO PALMA RAMALHO, o conceito de justa causa exige a verificação cumulativa de «um comportamento ilícito, grave em si mesmo ou pelas suas consequências, e culposo do trabalhador (é o elemento subjetivo da justa causa); a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral (é o elemento objetivo da justa causa); a verificação de um nexo de causalidade entre os dois elementos anteriores, no sentido em que a impossibilidade de subsistência do contrato tem de decorrer, efetivamente, do comportamento do trabalhador»[3]. Os factos integrativos do conceito de justa causa hão de materializar um incumprimento culposo dos deveres contratuais por parte do trabalhador, numa dimensão suscetível de ser considerada como grave, quer a gravidade se concretize nos factos em si mesmos, quer ocorra nas suas consequências. Para além disso, exige-se que essa dimensão global de gravidade torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, o que a Doutrina vem chamando elemento objetivo da justa causa. A subsistência do contrato é aferida no contexto de um juízo de prognose em que se projeta o reflexo da infração e do complexo de interesses por ela afetados na manutenção da relação de trabalho, em ordem a ajuizar da tolerabilidade da manutenção da mesma. Por isso mesmo, por força do disposto no n.º 3 do mesmo artigo, «na apreciação da justa causa, deve atender-se ao quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes». A ponderação integral deste conjunto de circunstâncias permite projetar os factos imputados ao trabalhador no contexto da relação de trabalho e ponderar a partir daí o reflexo dos mesmos na estabilidade daquela relação, como base do juízo de tolerabilidade da sua manutenção. A impossibilidade de manutenção da relação laboral deve ser apreciada no quadro da inexigibilidade com a ponderação de todos os interesses em presença, existindo sempre que a subsistência do contrato represente uma insuportável e injusta imposição ao empregador. Segundo MONTEIRO FERNANDES, «o que significa a referência legal à “impossibilidade prática” da subsistência da relação de trabalho – é que a continuidade da vinculação representaria (objetivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador» e que «[n]as circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações (pessoais e patrimoniais) que ele supõe seria de molde a ferir de modo desmesurado e violento a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador»[4]. M. do ROSÁRIO RAMALHO, debruçando-se sobre a construção jurisprudencial deste elemento da justa causa, afirma que «o requisito da impossibilidade de subsistência do vínculo laboral deve ser reconduzido à ideia de inexigibilidade, para a outra parte, da manutenção do contrato, e não apreciado como impossibilidade objetiva»; «a impossibilidade de subsistência do contrato de trabalho tem que ser impossibilidade prática, no sentido em que deve relacionar-se com o vínculo laboral em concreto»; «a impossibilidade de subsistência do contrato tem que ser imediata»[5].” – relatado por Cons. ANTÓNIO LONES DANTAS, proc. 1240/15.3T8GRD.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt A lei exprime-se através de uma cláusula geral e de conceitos indeterminados para assim permitir uma adaptação do direito às particularidades de cada caso. O conceito de justa causa é um conceito valorativo e sempre casuístico, que faz apelo ao contexto, às circunstâncias do caso concreto e a uma ideia de adequação social, num quadro em que o despedimento constitui uma última ratio, para os casos em que, de acordo com a boa-fé, não há espaço para o uso de sanções conservatórias do vínculo. A noção de impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho é um conceito normativo-objetivo, que não tem em conta a sensibilidade do empregador, mas o critério de uma empregadora razoável colocada naquela situação (cfr. JORGE LEITE, Colectânea de Leis do Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 250). Para apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes. A justa causa do despedimento pressupõe uma ação ou uma omissão imputável ao trabalhador a título de culpa, e violadora dos deveres principais, secundários ou acessórios de conduta a que o trabalhador, como tal, está sujeito, deveres esses emergentes do vínculo contratual, cuja observância é requerida pelo cumprimento da atividade a que se obrigou, pela disciplina da organização em que essa atividade se insere, ou, ainda, pela boa-fé que tem de registar-se no cumprimento do contrato. Importa, assim e em especial, atentar aos deveres do trabalhador previstos no artigo 128º do Código do Trabalho: “1 - Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve: a) Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade; b) Comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade; c) Realizar o trabalho com zelo e diligência; d) Participar de modo diligente em acções de formação profissional que lhe sejam proporcionadas pelo empregador; e) Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias; f) Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios; g) Velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador; h) Promover ou executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa; i) Cooperar para a melhoria da segurança e saúde no trabalho, nomeadamente por intermédio dos representantes dos trabalhadores eleitos para esse fim; j) Cumprir as prescrições sobre segurança e saúde no trabalho que decorram de lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. 2 - O dever de obediência respeita tanto a ordens ou instruções do empregador como de superior hierárquico do trabalhador, dentro dos poderes que por aquele lhe forem atribuídos.” Mas não basta, porém e como se referiu, aquele comportamento culposo do trabalhador. É que, sendo o despedimento a mais grave das sanções, para que o comportamento do trabalhador integre a justa causa é ainda necessário que seja grave em si mesmo e nas suas consequências, de modo a tornar impossível a subsistência da relação laboral. E conforme se extrai do que supra se deixou expresso, tanto a gravidade como a culpa hão-de ser apreciadas em termos objetivos e concretos, de acordo com o entendimento de um bom pai de família ou de um empregador normal, em face do caso concreto, e segundo critérios de objetividade e razoabilidade (cfr. art. 487º, nº2 do C. Civil). Revertendo o nosso foco para o caso decidendo, temos que a entidade empregadora imputa ao trabalhador factos que, no seu entendimento, consubstanciam violação grave dos deveres de respeito, urbanidade, zelo e obediência. Da factualidade julgada como provada e supra descrita resulta, em suma, que no dia 25.10.2017, o autor, trabalhador da ré, referiu que não concordava com as normas internas que lhe foram comunicadas 5 dias antes, não tendo aposto a data na declaração de tomada de conhecimento das aludidas normas, convencido que ao fazê-lo formalizava a sua assinatura, o que implicava afirmar que concordava com as aludidas normas. Mas não foi por isto que o mesmo foi despedido. Segundo a nota de culpa e a decisão disciplinar em causa nos autos a atitude do autor que levou ao seu despedimento foi a alegada recusa em cumprir as ordens constantes do aludido documento, enfrentando o administrador no corredor para lhe comunicar tal facto, mas tal factualidade não se provou. É certo que a recusa em datar a declaração de tomada de conhecimento das aludidas normas também é suscetível de constituir violação do dever de obediência por parte do trabalhador. No entanto, no contexto em que se verificou a aludida desobediência (num contexto em que o trabalhador pretendia que a sua voz fosse ouvida pelo administrador quanto à bondade das aludidas normas e este não só não o ouviu como o pressionou, de forma agressiva e como era seu apanágio, a tomar uma atitude sob a ameaça de um procedimento disciplinar) não apresenta gravidade de maior nem é suscetível de conduzir a um impossibilidade de manutenção da relação laboral, como o próprio administrador admitiu quando prestou declarações. Impunha-se uma atitude mais reflexiva e preventiva da entidade empregadora, explicando ao trabalhador como deveria atuar em caso de emergência, o que não sucedeu. Assim, e pese embora a existência de processo disciplinar anterior no âmbito do qual veio a ser aplicada uma sanção disciplinar ao trabalhador - a qual todavia também veio a ser considerada abusiva por decisão judicial, ainda que não transitada em julgado -, perante a inexistência de prejuízo para a empresa resultante da conduta do trabalhador e em face da culpa diminuta deste entendemos que o despedimento se apresenta como uma sanção desproporcional. Concluímos assim pela inexistência de justa causa de despedimento no caso concreto e, consequentemente, pela ilicitude do despedimento do autor/trabalhador. Em face dos normativos vigentes, designadamente do disposto no n.º 1 do art. 351.º do Código do Trabalho (já citado), resulta que a justa causa de despedimento implica a verificação cumulativa de três requisitos: 1) um comportamento culposo do trabalhador (requisito de natureza subjectiva); 2) a impossibilidade de subsistência da relação laboral (requisito de natureza objectiva); 3) a existência de um nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade de subsistência da relação laboral. Deste modo, para que se esteja perante uma justa causa de despedimento torna-se necessário, não só que tenha havido um comportamento culposo (activo ou omissivo) por parte do trabalhador, como também que a gravidade de tal comportamento seja de tal ordem que impossibilite a subsistência da relação laboral. Esse comportamento culposo implica a violação dos deveres a que o trabalhador se encontra sujeito, emergentes do vínculo contratual existente entre si e a entidade empregadora, designadamente dos deveres constantes do art. 128.º do Código do Trabalho, no entanto, não se basta com tal violação de deveres, tornando-se necessário, para que seja legítima a imputação da mais violenta das sanções disciplinares, que a gravidade da violação desses deveres, aferida segundo critérios de objectividade e razoabilidade, tenha levado à quebra da relação de confiança que o empregador tinha para com aquele trabalhador, tornando impossível a subsistência de tal relação laboral, por representar uma injusta imposição ao empregador. Resulta ainda do disposto no n.º 3 do art. 351.º do Código do Trabalho que a entidade empregadora (e a entidade judiciária nas acções de impugnação da regularidade e licitude do despedimento), na apreciação da justa causa, deve atender, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes. Conforme bem refere Pedro Furtado Martins na obra Cessação do Contrato de Trabalho, 4.ª edição, 2017, Princípia Editora, Parede, p. 168: É indispensável reconduzir os factos que estão na base da justa causa – o «comportamento culposo do trabalhador» - a uma dada situação; a situação de «impossibilidade de subsistência da relação de trabalho». Impossibilidade entendida não em sentido material, mas em sentido jurídico e como sinónimo de inexigibilidade: a verificação da justa causa pressupõe que não seja exigível ao empregador que prossiga na relação. Cita-se ainda a este propósito o sumário do acórdão do STJ, proferido em 01-03-2018, no âmbito do processo n.º 1010/16.1T8SNT.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt: III – Para que se verifique justa causa de despedimento, é necessário um comportamento culposo e ilícito do trabalhador e que desse comportamento, na medida em que tenha quebrado a relação de confiança, decorra como consequência necessária a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral. Importa agora atentar à situação concreta. No caso em apreço, resultou provado que o Apelado, no dia 20-10-2017, foi chamado pelo administrador da entidade empregadora ao escritório (facto 3), onde lhe foi comunicado, na presença de mais três colegas, que tinham sido implementadas novas regras, designadamente a proibição de uso de telemóveis e restrição das pausas para uso do balneário, entre outras, e que a violação dessas novas normas conduziria a despedimento com justa causa (facto 5), facto esse que foi reiterado, de forma prepotente e agressiva, pelo referido administrador (facto 9). Mais se provou que, ao ser disponibilizado ao Apelado a referida comunicação interna com as novas regras, foi-lhe pedido que a lesse e assinasse uma declaração de recebimento dessa comunicação, tendo o Apelado solicitado tempo para ler e tomar conhecimento da mesma antes de assinar, visto se tratar de uma comunicação longa, acabando por assinar, de imediato, tal declaração, por se sentir constrangido, pressionado e intimidado, em face da circunstância de o referido administrador lhe ter dito, em tom agressivo, que todos os funcionários tinham já assinado a declaração e que ele também devia fazê-lo (factos 10 a 14). Provou-se igualmente que tendo o Apelado levado consigo uma cópia dessa comunicação (facto 15), uns dias mais tarde, após a leitura atenta da mesma, em conversa privada com A…, manifestou a sua discordância relativamente à permissão da utilização da casa de banho apenas no período de pausa compreendida entre as 10h00 e as 10h15 e a proibição do uso de telemóveis em todos os locais de laboração, sendo que o Apelado trabalhava numa secção onde a carne já estava embalada e uma vez que inexistia uma extensão telefónica fixa no sector onde o Apelado e os seus colegas laboravam, num total de aproximadamente 30 funcionários, receando a falta de flexibilidade por parte da administração em situações de urgência e aproveitamento dessas situações para instaurar procedimentos disciplinares contra os trabalhadores (facto 16); porém, desde que tomou conhecimento das novas regras, o Apelado absteve-se de qualquer comportamento violador das mesmas, não tendo utilizado o seu telemóvel na área de laboração e aproveitado as pausas para satisfazer as suas necessidades, nomeadamente para tomar refeições, utilizar a casa de banho ou fumar, sempre nos locais apropriados para o efeito, e durante o curto período de 15 minutos (facto 17). Provou-se ainda que, na manhã, do dia 25-10-2017, o referido administrador da Apelante dirigiu-se ao Apelado solicitando que o acompanhasse ao seu escritório (facto 18), o que este fez prontamente (facto 19), e, aí chegados, aquele disse a este que, aquando da aposição da assinatura na declaração de recebimento da comunicação interna, não tinha datado a mesma (facto 20), tendo sido, entretanto, chamados ao gabinete do referido administrado três colegas do Apelado (facto 21). Este, aproveitando a ocasião, expressou a sua apreensão e discordância quanto às aludidas normas, alegando o facto de poder ter de ir à casa de banho em situações de urgência ou, por ter filhos pequenos, ser necessário estar contatável para alguma eventualidade e receoso que, em tais situações de emergência, não houvesse flexibilidade da administração, pois tais situações não encontravam previsão na aludida comunicação e ali se referia que o incumprimento de tais normas seria causa de despedimento, alertando ainda que, pelo facto de não existir extensão telefónica na sala onde laboravam aproximadamente 30 pessoas, incluindo o próprio, o telemóvel seria necessário para que estes pudessem estar contactáveis se houvesse alguma emergência (facto 22), tendo, em face da relutância do Apelado em datar o referido documento, o Administrador da Apelante lhe gritado, num tom agressivo, que este ou datava o documento ou seria objecto de processo disciplinar (facto 24), e quando o Apelado, de forma cordata, referiu, uma vez mais, qual a sua posição sobre o assunto, o Administrador da Apelante, gritando bem alto, disse-lhe “Rua! Rua! Tem duas horas para sair da empresa!” (facto 25). Provou-se, por fim, que o Apelado pensava que a sua assinatura, que ficaria completa com a aposição da data, significaria a concordância com as normas em causa e, assim, caso pontualmente sentisse necessidade de ir à casa de banho fora do período de pausa ou de atender ou efectuar uma chamada de emergência durante o período de laboração, isso seria motivo de despedimento com justa causa, tal como se encontrava descrito na referida comunicação, e tal como lhe foi transmitido pelo mencionado Administrador, aquando da primeira reunião, tendo sido essa a razão pela qual tinha relutância em datar a referida declaração (facto 23). Um dos deveres que a Apelante considera ter sido violado pelo Apelado é o de obediência. O dever de obediência é um dos principais deveres a que o trabalhador está sujeito no âmbito da relação laboral, devendo o trabalhador obediência no cumprimento das ordens e instruções do empregador respeitantes quer à execução da sua actividade profissional quer à disciplina do trabalho, quer ainda à segurança e saúde no trabalho, mas apenas desde que tais ordens e instruções não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias (art. 128.º, n.º 1, al. e), do Código do Trabalho). Daí que, apesar da especial extensão e intensidade deste dever, o mesmo encontra-se sujeito a limites gerais e específicos. Recorrendo às palavras de Maria do Rosário Palma Ramalho em Tratado de Direito do Trabalho[3]: Os limites gerais do dever de obediência são os direitos e garantias do trabalhador: como refere o art. 128º nº1 e) in fine, o dever de obediência cessa quando a ordem ou instrução do empregador colida com os direitos e garantias do trabalhador, sendo nestes casos legítima a desobediência. Esta norma deve ser articulada com o art. 129º nº1, que estabelece as garantias gerais do trabalhador, bem como com outras previsões estabelecidas na lei, em instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho, em regulamento da empresa ou no contrato de trabalho, respeitantes a direitos e garantias do trabalhador. Por outro lado, o dever de obediência não pode colidir com os direitos fundamentais e de personalidade do trabalhador, pelo que a desobediência a uma ordem que ofenda estes direitos será legítima. Por fim, o dever de obediência é limitado genericamente pela licitude da própria ordem, não devendo o trabalhador obediência a um comando ilegal. Por outro lado, nos termos do art. 129.º, n.º 1, al. c), do Código do Trabalho, é proibido ao empregador exercer pressão sobre o trabalhador para que actue no sentido de influir desfavoravelmente nas condições de trabalho dele ou dos companheiros. Acresce que, nos termos do art. 127.º, n.º 1, al. a), do Código do Trabalho, o empregador deve respeitar e tratar o trabalhador com urbanidade e probidade. Em face da matéria dada como assente, desde logo, o Apelado não desrespeitou as normas que constavam da comunicação que assinou, apesar de ter discordado com o teor de duas delas. Por outro lado, no dia 25-10-2017, efectivamente o Apelado não datou a declaração de recebimento da comunicação interna, que já se mostrava por si assinada, tendo, porém, esclarecido, sempre de forma cordata, a entidade empregadora das dúvidas que tinha sobre duas das novas normas de conduta (só poder ir à casa de banho entre as 10h00 e as 10h15 e nunca poder usar o telemóvel, sob pena de despedimento com justa causa), temendo, inclusive, que ao completar a sua assinatura com a data, tal significasse que concordava que podia ser despedido com justa causa se desrespeitasse em, situações de emergência, alguma dessas regras. Em resposta a estas dúvidas, o representante da Apelante, ao invés de o informar de como deveria actuar em situações de emergência, gritou-lhe, num tom agressivo, que este ou datava o documento ou seria objecto de processo disciplinar, violando, de forma evidente, o dever de tratar o Apelado, seu trabalhador, com urbanidade e probidade, bem como a proibição de exercer pressão sobre o Apelado para que actuasse no sentido de influir desfavoravelmente nas suas condições de trabalho, o que manifestamente apontava ser o caso. Assim, não só o Apelado não manifestou a intenção de voluntaria e injustificadamente pretender desobedecer à ordem de datar a declaração de recebimento da comunicação interna, tendo, ao invés, demonstrado, sobretudo, falta de esclarecimento sobre a conduta a adoptar em situações de emergência, revelando, por isso, um comportamento apreensivo e cauteloso; como também, nas circunstâncias em que esta situação ocorreu, de evidente coacção a que o Apelado foi submetido, perante a violação dos deveres da entidade patronal de urbanidade e probidade, como de não exercer pressão sobre os trabalhadores relativamente a matéria de diminuição das condições de trabalho (como parecia ser o caso), afigura-se-nos que o Apelado, nestas condições, não se encontrava efectivamente sujeito ao dever de obediência de datar aquela declaração. Na realidade, perante a factualidade assente, atento o contexto específico da situação, mostra-se afastado o dever de obediência por parte do Apelado, nos termos do art. 128.º, n.º 1, al. e), in fine, do Código do Trabalho. Mas mesmo que se admitisse que o facto de o Apelado não ter datado a declaração de recebimento da comunicação interna no dia 25-10-2017 constituiu uma violação do seu dever de obediência, nunca este teria gravidade suficiente (até pelo contexto descrito) para implicar a aplicação da mais gravosa das sanções disciplinares – o despedimento. A Apelante imputa ainda ao Apelado a violação do dever de promover e executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa (art. 128.º, n.º 1, al. h), do Código do Trabalho). Pressupondo que as novas normas de conduta (designadamente, os trabalhadores não poderem ir à casa de banho a não ser entre as 10h00 e as 10h30 e nunca poderem usar o telemóvel) se destinavam a melhorar a produtividade da Apelante, da matéria provada resultou que o Apelado nunca as desrespeitou, pelo que inexiste qualquer facto que permita concluir pela violação deste dever. Assim, não tendo a Apelante logrado demonstrar a prática de infracções disciplinares por parte do Apelado, inexiste fundamento para o despedimento com justa causa, visto que o primeiro requisito para a sua existência é exactamente a prática pelo trabalhador de um comportamento culposo. Nesta conformidade, sendo o despedimento ilícito, nos termos do art. 381.º, al. b), do Código do Trabalho, improcede a pretensão da Apelante. … 5) Quantum indemnizatório excessivo fixado ao ApeladoSegundo a Apelante, a indemnização a arbitrar à Apelante sempre deverá ser calculada no seu limiar legal mínimo, atento todo o contexto do procedimento disciplinar ocorrido e até o facto não irrelevante, de terem improcedido, na totalidade, os alegados danos morais peticionados pelo Apelado, devendo a diminuta ilicitude do despedimento ser conjugada com o comportamento do Apelado, revelador até de vontade de sair da empresa. Dispõe, sobre este assunto, o art. 391.º do Código do Trabalho que: 1 - Em substituição da reintegração, o trabalhador pode optar por uma indemnização, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º 2 - Para efeitos do número anterior, o tribunal deve atender ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial. 3 - A indemnização prevista no n.º 1 não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades. Apreciemos, então. Na sentença recorrida, o tribunal a quo justificou o montante da indemnização atribuída nos seguintes termos: De esclarecer que, de acordo com o disposto no artigo 391º do Código de Trabalho, em substituição da reintegração o trabalhador pode optar por uma indemnização até ao termo da discussão da audiência final de julgamento cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade contados desde o inicio do contrato até ao trânsito em julgado da decisão que declare ilícito o despedimento, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º, a qual não pode ser inferior a três meses. Vejamos o caso concreto: O trabalhador/autor pede que, declarada a ilicitude do despedimento seja a entidade empregadora condenada a pagar a indemnização em substituição da reintegração, sendo esta fixada em 45 dias por ano de antiguidade. Considerando porém que, ainda assim, o trabalhador violou uma ordem dada por um superior hierárquico, sem olvidar as concretas circunstâncias em que ocorreram os factos, os anos de trabalho (26 anos) e a remuneração do trabalhador (905€ + 70,74€), entende este tribunal fixar a aludida indemnização em 30 dias (1 mês) de remuneração por ano de antiguidade. Nos termos do citado artigo 391.º do Código do Trabalho, os critérios para fixação dos dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo são apenas dois: a) o valor da retribuição; e b) o grau de ilicitude do comportamento do empregador. No caso em apreço, o salário auferido pelo Apelado (€905,00) situa-se próximo da média nacional, pelo que se revela adequado que aponte para a “fixação da indemnização próxima do seu ponto médio, isto é, dos 30 dias”. Por outro lado, quanto ao grau de ilicitude do comportamento da Apelante, revela-se este elevado (atente-se ao modo como o administrador da Apelante tratou o Apelado, intimidando-o, ameaçando-o e gritando-lhe, desconhecendo, ao que parece, as mais elementares regras de urbanidade e probidade nas relações havidas entre ambos), pelo que a sentença recorrida apenas pecou por defeito. Dir-se-á ainda que, apesar de não ter sido atribuído ao Apelado qualquer valor a título de danos não patrimoniais, foi dado como provado que o comportamento da Apelante lhe causou tristeza, revolta e humilhação perante os seus colegas, tendo o Apelado se sentido atingido na sua honra pessoal e profissional, facto que se mantém sempre que se recorda da humilhação de que foi vítima (facto 32). Deste modo, improcede a pretensão da Apelante também nesta questão, mantendo-se a sentença recorrida nos seus precisos termos. ♣ V – DecisãoPelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirmar a decisão recorrida. Custas pela recorrente. Notifique. ♣ Évora, 11 de Abril de 2019Emília Ramos Costa (relatora) Moisés Silva Mário Branco Coelho __________________________________________________ [1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Moisés Silva; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho. [2] Vejam-se igualmente os acórdãos proferidos pelo STJ de 07-07-2016 no âmbito do processo n.º 220/13.8TTBCI.G1.S1; de 13-10-2016 no âmbito do processo n.º 98/12.9TTGMR.G1.S1; de 03-11-2016 no âmbito do processo n.º 342/14.8TTLSB.L1.S1; e de 27-10-2016 no âmbito do processo n.º 3176/11.8TBBC1.G1.S1. [3] Parte II, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pp. 281-282. |