Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | RENATA WHYTTON DA TERRA | ||
Descritores: | INSTRUMENTO DO CRIME PERDA DE OBJECTOS REQUISITOS VIOLÊNCIA DOMÉSTICA | ||
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Data do Acordão: | 09/16/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I - São pressupostos legais da declaração de perda de instrumentos a favor do Estado (artigo 109º do Código Penal): que os objetos sejam instrumentos da prática de um facto ilícito típico, isto é, que tenham servido ou estivessem destinados a servir para a prática desse facto; que se verifique a perigosidade de tais objetos. II - Não resultando provado qualquer facto que permita concluir pela existência de um qualquer ilícito-típico, nem estando suficientemente indiciado que as armas de fogo do recorrente tenham sido por ele usadas na prática do denunciado crime de violência doméstica, não está verificado o primeiro pressuposto legal de que depende a declaração de perda de instrumentos ou objetos. Não estando preenchido este primeiro pressuposto formal, torna-se, pois, inútil a apreciação do pressuposto material (a eventual perigosidade dos bens apreendidos). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I. Relatório: No âmbito do processo de inquérito com o n.º 48/23.7GEABT a correr termos no DIAP-1ª secção de Abrantes foi proferido despacho de arquivamento a 12.2.2024 e promoção no sentido de que os objetos apreendidos nos autos fossem declarados perdidos a favor do Estado. Por despacho de 27.2.2024 foi deferida a promoção e declarados perdidos a favor do Estado as armas de fogo e de ar comprimido apreendidas. Desta decisão veio o arguido A interpor o presente recurso, nos termos e com os fundamentos que constam dos autos, que agora aqui se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos, terminando com a formulação das conclusões seguintes: “1º - À face do Artigo 109º do Código Penal, constituem requisitos cumulativos da declaração de perdimento de objectos, que os mesmos tenham servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico ou que tenham sido o efeito do facto ilícito típico e a perigosidade dos objectos. 2º - As armas apreendidas a fls.82 a 86 dos autos e declaradas perdidas a favor do Estado são armas de caça e estão devidamente legalizadas. 3º - O Arguido, ora recorrente, não possui antecedentes criminais, não é consumidor habitual e/ou excessivo de bebidas alcoólicas e é pessoa social e profissionalmente integrado. 4º - Daí que, a sua personalidade conjugada e projectada nas circunstâncias do caso, não permite concluir que as referidas armas ofereçam sérios riscos de serem utilizadas para a prática de novos ilícitos típicos. 5º - Por outro lado, inexiste nos autos qualquer referência feita pelo Arguido ou em qualquer outra circunstância, à utilização das armas apreendidas, nem o mínimo indício de que fosse seu propósito vir a utilizá-las. 6º - Antes pelo contrário, é a própria Ofendida (fls. 147) quem nega, taxativamente, ter alguma vez existido qualquer referência feita pelo Arguido, ora recorrente, à utilização de qualquer objecto, muito menos, às armas. Pelo que, 7º - Não se mostram veriÍicados qualquer um dos requisitos do perdimento, previstos no Artigo 109º, nº1 do Código penal. 8º - Para além disso, o douto despacho do Ministério Público que determina a realização de Perícia Médica ao Arguido, ora recorrente, para aquilatar da idoneidade para deter carta de caçador e licença de uso e porte de arma parte de pressupostos que, salvo o devido respeito, não se encontram demonstrados uns, nem correspondem á realidade, outros. 9º - Com efeito, os presentes autos foram arquivados por não existirem sequer indícios suficientes da prática de qualquer crime. 10º - As armas apreendidas e declaradas perdidas a favor do Estado não foram, nem se destinavam a ser objecto de qualquer facto ilícito típico, como já se referiu.” *** O MºPº respondeu ao recurso nos seguintes termos: “1º O recurso interposto pelo recorrente reporta-se ao despacho proferido em 27.02.2024 pelo qual o Mmo Juiz do Tribunal "a quo, declarou perdidos a favor do Estado os objetos apreendidos ao ora recorrente. 2. Entende o recorrente que o tribunal "a quo" fez uma incorreta interpretação do disposto no art. 109º do CPenal porquanto os autos de inquérito foram arquivados e o ora recorrente não tem antecedentes criminais detendo as armas de forma legal e que destinava exclusivamente ao exercício da caça; 3. A matéria atinente à perda de instrumentos, produtos e vantagens encontra previsão legal no art. 109º e 110º do CPenal que determina os fundamentos para declarar a perda de objetos do agente e/ou de terceiros; 4. Segundo Figueiredo Dias "a perda (de objetos) não possui qualquer ligação com a culpa do agente pelo ilícito-típico perpetrado: podendo o instituto intervir mesmo relativamente a inimputáveis, por um lado, e podendo ele intervir, por outro lado, mesmo que nenhuma pessoa determinada possa ser perseguida ou condenada(...)" sendo que a declaração de perda é determinada em função da perigosidade do objeto e das exigências, individuais e coletivas, de segurança (...); 5. No caso dos autos o inquérito iniciou-se com a notícia de factualidade passível de consubstanciar, em abstrato, a prática, pelo aqui recorrente, de um crime de violência doméstica contra a esposa filho; 6. O inquérito terminou com a prolação de um despacho de arquivamento por insuficiência de indícios uma vez que a ofendida recusou, validamente, prestar declarações; 7. Pese embora e por força do despacho de arquivamento proferido, A não poder ser punido pelos factos, tal não invalida que as armas apreendidas possam ser declaradas perdidas a favor do Estado; 8. com efeito, tal como se refere no Ac. TR Guimarães, datado de 17 de Maio de 2010 "O que está em causa não é o risco subjetivo do recorrente vir a utilizar (ou permitir que outros utilizem)(...), Não há que conjeturar sobre as suas reais intenções, as quais, aliás, só poderiam ser fixadas em sede de julgamento, O que releva aqui é o perigo objetivo do (objeto) (...)." 9. Como frisa o Magistrada do Ministério Público titular do inquérito "em face de inquéritos de violência doméstica, em que um denunciado é detentor de armas de fogo, a moral e a ordem públicas ficam perigadas com a restituição das mesmas ao denunciado. 10.Com efeito, ainda que as armas estejam devidamente licenciadas e o recorrente seja detentor da necessária licença, não podemos ignorar a perigosidade intrínseca de uma arma de fogo nem as inúmeras situações em que as mesmas são usadas contra as pessoas e, muito menos, aquelas situações em que são usadas em contexto de violência doméstica; 11. Não sendo, pois, totalmente despiciendo considerar que as armas apreendidas oferecem sério risco de ser utilizadas para o cometimento de novos ilícitos, sendo que a sua restituição põe em perigo a moral e a ordem públicas. Termos em que, deve negar-se provimento ao recurso, mantendo-se o despacho do Mmo Juiz do Tribunal ..a quo, Vossas Excelências, porém, melhor decidirão, com o habitual elevado saber, assim se fazendo Justiça.” *** Neste Tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto no douto parecer que emitiu conclui: “Compulsados os autos, mormente o despacho de arquivamento e com o respaldo da tese defendida pelos acórdãos acima referenciados dúvidas não nos restam de que, em nenhum momento dos autos, mormente pela ofendida foi referenciado qualquer uso ou menção de uso das referidas armas de fogo que foram apreendidas nos autos. Com efeito, não foi minimamente indiciado que o arguido no âmbito do denunciado crime de violência doméstica que terminou pela prolação de despacho de arquivamento se tenha socorrido da arma de fogo apreendida ou a ela ter feito qualquer tipo de menção. Assim sendo, afasto-me, vigorosamente, da tese do Ex.mo Colega da 1ª instância acolhida pela Mma Juiz “a quo” no despacho ora em crise que deve ser revogado e substituído por outro que determine a entrega das referidas armas ao seu legítimo proprietário cumpridas que sejam as formalidades legais. Nesta conformidade e atento tudo o que se deixou exposto deverão Vossas Excelências, Juízes Desembargadores, conceder provimento ao recurso apresentado pelo recorrente A e revogar o despacho que determinou a perda a favor do Estado das armas apreendias que deve ser substituído por outro que determine a entrega das referidas armas ao seu legítimo proprietário cumpridas que sejam as formalidades legais.” Cumprido o preceituado no art.º 417.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal, o arguido nada disse. Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência. Nada obsta ao conhecimento do mérito. *** II- Fundamentação: Fundamentação de facto É a seguinte a promoção datada de 12.2.2024: “Das armas apreendidas ao arguido: O presente inquérito teve o seu início com auto de notícia pela prática de factos suscetíveis de integrar a prática um crime de violência doméstica por A. O presente inquérito foi arquivado, nos termos do artigo 277.º n.º 2 do Código de Processo Penal, atento o facto de a vítima ter optado por não prestar depoimento e as restantes testemunhas não terem presenciado os factos, mas só relatado o que lhes foi contado pela vítima. Dispõe o n.º 1, do artigo 109º, do Código Penal que “São declarados perdidos a favor do Estado os instrumentos de facto ilícito típico, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, considerando-se instrumentos de facto ilícito típico todos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua prática.” A perda de objetos está dependente da perigosidade ou risco de os mesmos poderem ser utilizados para a prática de novos crimes, não dependendo sequer de efetiva condenação do arguido, uma vez que o n.º 2, do artigo 109º, do Código Penal determina a perda dos objetos, ainda que nenhuma pessoa possa ser punida pelo facto. Sendo certo que, em face do despacho de arquivamento proferido, A não pode ser punido pelos factos, certo é também que, em face de inquéritos de violência doméstica, em que um denunciado é detentor de armas de fogo, a moral e a ordem públicas ficam perigadas com a restituição das mesmas ao denunciado. Destarte, uma vez que os objetos apreendidos e examinados, pelas suas características, oferecem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos ilícitos típicos, atenta a natureza dos objetos, a sua restituição põe em perigo a moral e a ordem públicas, por oferecerem sério risco de ser utilizados para cometimento de factos ilícitos, o Ministério Público promove, ao abrigo do disposto nos artigos 109.º, n.º 1 e 2, do Código Penal sejam os objetos declarados perdidos a favor do Estado. Conclua os autos à Mª Juiz com competência para atos de Instrução, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 109º, n.ºs 1 e 4 do Código penal.” E o despacho que se lhe seguiu a 27.2.2024: “Nos termos e fundamentos de facto e de direito constantes na promoção que antecede, aos quais se adere na integra e que aqui se consideram reproduzidos por melhor não se saber dizer, declaro, ao abrigo do disposto nos artigos 109.o, n." 1 e 2, do Código Penal, as armas perdidas a favor do Estado. Notifique.” *** Fundamentos do recurso: Questões a decidir no recurso É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso (cf. art.º 412.º do CPP e, entre outros, Acórdão do STJ de 29.01.2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB. S1, 5ª Secção). Questão única a decidir: - Se estão verificados os pressupostos de que depende a declaração de perdimento das armas apreendidas nos autos.
Decidindo. Com relevo para a resolução desta questão retiram-se os seguintes factos: 1.O inquérito n.º 48/23.7GEABT onde era investigada a prática de um crime de violência doméstica, tem o recorrente como arguido e como ofendida, M, casados entre si e divorciados por sentença transitada em julgado a 27.11.2023. 2.No inquérito a ofendida apresentou desistência de queixa por requerimento de 2.11.2023, que não foi aceite atenta a natureza pública do crime denunciado. 3.No dia 28.11.2023 a ofendida foi ouvida em declarações e declarou não pretender prestá-las. 4.A 21.7.2023 foram apreendidas uma carabina de marca Beneli, arma de caça e munições, uma arma de ar comprimido de marca Diana, propriedade do arguido, respectivos livretes de manifesto e a “carta de caçador”. 5.Por despacho de 12.2.2024 o Ministério Público titular do inquérito determinou o arquivamento do inquérito com a seguinte fundamentação: “Foi junto auto de notícia de fls. 3 a 8. Foi junto aditamento de fls. 63 a 65. Foi realizada busca domiciliária à residência do arguido, tendo sido apreendidas as armas melhor descritas no auto de apreensão de fls. 82 a 87. A foi constituído arguido, não tendo prestado declarações. Informação do NAE, quanto à titularidade de armas de fogo, de fls. 140. Foi inquirida MJ, a fls. 146 a 147v, junto da GNR, tendo aí prestado declarações. Foi inquiria MI, a fls. 152 a 154, tendo afirmado, em suma, que nunca presenciou, nem nunca se apercebeu de que o seu pai tivesse alguma vez agredido fisicamente a ofendido. O que descreve é o que lhe foi contado pela mãe. Foi inquirida IM, a fls. 156 a 157, afirmando que nunca assistiu a qualquer situação onde a vítima fosse agredida fisicamente ou onde a vítima fosse injuriada ou maltratada verbalmente. Declarando aquilo que a irmã lhe foi contando. Foi inquirida VM, a fls. 158 a 160. Foi realizado auto de exame direto e avaliação de fls. 168 a 180. Foi inquirida MM, a fls. 190 a 191, irmã do arguido, declarando não desejar prestar declarações. Foi inquirida HM, a fls. 192 a 193, mãe do arguido, declarando não desejar prestar declarações. Foi inquirido JM, a fls. 194 a 195, pai do arguido, declarando não desejar prestar declarações. A vítima, a fls.217, veio declarar não desejar procedimento criminal contra o arguido. A fls. 222 a 223, a vítima, inquirida quanto aos factos, declarou legitimamente não desejar prestar declarações, porquanto ainda se encontra casada com o arguido, o que foi confirmado pelo assento de nascimento da mesma. Por fim, foi junto relatório às armas apreendidas, a fls. 231 a 241. ** Não havendo mais prova a produzir, importa concluir se existem indícios de ter o arguido praticado o crime pelo qual foi denunciado. Para além da vítima, esposa do arguido, que recusou legitimamente depor, não existem quaisquer outras testemunhas dos factos ou outros indícios, nem qualquer outro tipo de prova que comprove os factos noticiados. De facto, não obstante, se ter procedido à inquirição de testemunhas, certo é que umas se recusaram a depor e outras, afirmaram nada ter visto, relatando unicamente o que a vítima lhes contava, não sendo possível apurar a sua veracidade, porquanto a mesma recusou prestar declarações. Assim sendo, não é possível ao Ministério Público deduzir acusação pública contra o arguido, porquanto não existem indícios suficientes de ter o arguido praticado o crime por que foi denunciado. O processo penal português baseia-se em provas concretas e na credibilidade dessas mesmas provas, sob pena de, a vingar entendimento contrário, se passar para um Estado Policial onde a mera denúncia ser suficiente para condenação do visado. Dito por outras palavras, não obstante a dificuldade de fazer prova de factos semelhantes aos supra indicados, não pode, por esse facto, diminuírem-se as exigências garantísticas do processo penal. Assim, devido à falta de elementos indiciários relativos aos factos denunciados, terá de ser proferido um despacho de arquivamento. Assim, não tendo a investigação logrado recolher prova suficiente da prática do crime de violência doméstica por parte do arguido, não se vislumbrando outras diligências a realizar, determino o arquivamento do presente inquérito, nos termos do disposto do artigo 277.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.” 6.Na mesma data o Ministério Público promoveu a declaração de perdimento a favor do estado das armas de fogo apreendidas nos autos, por oferecerem riscos sérios de serem utilizadas para cometimento de novos factos ilícitos típicos. 7.A 27.2.2024 foi proferido o despacho recorrido. *** O art.º 109º do Código Penal, no seu nº 1 estabelece que “São declarados perdidos a favor do Estado os instrumentos de facto ilícito típico, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, considerando-se instrumentos de facto ilícito típico todos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua prática” e o nº 2 que a perda prevista no nº 1 terá lugar “ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz”. A alteração ao art. 109º do Código Penal, pela Lei 30/2017, de 30.5, resultou da Diretiva 2014/42/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014. No art.º 2º, nº 3, esta Diretiva define instrumentos do crime como “quaisquer bens utilizados ou que se destinem a ser utilizados, seja de que maneira for, no todo ou em parte, para cometer uma ou várias infrações penais”. Elemento essencial ao preenchimento do conceito é, pois, a demonstração de que os bens foram utilizados ou se destinavam a ser utilizados para cometer uma ou várias infrações penais. Segundo Paulo Pinto de Albuquerque em Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 5ª edição, da Universidade Católica Editora, pág. 506, “ O pressuposto formal da perda de instrumentos é o da utilização dos instrumentos numa atividade criminosa, não sendo necessário que esse crime se tenha consumado, nem seja imputável ao arguido. É, pois, suficiente que possa ser aplicada uma medida de segurança ao facto típico-ilícito, razão pela qual a perda pode ser declarada quer em relação a agentes imputáveis quer a agentes inimputáveis. Estava em causa nos autos a eventual prática pelo arguido de um crime de violência doméstica contra a sua mulher. No entanto, no despacho de arquivamento o MºPº não faz qualquer alusão à utilização das armas apreendidas para a execução de atos integrativos daquele crime ou de qualquer outro. Com efeito, o MºPº limita-se a afirmar que “para além da vítima, esposa do arguido, que recusou legitimamente depor, não existem quaisquer outras testemunhas dos factos ou outros indícios, nem qualquer outro tipo de prova que comprove os factos noticiados.” E conclui que não existem indícios suficientes de ter o arguido praticado o crime por que foi denunciado. Ora consultando os elementos relativos à denuncia efetuada pela ofendida nunca ela refere que o arguido a ameaçou com uma arma de fogo ou de qualquer outra maneira utilizou ou exibiu as referidas armas para a intimidar ou para qualquer outro fim. O que a ofendida refere na sua denúncia prende-se com discussões, palavras e expressões proferidas pelo arguido, com a vontade de se divorciarem, mas nunca foi feita qualquer referência à utilização, por que forma fosse, de armas de fogo, nomeadamente as que foram apreendidas nos autos. Compulsados os autos não existe qualquer outro elemento que sugira que as armas apreendidas tenham sido utilizadas pelo arguido ou por terceiros para a prática de um facto ilícito, ou que, mesmo que ainda não consumada a sua utilização, se destinassem a servir para a sua prática. É necessário para a aplicação deste instituto que os objetos tenham sido usados ou estivessem destinados a ser usados, pelo agente, na prática do facto ilícito típico. Não é o que resulta dos autos. Não resultando provado qualquer facto que permita concluir pela existência de um qualquer ilícito-típico, nem estando suficientemente indiciado que as armas de fogo do recorrente, tenham sido por ele usadas na prática do denunciado crime de violência doméstica, não está verificado o primeiro pressuposto legal de que depende a declaração de perda de instrumentos ou objetos. Não estando preenchido este primeiro pressuposto formal, torna-se, pois, inútil a apreciação do pressuposto material, a eventual perigosidade dos bens apreendidos. Neste sentido numerosa jurisprudência, para além dos acórdãos já citados na douta pronúncia do Sr. Procurador-Geral Adjunto, indicamos o acórdão da Relação de Coimbra de 6.5.2020, prolatado no processo n.º 41/18.1T9CBR.C1,o acórdão da Relação de Évora, datado de 7.11.2023, no processo n.º 394/20.1GAVNO.E1 e o acórdão da Relação do Porto de 26.6.2024, no processo n.º 44/21.9PFVNG-A.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt. Conclui-se, pois, pela procedência do recurso interposto.
III- Decisão Face ao exposto, acordam os Juízes desta 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido A, revogando a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que determine a devolução dos objetos apreendidos ao recorrente, ficando a sua entrega dependente da exibição de licença de uso e porte de armas válido por parte do recorrente – art.º 27º do Regime Jurídico das Armas e Munições. Sem custas.
Évora, 16 de setembro de 2025 Renata Whytton da Terra Filipa Valentim Fernando Pina |