Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3307/23.5T8STR.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
SUSTENTO MINIMAMENTE DIGNO
Data do Acordão: 05/08/2024
Votação: RELATOR
Texto Integral: S
Sumário: 1) A exoneração do passivo não se traduz numa faculdade do direito falimentar para o insolvente se libertar, incondicionalmente, da responsabilidade de satisfazer as obrigações que tem para com os seus credores durante o período de cessão e, a existir, esse perdão de dívidas implica que seja encontrado um ponto de equilíbrio entre o ressarcimento desses credores e a garantia do mínimo necessário ao sustento digno do devedor e do seu agregado familiar.
2) A determinação do que se deva considerar por mínimo necessário ao sustento digno do devedor tem de ser avaliada face às particularidades da situação concreta do devedor insolvente, tendo em conta os valores fundamentais que decorrem do princípio da dignidade humana e que se encontram assentes no cálculo daquilo que é indispensável a uma existência condigna.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3307/23.5T8STR.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo de Comércio de Santarém – J3
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Recurso com efeito e regime de subida adequados.
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Decisão nos termos dos artigos 652.º, n.º 1, alínea c) e 656.º do Código de Processo Civil:
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I – Relatório:
(…) foi declarada insolvente e requereu o procedimento de exoneração do passivo restante. Notificada da decisão veio interpor recurso.
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No seu essencial, a requerente alegou que reunia os respectivos requisitos legais e se comprometia a observar todas as condições exigidas, nomeadamente as previstas no n.º 4 do artigo 239.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
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O Relatório do Administrador da Insolvência não foi objecto de qualquer oposição ou impugnação.
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A decisão recorrida determinou que o rendimento disponível que a devedora viesse a auferir, no período de 3 anos a contar da data de encerramento do processo de insolvência (período da cessão), se considerasse cedido ao fiduciário ora nomeado, com exclusão da quantia mensal correspondente a 1 a retribuição mínima mensal garantida, que se destinava ao sustento da insolvente e respectivo agregado familiar.
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A insolvente não se conformou com a referida decisão e as suas alegações contenham as seguintes conclusões:
«a) A Requerente, apresentou-se à insolvência.
b) Na petição inicial requereu a sua exoneração do passivo restante.
c) Por Despacho, foi declarado pelo Exm.º Sr. Dr. Juiz, que nos termos do artigo 239.º, n.º 3, do CIRE, considera-se excluído do rendimento disponível o valor de 1 SMN.
d) Fixou o Exm.º Sr. Dr. Juiz o montante equivalente a € 820,00 para a Requerente pagar as suas despesas mensalmente durante o período de cessão.
e) Valor nitidamente diminuto tendo em consideração que a requerente vive sozinha, e face às despesas mensais invocadas nos autos que são por si suportadas.
f) O artigo 239.º, n.º 3, alínea b) dispõe que integra o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor com excepção daqueles que sejam razoavelmente necessários para um sustento digno do devedor.
g) Aliás o valor fixado no despacho não respeita o espírito da lei, nomeadamente o artigo 239.º do CIRE quando refere no n.º 3, b), i), "O sustento minimamente do devedor...".
h) Mais nem se entende de que forma foi calculado e ponderado o valor a atribuir à insolvente, como o valor justo e adequado à manutenção de uma vida condigna.
i) Pelo que, ao que parece, as despesas suportadas pela insolvente, e que não foram contestadas por nenhum credor, não foram consideradas para efeitos desta decisão de que ora se recorre.
j) As despesas elencadas na petição inicial e no relatório do 155.º do CIRE, não foram consideradas para efeitos de cálculo, pois que, o Tribunal a quo não levou em ponderação que a Insolvente residia em casa arrendada, com despesas fixas, água, luz, gás, etc..
k) Despesas que não pode deixar de suportar pois são imprescindíveis em qualquer economia doméstica.
l) O cumprimento do despacho inicial de exoneração do passivo restante empurrará esta pessoa para uma situação de grande debilidade económica e para uma situação de sobrevivência limite que colocará em causa a sua dignidade.
m) Dando-se provimento à apelação, deve ser revogado parcialmente o douto despacho, substituindo-se o mesmo por outro que fixe o valor excluído do rendimento disponível em 2 SMN, ou, caso assim não se entenda, pelo menos em 1,5 do SMN.
n) Pois, esse é, no entender da insolvente apelante, o valor necessário para poder ter uma vida condigna nos 36 meses seguintes ao despacho inicial de exoneração do passivo restante.
Nestes termos deve o presente recurso proceder e o despacho proferido ser revogado e substituído por outro que fixe como rendimento disponível o equivalente a 2 SMN, ou caso assim não se entenda pelo menos em 1,5 do SMN. Como é de inteira Justiça!».
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Não houve lugar a resposta.
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as conclusões das alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação de apurar se deve ser alterado o montante disponível e se o sustento minimamente digno da recorrente e do seu agregado familiar está garantido com a verba atribuída.
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III – Factos com interesse para a decisão da causa:
Da leitura dos articulados, do relatório do Administrador de Insolvência previsto no artigo 155.º do CIRE e da decisão judicial é possível fixar a seguinte factualidade:
1. O agregado familiar da insolvente é constituído apenas pela própria.
2. É técnica administrativa, auferindo mensalmente a quantia de € 1.000,00.
3. Despende mensalmente a quantia de € 370,00 com renda de casa.
4. Despende mensalmente quantia que concretamente não foi possível apurar em luz, água, gás, telecomunicações, alimentação, vestuário, saúde e deslocações.
5. A Insolvente é devedora dum montante total que se estima, provisoriamente, em € 37.445,63 (trinta e sete mil e quatrocentos e quarenta e cinco euros e sessenta e três cêntimos).
6. Inexistem bens passíveis de serem apreendidos para a Massa Insolvente.
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IV – Fundamentação:
4.1 – Considerações gerais sobre a exoneração do passivo:
Como se pode ler no Preâmbulo do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, no que respeita aos insolventes singulares, procura-se conjugar de «forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica».
A exoneração do passivo restante constitui uma novidade do nosso ordenamento jurídico, inspirada no direito alemão (Restschuldbefreiung), determinada pela necessidade de conferir aos devedores pessoas singulares uma oportunidade de começar de novo[1]. Este instituto é igualmente tributário da Discharge da lei norte-americana (Bankruptcy Code).
O procedimento de exoneração do passivo restante encontra assento nos artigos 235.º a 248.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com particular enfoque no regime substantivo do instituto da cessão do rendimento disponível provisionado no artigo 239.º[2] do diploma em análise.
A exoneração do passivo restante traduz-se na liberação definitiva do devedor quanto ao passivo que não seja integralmente pago no processo de insolvência ou nos três anos posteriores ao encerramento das condições fixadas no incidente[3]. Daí falar-se de passivo restante. Excepciona-se, contudo, as dívidas abrangidas pela estatuição do n.º 2 do artigo 245.º[4] [5].
Para além das obras genéricas relacionadas com o direito falimentar, sobre a problemática específica da exoneração do passivo restante podem consultar-se as posições de Luís Carvalho Fernandes[6] [7], Catarina Serra[8] [9], Adelaide Menezes Leitão[10] [11], Ana Filipa Conceição[12] [13], Alexandre Soveral Martins[14], Catarina Frade[15], Cláudia Oliveira Martins[16], Francisco de Siqueira Muniz[17], Gonçalo Gama Lobo[18] [19], José Gonçalves Ferreira[20], Mafalda Bravo Correia[21], Maria Assunção Cristas[22], Maria do Rosário Epifânio[23], Paulo Mota Pinto[24] e Pedro Pidwell[25].
Estamos confrontados com dois interesses conflituantes, por um lado, a subsistência dos insolventes e, por outro, a finalidade primária do processo de insolvência que consiste no pagamento dos credores, à custa dos bens e dos rendimentos que deveriam ser canalizados para a massa insolvente.
O rendimento disponível é integrado por todos os recursos patrimoniais que o devedor aufira, a qualquer título, excepto os créditos previstos que tenham sido cedidos a terceiro, e durante o período de eficácia da cessão, o que seja razoavelmente necessário para o sustento do devedor e do seu agregado familiar (com determinados limites fixados na lei), para o exercício da sua actividade profissional e para outras despesas que, a requerimento do devedor, venham a ser consideradas pelo juiz, no próprio despacho inicial ou mais tarde, conforme resulta da interpretação conjugada do disposto no artigo 239.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
A questão judicanda incide sobre os critérios hermenêuticos que devem prevalecer no preenchimento da alocução normativa «o que seja razoavelmente necessário para um sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar»[26].
No que respeita à determinação do que deva considerar-se por mínimo necessário ao sustento digno do devedor, a opção legislativa passou pela utilização de um conceito aberto, a que subjaz o reconhecimento do princípio da dignidade humana, necessariamente assente na noção do montante que é indispensável a uma existência condigna, a avaliar face às particularidades da situação concreta do devedor em causa, impondo-se, uma efectiva ponderação casuística no juízo a formular no que respeita à fixação do quantitativo excluído da cessão dos rendimentos[27] [28].
Na fixação desse montante mínimo há que ter em conta o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana precipitado no artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa. E essa garantia da condição digna de existência é prosseguida através da atribuição de um quantitativo monetário que seja apto a uma sobrevivência humanamente condigna, sendo que recorrentemente o Tribunal Constitucional assume o entendimento que a salvaguarda dessa existência é minimamente perfectibilizada com a atribuição do montante equivalente ao do salário mínimo nacional, face ao preceituado nos artigos 1.º, 59.º, n.º 2 e 63.º, n.ºs 1 e 2, da Lei Fundamental.
O salário mínimo contém em si a ideia de que a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador e que por ter sido concebido como o mínimo dos mínimos não pode ser, de todo em todo, reduzido, qualquer que seja o motivo[29] [30].
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4.2 – Da apreciação concreta sobre a quota do rendimento disponível que deve ser disponibilizada aos insolventes:
Foi publicado em Diário da República o Decreto-Lei n.º 107/2023, de 17 de Novembro, que determinou o aumento da retribuição mínima mensal garantida para e 820,00, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2023.
Por decisão de 19/02/2024, foi fixado como rendimento indispensável ao sustento da requerente a quantia correspondente a 1 salário mínimo (€ 820,00 – oitocentos e vinte euros).
O apuramento do montante a excluir pressupõe sempre uma ponderação casuística por parte do juiz[31] e a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna[32].
Chamado a resolver litígios com contornos semelhantes, o Tribunal da Relação de Évora já proferiu veredictos no sentido de ser adequado a fixação dum montante suficiente para garantir o pagamento das despesas médias inerentes às necessidades básicas de alimentação, vestuário, calçado, bem como das relacionadas com a satisfação dos serviços domésticos (água, electricidade e gás).
Como sucede com a generalidade das famílias portuguesas, a insolvente tem de adequar o seu trem de vida aos rendimentos efectivamente percebidos, fazendo as suas opções quanto às suas necessidades básicas e gerindo as receitas de acordo com critérios de utilidade e normalidade económica como sucede com qualquer outro interessado que receba o salário mínimo nacional ou tenha rendimentos que, na sua óptica, sejam insuficientes para manter um nível de gastos adequado às suas expectativas.
Em acréscimo, não nos podemos esquecer que o objectivo final da exoneração do passivo restante é a extinção das dívidas e a libertação do devedor, para que, “aprendida a lição”, este não fique inibido de começar de novo e de, eventualmente, retomar o exercício da sua actividade económica[33]. Com efeito, tal como decorre injuntivamente da letra da lei [artigo 239.º, n.º 4, alínea c), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas], para beneficiarem do regime em apreço, os insolventes devedores estão vinculados à obrigação de, durante o período legalmente fixado, entregarem imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos rendimentos objecto de cessão.
E, embora exista uma intenção do legislador em dar prevalência à função interna do património sobre a sua função externa[34], é incontestável que, no confronto entre o valor das dívidas do insolvente e a receita arrecadada pelo fiduciário para satisfação dos interesses dos credores, a garantia destes últimos está claramente afectada, sendo que o sustento familiar não pode feito integralmente às custas da posição daqueles.
Caso a requerente não estivesse insolvente e houvesse lugar a penhoras de dinheiro ou de saldos bancários, aquilo que era impenhorável correspondia ao valor global do salário mínimo nacional e o critério imposto pelo n.º 5 do artigo 738.º do Código de Processo Civil também serviria aqui de filtro aferidor do rendimento necessário a satisfazer uma existência condigna.
Fora das peculiaridades previstas especificamente na legislação editada a propósito da insolvência, um insolvente não deve gozar de garantias superiores àquelas que estão legalmente confiadas a um normal executado cujos rendimentos sejam coincidentes com o mínimo de garantia de subsistência.
Na verdade, o instituto da exoneração do passivo restante não pode configurar «um instrumento oportunística e habilidosamente empregue unicamente com o objectivo de se libertarem os devedores de avultadas dívidas»[35].
Recentrando no caso concreto, nada se apurou concretamente quanto ao que a requerente despende mensalmente em alimentação, saúde, vestuário, electricidade, água, comunicações e noutras despesas essenciais à economia doméstica e a mesma pretende ressalvar o recebimento de € 1.640,00 (mil e seiscentos e quarenta euros) (salário mínimo x 2). No entanto, apenas tem um salário que ronda € 1.000,00 (mil euros).
A parte dos rendimentos que pretende a dispensa de entrega ao fiduciário é superior ao seu salário e assim apenas nos períodos de acréscimo salarial (Natal e subsídio de férias e outros em que possa receber prémios de produtividade, participação em lucros ou outros adicionamentos de conteúdo equivalente) é que entregaria qualquer quantia para pagar aos credores. Por outras palavras, a requerente pretende salvaguardar uma verba que não recebe e, por isso, a sua pretensão é meramente simbólica.
Complementarmente, o Acordo de Médio Prazo de Melhoria dos Rendimentos, dos Salários e da Competitividade previa a subida do salário mínimo em 2024 para 810 euros (entretanto, como já vimos, aumentado para 820 euros), em 2025 para 855 euros e em 2026 para 900 euros e esta pré-programada subida deve ser superior a esta previsão, garantindo, assim, progressivamente, a insolvente uma verba superior para satisfação das suas necessidades básicas.
Ao nível das despesas correntes apenas se mostra quantificado o valor da renda de casa, matéria que é contestada pela recorrente, mas que não segue a via imposta por lei[36] e isso motiva a matéria de facto se mostre consolidada.

Nesta ordem de ideias, o montante definido na sentença recorrida executa de forma justa uma compatibilização prática entre os princípios da dignidade da pessoa humana e da protecção da família com as garantias patrimoniais dos credores e se houver uma alteração superveniente relevante da sua situação económica a requerente tem ao seu dispor instrumentos que permitirão alterar o montante da cessão.
Desta sorte, não se concede provimento ao recurso interposto.
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V – Sumário: (…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas nos termos do disposto no artigo 248.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Notifique.
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Processei e revi.
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Évora, 08/05/2024

José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho


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[1] Maria do Rosário Epifânio, Manual do Direito da Insolvência, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 320.
[2] Artigo 239.º (Cessão do rendimento disponível):
1 - Não havendo motivo para indeferimento liminar, é proferido o despacho inicial, na assembleia de apreciação do relatório, ou nos 10 dias subsequentes a esta ou ao decurso dos prazos previstos no n.º 4 do artigo 236.º
2 - O despacho inicial determina que, durante os três anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado por período da cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designada por fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte.
3 - Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão:
a) Dos créditos a que se refere o artigo 115.º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz;
b) Do que seja razoavelmente necessário para:
i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;
ii) O exercício pelo devedor da sua actividade profissional;
iii) Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.
4 - Durante o período da cessão, o devedor fica ainda obrigado a:
a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado;
b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto;
c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão;
d) Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respectiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego;
e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores.
5 - A cessão prevista no n.º 2 prevalece sobre quaisquer acordos que excluam, condicionem ou por qualquer forma limitem a cessão de bens ou rendimentos do devedor.
6 - Sendo interposto recurso do despacho inicial, a realização do rateio final só determina o encerramento do processo depois de transitada em julgado a decisão.
[3] Artigo 235.º (Princípio geral):
Se o devedor for uma pessoa singular pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos três anos posteriores ao encerramento deste, nos termos do presente capítulo.
[4] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição (actualizada de acordo com o Decreto-Lei n.º 26/2015, de 6 de Fevereiro, e o Código de Processo Civil de 2013), Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 848.
[5] Artigo 245.º (Efeitos da exoneração):
1 - A exoneração do devedor importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados, sendo aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 217.º.
2 - A exoneração não abrange, porém:
a) Os créditos por alimentos;
b) As indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamadas nessa qualidade;
c) Os créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contra-ordenações;
d) Os créditos tributários e da segurança social.
[6] Luís Carvalho Fernandes, La exoneración del passivo restante en la insolvência de personas naturales en el Derecho Português, Revista de Derecho Concursal y Paraconcursal, n.º 3-2005.
[7] Luís Carvalho Fernandes, A exoneração do passivo restante na insolvência das pessoas singulares no Direito Português, in Luís Carvalho Fernandes e João labareda, Colectânea de estudos sobre a insolvência, Quid Juris, Lisboa, 2009, págs. 275 e seguintes.
[8] Catarina Serra, As funções do Direito da Insolvência no âmbito de life time contracts (breve reflexão), in Nuno Manuel Pinto Oliveira e Benedita McCrorie (coordenação), Pessoa, Direito e direitos, Braga, Direitos Humanos – Centro de investigação Interdisciplinar, Escola de direito da Universidade do Minho, 2016.
[9] Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2018, págs. 556 e seguintes.
[10] Adelaide Menezes Leitão, Pré-condições para a exoneração do passivo restante – Anotação ao Ac. do TRP de 29.9.2010, Proc. 995/09”, Cadernos de Direito Provado, 2011, 35, págs. 65 e seguintes.
[11] Adelaide Menezes Leitão, Insolvência de pessoas singulares: a exoneração do passivo restante e o plano de pagamentos: as alterações da Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, in AA. VV. Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, págs. 509 e seguintes.
[12] Ana Filipa Conceição, Disposições específicas da insolvência de pessoas singulares no Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, in I Congresso de Direito da Insolvência.
[13] Ana Filipa Conceição, A jurisprudência portuguesa dos tribunais superiores sobre exoneração do passivo restante – Breves notas sobre a admissão da exoneração e a cessão de rendimentos em particular”, Julgar on line, Junho de 2016.
[14] Alexandre Soveral Martins, A reforma do CIRE e as PMEs”, Estudos de Direito da Insolvência, Coimbra Editora, Coimbra, págs. 15 e seguintes.
[15] Catarina Frade, O perdão das dívidas na insolvência das famílias, In Ana Cordeiro Santos (coordenação) Famílias endividadas: uma abordagem de economia política e comportamental. Causas e Consequências, Almedina, Coimbra, 2015.
[16] Cláudia Oliveira Martins, O procedimento de exoneração do passivo restante – controvérsias jurisprudenciais e alguns aspectos práticos, Revista de direito da Insolvência, 2016, ano 0, págs. 213 e seguintes.
[17] Francisco de Siqueira Muniz, O sobreendividamento por créditos ao consumo e os pressupostos de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante no processo de insolvência, Estudos do Direito do Consumidor, 2017, n.º 12, págs. 337 e seguintes.
[18] Gonçalo Gama Lobo, Da exoneração do passivo restante, in Pedro Costa Azevedo (coordenação), Insolvência, Volume especial, Nova Causa, 2012.
[19] Gonçalo Gama Lobo, Exoneração do passivo restante e causas de indeferimento liminar do despacho inicial, in Catarina Serra (coordenação), I Colóquio do Direito da Insolvência de santo Tirso, Almedina, Coimbra, 2014, págs. 257 e seguintes.
[20] José Gonçalves Ferreira, A exoneração do passivo restante, Coimbra Editora, Coimbra, 2013.
[21] Mafalda Bravo Correia, Critérios de fixação do rendimento indisponível no âmbito do procedimento de exoneração do passivo restante na jurisprudência e na conjugação com o dever de prestar alimentos, Julgar, 2017, 31, págs. 109 e seguintes.
[22] Maria Assunção Cristas, Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante, Themis, edição especial, 2005.
[23] Maria do Rosário Epifânio, Manual do Direito da Insolvência, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2016.
[24] Paulo Mota Pinto, Exoneração do passivo restante: fundamento e constitucionalidade, in Catarina Serra (coordenação), III Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2015, págs. 175 e seguintes.
[25] Pedro Pidwell, Insolvência de pessoas Singulares. O “Fresh Start” – será mesmo começar de novo? O fiduciário. Algumas notas”, revista de Direito da insolvência, 2016, nº=, págs. 195 e seguintes.
[26] Sobre o conceito debruça-se Catarina Serra, O Regime Português da Insolvência, 5ª edição, págs. 162 e 163.
[27] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/04/2011, in www.dgsi.pt.
[28] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13/07/2017, no âmbito do processo registado sob o n.º 1063/12.1TBFAR.E1, não publicado.
[29] Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 318/99 de 26/04 in DR, II Série de 22/10/1999; n.º 117/2002, de 23/04/2002, in DR I-A, de 02/07/2002; n.º 96/2004, de 11/02/2004, in DR, II, de 01/04/2004.
[30] Noutro entendimento jurisprudencial é dito que na determinação desse montante deverá ter-se como critério orientador que o rendimento per capita do agregado familiar do insolvente não deve, em princípio, ser inferior a ¾ do indexante dos apoios sociais (IAS), em consonância com o regime previsto no artigo 738.º do Código de Processo Civil. Esta é a solução que parece estar contida no Acórdão da Relação de Lisboa de 20/09/2012, in www.dgsi.pt.
[31] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/12/2014, in www.dgsi.pt.
[32] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 318/99,in www.tribunal constitucional.pt.
[33] Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência, Almedina, Coimbra 2004, pág. 67.
[34] Sobre as funções interna e externa do património ver Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. I, págs. 144-152.
[35] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/12/2008, in www.dgsi.pt.
[36] Artigo 640.º (Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto):
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.