Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
562/18.6T9EVR.E1
Relator: MARIA PERQUILHAS
Descritores: FRAUDE FISCAL
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
FAZENDA NACIONAL
PRESCRIÇÃO
PRAZO
Data do Acordão: 05/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Estabelecendo o artigo 77º do C. P. Penal os prazos em que pode ser exercido o direito à indemnização civil, tal direito não pode ser reclamado pelo lesado antes da notificação do mesmo para “deduzir o pedido de indemnização civil”, e, por via disso, só a partir dessa notificação começa a correr o prazo de prescrição em matéria civil conexa com a responsabilidade criminal em análise no processo.
II - Nos autos, o pedido de indemnização civil foi formulado no dia 13 de fevereiro de 2019 e só posteriormente, em 23 de abril de 2019, os demandados foram notificados para contestar (quer a acusação pública, quer o pedido de indemnização civil), pelo que o direito à indemnização civil por perdas e danos decorrentes da prática do crime não se encontra prescrito.
Decisão Texto Integral:

I – Relatório:

Os arguidos vieram recorrer da sentença proferida no dia11 de outubro de 2023 na qual se decidiu que o procedimento criminal não se encontrava extinto por prescrição, apresentando para o efeito as seguintes conclusões:
A – Os Arguidos G e L consideram que o prazo de prescrição referente aos crimes de fraude fiscal, p. e p. pelo artigo 103.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Regime Geral das Infrações Tributárias deverão ser declarados prescritos.
B – Pois, da conjugação dos Art.s 118º e 121º do CP, atendendo não existir suspensão nem interrupção do processo por “culpa” dos Arguidos, o procedimento criminal terminou em outubro de 2021, pelo que se encontra prescrito.
C - Por outro lado, o Art. 48º da LGT prevê que a prescrição das dívidas fiscais tem um prazo geral de oito anos.
D - Os Arguidos G e L nunca tomaram conhecimento pela Autoridade Tributária e Aduaneira de qualquer processo de dívida tributária nem execução tributária pendente sobre a empresa que detinham ou sobre si próprios.
E - Os Arguidos G e L não assumiram qualquer atitude para a suspensão ou interrupção do prazo de prescrição da dívida tributária, quer quanto ao IVA, quer quanto ao IRC.
F - Mesmo que assim não fosse, o processo de dívida fiscal da AT nunca esteve parado mais de um ano por factos imputáveis aos sujeitos passivos, pelo que não haverá lugar à suspensão ou interrupção do prazo, conforme entende o STA - Acórdãos de 11-07- 2012, proc. n.º 0740/12; de 10-02-2010, proc. n.º 052/10; ou ainda de 08-05-2013, proc. n.º 0629/13.
G – Consequentemente, os Arguidos G e L entendem que estão a ser violados direitos que lhes assistem como a prescrição quer referente ao crime de fraude fiscal, p. e p. pelo artigo 103.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Regime Geral das Infrações Tributárias quer referente no pagamento dos valores ao Estado Português de € 387.076,50 referente ao IVA da Sociedade B e € 59.115,09 referente ao IRC da Sociedade B, nos termos do Art. 32º do CRP;
Deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a Sentença recorrida determinando a absolvição dos crimes de fraude fiscal, p. e p. pelo artigo 103.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Regime Geral das Infrações Tributárias, com referência aos artigos 18.º, 19.º a 27.º, 41.º e 78.º do CIVA, bem como do pagamento ao Demandante Estado Português (Autoridade Tributária e Aduaneira), das quantias de € 387.076,50 (trezentos e oitenta e sete mil e setenta e seis euros e cinquenta cêntimos; reporta-se ao IVA da Sociedade B) e € 59.115,09 (cinquenta e nove mil, cento e quinze euros e nove cêntimos; reporta-se ao IRC da Sociedade B), dos Arguidos G e L, porquanto estão os crimes e as dívidas fiscais prescritas, assim se fazendo JUSTIÇA!
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Recebido o recurso, por despacho de 22-01-2024, o MP respondeu propugnando pela improcedência do recurso, concluindo do seguinte modo:
1. Os arguidos G e L foram condenados pela prática dos crimes dos crimes de fraude fiscal p. e p. pelo artigo 103.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Regime Geral das Infracções Tributárias, e de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 6.º, n.º 1, 7.º, n.º 3, 103.º, n.º 1, alíneas a) e b) e104.º, n.º 2, alínea b) do Regime Geral das Infracções Tributárias.
2. Os arguidos G e L foram ainda condenados, solidariamente e a título de responsabilidade civil extracontratual emergente de factos ilícito criminal, no pagamento ao demandante Estado Português (Autoridade Tributária e Aduaneira) das quantias de € 387.076,50 (trezentos e oitenta e sete mil e setenta e seis euros e cinquenta cêntimos e € 59.115,09 (cinquenta e nove mil, cento e quinze euros e nove cêntimos.
3. O prazo de prescrição do procedimento criminal pelo crime de fraude fiscal simples é de 5 anos, por oposição ao crime de fraude fiscal qualificada que é de 10 anos.
4. Atendendo à data dos factos e as causas de suspensão e interrupção que ocorreram no caso concreto o procedimento criminal pelos factos objecto dos presentes autos não se encontra prescrito.
5. As quantias nas quais os arguidos foram condenados a pagar ao Estado Português não se reconduzem a dívidas fiscais, mas sim a prejuízos causados pela prática de ilícito criminal, e consequentemente, o prazo de prescrição das dívidas fiscais e as causas de interrupção e suspensão da prescrição constantes na Lei Geral Tributária não se aplicam no caso em apreço.
6. A douta sentença recorrida obedeceu a todos os requisitos legais, não merecendo, assim, qualquer reparo.
Pelo que, negando provimento ao recurso interposto e confirmando a douta decisão recorrida farão Vossas Excelências, como sempre, JUSTIÇA!
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O Sr. PGA junto desta Relação pronunciou-se nos autos emitindo parecer no qual pugnou pela manutenção da sentença proferida e o não provimento do recurso.
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Foi cumprido o disposto no art.º 417º, nº 2 do CPP, nada tendo sido dito.
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II - O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente. Só estas o tribunal ad quem deve apreciar art.ºs 403º e 412º nº 1 CPP[1] sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – art.º 410º nº 2 CPP.
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Tendo em conta as conclusões apresentadas há que analisar e decidir no presente recurso:
- Da prescrição do procedimento criminal instaurado contra os arguidos.
- Da prescrição da indemnização que os arguidos foram condenados a pagar à Fazenda Nacional.
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III – Fundamentação:
A – Factos considerados provados relevantes para o conhecimento e decisão do recurso:
1. Nos anos de 2014 e 2015 G e L dedicaram-se profissionalmente à organização de viagens e passeios, e venda de objetos para o lar, atividade comercial que desenvolveram em conjunto, em comunhão de esforços e intentos, sob a designação comercial de A.
2. Tal atividade consistia na organização de passeios com destinos e duração variáveis, e a preços reduzidos para o destino oferecido, de modo a facilitar a angariação de clientes.
3. No decurso dessas viagens ou passeios, por norma durante uma refeição de grupo, era feita uma apresentação de variados artigos para o lar, tais como ferros de engomar, varinhas mágicas, almofadas de massagens, passadeiras, colchões, faqueiros, entre outros, com vista à sua comercialização.
4. As mercadorias eram adquiridas no mercado intracomunitário, maioritariamente em armazéns espanhóis, sendo posteriormente vendidos por preços bastante superiores aos da respetiva aquisição, com margens brutas médias de 157%, no ano de 2014, e de 180%, no ano de 2015, a fim de que o valor das mercadorias vendidas cobrisse os custos da mercadoria, o remanescente dos custos da viagem (não suportados integralmente pelos clientes) e ainda gerasse lucro.
5. As vendas eram formalizadas em contratos celebrados na hora com os clientes, em que era acordado o preço, e as condições de pagamento, designadamente o sinal entregue, o modo e prazo de pagamento.
6. Posteriormente era elaborado um registo, designado de Semanal, contendo o resumo das vendas por passeio, os valores pagos pelos clientes pelo passeio propriamente dito, e os custos do passeio, nomeadamente com autocarro, restaurante, hotel e comissões.
7. As mercadorias eram pagas em dinheiro ou cheques, sendo estes, de um modo geral, emitidos ao portador, e posteriormente utilizados para pagamento direto das mercadorias aos fornecedores, e quase nunca eram depositados em contas bancárias relacionáveis aos arguidos, o que permitia ocultar o rasto documental dos montantes auferidos.
8. Para levar a cabo esta atividade, G e L tinham colaboradores ao seu serviço, que desempenhavam as suas funções de acordo com as ordens e instruções diretas dos arguidos, e que a eles reportavam diretamente, designadamente:
a. Operadoras de Telemarketing: responsáveis pelo contacto permanente com os Organizadores de Eventos a fim de promover a realização de viagens, bem como pelos contactos com os clientes que os procurassem diretamente; incumbia-lhes a escolha dos destinos, seleção de Organizadores, reserva de transportes, hotéis e restaurantes, reserva de atividades turísticas, comunicação do preço por cliente e determinação da viabilidade do evento;
b. Organizadores de Eventos: disseminados por todo o território nacional, incumbia-lhes angariar clientes para a realização de viagens de acordo com as indicações dos operadores de Telemarketing; durante a viagem incumbia-lhes acompanhar em permanência o grupo, recolher o dinheiro do pagamento da viagem e entregar ao Locutor responsável; o Organizador usufruía da viagem de forma gratuita e era compensado com um prémio que podia ser em dinheiro ou em artigos para o lar;
c. Locutores: 2 ou 3 indivíduos que se deslocavam a cada evento, transportando consigo o escaparate dos produtos (conjunto de artigos para demonstração) bem como as peças pequenas (produtos de menores dimensões destinados a venda no local e dia do evento); incumbia-lhes ainda receber o dinheiro entregue pelos Organizadores, expor a montra de artigos para o Lar, proceder às vendas; recolher encomendas, celebrar contratos logo no dia do evento, receber o pagamento das peças pequenas e do valor entregue a título de sinal relativamente aos demais artigos vendidos; incumbia-lhes ainda proceder ao pagamento do Hotel, restaurante, autocarro e outras despesas das viagens através de quantias monetárias fornecidas e que eram complementadas pelas quantias entregues pelo Organizador; por fim procedia ao preenchimento do “semanal” no qual registava as receitas e despesas do evento, documento destinado a ser entregue, juntamente com os contratos, ao Fiel de Armazém, para programação da distribuição dos artigos;
d. Fiel de Armazém: responsável pela gestão de stocks da empresa, registo de saída e entrada dos escaparates e peças pequenas, programação das voltas de distribuição dos artigos vendidos pelos Locutores, identificação das necessidades de encomendas de mercadorias, receção de mercadorias entregues pelos fornecedores, gestão dos distribuidores e veículos utilizados para o efeito; incumbia-lhes ainda receber o remanescente do pagamento aquando o ato da entrega da mercadoria;
e. Distribuidor ao serviço dos arguidos deslocava-se a casa dos clientes para entregar os artigos vendidos, mediante o respetivo pagamento, que podia ser feito na totalidade ou em prestações, em dinheiro ou cheques para pagamento imediato ou pré-datados;
f. Escriturários: incumbia-lhes proceder ao registo das receitas e despesas, encomendar mercadorias a fornecedores, pagamento de despesas correntes, emissão de guias de transporte, processamento de salários e comissões devidas aos colaboradores e organização de documentação.
9. Na prossecução deste seu negócio, G e L desempenhavam ainda as tarefas de fiel de armazém/distribuidor e locutor respetivamente, incumbindo também a ambos gerir as quantias provenientes das vendas e determinar o seu destino.

Obrigações Fiscais

10. No período compreendido entre 01-04-2014 e 31-12-2014, o arguido G teve atividade declarada na Autoridade Tributária, de comércio a retalho, com os CAE 47990, 47592, 47910, estando enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral em sede de IVA.
11. Em data não concretamente apurada, mas certamente anterior a 23-07-2014, os arguidos G e L decidiram constituir uma sociedade comercial através da qual passariam a exercer a atividade conjuntamente, repartindo os lucros entre si, e sobre a qual passariam a recair as obrigações fiscais.
12. Para rentabilizar o negócio, os arguidos puseram-se de acordo em desenvolver esta atividade comercial sem declarar a totalidade dos proventos obtidos à Autoridade Tributária, de modo a maximizar os lucros obtidos, e reduzir o montante dos impostos a pagar ao Estado Português, objetivo por ambos almejado.
13. Assim, em 23-07-2014 os arguidos constituíram e registaram a sociedade por quotas B, com sede na (…..), com o objeto social de marketing e promoção de serviços para convenções e visitas, assistência a organizações sobre alojamento, centros, convenções e lugares de entretenimento; guias turísticos; permuta de condomínio “time-share” e atividades de reserva associadas às viagens; comércio a retalho de louças, cutelaria e outros artigos similares para uso doméstico em estabelecimentos especializados; comércio a retalho por correspondência ou via internet.
14. Sociedade de que ambos eram sócios e cuja gerência exerciam em conjunto, sendo ambos responsáveis por toda a atividade da empresa e pelas decisões relativas à mesma, apesar de formalmente apenas G ter sido designado gerente.
15. A B iniciou fiscalmente atividade em 04-08-2014, e exerce a atividade de comércio a retalho por outros métodos, não efetuada em estabelecimentos, bancas, feiras ou unidades móveis de venda, com o CAE 47990, sem qualquer atividade secundária.
16. Encontrando-se enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral, em sede de IVA, e no regime geral, em sede de IRC.
17. No que respeita às vendas, o preço cobrado e pago pelos clientes incluía IVA, que não sucedia relativamente às prestações de serviços (viagens), relativamente aos quais os preços cobrados e pagos pelos clientes não incluíam IVA.
18. Acresce que a quase totalidade das mercadorias eram adquiridas pelos arguidos, na Espanha, às empresas D, H, S, C, sem IVA incluído, sendo posteriormente vendidas em Portugal, o que obrigava os arguidos à liquidação do IVA, em território nacional, devido pelas aquisições intracomunitárias, nos termos do artigo 8.º do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias.
19. Sucede que os arguidos não mantiveram contabilidade fidedigna de toda a sua atividade comercial, não liquidaram o IVA devido pelas aquisições intracomunitárias, não emitiram faturação correspondente a todos os serviços turísticos e vendas realizadas, optando por declarar à Autoridade Tributária apenas parte da sua atividade.
20. Ao omitir à Autoridade Tributária parte dos rendimentos provenientes da sua atividade comercial, os arguidos lograram subtrair-se à liquidação e pagamento do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e Derrama, IRS e IVA, que seriam devidos ao Estado por força dos rendimentos auferidos e da matéria coletável que daí fosse calculada, o que se traduziu na obtenção de vantagem económica a que não tinham direito.
G
21. No que respeita ao 2.º trimestre de 2014 (201406T), o arguido G apresentou liquidação de IVA a zeros.
22. Nesse período o arguido deveria ter liquidado IVA de acordo com a base tributável de € 127.608,41, a que correspondia um imposto a favor do Estado no valor de € 29.349,93.
23. No que respeita ao 3.º trimestre de 2014 (201409T), o arguido G declarou base tributável no valor de € 1.883,43, correspondente a IVA a favor do Estado no valor de € 433,19, e deduziu € 352,55, o que perfez um montante de IVA a entregar ao Estado de € 80,00.
24. Nesse período o arguido deveria ter liquidado IVA de acordo com a base tributável de € 117. 249,59, a que correspondia um imposto a favor do Estado no valor de € 26.967,41, com deduções no valor de € 352,55, correspondente a € 26.614,86 de IVA a entregar ao Estado.
25. Ao cumprir deficitariamente as suas obrigações fiscais declarativas em sede de IVA, o arguido obteve vantagem no valor global de € 55.884,15, correspondente ao montante de imposto que que deixou de liquidar e entregar, sendo € 29.349,93 correspondentes ao 2.º trimestre e € 26.534,22 correspondentes ao 3.º trimestre, causando ao Estado prejuízo de igual montante.
B
26. A B entregou declarações periódicas em sede de IVA, mas apenas procedeu à entrega do mod. 22 e à declaração de Informação Empresarial Simplificada (IES) do exercício de 2014, não o tendo feito relativamente ao ano de 2015, o que deveria ter feito, respetivamente, até dia 31 de maio de 2016 (mod. 22) e 15 julho de 2016 (IES).
27. Tais declarações seriam essenciais para apuramento do IRC e Derrama a pagar ao Estado, aos quais eram aplicáveis as seguintes taxas:
IRC
28. Relativamente ao ano de 2014 a B apresentou declarações das quais resulta a matéria tributável de € 45.822,68, a que não correspondia qualquer montante a pagar quer a título de IRC quer a título de derrama.
29. Sucede que, nesse ano, a sociedade obteve rendimentos no valor de € 729.303,98, suportou custos no valor de € 550.271,10, e outros gastos no valor de € 98.400,39 tendo um resultado líquido correspondente à matéria coletável de € 80.632,51 o que implicaria o apuramento de € 17.645,48 de IRC e € 322,53 de Derrama, a favor do Estado.
30. Pelo que, ao cumprir deficitariamente a obrigação fiscal declarativa em sede de IRC correspondente ao ano de 2014, os arguidos obtiveram vantagem global de € 17.968,01 correspondente a € 17.645,48 de IRC e € 322,53 de Derrama.
31. Relativamente ao ano de 2015 a B não apresentou declarações fiscais, pelo que a Autoridade Tributária procedeu à liquidação oficiosa da matéria coletável pelo valor de € 7.070,00, a que correspondeu IRC a pagar no valor de € 1.484,70, sem Derrama.
32. Sucede que, nesse ano, a sociedade obteve rendimentos no valor de € 1.790.506,63, suportou custos no valor de € 1.347.769,34 e outros gastos no valor de € 240.719,61 tendo um resultado líquido correspondente à matéria coletável de € 202.017,68, o que implicaria o apuramento de € 41.823,71 de IRC e € 808,07 de Derrama, a favor do Estado.
33. Pelo que, ao não cumprir a obrigação fiscal declarativa em sede de IRC correspondente ao ano de 2015, os arguidos obtiveram, após dedução dos montantes relativos à liquidação oficiosa mencionada em 31. dos factos provados, vantagem global de € 41.147,08 correspondente a € 40.339,01 de IRC e € 808,07 de Derrama.
IVA
34. No ano de 2014, a B entregou liquidação de IVA relativamente aos 3.º e 4.º trimestres, de acordo com a qual resultariam, respetivamente, IVA a receber do Estado, no valor de € 5,05, e IVA a pagar € 1.393,15, respetivamente.
35. Na declaração relativa ao 3.º Trimestre os arguidos declararam base tributável a zeros, mas deveriam ter declarado uma base tributável no valor de € 221.701,06, correspondente ao montante de Imposto a pagar ao estado no valor de € 50.991,24.
36. Liquidaram aquisições intracomunitárias pelo valor de € 4.490,43 relativamente às quais correspondia imposto a favor do Estado no valor de € 1.032,80 dedutível pelo mesmo valor, donde resultaria um imposto a entregar ao Estado no valor de € 50.986,19.
37. Na declaração relativa ao 4.º Trimestre os arguidos declararam base tributável de € 14.023,39, mas deveriam ter declarado base tributável no valor de € 274.059,02, correspondente ao montante de Imposto a pagar ao estado no valor de € 63.033,57.
38. Liquidaram aquisições intracomunitárias pelo valor de € 251.575,56 relativamente às quais correspondia imposto a favor do Estado no valor de € 57.862,42, mas deveriam tê-lo feito pelo montante de € 259.125,56 ao qual corresponderia o imposto a favor do Estado no valor de € 59.598,92, acrescidas deduções no valor de € 37.934,61, donde resultaria um imposto a entregar ao Estado no valor de € 62.942,89.
39. Pelo que, tendo em atenção os valores autoliquidados, no ano de 2014 os arguidos obtiveram vantagem no valor global de € 112.535,93, correspondente ao IVA devido ao Estado que deixou de liquidar e pagar, sendo € 50.991,24, correspondentes ao 3.º trimestre, e € 61.544,69, correspondentes ao 4.º trimestre.
40. No ano de 2015, a B entregou liquidação de IVA relativamente aos 4 trimestres, de acordo com a qual resultariam IVA a entregar ao Estado nos valores de € 1.821,67, € 4.951,29, € 1.289,41 e € 1.421,58, respetivamente.
41. Na declaração relativa ao 1.º Trimestre (201503T) os arguidos declararam base tributável no valor de € 10.492,30, mas deviam ter declarado base tributável no valor de € 163.366,67, correspondente ao montante de Imposto a pagar ao estado no valor de € 37.574,33.
42. Liquidaram aquisições intracomunitárias pelo valor de € 79.666,34 relativamente às quais correspondia imposto a favor do Estado no valor de € 18.323,75, mas deveriam tê-lo feito pelo montante de € 82.279,93 ao qual corresponderia o imposto a favor do Estado no valor de € 18.924,88, acrescidas deduções no valor de € 18.915,31, donde resultaria um imposto a entregar ao Estado no valor de € 37.583,90.
43. Na declaração relativa ao 2.º Trimestre (201506T) os arguidos declararam base tributável no valor de € 26.061,13, mas deveriam ter declarado uma base tributável no valor de € 297.478,13, correspondente ao montante de Imposto a pagar ao estado no valor de € 68.419,97.
44. Liquidaram aquisições intracomunitárias pelo valor de € 93.988,17 relativamente às quais correspondia imposto a favor do Estado no valor de € 21.617,30, mas deveriam tê-lo feito pelo montante de € 121.791,23 ao qual corresponderia o imposto a favor do Estado no valor de € 28.012,00, acrescidas deduções nos valores de € 22.660,06, donde resultaria um imposto a entregar ao Estado no valor de € 73.771,90.
45. Na declaração relativa ao 3.º Trimestre (201509T) declararam uma base tributável de € 19. 392,29, mas deveriam ter declarado uma base tributável de € 383.805,69, correspondente ao montante de Imposto a pagar ao estado no valor de € 88.275,31.
46. Liquidaram aquisições intracomunitárias pelo valor de € 156.301,37 relativamente às quais correspondia imposto a favor do Estado no valor de € 35.949,32, mas deveriam tê-lo feito pelo montante de € 180.334,82 ao qual corresponderia o imposto a favor do Estado no valor de € 41.477,01, acrescidas deduções nos valores de € 39.120,14, donde resultaria um imposto a entregar ao Estado no valor de € 90.632,18.
47. Na declaração relativa ao 4.º Trimestre (201512T) os arguidos declararam base tributável de € 13.899,00, mas deveriam ter declarado uma baste tributável no valor de € 349.584,70, correspondente ao montante de Imposto a pagar ao estado no valor de € 80.404,48.
48. Liquidaram aquisições intracomunitárias pelo valor de € 90.049,90 relativamente às quais correspondia imposto a favor do Estado no valor de € 20.711,46, mas deveriam tê-lo feito pelo montante de € 104.864,03 ao qual corresponderia o imposto a favor do Estado no valor de € 24.118,71, acrescidas deduções no valor de € 22.486,65, donde resultaria um imposto a entregar ao Estado no valor de € 82.036,54.
49. Pelo que, tendo em atenção os valores autoliquidados, no ano de 2015 os arguidos obtiveram vantagem no valor global de € 274.540,57, correspondente ao IVA devido ao Estado que deixaram de liquidar e pagar nos 4 trimestres, nos montantes de € 35.762,23, € 68.820,61, € 89 342,77 e € 80.614,96, respetivamente.
Vantagem
50. Em suma, com as condutas descritas supra os arguidos conseguiram alcançar vantagens em sede de IVA, correspondentes aos montantes que deixaram de liquidar e entregar ao Estado, e que a este eram devidos, no valor global de € 55.884,15 no que respeita ao imposto relativo apenas a G, e € 387.076,50 (€ 112.535,93 + € 274.540,57) no que respeita ao imposto relativo à B:
51. E em sede de IRC e correspondente Derrama devidos ao Estado relativamente à B, os arguidos alcançaram vantagem no valor de € 59.115,09 (€ 17.968,01 + € 41.147,08), que deveria ter sido liquidado e pago.
Elemento Subjetivo
52. O arguido G sabia que estava obrigado a declarar fiscalmente todos os proventos da sua atividade comercial, que estava obrigado a emitir faturas nas quais liquidasse e cobrasse IVA e sabia que estava obrigado a entregar liquidações de IVA, mas agiu do modo supra descrito, ciente de que ocultava à AT informações relevantes para o cálculo do imposto, o que quis e conseguiu, com o propósito concretizado de se apoderar, em seu próprio benefício, das quantias equivalentes ao imposto que deixou de pagar.
53. Os arguidos G e L agiram em nome e no interesse da B, em comunhão de esforços e intentos, bem sabendo que estavam obrigados a manter uma contabilidade fidedigna e declarar fiscalmente todos os proventos da atividade comercial que desenvolviam em nome daquela sociedade, que estavam obrigados a emitir faturas e recibos nas quais liquidassem e cobrassem IVA e sabiam que estavam obrigados a entregar liquidações de IRC e IVA, incluindo a liquidação do IVA relativo às aquisições intracomunitárias
54. Agiram do modo descrito supra, cientes de que ocultavam à AT informações relevantes para o cálculo dos impostos, e que com a sua conduta punham em causa a verdade fiscal e o interesse financeiro do Estado, o que fizeram com o propósito concretizado de se apoderar, em seu benefício e da sociedade B, das quantias equivalentes aos impostos que deixaram de pagar.
55. Ao não emitir faturas referentes às vendas realizadas e serviços prestados, ao não registar e declarar as vendas e compras de mercadorias e serviços prestados em contabilidade fidedigna, ao não declarar a totalidade das aquisições intracomunitárias, ao efetuar pagamentos a fornecedores com recurso a cheques ao portador que lhe haviam sido emitidos pelos clientes, omitindo o rasto dos fluxos monetários, os arguidos agiram com o propósito concretizado de não liquidar e não entregar aos cofres do Estado a totalidade dos impostos devidos pela sua atividade comercial.
56. Os arguidos sabiam que, ao não apresentar as liquidações e declarações de prestações tributárias a que estavam obrigados ou apresentando-as declarando rendimentos inferiores aos reais, ocultavam à administração tributária factos relevantes para efeitos do cálculo das prestações tributárias devidas, que não pagaram, e que com a sua conduta causavam ao Estado – Fazenda Pública um prejuízo de valor equivalente ao imposto que deveria ter sido liquidado e pago.
57. O que fizeram com o propósito concretizado de aumentar os proventos obtidos, propósito por ambos os arguidos querido e alcançado, e que se traduziu na obtenção de uma vantagem em termos fiscais a que os mesmos não tinham direito, cientes de que os montantes de imposto que deixavam de pagar ao Estado, por declaração, eram superiores a € 15.000,00.
58. Agiram, reiterando sucessivamente os mesmos propósitos, e cometendo de forma homogénea os repetidos factos, favorecidos pelas mesmas circunstâncias exteriores, designadamente o facto de não serem fiscalizados atempadamente pela Administração Fiscal.
59. Agiram voluntaria, livre e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
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Decisão sobre a exceção da Prescrição:
Na sequência do supra mencionado, os arguidos G e L vêm acusados da prática de 1 (um) crime de fraude fiscal qualificada, reportando-se ao IVA da sociedade B e 1 (um) crime de fraude fiscal, reportando-se ao IRC da sociedade B e o arguido G vem acusado da prática de 1 (um) crime de fraude fiscal, reportando-se ao IVA de G, tendo-se concluído que os arguidos praticaram os crimes imputados na acusação pública.
Assim, encontrando-se estabilizadas as qualificações jurídicas dos crimes imputados aos arguidos, cumpre salientar que a defesa suscitou a eventual prescrição do procedimento criminal.
O crime de fraude fiscal simples, previsto e punido pelo artigo 103.º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias, é punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.
No que tange ao crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelo artigo 104.º, n.ºs 1 e 2, do Regime Geral das Infrações Tributárias, é punível com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas coletivas.
Dispõe o artigo 21.º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias que o “O procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos”.
Acrescenta-se no n.º 2 do citado normativo legal que “O disposto no número anterior não prejudica os prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a cinco anos”.
Por fim, impõe-se ainda convocar o disposto no n.º 4 do referido preceito legal, o qual estabelece que “O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º e no artigo 47.º”.
Nos termos do artigo 118.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, “O procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os seguintes prazos: Dez anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a cinco anos, mas que não exceda dez anos”.
O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado (artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal).
A suspensão implica que, durante o período em que a mesma vigorar, não corre o prazo de prescrição (artigo 120.º, n.º 3, do Código Penal). Por seu lado, a interrupção inutiliza o prazo já decorrido, começando a correr novo prazo prescricional a partir do evento que interrompeu o primitivo prazo (artigo 121.º, n.º 2 do Código Penal).
Quanto às causas de suspensão da prescrição, estabelece o artigo 120.º, n.º 1, do Código Penal que “A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal;
b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo;
c) Vigorar a declaração de contumácia; ou
d) A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência;
e) A sentença condenatória, após notificação ao arguido, não transitar em julgado;
f) O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade.”.
As mencionadas causas de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal encontram-se limitadas pelo disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do citado normativo legal:
“2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar 3 anos.
3 - No caso previsto na alínea c) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição.
4 - No caso previsto na alínea e) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar 5 anos, elevando-se para 10 anos no caso de ter sido declarada a excecional complexidade do processo.”.
Relativamente à interrupção do prazo de prescrição, dispõe o artigo 121.º, n.º 1, do Código Penal nos seguintes termos: “A prescrição do procedimento criminal interrompe-se:
a) Com a constituição de arguido;
b) Com a notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação da sanção em processo sumaríssimo;
c) Com a declaração de contumácia;
d) Com a notificação do despacho que designa dia para audiência na ausência do arguido.”.
Acrescenta o n.º 3 do mencionado normativo que “Sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 118.º, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade. Quando, por força de disposição especial, o prazo de prescrição for inferior a dois anos o limite máximo da prescrição corresponde ao dobro desse prazo”.
Assim, impõe-se principiar por salientar que, a fim de aferir da eventual prescrição do procedimento criminal, o Tribunal tomará em consideração (I) o crime de fraude fiscal simples, o qual tem o prazo de prescrição do procedimento criminal mais curto (5 anos – por oposição ao crime de fraude fiscal qualificada, cujo prazo de prescrição do procedimento criminal corresponde a 10 anos), bem assim como o (II) primeiro marco temporal relativo aos factos objeto dos presentes autos (abril de 2014 – ainda que se devesse atender ao prazo de entrega da declaração do IVA relativo ao segundo trimestre de 2014).
Neste sentido, sendo os demais factos posteriores a abril de 2014, não se encontrando prescritos os mencionados factos, necessariamente não se encontram prescritos os factos sucessivos posteriores.
Ora, analisados os autos, com relevo para efeitos de suspensão e interrupção do prazo de prescrição do procedimento criminal, impõe-se salientar os seguintes factos processuais:
Constituição de arguido de G: fls. 1256 (03-03-2016); Constituição de arguido de L: fls. 1399 (09-03-2016);
Constituição de arguido de B: fls. 1449 (22-08-2016);
Notificação da acusação a G: fls. 1965 (data de notificação 01-05-2019);
Notificação da acusação a L: fls. 1967 (data de notificação 24-04-2023);
Notificação da acusação a B: fls. 1978 e 1983 (data de notificação 21-05-2019).
Ora, a constituição de arguido de L, B e G levou à interrupção do prazo de prescrição, o que veio a suceder novamente com a notificação da acusação àqueles (artigo 121.º, n.º 1, als. a) e b), do Código Penal).
Ademais, após a notificação da acusação, o prazo de prescrição do procedimento criminal encontrou-se suspenso (artigo 120.º, n.º 1, al. b), do Código Penal).
Assim, recordando o disposto no artigo 121.º, n.º 3, o prazo de prescrição do procedimento criminal não poderá ultrapassar o prazo normal de prescrição (5 anos), acrescido de metade (2 anos e 6 meses), ressalvando o período de suspensão (in casu, 3 anos após a notificação da acusação), ou seja, face aos factos processuais ocorridos até à presente data, o prazo máximo de prescrição do procedimento criminal corresponde a 10 anos e 6 meses.
Ora, revertendo ao caso concreto, considerando o prazo de prescrição do crime de fraude fiscal simples (5 anos) e o marco temporal inicial dos factos objeto dos presentes autos (abril de 2014), o procedimento criminal quanto aos factos relativos ao segundo trimestre de 2014 apenas prescreverão em outubro de 2024, sendo que, necessariamente, os restantes factos posteriores – e, em particular, aqueles que são subsumíveis ao tipo de crime de fraude fiscal (prazo de prescrição do procedimento criminal de 10 anos) também não se encontram igualmente prescritos.
Assim, impõe concluir que o procedimento criminal pelos factos objeto dos presentes autos não se encontra prescrito.
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São ainda relevantes para a decisão os seguintes factos constantes dos autos:
O pedido de indemnização civil foi formulado no dia 13 de fevereiro de 2019 e só posteriormente em 23 de abril foram notificados para contestar quer a acusação pública quer o pedido de indemnização civil.
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B - Analisando e decidindo:
A prescrição constitui um (das) causa de extinção do procedimento criminal, decorrente do decurso de períodos de tempo previstos na lei (fixados em razão da própria gravidade do crime por referência à natureza ou pena) e da consequente perda de justificação da ação penal, consubstanciando uma verdadeira renúncia do Estado ao «jus puniendi».
A prescrição extintiva, como é o caso, traduz-se num importante instrumento de tutela do direito constitucional a um processo justo e equitativo, na vertente da obtenção de uma decisão penal definitiva em prazo razoável e, consequentemente, da execução da pena que através dela venha a ser imposta.
Por outro lado, a prescrição emana da exigência da dignidade humana, a qual determina que não se mantenha indefinidamente sobre o arguido a ameaça do poder punitivo do Estado, além de constituir simultaneamente um verdadeiro instrumento de política criminal, promovendo a eficácia e rapidez do sistema de Justiça Penal e a função pacificadora do Direito Penal, no combate ao crime, na sua repressão atempada (consabido que é que a administração da justiça é tanto mais eficaz quanto mais próxima da prática dos factos, razões aplicáveis, sem qualquer dúvida, ao procedimento contraordenacional).
Não obstante a sua incidência processual, são razões de natureza substancial que fundamentalmente justificam a ocorrência da prescrição do procedimento criminal e contraordenacional, nomeadamente as que se relacionam com as finalidades da punição: o decurso do tempo neutraliza a utilidade preventiva geral e preventiva especial das penas.
«A acção do tempo torna impossível ou inútil a realização destes fins», «o decurso do tempo apaga a exigência de justiça, a necessidade da retribuição penal para a satisfazer»; «passados anos o crime esqueceu, a reacção social, a inquietação, por ele provocada foram-se desvanecendo, até desaparecer; a pena perdeu o interesse e o significado» - cfr. Prof. Beleza dos Santos, RLJ, ano 77º, pp. 321 e segs.. No mesmo sentido, Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, Parte Geral, II, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 699. No mesmo sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pág. 383, da 2.ª ed., da Universidade Católica Editora).
Estes fundamentos da prescrição do procedimento criminal são comuns a todos os ordenamentos que reconhecem o instituto (cfr. v.g. Jeschek, Tratado de Direito Penal, p. 1238 e segs.; Cuello Calón, Derecho Penal, l, vol. II, pp. 758 e segs.; Roger Merle e André Vitu, Traité de Droit Criminel, II vol., pp. 50 e segs.).
Assim, se enquanto referida ao procedimento, a prescrição assume natureza processual, enquanto se refere à valoração normativa do comportamento humano e à dignidade penal que lhe atribuí, a prescrição não pode deixar de ser considerada um instituto de natureza substantiva, na medida em que condiciona a efetivação da responsabilidade penal ou contende diretamente com os direitos do arguido com importantes consequências, como a de lhe ser aplicável o princípio geral, consignado no art. 2º nº 4 do C.P., segundo o qual a lei penal só se aplica retroativamente, desde que, em concreto, seja mais favorável ao agente (Américo Taipa de Carvalho, Sucessão de Leis Penais, p. 107. No mesmo sentido, Figueiredo Dias, Direito Penal, Português, Parte Geral, Tomo II, p. 698 e seguintes; Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Vol. III, p. 225; Ac. do TC nº 451/93 de 15.07.93, BMJ nº 429, p. 337; o Ac. do STJ nº 5/2001 de 1.03.2001, in D.R. Série I-A de 15.03.2001; Acs. do TC nºs 445/2012, 297/2016, 319/2019, 261/2020, in http://www.tribunalconstitucional.pt).
«A subordinação às regras do artigo 29.º, da C.R.P., das situações de sucessão no tempo de normas de processo que condicionam a responsabilidade penal resulta duma simples operação de subsunção, uma vez que elas se inserem no âmbito de previsão daquele preceito constitucional, atenta a sua influência direta na punição criminal. (…)
«Nestas situações, tal como ocorre com as normas de direito penal, a necessidade de proteção dos direitos, liberdades e garantias do cidadão, como emanação do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º, da CRP), exige a proibição da aplicação com efeitos retroativos, mesmo que impróprios, de normas que, dispondo em matéria de direitos, liberdades e garantias constitucionais do arguido, agravem a sua situação processual, de modo a evitar-se um possível arbítrio ou excesso do poder estatal. Com esta proibição impede-se que o poder legislativo do Estado diminua de forma direcionada e intencional o nível de proteção da liberdade e dos direitos fundamentais de defesa dos arguidos, em processos concretos já iniciados. (…)
«Ou seja, nesta perspetiva, em matéria de prazos de prescrição, a aplicação imediata da nova lei (…) que determine um agravamento da responsabilidade penal, como no caso em que o período de suspensão do prazo prescricional foi aumentado, deveria ceder perante a necessidade de aplicação da lei anterior (…) que, estando em vigor ao tempo dos factos criminais, determina um período máximo de suspensão menor (porque menos lesivas do direito fundamental)» (Ac. do TC n.º 660/2021, in http://tribunalconstitucional.pt).
A previsão legal de prazos de duração máxima do procedimento criminal é acompanhada da consagração de causas de interrupção e suspensão dos prazos prescricionais, visando dar concretização, no que se refere às primeiras, a necessidade de balanceamento entre o interesse público no combate ao crime e à prática de contraordenações e na administração da justiça, o que, em função de determinadas vicissitudes processuais, especialmente, quanto a actos processuais praticados pelas autoridades administrativas e judiciárias (art. 121º do Código Penal), implica delongas na marcha do processo que não se devem à inércia do Estado em investigar e perseguir comportamentos humanos com relevo penal e os seus autores e, entre os direitos destes últimos a verem a sua situação jurídica e processual definida e decidida em tempo útil, de molde a evitar processo judiciais de duração ilimitada ou incerta, o que redundaria, na prática, na imprescritibilidade dos crimes e das penas e na afronta à paz jurídica individual do arguido.
Já as causas de suspensão da contagem da prescrição do procedimento criminal referem-se a circunstâncias que pela sua própria natureza impedem a prossecução do procedimento ou a sua conclusão (art. 120º do Código Penal).
«O decurso do tempo não deve favorecer o agente quando a pretensão punitiva do Estado é confirmada através de certos atos de perseguição penal ou quando a situação é tal que exclua a possibilidade daquela perseguição. Há circunstâncias ou situações que determinam a suspensão e a interrupção do prazo de prescrição do procedimento criminal e que se encontram enumeradas, respetivamente, nos artigos 120.º e 121.º do Código Penal.
«É compreensível que se procure a conciliação entre o interesse público na perseguição do ilícito penal e o direito do agente de não ver excessivamente protelada a definição das consequências penais do facto, de modo a que possa alcançar a paz jurídica individual. O sistema jurídico consagra, por um lado, um prazo normal e um prazo máximo de prescrição do procedimento e, por outro lado, causas de suspensão e interrupção justificadas à luz da equilibrada concordância dos referidos interesses, público e do agente. Nesta perspetiva, a interrupção da prescrição do procedimento pressupõe que o Estado, por intermédio dos seus órgãos competentes e mediante atos processuais inequívocos, em si mesmos e considerando a natureza e finalidade da fase em que se integram, manifeste claramente ao agente a intenção de efetivar, no caso, o seu ius puniendi (cfr. Acórdão de fixação de jurisprudência de 16 de novembro de 2000, do Supremo Tribunal de Justiça, Diário da República, I Série, de 6 de dezembro de 2000)» (Acórdão do TC n.º 445/2012, in http://tribunalconstitucional.pt).
Assentes estes conceitos, cumpre agora chamar os factos acima enunciados.
Tendo em conta os factos constantes da decisão recorrida, os quais foram considerados provados e não impugnados
- A primeira data da prática dos factos (uma vez que estão em causa mais do que um crime e por isso, tal como na decisão recorrida verificando a não prescrição do primeiro dos actos com relevância jurídico-penal necessariamente fica prejudicada a análise relativamente aos mais recentes, já que as causas de interrupção e suspensão se aplicam a todos) ocorreu eme abril de 2014 – ainda que se devesse atender ao prazo de entrega da declaração do IVA relativo ao segundo trimestre de 2014).
(...)
Constituição de arguido de G: fls. 1256 (03-03-2016); Constituição de arguido de L: fls. 1399 (09-03-2016);
Constituição de arguido de B: fls. 1449 (22-08-2016);
Notificação da acusação a G: fls. 1965 (data de notificação 01-05-2019);
Notificação da acusação a L: fls. 1967 (data de notificação 24-04-2023);
Notificação da acusação a B: fls. 1978 e 1983 (data de notificação 21-05-2019).
Não há dúvida que o procedimento criminal não se mostra prescrito, como bem se analisou e decidiu na decisão sob escrutínio.
Na verdade, como na decisão recorrida se analisa e constata, ao contrário do defendido pelos arguidos, os autos demonstram a ocorrência de causas de interrupção e suspensão dos prazos de prescrição, o que impede que o prazo possa ser contado de forma ininterrupta.
Como é sabido a ocorrência de qualquer das causas de interrupção taxativamente previstas no art.º 121.º do CP inutiliza todo o prazo decorrido, reiniciando-se a sua contagem; por sua vez a verificação de causas de suspensão tem como efeito o não decurso do prazo enquanto se verificar o facto que a determina, os quais se encontram enunciadas no art.º 120.º do mesmo Código.
As causas de interrupção e suspensão não se encontram dependentes da existência de responsabilidade ou culpa dos arguidos. Isto é, a sua verificação e produção de efeitos é automática, deriva diretamente da lei, funcionando e produzindo efeitos independentemente de qualquer responsabilidade processual dos arguidos. Assim, ainda que os arguidos não tenham dado causa a qualquer atraso no decurso processual dos autos tal não impede a interrupção ou suspensão do prazo de prescrição. Estes existem por razões de segurança jurídica, como já acima de deixou dito.
Nos autos verificaram-se causas de interrupção e de suspensão o prazo da prescrição o qual se reiniciou após a verificação da última causa de interrupção, não correu enquanto durou a causa de suspensão, sendo certo que, desde a data da prática dos factos, início do prazo da prescrição, ainda não decorreu o prazo normal de prescrição, acrescido de metade e ressalvado o tempo de suspensão, como bem se analisa na decisão recorrida, para a qual se remete por razões de economia processual e inutilidade na repetição de análise e subsunção.
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Da Prescrição do direito à indemnização civil:
Defendem os arguidos a prescrição do que apelidam de crédito fiscal, pretendendo assim que se mostra prescrito o direito da Fazenda Nacional à indemnização fixada. Para tanto verteram nas suas conclusões:
C - Por outro lado, o Art. 48º da LGT prevê que a prescrição das dívidas fiscais tem um prazo geral de oito anos.
D - Os Arguidos G e L nunca tomaram conhecimento pela Autoridade Tributária e Aduaneira de qualquer processo de dívida tributária nem execução tributária pendente sobre a empresa que detinham ou sobre si próprios.
E - Os Arguidos G e L não assumiram qualquer atitude para a suspensão ou interrupção do prazo de prescrição da dívida tributária, quer quanto ao IVA, quer quanto ao IRC.
Salvo o devido respeito esta interpretação não tem qualquer apoio legal.
Como bem se enquadra juridicamente na decisão recorrida, o valor que os arguidos foram condenados a pagar à Fazenda Nacional deve-se e é consequência da prática do facto ilícito típico criminal, não lhe sendo, por isso, aplicável o prazo invocado que respeita a dívida decorrente da relação tributária e não da prática de qualquer ilícito contraordenacional ou criminal. O prazo de prescrição do direito de indemnização por actos ilícitos encontra-se previsto no art.º 498.º - (Prescrição) do C. Civil, que prescreve:
1. O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.
2. Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.
3. Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.
Como decorre da mera análise do n.º 3 transcrito, ao caso aplica-se o prazo de prescrição fixado para o procedimento criminal, sendo certo que o mesmo se interrompe e suspende nos exatos termos previstos na lei civil.
E tal prazo está sujeito às regras previstas na lei civil sobre a contagem, interrupção e suspensão do prazo da prescrição - art. 129º do C. Penal.
Ao abrigo do artigo 306º, 1 do C. Civil, o prazo de prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido. E Interrompe-se com a citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima a intenção de exercer o direito - artigo. 323º, 1 do C. Civil -, começando a correr novo prazo a partir do trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo - artigo 327º, 1, do C. Civil.
O art. 77º do C. Proc. Penal regula o exercício do direito à indemnização, estabelecendo os prazos em que o mesmo pode/deve ser exercido. Assim, antes da notificação do lesado para deduzir o pedido cível, o direito à indemnização não poderá ser exercido. Pelo que só a partir dessa notificação começa a correr o prazo de prescrição do pedido de indemnização civil. (Ac. Rel. Coimbra de 08-02-2012, Proc. 4/02.9IDMGR.C1, in www.dgsi.pt).
Ou dito de outro modo: I - Da prescrição da obrigação “tributária” não decorre a extinção da ação cível enxertada na ação penal, pois aquela (prescrição) não se confunde com a prescrição do direito à indemnização cível.
II - Considerando o prazo de cinco anos como o prazo de prescrição do direito à indemnização cível, pelos danos decorrentes da prática do ilícito penal, sujeito às regras previstas na lei civil sobre a contagem, interrupção e suspensão do prazo da prescrição – art. 129º do C. Penal, o prazo da prescrição só começa a correr quando “o direito puder ser exercido” – art. 306º nº1 do Cód. Civil - e interrompe-se com a citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima a intenção de exercer o direito – art. 323º nº 1 do C. Civil, só começando a correr novo prazo a partir do trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo - artº 327º nº 1 do Cód. Civil.
III - O art. 77º do C. Proc. Penal regula o exercício do direito à indemnização, estabelecendo os prazos em que o mesmo pode ser exercido. Deste modo, antes da notificação do lesado para deduzir o pedido cível, o direito à indemnização não poderia ser exercido, pelo que, só a partir dessa notificação começou a correr o prazo de prescrição do pedido de indemnização civil (Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 30-03-2022, Proc. 591/19.2T9VNG.P1, in www.dgsi.pt).
Nos autos, como decorre da mera consulta do sistema Citius, o pedido de indemnização civil foi formulado no dia 13 de fevereiro de 2019 e só posteriormente em 23 de abril foram notificados para contestar quer a acusação pública quer o pedido de indemnização civil.
Assim, tendo em conta o que se referiu, é óbvio que o direito à indemnização civil por perdas e danos decorrentes da prática do crime não se encontra prescrito.
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Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes nesta Relação de Évora, em:
Julgar NÃO PROVIDO o recurso interposto pelos arguidos G e L, mantendo-se a decisão recorrida.
b) Custas pelos arguidos fixando-se em 3,5 UC a taxa de justiça devida.
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Processado e revisto pela relatora que assina a final (art.º 94º, nº 2 do CPP).

Évora, 21 de maio de 2024
Maria Perquilhas
Filipa Costa Lourenço
Carlos de Campos Lobo

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[1] Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na Col Acs. do STJ, Ano VII, Tomo 1, pág. 247 o Ac do STJ de 3/2/99 (in BMJ nº 484, pág. 271); o Ac do STJ de 25/6/98 (in BMJ nº 478, pág. 242); o Ac do STJ de 13/5/98 (in BMJ nº 477, pág. 263);
SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES, in Recursos em Processo Penal, p. 48; SILVA, GERMANO MARQUES DA 2ª edição, 2000 Curso de Processo Penal”, vol. III, p. 335;
RODRIGUES, JOSÉ NARCISO DA CUNHA, (1988), p. 387 “Recursos”, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal”, p. 387 DOS REIS, ALBERTO, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pp. 362-363.