Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1251-22.2T8PTG.E1
Relator: FERNANDO PINA
Descritores: TOLERÂNCIA DE PONTO
CONTAGEM DO PRAZO
EFEITOS
IMPUGNAÇÃO DE DECISÃO ADMINISTRATIVA
PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
Data do Acordão: 03/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. A tolerância de ponto para um certo dia, determinada pela autoridade competente, significa que nesse dia os funcionários estão dispensados de comparecer ao serviço, sem que isso implique, necessariamente, o encerramento total dos serviços.
II. Nessa medida a tolerância de ponto não é equiparada a dia feriado, nomeadamente para efeitos da contagem do prazo para impugnação da decisão administrativa, previsto no artigo 60.º/1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (Regime Geral das Contraordenações), não podendo o prazo em curso ser contado como se o dia de tolerância de ponto fora feriado.
III. Só no caso de o termo do prazo coincidir com dia de tolerância de ponto, em que os tribunais se encontram encerrados, o seu termo se transfere para o dia seguinte, em conformidade com a regra prevista no artigo 138.º/2 CPC.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:



I. RELATÓRIO

A –
Nos presentes autos de Processo de Recurso de Contra-Ordenação, que com o nº 1251/22.2T8PTG, correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, Juízo Local Criminal de Portalegre, a arguida “T..., S.A.”, (anteriormente designada por J..., S.A.), veio apresentar recurso de impugnação judicial, da decisão administrativa proferida pela “IGAMAOT - Inspeção-Geral da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território”, que aplicou uma coima de € 12.000,00 (doze mil euros), acrescida das custas processuais, por alegada prática de um ilícito contraordenacional.

Enviados os autos ao Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local Criminal, remeteu-os a juízo, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1, do artigo 62º, do Regime Geral das Contra-Ordenações.

Pela juiz titular do Juízo Local de Criminal ..., após prévia audição da recorrente “T..., S.A.” e do Ministério Público, foi proferido despacho nos termos do disposto no artigo 63º, nº 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações:
Ao abrigo do disposto no artigo 63º, nº 1 do DL nº 433/82, rejeita-se a impugnação judicial apresentada pela arguida/recorrente, por intempestiva”.

Inconformada com esta decisão, a arguida “T..., S.A.”, dela interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
1. Entende a Recorrente que o prazo de impugnação judicial da decisão que aplicou a coima terminou, na verdade, no dia 9 de Março e não a 8 de Março de 2022, conforme conclui o tribunal a quo, pelo que o recurso de impugnação judicial interposto pela Recorrente foi apresentado dentro do prazo.
2. Estabelece o art. 59º nº 3 do RGCO que o Recurso de Impugnação Judicial poderá ser interposto no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo Arguido, suspendendo-se aos sábados, Domingos e feriados, de acordo com o art. 60º do RGCO.
3. O Recurso foi interposto no prazo de 20 dias após a notificação da decisão da entidade administrativa, considerando que num dos dias desse período, a 1 de Março, foi dia de Carnaval, tendo sido atribuída a tolerância do ponto pelo governo (por despacho nº 2477/2020 de 25 de Fevereiro) tendo a Recorrente considerado esse dia como dia não útil, equiparado a feriado, para efeitos de contagem de prazo, e foi nessa premissa que apresentou o seu recurso.
4. O Tribunal a quo entendeu que o dia de Carnaval “não equivale a dia de feriado, devendo se contabilizar como dia útil”, no entanto admitiu que “a tolerância de ponto, não se integrando no conceito de feriado, apenas assume relevância se coincidir com o último dia do prazo para a apresentação da impugnação da decisão da autoridade administrativa e implicar o efetivo encerramento do respectivo serviço público”.
5. Existe manifesto desequilíbrio quando se conclui que, para efeitos da defesa de direitos que lhe assistem, existem diferenças entre “dias não úteis”. De acordo com o art. 60º, nº 2 do RGCO, “o termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.
6. O “dia de Carnaval”, em que tem sido concedido tolerância de ponto, é para todos os efeitos tratado como um dia não útil, os serviços de administração pública se encerram, não exercendo qualquer actividade, tal como acontece com os sábados, domingos e feriados, pelo que, tal como sucede com estes dias, não se encontra fundamento que não se suspenda para efeitos de contagem de prazo.
7. Se se admite que, sendo este dia o último dia de prazo para a prática de um acto deve o mesmo ser considerado de justo impedimento é retirada a utilidade ao dia.
Ora, a mesma construção se justifica quando não é o último dia, pois é um dia em que os serviços estão encerrados, vulgo dia não útil. Deverá de igual forma considerar-se que se suspende a contagem dos prazos.
O recurso de Impugnação Judicial deverá considera-se tempestivo, atendendo a circunstância de o dia de Carnaval, não poder ser considerado dia útil para fins de contagem de prazo, pois em bom rigor não era possível a prática do acto.
Assim e com o devido respeito, afigura-se à Recorrente que, na prolação do douto despacho recorrido deverá ser revogado e substituído por despacho que, admitindo a impugnação judicial, determine o prosseguimento dos autos.
Nestes termos e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas.,
Deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, o mesmo ser revogado e ser determinada a sua substituição que, admitindo a impugnação judicial, determine o prosseguimento dos autos, com o que se fará Justiça.

O Ministério Público, apresentou resposta ao recurso interposto, concluindo por seu turno (transcrição):
1. A sociedade arguida (ora recorrente) e a sua IL. Mandatária foram notificadas, da decisão administrativa posta em crise, na data da assinatura do aviso de receção, logo a 08/02/2022.
2. O prazo de 20 (vinte) dias para impugnação da decisão administrativa iniciou-se a 09/02/2022, pelo que o seu termo ocorreu a 08/03/2022.
3. A interposição de recurso (impugnação judicial da decisão administrativa), remetida à autoridade administrativa a 09/03/2022, foi intempestiva.
4. No decurso do prazo não houve interposição de qualquer dia enquadrável no conceito de feriado, para efeito de suspensão da contagem do prazo nesse dia.
5. O dia 01 de março de 2022, data em que se festejou o Carnaval e em que foi concedida tolerância de ponto (por Despacho n.º 2477/2020, de 25 de fevereiro), não equivale a dia de feriado (daí a terça-feira de Carnaval não constar da lista de feriados obrigatórios decorrentes da lei), devendo, pois, ser contabilizado como dia útil; o que somente não se verificaria se se apresentasse como o último dia desse mesmo prazo, caso em que o seu termo se transferiria para o primeiro dia útil seguinte.
6. Bem andou o Tribunal a quo ao ter considerado que o termo do prazo para a prática do ato sob cogitação ocorreu em 08 de março de 2022 (com a contabilização do dia 01 de março de 2022 como dia útil), assim rejeitando a impugnação judicial apresentada, em 09 de março de 2022, pela sociedade arguida (ora recorrente), por intempestiva.
7. Em tal decisão foram cabalmente respeitados os normativos legais que regem sobre a matéria, a saber: artigos 59º, nº 3; 60º, nºs 1 e 2 e 63º, nº 1, todos do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de outubro, bem assim artigos 43º, nºs 1, 2 e 11 e 44º da Lei nº 50/2006, de 29 de agosto.
Face ao que antecede, deverá ser negado provimento ao recurso e mantida, nos seus precisos termos, a douta decisão recorrida.
V. Exas., porém, decidirão conforme for de Direito e de Justiça.

Neste Tribunal da Relação de Évora, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso interposto, conforme melhor resulta dos autos.
Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo a arguida apresentado qualquer resposta.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos legais, foi realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO

1 - Âmbito do Recurso

De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19 de Outubro de 1995, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no nº 1, do artigo 379º, e, 119º, do mesmo diploma legal.
Nestes termos, porque as conclusões da motivação demarcam, no essencial, o objecto do recurso – cfr. artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, “ex vi” do disposto no artigo 74º, nº 4, do Regime Geral das Contra-Ordenações – cumpre, pois, fazer exame da questão aportada pela arguida/recorrente, que se resume à seguinte:

- Impugnação do despacho proferido que deverá ser substituído por outro que admita a impugnação judicial por ser tempestiva, face ao dia de tolerância de ponto (terça-feira de carnaval) produzir os mesmos efeitos no prazo que um feriado.

2 - Apreciando e decidindo:

Do despacho recorrido, resulta:
“Veio a arguida, ora recorrente, “T..., S.A.” (anteriormente designada por “J..., S.A.), apresentar recurso de impugnação judicial, contra a decisão administrativa proferida pela “IGAMAOT - Inspeção-Geral da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território”, que aplicou uma coima de 12 mil euros, acrescida das custas processuais, por alegada prática de um ilícito contraordenacional.
A decisão administrativa foi proferida a 31-01-2022 – cf. fls. 59-61.
A arguida foi notificada desta decisão, sendo aí consignados expressamente os prazos de impugnação judicial – cf. fls. 61, 62 e 63.
A Ilustre Mandatária da arguida também foi notificada da decisão administrativa. – cf. fls. 64 e 65.
Com efeito, a arguida foi notificada da decisão administrativa mediante carta registada com aviso de receção. O aviso de receção foi assinado com data de 08-02-2022 (sendo que consta assinalado que o objeto foi entregue e assinado o aviso pela pessoa a quem foi entregue) – cf. fls. 63.
Por sua vez, a Ilustre Mandatária da arguida também foi notificada por carta registada com aviso de receção, assinado e com a data de 08-02-2022. – cf. fls. 65.
O recurso de impugnação judicial foi apresentado em 09-03-2022, via e-mail (cf. fls. 66). O recurso foi também enviado via postal, a 10-03-2022 (cf. fls. 147).
O prazo de impugnação judicial das decisões administrativas é de 20 (vinte) dias após o seu conhecimento pelo arguido, suspendendo-se aos sábados, domingos e feriados – cf. Artigos 59º, nº 3 e 60º, nº 1, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de outubro.
De notar que este prazo não é um prazo judicial, mas antes um prazo administrativo, pelo que corre em férias judiciais, e não tem aplicação ao caso o prazo adicional dos três dias úteis de multa, porquanto a impugnação é entregue na autoridade administrativa e não no Tribunal, nos termos do artigo 59º nº 3 do DL nº 433/82, de 27 de outubro. [neste sentido cf. acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 12-07-2012, processo nº 179/10.3TBORQ.E1, do Tribunal da Relação de Évora de 06-01-2015, processo nº 10/14.0T8LAG.E1, do Tribunal da Relação de Évora de 12-01-2021, processo nº 615/20.0T89LAG.E1, e do Tribunal da Relação de Évora de 13-07-2022, processo nº 324/22.6T8PTG.E1.; acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-05-2017, processo nº 255/16.9 T8SCD.C1, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-03-2020, processo nº 239/19.5T8CVL.C1. Cumpre cf. igualmente o acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 2/94, de 10 de março de 1993, publicado no DR- 1ª Série, de 7 de maio de 1994, nos termos do qual se decidiu que não tem natureza judicial o prazo mencionado no nº 3 do artigo 59º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro].
In casu, tendo a notificação sido efetuada por carta registada com aviso de receção, o prazo para impugnação inicia-se no dia útil seguinte ao da receção da carta sem recurso a quaisquer presunções nomeadamente a decorrente do artigo 113º, nº 2, do Código de Processo Penal – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28-06-2011, processo nº 43/11.9TTABT.E1.
Tratando-se in casu do recurso de uma decisão que condenou a arguida pela prática de uma contraordenacional grave tem aqui aplicação, além do regime geral do DL nº 433/82 de 27 de outubro, também a Lei nº 50/2006, de 29 de agosto, que no seu artigo 43º estatui que nestes casos as notificações em processo de contraordenação são efetuadas por carta registada, com aviso de receção, sendo dirigidas para a sede ou domicílio dos destinatários (nºs 1 e 2), sendo que «havendo aviso de receção, a notificação considera-se efetuada na data em que ele for assinado e tem-se por efetuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro presente na sede ou domicílio do destinatário, presumindo-se, neste caso, que a carta foi oportunamente entregue àquele» (nº 11).
O artigo 44º da Lei nº 50/2006, quanto às notificações aos mandatários, estabelece que «as notificações aos arguidos que tenham constituído mandatário são, sempre que possível, feitas na pessoa deste e no seu domicílio profissional» (o que no caso foi cumprido - cf. fls. 37, 39, 51, 65, 67) e as notificações são feitas por carta registada, com aviso de receção (que foi o caso).
Diga-se ainda que, analisada a certidão permanente de fls. 2 e o aviso de receção de fls. 63 verifica-se que a carta registada foi dirigida para a sede da arguida.
Mesmo que o artigo 44º não resolvesse a questão, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11-07-2013, processo nº 45/13.0TBETZ.E1, já tinha defendido que «A notificação das pessoas colectivas, incluindo as sociedades comerciais, em processo contra-ordenacional deve ser feita nos termos das citações destas em processo civil. É válida e eficaz a notificação efectuada à arguida através da carta registada endereçada para a sua sede, que nesse local foi recepcionada por pessoa que que assinou o respectivo aviso e do qual consta o número do seu documento de identificação.». Tenha-se em consideração ainda o disposto no artigo 223º nºs 1 e 3 do Código de Processo Civil.
Assim, considera-se que a arguida foi notificada no dia de assinatura do aviso de receção, isto é, a 08 de fevereiro de 2022, sendo que foi também nesse dia que o aviso de receção dirigido à Ilustre Mandatária da arguida foi assinado.
A arguida não alegou que foi notificada noutra data, nem alegou o desconhecimento da decisão administrativa. Notificada para contraditório quanto à (in)tempestividade do recurso, não foi alegada a notificação noutra data, o desconhecimento da decisão ou qualquer circunstância que configure justo impedimento.
A arguida, antes da decisão administrativa, encontrava-se já representada por Advogada, tendo assim acesso ao devido aconselhamento jurídico (cf. procuração forense de fls. 51 e fls. 37).
Tudo exposto, compulsados os autos, conclui-se que o prazo para impugnação da decisão administrativa teve o seu início no dia 09 de fevereiro de 2022 e o seu termo no dia 08 de março de 2022, sendo certo que o requerimento de interposição de recurso foi remetido à autoridade administrativa em 09 de março de 20223, ou seja, após o termo do prazo (não se aplicando aqui, como já referido supra, o prazo judicial dos três dias úteis de multa).
Nos dias referidos não se interpôs nenhum feriado, que cumpra ser contabilizado.
A arguida fez referência ao dia 01 de março, em que se festejou o Carnaval, e em que foi concedida tolerância de ponto (sendo que efetivamente por Despacho nº 2477/2020 de 25 de fevereiro foi concedida tolerância aos trabalhadores que exercem funções públicas nos serviços da administração direta do Estado, sejam eles centrais ou desconcentrados, e nos institutos públicos no dia 1 de março de 2022).
No entanto, entende o Tribunal que esta festividade não equivale a dia de feriado, devendo-se contabilizar tal dia como dia útil.
O artigo 60º nº 1 do DL nº 433/82 estabelece que o prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados. O nº 2 do referido artigo determina, por sua vez, que o termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.
Ora e como é sabido a terça-feira de Carnaval não é um dia feriado, podendo, no entanto, e quando isso for entendido pelo Governo da República, ser concedido nesse dia tolerância de ponto, o que tradicionalmente vem sucedendo nos últimos tempos.
Com efeito, como consta no despacho nº 2477/2022 (disponível em Diário da República nº 40/2022, Série II de 2022-02-25, páginas 30 – 30), que concedeu tolerância de ponto no referido dia, a terça-feira de Carnaval não consta da lista de feriados obrigatórios estipulados por lei.
A jurisprudência dos Tribunais Superiores já teve oportunidade de tomar posição a este respeito.
«Para o efeito previsto no nº 2 do artigo 60º do DL nº 433/82, a tolerância de ponto, não se integrando no conceito de feriado, apenas assume relevância se coincidir com o último dia do prazo para a apresentação da impugnação da decisão da autoridade administrativa e implicar o efetivo encerramento do respetivo serviço público. Verificadas as condições descritas, o termo do prazo para o dito fim transfere-se para o primeiro dia útil seguinte». – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-03-2020, processo nº 239/19.5T8CVL.C1.
Nos termos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 8/96, de fixação de jurisprudência: «A tolerância de ponto não se integra no conceito de feriado». (acórdão de 10-10-1996, processo nº 048826).
«O prazo para impugnação judicial de decisões das autoridades administrativas que apliquem coimas não tem natureza judicial, mas sim administrativa, suspendendo-se aos sábados, domingos e feriados; A tolerância de ponto, concedida por exemplo na terça-feira de carnaval, não se integra no conceito de feriado, pelo que não tem qualquer efeito na contagem do prazo para a prática de actos processuais de qualquer natureza, a menos que coincida com o último dia desse prazo.»- acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-03-2002, processo nº 0009589.
«A tolerância de ponto não se integra no conceito de feriado, para o efeito de suspensão do prazo de interposição de recurso das decisões administrativas que apliquem coimas, previsto no art. 59º, 2 do DL 433/82, de 27 de Outubro. Apenas se o dia de tolerância de ponto coincidir com o último dia do prazo, se considera existir justo impedimento para que o acto possa ser praticado no dia imediato. Tal prazo não tem natureza de prazo judicial e, portanto, não se lhe aplica o regime especial do art. 145º, 5 do C. P. Civil.» - cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-01-2008, processo nº 0716685.
«Os dias de "tolerância de ponto", nomeadamente o dia de Carnaval não podem ser equiparados a feriados para efeitos de suspensão do prazo para interposição de recurso em processo penal, salvo se esse dia coincidir com o último dia do prazo e o tribunal estiver encerrado.» - cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-04-1994, processo nº 048291.
«O dia de Carnaval, não sendo considerado feriado, tem de considerar-se como dia útil para a contagem de um prazo nos termos do disposto no art. 72º, nº 1, alínea b) do CPA. Ou seja, a contagem do prazo (aqui de 10 dias) não se suspende nesse dia; Só se o termo do prazo caísse no dia de Carnaval, visto que os serviços não estão abertos ao público (devido à tolerância de ponto), o termo do prazo transferir-se-ia para o primeiro dia útil seguinte (cfr. art. 72º, nº 1, al c) do CPA).» – cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 07-07-2011, processo nº 07332/11.
Entendimento, também, defendido por Paulo Pinto de Albuquerque, em Comentário do Código de Processo Penal, pág. 252, enquanto escreve: «No direito contraordenacional, a tolerância de ponto não se integra no conceito de feriado, nos termos do artigo 60º, nº 2 (acórdão do TRP, de 09-01-2008, processo JTRP00040923). Se a tolerância de ponto coincidir com o último dia do prazo para a prática do ato, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte somente quando a tolerância de ponto tiver implicado o efetivo encerramento do serviço público em que o recurso deva ser apresentado, por força do disposto no artigo 60º, nº 2, do RGCO. Com efeito, resulta expressamente desta disposição que a transferência do termo do prazo só se verifica se não for possível a entrega do recurso durante todo o tempo do horário normal de funcionamento, por razões imputáveis à autoridade administrativa (...)».
O dia de tolerância de ponto não pode ser considerado dia feriado, devendo a terça-feira de Carnaval considerar-se dia útil.
Nesta conformidade o dia 01 de março de 2022, terça-feira de Carnaval, tem que ser contabilizado como dia útil para contagem do prazo de interposição de recurso, só assim não sucedendo se fosse o último dia desse prazo, o que não é o caso.
Deste modo, o termo do prazo ocorreu em 08 de março de 2022.
Importa assim concluir que o recurso (impugnação judicial) é intempestivo.
Por todo o exposto e ao abrigo do disposto no artigo 63º, nº 1 do DL nº 433/82, rejeita-se a impugnação judicial apresentada pela arguida/recorrente, por intempestiva.”.

Apreciando:
Cumpre, pois, afirmar que do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, não se perfila a existência de qualquer um dos vícios elencados no mencionado preceito 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.
A matéria de facto dada como provada é bastante para a decisão de direito, inexistem contradições insuperáveis de fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, não se afigurando, por outro lado, que haja situações contrárias à lógica ou à experiência comum, constitutivas de erro patente detectável por qualquer leitor da decisão, com formação cultural média.
Também não padece a decisão proferida de qualquer nulidade ou o processo de qualquer nulidade que não deva considerar-se sanada.

Face às conclusões da alegação de recurso, que delimitou o seu objecto, uma questão única é suscitada para resolver e que consiste em saber se o prazo de recurso da decisão administrativa se suspende durante um dia de tolerância de ponto (terça-feira de carnaval) e a impugnação judicial apresentada é tempestiva.

Ora, nos dias de tolerância de ponto, os funcionários apenas estão dispensados de comparecer ao serviço, sem que isso implique o encerramento obrigatório dos serviços.
Assim, os dias de tolerância de ponto, não são equiparáveis aos dias feriados, em que existe um encerramento obrigatório dos serviços normais e são contemplados expressamente, no artigo 60º, nº 1, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO).
“Contagem do prazo para impugnação
1 - O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados.
2 - O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.”
Existe Jurisprudência sólida, bem como resulta dos diversos diplomas legais que preveem tal circunstância, referindo-se por todos o disposto no artigo 138º, nº 2 e nº 3, do Código de Processo Civil, onde se determina que os Tribunais se consideram encerrados quando for concedida tolerância de ponto, mas só e apenas quando o prazo para a prática do acto processual terminar em dia em que os Tribunais estiveram encerrados, caso em que se transfere o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.
Só terminando o prazo num dia de tolerância de ponto é que o seu termo se difere para o primeiro dia útil, não produzindo qualquer efeito no mesmo caso ocorra no início ou no seu decurso.
Nesta conformidade, resultando dos autos que a decisão administrativa da “IGAMAOT – Inspeção Geral da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território” foi proferida em 31-01-2022.
A arguida e a sua Mandatária foram notificadas desta decisão por carta registada com aviso de recepção em 08-02-2022.
O recurso de impugnação judicial foi apresentado via e-mail em 09-03-2022 e via postal em 10-03-2022.
Sendo o prazo de impugnação judicial das decisões das autoridades administrativas de 20 dias após a sua notificação, suspendendo-se aos sábados, domingos e feriados, artigos 59º, nº 3 e 60º, nº 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações.
Facilmente se conclui que o prazo de impugnação teve o seu início em 09-02-2022 e o seu termo em 08-03-2022, por para além dos sábados e domingos contabilizados, não ter ocorrido no decurso do mesmo qualquer feriado e o dia de carnaval (01-03-2022), conforme supra referido, por não coincidir com o termo do prazo, não ter qualquer relevância para o mesmo.
Então terminando em 08-03-2022 o prazo para a impugnação da decisão administrativa e, tratando-se de um prazo administrativo onde não há lugar à prática do acto nos 3 dias posteriores ao seu termo com pagamento de multa, verifica-se que o recurso de impugnação judicial apresentado via e-mail em 09-03-2022 e via postal em 10-03-2022, é extemporâneo, nos termos do disposto no artigo 59º, nº 3, do Regime Geral das Contra-Ordenações.

Por tudo o exposto e sem necessidade de outros considerandos, improcede o recurso interposto pela arguida “T..., S.A.”, (anteriormente designada por J..., S.A.), confirmando-se integralmente o despacho recorrido.

Em vista do decaimento total no recurso interposto pela arguida “T..., S.A.”, (anteriormente designada por J..., S.A.), ao abrigo do disposto no artigo 92º, do Regime Geral das Contra-Ordenações, nos artigos 513º, nº 1 e 514º, nº 1, do Código de Processo Penal, 8º, nº 5, com referência à Tabela III anexa, do Regulamento das Custas Processuais, impõe-se a condenação da recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.

III – DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

- Julgar improcedente o recurso interposto pela arguida “T..., S.A.”, (anteriormente designada por J..., S.A.) e, em consequência, confirmar o despacho recorrido, que rejeitou o recurso interposto da decisão administrativa por intempestivo, nos termos do disposto no artigo 63º, nº 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações.

Custas pela recorrente que se fixam em 4 UC (quatro unidades de conta), sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.

Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente Acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários.
Évora, 14-0-2023
Fernando Paiva Gomes M. Pina (Relator)
Beatriz Marques Borges (Adjunta)
João F. R. Carrola (Adjunto)