Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
350/11.0T2GDL-A.E1
Relator: MARIA EMÍLIA MELO E CASTRO
Descritores: PRAZO DE PRESCRIÇÃO
CRÉDITO BANCÁRIO
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
VENCIMENTO IMEDIATO DAS PRESTAÇÕES
Data do Acordão: 10/30/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. O direito de crédito emergente de um contrato de mútuo cujo reembolso de capital e juros foi fracionado em prestações e que, por aplicação do disposto no artigo 781.º do Código Civil, tem agora por objeto a totalidade das prestações vencidas, prescreve no prazo de cinco anos contados sobre a data desse vencimento antecipado, em conformidade com a jurisprudência uniforme fixada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2022, de 22 de setembro.
2. Deve reputar-se insuficiente, nos termos e com os efeitos previstos na alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, a sentença proferida em reclamação do sobredito crédito, que não considerou, no julgamento da exceção de prescrição alegada pelo Reclamado, a invocação, feita pela Reclamante, de que o anterior titular do crédito propôs uma ação executiva para a cobrança deste, descurando a mesma decisão, desse modo, a possível verificação da causa de interrupção da prescrição prevista no n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil e o efeito para que aponta o n.º 2 do mesmo artigo.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 350/11.0T2GDL-A.E1
Forma processual – Reclamação de créditos em ação executiva comum para pagamento de quantia certa
Tribunal Recorrido – Juízo de Execução de Setúbal, Juiz 2
Recorrente – (…) – STC, S.A..
Recorrido – (…).

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Acordam os Juízes Desembargadores da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Relatório
I. Identificação das partes e descrição do objeto da ação.
(…) – STC, S.A. apresentou reclamação de créditos, nos termos do disposto no artigo 788.º do Código de Processo Civil, na dependência de ação executiva movida contra … e … (falecida, tendo aquele outro sido julgado habilitado como seu sucessor).
Pediu o reconhecimento e graduação de um crédito no montante global de 74.417,21 euros, garantido por hipoteca, acrescido de juros de mora desde 1 de julho de 2021 até efetivo pagamento.
Alegou, em síntese, que recebeu do (…) Banco, S.A., em cessão de créditos, o direito de crédito sobre os valores em dívida no âmbito de um contrato de financiamento celebrado com os reclamados em 18 de fevereiro de 2010, que eles deixaram de cumprir em 18 de junho de 2011 e que as obrigações assumidas nesse contrato estão garantidas por hipoteca constituída sobre o prédio que identificou (penhorado na execução dos autos principais).
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Notificados os Reclamados para impugnarem a reclamação, vieram fazê-lo, invocando três exceções perentórias: a ilegitimidade substantiva da Reclamante, com fundamento na ineficácia da cessão de créditos por preterição do disposto no artigo 583.º, n.º 1, do Código Civil, o pagamento da quantia mutuada e, finalmente, a prescrição do direito da reclamante por decurso do prazo previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.
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A Reclamante exerceu o direito de resposta, refutando a ineficácia da cessão de créditos e impugnando o pagamento da dívida.
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Fixado o valor da ação e proferido despacho saneador tabelar, foi identificado o objeto do litígio e foram enunciados os temas da prova nos seguintes termos:
1. Comunicação da credora reclamante aos executados/reclamados da cessão de créditos, e do não recebimento da mesma.
2. Pagamento pelos executados da quantia reclamada e respetivo montante.
3. Data da interpelação dos executados para pagamento da quantia reclamada.
Desses despachos não foram apresentadas reclamações.
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Realizada audiência final, veio a ser proferida sentença, em 9 de maio de 2025, em cujo trecho decisório se exarou:
Decide-se assim, nos termos e pelos fundamentos expostos:
A) Julgar extintos os créditos reclamados por (…), STC S.A.;
B) Julgar verificados os créditos reclamados pela Fazenda Nacional, no montante de € 22.232,85 (vinte e dois mil e duzentos e trinta e dois euros e oitenta e cinco cêntimos);
C) Graduar os créditos verificados, para efeitos de pagamento pelo produto da venda do imóvel penhorado, pela seguinte forma:
1.º O crédito reclamado pela Fazenda Nacional.
2.º O crédito exequendo de (…) e Filhos, Lda..
As custas da execução e dos apensos saem precípuas (artigo 541.º do CPC).
Custas pelos reclamados/executados (artigo 527.º, n.º 1, do CPC).
Registe e Notifique”.
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II. Objeto do recurso.
Não se conformando com essa decisão, a Reclamante interpôs o presente recurso, culminando as suas alegações com as conclusões que se transcrevem:
“Não pode a Recorrente concordar com a posição assumida pelo Tribunal a quo, quanto à verificação da prescrição prevista na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil.
ii. De facto, ao contrário do que foi determinado na sentença da qual se recorre – ocorreu, in casu, por via da Execução movida pelo (…) Banco contra os recorridos, com data de entrada a 20/04/2012 (Proc. n.º 127/12.6T2GDL que correu termos no Juízo de Execução de Setúbal – Juiz 1 – do Tribunal da Comarca de Setúbal), causa de interrupção da prescrição, nos termos do disposto no artigo 323.º do Código Civil, que se manteve até ser proferida decisão de extinção por sustação integral em 01/03/2014.
iii. Sendo certo que, a 21/06/2017, o credor originário (…) Banco reclamou créditos na execução principal dos presentes autos, o que implicou nova causa de interrupção da prescrição, que se mantém até à presente data, em virtude da presente acção judicial.
iv. De facto, sendo certo que, nos termos do disposto no artigo 310.º, alíneas d) e e), do Código Civil, “Prescrevem no prazo de cinco anos: (…) d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades; e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”, certo é-o também que, conforme prescreve o artigo 323.º daquele Código, no seu n.º 1, “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”, mais acrescentado o seu n.º 2 “se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias”.
v. Assim, é manifestamente falso que a dívida peticionada esteja prescrita porque, e salvo o devido respeito (que é muito) por melhor opinião, com a entrada em juízo do requerimento executivo do processo n.º 127/12.6T2GDL (com penhora até hoje registada no imóvel pela Ap. …, de 2013/01/17), e subsequente apresentação da Reclamação de Créditos nos citados autos de execução n.º 350/11.0T2GDL-A por parte do, à data, (…) Banco, S.A., deve considerar-se, nos termos do disposto nos números 1 e 2 do artigo 323.º do Código Civil, a prescrição interrompida.
vi. Como tal, e por tudo o exposto, não ocorre qualquer prescrição da dívida peticionada na reclamação de créditos apresentada pela ora recorrente.
vii. Da factualidade já alegada resulta apodítico que os mútuos peticionados pelo recorrente foram incumpridos – tendo ocorrido o vencimento total da dívida (do capital vincendo).
viii. Sendo ademais que também por força da penhora do bem que garante a dívida exequenda realizada à ordem dos citados autos de Execução n.º 127/12.6T2GDL criou-se um “novo quadro obrigacional” entre as partes, não amortizável em prestações periódicas de capital e de juros, mas de vencimento imediato na sua totalidade.
ix. Como resulta do acima exposto, in casu, não estamos perante a exigência do pagamento de quotas periódicas de uma dívida escalonada pelas partes, mas do capital como um todo (e não seccionado em “quotas de amortização”), acrescido dos juros: ou seja, estamos perante um novo “quadro obrigacional”, em que existe uma única dívida de capital e juros, no montante peticionado no requerimento inicial executivo.
x. Assim, considerando que, no caso em apreço, a dívida exequenda foi fixada na sequência do vencimento imediato de todas as prestações vencidas e vincendas dos contratos de mútuo, tratando-se agora de uma única prestação (de uma obrigação unitária), ser-lhe-á aplicável o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, que não se mostra decorrido.
xi. Como tal, também por esta via não ocorre qualquer prescrição da dívida peticionada.
xii. Motivo pelo qual deverá ser revogado o decisório proferido, porquanto não se verifica a excepção perentória de prescrição.
xiii. Por tudo quanto foi alegado, deve o recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se, a sentença proferida pela Meritíssimo Juiz a quo, sendo a mesma substituída por uma que reconheça o crédito da recorrente, com a prioridade que lhe advém da garantia real que detém.
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O Reclamado apresentou contra-alegações, nas quais concluiu pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
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III. Questões a solucionar
As questões a solucionar neste acórdão são as seguintes:
a) Alteração oficiosa da matéria de facto provada.
b) Suficiência da mesma matéria para concluir, como fez a sentença recorrida, que o direito de crédito da Reclamante se encontra prescrito.
c) Na sequência lógica da resposta à questão anterior, determinar o destino processual do documento oferecido pela Recorrente com as suas alegações de recurso.
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Fundamentação

I. Factos provados
Para fundamentar a sua decisão, o Tribunal Recorrido julgou provados os seguintes factos (que se reproduzem textualmente):
1. Por escritura pública outorgada em 18.02.2010, no Cartório Notarial de (…), o Banco (…), S.A, ora Banco Cedente, emprestou aos executados (…) e (…), no âmbito de um Crédito Hipotecário, para cumprimento das prestações decorrentes de um Contrato Financiamento FEC (…), a quantia de € 50.000,00, pelo prazo de 60 meses.
2. A partir de 18.06.2011, os executados deixaram de pagar as prestações mensais relativas ao contrato de mútuo referido em 1 dos factos provados
3. Para garantia das obrigações contratuais assumidas em 1 dos factos provados, foi constituída hipoteca voluntária sobre o prédio urbano composto por terreno para construção, com a área de 400 m2, sito na (…), lote n.º 2, freguesia de (…), concelho de Grândola, descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o n.º (…) e inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…).
4. A aludida hipoteca foi registada na referida Conservatória do Registo Predial através das Ap. (…), de 2010/02/03 e Ap. (…), de 2019/07/03.
5. Por contrato de cessão de créditos celebrado em 07 de Junho de 2019, o (…) S.A., cedeu à (…) – STC, SA, um conjunto do créditos vencidos de que era titular, no qual se inclui o crédito reclamado nestes autos.
6. Em 13.11.2024 foi proferida sentença de Habilitação de Herdeiros, no apenso D destes autos, com o seguinte teor: “julgo habilitado (…) para prosseguir os termos da demanda na qualidade de herdeiro da falecida executada (…)”.
7. O prédio urbano composto por terreno para construção, com a área de 400 m2, sito na (…), lote n.º 2, freguesia de (…), concelho de Grândola, descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o n.º (…) e inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…), foi penhorado em 28.10.2011.
8. Os executados foram citados no âmbito da acção executiva em 02.11.2012, respectivamente.
9. Por sentença de 16.07.2019, proferida nestes autos de reclamação de créditos, foi declarada a extinção da lide, por inutilidade superveniente, decorrente da deserção da execução.
10. A acção executiva foi apresentada em 11.10.2011 e foi declarada extinta em 06.07.2020.
11. Por despacho de 17.02.2023 proferido nos autos de execução foi decidida a renovação da execução.
12. (…), STC, S.A. apresentou a petição de reclamação de créditos em 08.07.2021 e os executados / reclamados foram notificados da reclamação de créditos apresentada pelo credor reclamante a 09.07.2021.
13. Por carta registada de 28.06.2019 a (…), STC., S.A. enviada para a morada dos reclamados/executados: (…), Lote 47 Grândola, 7570-002 Setúbal a cessão de créditos ocorrida entre o (…) Banco, S.A. e o credor reclamante.
14. Em 01.07.2022, o sr. Agente de Execução extinguiu a execução pelo pagamento da quantia exequenda aos credores reclamantes (…) – Artes Gráficas de (…), Unipessoal, e (…) e Filhos, Lda..
Por contraponto, a mesma sentença considerou não provado o seguinte facto:
a) Que os executados/reclamados pagaram ao Banco (…), S.A. a quantia mutuada.

a) Alteração oficiosa da matéria de facto provada
Dispõe o artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Por outro lado, em conformidade com o disposto no artigo 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, é aplicável ao acórdão do Tribunal da Relação o disposto no artigo 607.º do mesmo código, de cujo n.º 4 resulta que o Tribunal deve considerar, na decisão da matéria de facto, a matéria admitida por acordo, bem como a plenamente provada por documento e por confissão reduzida a escrito.
Resulta desse enquadramento legal, assim, que este Tribunal tem o poder/dever de modificar aquela decisão quando se trate de incluir nessa matéria factos plenamente provados por documento, como o são os factos processuais, que lhe estão acessíveis pela leitura dos autos.
Integram esse conceito dois factos, não considerados pela sentença recorrida, que resultam do apenso de reclamação de créditos e que complementam o plano de facto da decisão da exceção perentória de prescrição. São eles: a dedução de reclamação do crédito aqui em análise, em momento anterior ao impulso da Recorrente, pelo seu antecessor (…) Banco, S.A. e a notificação dessa reclamação aos executados.
Embora, como se verá, esses dois factos sejam insuficientes para alterar a decisão de direito, os mesmos fazem parte do conjunto material que deve instruir a decisão da reclamação e, por esse motivo, serão aditados.
Por outro lado, o facto enunciado sob o n.º 8 da factualidade provada da sentença, além de terminar com um desnecessário “respetivamente” consagra uma data incorreta. Cotejando os termos da execução dos autos principais, verifica-se que os executados foram citados em 2 de novembro de 2011, e não em 2 de novembro de 2012 (apesar dos avisos de receção não conterem a data da respetiva assinatura e de o carimbo de reenvio pela estação postal ser praticamente ilegível, constata-se que em 15 de novembro de 2011 já o Solicitador de Execução estava a dar cumprimento ao então disposto no artigo 241.º do Código de Processo Civil).
Assim e em conclusão, por fundamentado em prova documental com efeito pleno, será aditado o seguinte facto que engloba aqueles dois:
- Por requerimento de 21 de junho de 2017, objeto de notificação expedida à mandatária dos executados em 18 de outubro de 2017, o (…) Banco, S.A. reclamou, nestes mesmos autos, o reconhecimento e graduação do crédito objeto da reclamação da (…) – STC, S.A..
Por outro lado, e como se disse, corrigir-se-á o ano da citação dos executados para a ação executiva.
Assim os factos provados a considerar (após supressão de qualificações jurídicas com repercussão no objeto do litígio, nova ordenação lógica e cronológica e mediante utilização da ortografia emergente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990) são os seguintes:
1. Por escritura pública outorgada em 18.02.2010, no Cartório Notarial de (…), o Banco (…), S.A. emprestou aos executados (…) e (…), para cumprimento das prestações decorrentes de um “Contrato de Financiamento FEC (…)”, a quantia de 50.000,00 euros, pelo prazo de 60 meses.
2. A partir de 18.06.2011, os executados deixaram de pagar as prestações mensais relativas ao acordo referido em 1.
3. Para garantia das obrigações assumidas em 1 foi constituída hipoteca voluntária sobre o prédio urbano composto por terreno para construção, com a área de 400 m2, sito na (…), lote n.º 2, freguesia de (…), concelho de Grândola, descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o n.º (…) e inscrito na respetiva matriz sob o artigo (…).
4. A aludida hipoteca foi registada na referida Conservatória do Registo Predial através das Ap. (…), de 2010/02/03 e Ap. (…), de 2019/07/03.
5. A ação executiva foi apresentada em 11.10.2011 e foi declarada extinta em 06.07.2020.
6. O prédio urbano composto por terreno para construção, com a área de 400 m2, sito na (…), lote n.º 2, freguesia de (…), concelho de Grândola, descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o n.º (…) e inscrito na respetiva matriz sob o artigo (…), foi penhorado em 28.10.2011.
7.Os executados foram citados no âmbito da ação executiva em 02.11.2011.
8.Por requerimento de 21 de junho de 2017, objeto de notificação expedida à mandatária dos executados em 18 de outubro de 2017, o (…) Banco, S.A. reclamou, nestes mesmos autos, o reconhecimento e graduação do crédito objeto da reclamação da (…) – STC, S.A..
9. Por contrato celebrado em 07 de junho de 2019, o (…) Banco, S.A. cedeu à (…), STC, S.A., um conjunto de créditos vencidos de que era titular, no qual se inclui o crédito reclamado nestes autos.
10. Por carta registada de 28.06.2019, enviada para a morada dos reclamados/executados: (…), lote 47, Grândola, 7570-002 Setúbal, a (…), STC, S.A. comunicou àqueles a celebração do acordo referido no n.º 9.
11. Por sentença de 16.07.2019, proferida nestes autos de reclamação de créditos, foi declarada a extinção da lide, por inutilidade superveniente, decorrente da deserção da execução.
12. Em 01.07.2022, o sr. Agente de Execução extinguiu a execução pelo pagamento da quantia exequenda aos credores reclamantes (…), Unipessoal, e (…) e Filhos, Lda..
13. Por despacho de 17.02.2023 proferido nos autos de execução foi decidida a renovação da execução.
14. Em 13.11.2024 foi proferida sentença de Habilitação de Herdeiros, no apenso D destes autos, com o seguinte teor: “julgo habilitado (…) para prosseguir os termos da demanda na qualidade de herdeiro da falecida executada (…)”.
15. A (…), STC, S.A. apresentou a petição de reclamação de créditos em 08.07.2021 e os executados / reclamados foram notificados da reclamação de créditos apresentada pelo credor reclamante a 9.7.2021.
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b) Suficiência da matéria de facto apurada para a decisão de direito.
No cerne deste recurso está a divergência de entendimentos entre o Tribunal recorrido e a Reclamante, aqui nas vestes de Recorrente, sobre a verificação dos pressupostos da exceção perentória de prescrição do direito de crédito, esgrimida pelos Reclamados na sua impugnação.
A sentença recorrida, na parte que releva, mostra-se fundamentada nos seguintes termos:
A questão controvertida centra-se, deste modo, na definição dos pressupostos de aplicação da prescrição de 5 anos, prevista nas várias alíneas do artigo 310.º do CC.
Será a situação dos autos susceptível de preencher alguma dessas previsões normativas que encurtam substancialmente o prazo normal da prescrição de créditos?
A metodologia correcta para abordar esta questão traduz-se em, primeiramente, verificar se o caso dos autos é enquadrável na situação prevista na alínea e).
Parece-nos bem que sim.
Com efeito, a circunstância de a prestação fraccionada do capital em dívida integrar, com os juros, uma quantia ou prestação mensal, global e predeterminada, reportada, quer aos juros remuneratórios do capital mutuado, quer à amortização parcelada do próprio capital, desencadeia a aplicação do prazo prescricional de 5 anos, previsto na citada alínea e).
Sobre esta questão, pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão do STJ n.º 6/2022 (Série I), de 30 de junho de 2022/ Supremo Tribunal de Justiça de Uniformização de Jurisprudência:
(…)
Vertendo ao caso sob análise, temos que a obrigação assumida pelos signatários do contrato, compartimentada num mútuo e respectivos juros, converteu-se numa prestação mensal de fraccionada quantia global que, desta forma, iria sendo amortizada na medida em que se processasse o seu cumprimento; e esta facticidade está abrangida pelo regime jurídico descrito no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil“.
A Recorrente diverge desse entendimento, argumentando que não está em causa, na reclamação, a exigência do pagamento de quotas periódicas de uma dívida escalonada, mas do capital como um todo, pelo que estando em causa um “novo quadro obrigacional”, é aplicável o prazo de prescrição de 20 anos.
Diversamente, como se viu, o Tribunal recorrido, chamando a si a jurisprudência do Acórdão Uniformizador n.º 6/2022 (DR. n.º 184/2022, Série I, de 22 de setembro de 2022), considerou a aplicação do prazo de prescrição de 5 anos, emergente da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil.
Segundo esta norma, prescrevem no prazo de cinco anos, entre outros créditos, “as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”.
A questão de saber se a obrigação do reembolso de um mútuo oneroso, quando fracionada em prestações, como é a que está em causa nos autos, ocorrido que seja o vencimento total por força do disposto no artigo 781.º do Código Civil, está sujeita ao prazo de prescrição previsto naquela norma ou, diversamente, ao prazo ordinário de prescrição, constitui parte do objeto do referido Acórdão Uniformizador.
Neste aresto, ponderou-se desde logo o argumento subjacente à previsão da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, tal como expendido pelo Professor Vaz Serra nos trabalhos preparatórios do Código, tendo-se exarado o seguinte:
O prazo curto de prescrição justificou-se nos trabalhos preparatórios do Código Civil (Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, Bol. 106/112ss) com o facto de a acumulação de juros com quotas de amortização poder originar, por sua vez, uma acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor; o mesmo Autor se pronunciou na Revista Decana, 89º/328, justificando o prazo curto com o facto de «proteger o devedor contra a acumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades, pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital susceptível de o arruinar, se o pagamento pudesse ser-lhe exigido de um golpe, ao cabo de um número demasiado de anos”.
O referido aresto considerou ser de respeitar o espírito do legislador expresso nesses moldes, tendo ponderado, bem assim, que “para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no artigo 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas, isto é, se altera o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros”.
Por outro lado, ponderou-se ainda que “a ratio das prescrições de curto prazo, se radica na proteção do devedor, protegido contra a acumulação da sua dívida, também visa estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito”.
Considerados, nomeadamente, esses fundamentos, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu por bem uniformizar jurisprudência através da formulação das seguintes proposições:
I- No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.
II- Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo «a quo» na data desse vencimento e eme relação a todas as quotas assim vencidas”.
A jurisprudência uniforme acabada de enunciar tem, no seu segundo segmento, plena aplicação na situação versada nestes autos e dela não se vê razão para divergir, pelo que pode concluir-se, como se fez na sentença sob recurso, sem necessidade de outras indagações, que o prazo de prescrição aplicável ao direito de crédito reclamado nos autos é o de cinco anos, contado sobre a data do vencimento integral das prestações do mútuo (vencimento integral operado em conformidade com o artigo 781.º do Código Civil).
Aqui chegados, teríamos o seguinte quadro de direito: entre a data do vencimento da obrigação – 18 de junho de 2011 – e a data da primeira reclamação do crédito nestes autos – 21 de junho de 2017 – decorreu integralmente o referido prazo. Nesse plano de direito não seria sequer necessário recorrer à data da segunda reclamação do mesmo crédito (encabeçada pela Recorrente), uma vez que antes dela o direito de crédito já estaria prescrito.
Sucede, porém, que o raciocínio sobre a verificação dos pressupostos da exceção perentória em análise não pode esgotar-se no cálculo do lapso de tempo decorrido desde o início e o termo do prazo legal da prescrição.
Há que indagar se foram alegadas e, tendo-o sido, se ocorreram, causas de suspensão ou de interrupção desse prazo.
Em conformidade com o disposto no artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.
De acordo com o n.º 2 do mesmo artigo “se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias”.
O ónus de alegação da causa de interrupção da prescrição prevista nessas normas – citação ou notificação judicial de um ato que exprime a intenção de exercer o direito – incumbia obviamente à Reclamante, enquanto facto impeditivo da verificação da exceção (como se extrai, ainda que a letra da lei não o afirme, do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 342.º do Código Civil).
O Recorrido afirma, nas suas alegações, que a Recorrente nunca alegou a propositura de uma ação executiva para cobrança do crédito reclamado, mas não tem razão.
Com efeito, logo na peça processual introdutória da reclamação do crédito, em concreto, no respetivo artigo 5.º, a Reclamante alegou que “outra solução não restou ao banco cedente se não resolver o contrato e concomitantemente intentar a respetiva ação executiva conforme requerimento executivo que ora se junta sob a designação de Doc. 5” (sublinhado nosso). Juntou então cópia de um requerimento executivo apresentado em 20 de abril de 2012.
Aliás, em consonância com essa alegação, o terceiro tema da prova selecionado pelo Tribunal recorrido foi precisamente, como atrás se enunciou, “data da interpelação dos executados para pagamento da quantia reclamada”.
Sucede que, não obstante o facto estar alegado e ter sido formulado um tema de prova para lhe conferir dignidade na instrução, a sentença sob recurso não o considerou.
Nada se encontra nessa decisão sobre a propositura dessa ação executiva para cobrança do crédito reclamado, seja nos factos provados, seja na matéria não provada (o n.º 7 dos factos provados refere-se à ação executiva dos autos principais).
Entre os poderes/deveres cometidos ao Tribunal da Relação encontra-se, de acordo com o artigo 662.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, o de anular a decisão proferida na 1ª instância, quando “repute deficiente (…) a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto”.
Segundo os ensinamentos do Conselheiro António Santos Abrantes Geraldes, algumas “(…) decisões podem revelar-se total ou parcialmente deficientes, obscuras ou contraditórias, resultantes da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares, da sua natureza ininteligível, equívoca ou imprecisa ou reveladora de incongruências, de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso” (Recursos em Processo Civil, Almedina, 8ª Edição atualizada, pág. 376).
A falta, na fundamentação de facto da sentença sob escrutínio (seja no sentido afirmativo de facto provado, seja como facto não demonstrado), daquele dado – a propositura, pela Reclamante (rectius, pelo seu antecessor), antes da reclamação do crédito nesta sede, de uma execução com vista à cobrança da mesma dívida – constitui omissão que impede uma adequada subsunção jurídica na decisão da exceção perentória em apreço.
A demonstração de que a ação executiva foi proposta levaria a considerar interrompida a prescrição logo após o decurso do prazo de cinco dias previsto no n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, e por essa via, permitiria eventualmente levar a concluir, sem outras indagações, pela improcedência da exceção (considerando, nomeadamente, que nada foi alegado que permita dar substância à verificação, no caso, da previsão do n.º 2 do artigo 327.º do Código Civil).
Não tendo considerado esse facto – que estava alegado nos sobreditos termos –, a decisão da matéria de facto em que se apoiou o julgamento da exceção é manifestamente deficiente.
É-o, de resto, em termos que comprometem uma adequada decisão jurídica da exceção nesta 2ª instância, uma vez que este Tribunal não dispõe de elementos probatórios para julgar o facto provado (como se verá, o documento oferecido pela Recorrente para o efeito está fora da previsão do artigo 425.º do Código de Processo Civil).
Conclui-se, pois, que a sentença recorrida deve ser anulada, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil, para que, no confronto com a prova produzida (incluindo a que venha a decorrer da eventual admissão, na 1ª instância, do documento oferecido pela Recorrente com as suas alegações de recurso) sejam integrados na decisão da matéria de facto, os seguintes dois aspetos de facto:
- a propositura (provada ou não provada) de ação executiva, movida contra os Reclamados, para cobrança do crédito reclamado;
- caso se comprove a propositura dessa ação, a data em que a mesma teve lugar.

c) Documento oferecido pela Recorrente com as suas alegações de recurso
Com as respetivas alegações de recurso, a Recorrente oferece uma certidão judicial da ação executiva acima versada.
Dispõe o artigo 425.º do Código de Processo Civil que “depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
Sobre os pressupostos da admissão extraordinária de prova documental, prevista nessa norma, pode ler-se “(…) para além dos documentos que sejam objetiva e subjetivamente supervenientes (tendo em conta o encerramento da discussão na audiência final), são admissíveis aqueles cuja necessidade se revelar em função da sentença proferida, o que pode justificar-se pela imprevisibilidade do resultado (…). Não é admissível a junção com a alegação de recurso de um documento que, ab initio, já era potencialmente útil à apreciação da causa” (Abrantes Geraldes, Pimenta e Pires de Sousa, CPC anotado, vol. I, Almedina, pág. 502).
Aprofundando o requisito da superveniência do documento, lê-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de fevereiro de 2024: “A junção dos documentos com o recurso de apelação tem como primeiro pressuposto que se trate de documentos supervenientes – artigo 651.º Código Processo Civil. A superveniência dos documentos, como decorre do artigo 452.º do Código de Processo Civil, verifica-se quando apresentação não tenha sido possível até ser proferida a decisão do tribunal de 1ª instância seja porque os documentos não existiam ainda àquele momento, ou, porque existindo, a parte apresentante desconhecia justificadamente essa existência”.
Crê-se irrefutável que o documento oferecido pela Recorrente não cumpre o requisito legal.
O facto que o mesmo pretende provar já se encontrava alegado, como se viu, desde 8 de julho de 2021 (data da entrada em juízo da reclamação do crédito) e a sua necessidade como meio de prova verifica-se, pelo menos, desde a notificação do articulado de impugnação (onde foi alegada a exceção de prescrição), não tendo, por qualquer modo, resultado de uma circunstância superveniente.
A Recorrente descurou a necessidade do documento e, só agora, face ao desfecho dado pela sentença, veio juntá-lo, e logo no momento processual em que a lei processual não o permite.
Não podendo o documento ingressar na ação nesta fase, tal não significa que não possa ser aceite e atendido, pelo Tribunal recorrido, no âmbito da discussão que se reabrirá com vista a anulação da sentença.
Por esse motivo, este Tribunal relegará a admissão do mesmo documento para decisão a proferir pela 1ª instância, no âmbito daquela mesma discussão.
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III. Responsabilidade tributária
Decaindo o Recorrido, é o mesmo responsável pelas custas nesta instância, de acordo com o disposto no artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Sendo o termo “custas” polissémico, o mesmo significa, no caso, custas de parte.
Uma vez que o Recorrido beneficia de apoio judiciário, caso este se mantenha, haverá lugar à aplicação do disposto no artigo 26.º, n.º 6, do Regulamento das Custas Processuais.
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Decisão
Face ao acima exposto, acordam os Juízes que compõem a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, em:
I. anular a sentença sob recurso, de acordo com o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil, para que no confronto com a prova produzida (incluindo a que venha a decorrer da eventual admissão do documento oferecido pela Recorrente com as suas alegações de recurso) sejam integrados na decisão da matéria de facto, os seguintes dois aspetos:
- a propositura (provada ou não provada) de ação executiva, movida contra os Reclamados, para cobrança do crédito reclamado pela Recorrente (…) – STC, S.A.;
- caso se comprove a propositura dessa ação, a data em que a mesma teve lugar.
II. relegar, deferindo-a ao Tribunal recorrido, a decisão sobre a admissibilidade do documento oferecido pela Recorrente (…) – STC, S.A. com as respetivas alegações de recurso, devendo essa decisão ser proferida no âmbito da discussão que se reabrirá com a anulação da sentença.
O Recorrido (…) suportará as custas do recurso, na vertente custas de parte, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia, devendo ser observado o disposto no artigo 26.º, n.º 6, do Regulamento das Custas Processuais.

Évora, 30 de outubro de 2025
Maria Emília Melo e Castro
Mário João Canelas Brás
Maria Domingas Simões
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SUMÁRIO (elaborado nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil)
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