Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ARTUR VARGUES | ||
Descritores: | SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA REVOGAÇÃO AUDIÇÃO DO CONDENADO CONTRADITÓRIO NULIDADE INSANÁVEL | ||
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Data do Acordão: | 11/21/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | O tribunal a quo procedeu à regular notificação do recorrente para o fazer comparecer na diligência de audição a que se reporta o artigo 495º, nº 2, do CPP, com o escopo de esclarecer das razões do incumprimento do Plano de Reinserção Social que tinha sido elaborado, a que dera a sua concordância e se mostrava judicialmente homologado. Só que, não só não compareceu à diligência, pese embora estivesse devidamente notificado, como não justificou a falta e bem assim se ausentou para o estrangeiro, para parte incerta. E, posteriormente foram envidados todos os esforços necessários à audição presencial do condenado, tendo até sido emitido mandado de detenção para comparência à diligência na nova data designada, não se mostrando possível a sua presença unicamente porque não se apurou o respectivo paradeiro, o que inviabilizou a realização da mesma. Ou seja, a falta de audição pessoal ocorreu tão-só por força do seu comportamento, que a inviabilizou, pelo que não ocorreu violação do consagrado no artigo 495º, nº 2, do CPP, nem qualquer nulidade. Por outro lado, foi a defensora do condenado (e este só não o foi por se encontrar, há vários anos, com paradeiro desconhecido no estrangeiro) notificada da posição assumida pelo Ministério Público quanto à revogação da suspensão da execução da pena – incluindo na parte que concerne ao incumprimento do Plano de Reinserção Social - mostrando-se, assim, cumprido o contraditório imposto pelo artigo 495º, nº 2, do CPP, não se verificando, também nesta perspectiva, que tenha sido preterido direito de defesa ou ocorrido obliteração do princípio do contraditório, consagrados no artigo 32º, nºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, nem a invocada nulidade prevista na alínea c), do artigo 119º, do CPP. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO 1. Nos autos com o nº 91/11.9GAARL, do Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo Local Criminal de … – Juiz …, foi proferido despacho, aos 19/10/2018, que revogou a suspensão da execução da pena de 3 anos e 9 meses de prisão aplicada ao arguido AA e determinou o seu cumprimento. 2. O arguido não se conformou com o teor da decisão e dela interpôs recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões (transcrição): I- O recorrente foi condenado nos presentes autos pela prática de um crime de furto qualificado na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, acompanhada por regime de prova e regras de conduta. Sendo que, o Tribunal a quo decidiu considerar não cumprida a condição de suspensão de execução da pena de prisão que foi imposta ao arguido, e revogou a suspensão de execução da pena de prisão. Por discordar da decisão o recorrente, pelo presente, dela vem interpor recurso. Da violação do artigo 495º nº 2 do Código de Processo Penal: II-O Tribunal decidiu a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao recorrente sem, previamente, ter procedido à sua audição presencial, não dispondo, por esse motivo de elementos essenciais e bastantes para proferir uma decisão fundamentada. III-O recorrente não foi notificado para se pronunciar sobre a possibilidade de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, tendo o Tribunal decidido pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão sem ouvir o recorrente, e em violação do disposto no artigo 56º nº1 do Código Penal. IV- Conforme resulta do texto do artigo 495º nº2 do Código Penal a revogação da suspensão da pena de prisão não é automática, devendo ser precedida da audição presencial do arguido, sendo que a falta de audição do arguido consubstancia uma nulidade insanável (artigo 119º alínea c) do Código de Processo Penal) e tem como efeito a invalidade do acto, ou seja, no presente processo determina a invalidade da decisão em crise. V- A observância do princípio do contraditório, plasmado no artigo 32º nº5 da Constituição da República Portuguesa consubstancia-se no “direito/dever do juiz ouvir as razões do arguido e demais sujeitos processuais, em relação a questões e assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão, bem como no direito do arguido intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os elementos de prova e de argumento jurídicos trazidos ao processo, direito que abrange todos os actos susceptíveis de afectarem, a sua posição ou de atingirem a sua esfera jurídica(Acórdão da Relação de Coimbra de 05/22/2008 disponível in www.dgsi.pt). VI- De acordo com Paulo Pinto de Albuquerque in comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição página 1240: O arguido deve ser ouvido, independentemente do motivo da revogação da suspensão, sob pena da nulidade do artigo 119º alínea c) (...).Aliás, interpretação diversa prejudicaria os direitos de defesa e o princípio do contraditório, sendo por isso de preferir interpretação conforme à Constituição (acórdão o TER de 22.05.2005 in CJ XXX,1, 267 e acórdão do TRL de 1.3.2005, in CJ XXX, 2,123). VII- No presente processo, e conforme o já sobredito, o recorrente não foi ouvido de forma presencial, nem foi notificado para se pronunciar sobre a eventual revogação da suspensão da pena de prisão. VIII- O Tribunal quando procede à apreciação e decisão da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, tem o dever de reunir todos os elementos necessários para tomar uma decisão, uma vez que, a decisão de revogação irá conduzir ao cumprimento de uma pena de prisão que afectará a liberdade do arguido. IX- A prisão é um mal que deve reduzir-se ao mínimo necessário, devendo por esse motivo o Tribunal averiguar se as finalidades se encontram ou não comprometidas. E, para concluir que as finalidades subjacentes à suspensão não puderam por meio dela ser alcançadas, deverão ser realizadas diligências que permitam demonstrar e comprovar tal circunstancialismo. X-A decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão traduz-se na aplicação de uma outra pena ao arguido, e a essa determinação tem de ter por base os princípios gerais que presidem o processo penal, nomeadamente os nº 2 e 5 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa. XI- Sendo que, o princípio do contraditório consubstancia-se no direito/dever do Juiz de ouvir as razões do arguido e demais sujeitos processuais, em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão, bem como no direito do arguido a intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os elementos de prova e argumentos jurídicos trazidos ao processo, direito que abrange todos os actos suscetíveis de afectarem a sua posição ou de atingirem a sua esfera jurídica. XII- Reportando-nos aos presentes autos, a não audição do recorrente pelo Tribunal a quo, afectou e afecta gravemente os direitos de defesa do arguido, uma vez que o impediu de apresentar a sua versão no que diz respeito ao cumprimento das condições impostas pela sentença. XIII-Assim, atendendo a todo o exposto, e uma vez que previamente à decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão o Tribunal a quo não procedeu à audição presencial do recorrente, a decisão proferida é nula. Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 06/0272019, disponível em c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb para cujo teor se remete. Sem prescindir sempre se dirá o seguinte: XIV- Dos presentes autos não resulta demonstrado um juízo de culpa de tal forma grave que conduzisse à revogação da suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido, bem como não se encontra demonstrado, de acordo com o plasmado no artigo 56º do Código Penal, que o recorrente tenha violado de forma grosseira e repetida os deveres e regras de conduta a qua estava vinculado. XV- É Jurisprudencialmente aceite que a revogação da suspensão da pena de prisão não opera de forma de automática, estando dependente da análise caso a caso no que diz respeito ao preenchimento dos pressupostos plasmados nas alíneas a) e b) do nº1 o artigo 56º do Código Penal. A este respeito, Figueiredo Dias entende que só deve decidir-se pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão se dali nascer “a convicção de que um tal incumprimento infirmou definitivamente o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, é dizer, a esperança de, por meio desta, manter o delinquente, no futuro afastado, da criminalidade” (Direito Penal Português “As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Ed. Noticias, Lisboa, 1993, p.356). XVI- No que diz respeito à violação das regras de conduta referidas no artigo 56º do Código Penal, essa violação tem de se consubstanciar numa indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser desculpada. Sendo, para o efeito, essencial determinar a culpa do arguido, ou seja compreender se o mesmo não cumpriu e/ou falhou por vontade própria. Neste sentido, Maia Gonçalves: “(...) que só mediante a ponderação das particularidades de cada caso concreto o juiz poderá decidir se alguma sanção deve ser aplicada e, caso positivo, qual a que melhor se molda à situação. Assim, se o condenado deixou de cumprir uma condição devido a caso fortuito ou de força maior que definitivamente o inibe de lhe dar cumprimento, não deve ser aplicada qualquer sanção.” XVII- In casu, o Tribunal a quo dispunha de elementos bastantes para, com segurança, formular um juízo de não culpa do recorrente, pelos seguintes motivos: - Foi elaborado e homologado um plano de reinserção social quando o arguido se encontrava preso preventivamente à ordem de outro processo, tendo o arguido cumprido com o mesmo. - Acontece que, quando o recorrente saiu em liberdade o plano elaborado estava desajustado à situação de não reclusão, tendo sido remetido para a DGRSP do … o processo para que esta equipa procedesse ao acompanhamento do recorrente, tendo sido realizadas várias diligências nomeadamente entrevistas com o condenado (Cfr. informação junta aos autos datada de (17/06/2014). - Consta da referida informação do DGRSP que o recorrente se ausentou para a … em trabalho, tendo informado o seu contacto telefónico. - O recorrente desde 2014 passou a residir no estrangeiro, primeiramente na … e posteriormente em … onde neste momento tem organizada a sua vida pessoal e profissional. XVIII- Deste modo, a circunstância superveniente de o arguido ter mudado de residência para o estrangeiro para trabalhar, foi o motivo pelo qual não cumpriu com o acompanhamento da DGRSP, não consubstanciando tal factualidade uma infração grosseira e repetida. XIX- Tendo conhecimento do circunstancialismo descrito o Tribunal, em vez de revogar a suspensão da execução da pena de prisão, tinha o poder/dever de optar por aplicar ao recorrente uma das medidas alternativas plasmadas no artigo 55º do Código Penal. XX- Acresce que o Tribunal a quo não demonstrou cabalmente e fundamentadamente a culpa do recorrente, ou seja que o mesmo não cumpriu por vontade própria e que incumpriu grosseira e repetidamente com os deveres e regras de conduta. XXI- A culpa constitui pressuposto de validade da pena e afirma-se como limite máximo da mesma, ou seja: não há pena sem culpa e a culpa é a medida da pena. Pelo que, in casu o Tribunal teria de aferir se as finalidades que estiveram na base da suspensão (proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade) não puderam por meio dela ser alcançadas. XXII- Quando estamos perante uma situação de incumprimento dos deveres impostos por uma condenação, o Tribunal tem, em primeiro lugar de aferir se a violação da suspensão nos termos fixados importará a revogação ou se diferentemente os fundamentos que presidiram à suspensão da pena de prisão se mantém válidos. XXIII- E, no presente processo, o recorrente encontra-se reintegrado na sociedade, trabalha e reside com a com a sua companheira e com os filhos menores, é acompanhado clinicamente há vários anos por causa da adição que teve no passado. Em suma, desde a condenação nos presentes autos que o recorrente conformou a sua vida com o Direito, sendo considerado por aqueles que consigo convivem como uma pessoa pacífica e trabalhadora, verificando-se, deste modo, que foi alcançado o efeito ressocializador e de prevenção especial que esteve na base da decisão de suspensão da execução da pena de prisão aplicada. XXIV- Sendo que, nesta fase, a aplicação de uma pena de prisão ao recorrente teria o efeito contrário, uma vez que a pena de prisão é sempre aplicada como a último ratio. XXV- Atendendo a todo o exposto não deverá ser revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao recorrente e, em alternativa, tomando em consideração o decurso do período da suspensão deverá a pena considerar-se extinta pelo cumprimento ou aplicar-se uma das penas de substituição previstas no artigo 55º do Código Penal. Disposições legais violadas: O Tribunal a quo ao decidir na forma exposta violou o disposto nos seguintes artigos: -Artigo 495º nº2 do Código de Processo Penal; -Artigos 55º e 56º do Código Penal; -Artigos 111º e 113º do Código Penal; -Artigo 32º nº1 e nº 5 da Constituição da República Portuguesa; -Artigos 119º alínea c) e 122º do Código de Processo Penal; - Artigos 71º e 40º do Código de Processo Penal; Nestes termos, e nos melhores de Direito que V/Exas doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho proferido, nos termos expostos com que V/Exas, farão Justiça! 3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo. 4. O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu à motivação de recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida. 5. Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. 6. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta. 7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência. Cumpre apreciar e decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Âmbito do Recurso O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995. No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes: Nulidade insanável da decisão recorrida. Não verificação dos requisitos de revogação da suspensão da execução da pena. 2. Elementos relevantes para a decisão. 2.1 Aos 22/05/2012, o arguido prestou termo de identidade e residência, tendo indicado como morada para receber as respectivas notificações: Rua … nº …, …. 2.2 Em 13/05/2013, no início da audiência de julgamento, o arguido indicou como nova morada para o recebimento das notificações a Rua …, nº …, … – …, tendo no acto sido advertido pela Mmª Juíza que todas as notificações até à extinção da pena que pudesse vir a ser aplicada seriam efectuadas para essa morada, salvo se indicasse nos autos outra diferente. 2.3 Por sentença de 21/05/2013, foi o arguido condenado pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 3 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova e às seguintes condições e regras de conduta: manutenção da abstinência no que concerne ao consumo de estupefacientes e eventual tratamento médico, caso necessário e o arguido nisso consinta; obrigação de manutenção ou esforço válido nesse sentido, de actividade profissional ou de formação; e durante o período em que se encontrar privado da liberdade, fica o arguido obrigado a um bom comportamento no estabelecimento prisional onde se encontra recluso, devendo abster-se designadamente de incorrer em ilícitos disciplinares. 2.4 O arguido foi notificado da sentença em 22/05/2013, que oportunamente transitou em julgado. 2.5 Foi elaborado Plano de Reinserção Social do condenado de onde consta, entre o mais, dever sujeitar-se à tutela da DGRSP e comparecer às entrevistas marcadas, tendo sido judicialmente homologado em 21/10/2013 e notificado ao ora recorrente aos 25/10/2013. 2.6 O condenado, que estava recluso no EPR de …, foi libertado em 31/10/2013, tendo o tribunal a quo solicitado à DGRSP a actualização do PRS. 2.7 Em 21/01/2014, veio o condenado informar que a sua nova morada era em Rua …, nº … – …, sendo desta dado conhecimento à DGRSP. 2.8 Em 17/06/2014, informou a DGRSP que o condenado se ausentara para o estrangeiro sem ter dado conhecimento à equipa de acompanhamento e deixara contacto telefónico, que nunca foi atendido, não obstante tentada tenha sido a comunicação. 2.9 Por despacho de 06/11/2014, deu-se início ao incidente de incumprimento. 2.10 Foi designado o dia 02/03/2015 para tomada de declarações ao condenado, a fim de esclarecer as razões do incumprimento, sendo notificado na morada que indicou em 13/05/2013, por via postal simples com prova de depósito, não tendo o mesmo comparecido ou justificado a falta. 2.11 Foi marcada nova data para a tomada de declarações, enviada a notificação para a mesma morada e emitido mandado de detenção para comparência, tendo o aviso postal sido devolvido ao remetente e o mandado certificado com a informação de que o condenado se ausentara para a …. 2.12 Procedeu o tribunal a várias diligências, incluindo junto de familiares (que informaram de contactos telefónicos) e entidades consulares, para determinar o paradeiro do condenado e contactá-lo, mas debalde, mesmo efectuando telefonemas para os números fornecidos. 2.13. Em 14/07/2017, promoveu então o Ministério Público a revogação da suspensão da execução da pena por violação do Plano de Reinserção Social, tendo sido notificado da mesma o Ilustre defensor. 2.14 O condenado não foi notificado por ser desconhecido o seu paradeiro, havendo notícia nos autos, repetida, de que há vários anos não residia na morada que indicou aos 13/05/2013, nem qualquer familiar ou conhecido e se ausentara para o estrangeiro. Numa primeira fase para a …, depois para a …. 2.15 Em 19/10/2018, foi lavrado o despacho recorrido, que apresenta o seguinte teor (transcrição): Revogação da suspensão da execução de pena de prisão: AA foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, acompanhada por regime de prova, e subordinada às seguintes condições e regras de conduta: (i) manutenção da abstinência no que concerne ao consumo de estupefacientes e eventual tratamento médico, caso necessário e o arguido nisso consinta; (ii) obrigação de manutenção, ou esforço válido nesse sentido, de actividade profissional ou de formação; e, (iii) durante o período em que se encontrar privado da liberdade, fica o arguido obrigado a um bom comportamento no estabelecimento prisional onde se encontra recluso, devendo abster-se designadamente de incorrer em ilícitos disciplinares. A sentença transitou em julgado em 21/06/2013 e o plano de reinserção social encontra-se homologado por despacho judicial de 12/07/2016 (conf. fls. 425 e 446 dos autos). Do CRC constante dos autos a fls. 714, e seguintes, verifica-se que o arguido, apesar de ter uma condenação posterior à dos presentes autos a mesma, porém, reporta-se a factos ocorridos em momento anterior e a pena já foi declarada extinta. Foi determinada a tomada de declarações do arguido, conforme fls. 498 e 510, que não se realizou por motivo imputável ao arguido. Conforme fls. 459, 473, existiram faltas às convocatórias da D.G.R.S.P., por motivo da emigração para a …. A fls. 627, o Ministério Público promoveu no sentido de a pena de prisão suspensa na execução ser revogada, uma vez que se encontra inviabilizada a prossecução dos objectivos a atingir com a suspensão da pena de prisão. O defensor foi notificado da promoção e remeteu-se ao silêncio (conf. fls. 637 dos autos). No caso ora em análise, o arguido não cumpriu com os seguintes deveres e regras de conduta impostos pelo tribunal: sujeitar-se à tutela da D.G.R.S.P. e comparecer às entrevistas marcadas; acompanhamento dos serviços clínicos, em articulação com o Centro de Respostas Integradas, tomando medicamentos ministrados; manter uma conduta positiva e cumprir com as normas estabelecidas neste EPR e sujeitar-se a frequentar os programas, cursos, escolaridade e outras actividades que lhe forem dirigidas pela administração prisional. Nos termos do disposto no artigo 56.º, n.º 1 do Código Penal, a suspensão da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. A revogação da suspensão da execução da pena determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado (artigo 56.º, n.º 2 do Código Penal). Da conjugação das alíneas do n.º 1 deste normativo legal decorre que a revogação da suspensão da pena não tem carácter automático mas exige um juízo sobre a sua necessidade para atingir as finalidades da pena imposta. Atento às circunstâncias do caso em apreço e às finalidades da suspensão da execução da pena de prisão - o alcance da socialização pelo arguido em liberdade-, importa perscrutar o disposto no art. 56.º, n.º 1, al. a) do Código Penal. No caso em apreço, após a homologação judicial do plano de reinserção social (cfr. fls. 446), o arguido não cumpriu com as condições nele apostas. Com efeito, a infracção grosseira de que se fala no citado artigo 56.º, n.º 1, al a) do Código Penal, consiste numa actuação indesculpável, isto é, numa actuação em que o comum dos cidadãos não incorreria, não devendo, por isso, ser tolerada. A falta de cumprimento de deveres impostos na decisão que decreta a suspensão ou do plano de reinserção social e que traduza uma actuação reveladora de desrespeito grosseiro ou repetido, conducente à conclusão de que se frustraram as finalidades da suspensão da execução da pena de prisão poderá determinar, pois, a respectiva revogação. É pressuposto material comum à verificação de qualquer dessas circunstâncias que a mesma tenha ocorrido com culpa do agente. Tudo ponderado, afigura-se comprometida a satisfação das finalidades das penas e do instituto da suspensão da execução da pena de prisão que o Arguido beneficiou como a derradeira oportunidade de actuar em conformidade com o Direito e, em especial, de resolver o problema de toxicodependência. Considerando que a restrição da liberdade pessoal apenas deve ser efectuada em última instância, o arguido não demonstrou, convincentemente, ter feito algum esforço de cumprir as regras e deveres a que estava adstrito pelo plano de reinserção social judicialmente homologado. Estipula o n.º 2 do art.º 56.º do Código Penal que, a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença. É, pois, de revogar a suspensão da execução da pena aplicada. Em face do exposto, nos termos dos artigos 56.º, n.º 1, al. a), e n.º 2 do Código Penal, e 495.º, n.º 2, do C.P.P. decido revogar a suspensão de execução de pena de prisão e determino o cumprimento da pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão fixada na sentença condenatória proferida nos autos. A notificação a realizar concernente ao presente despacho deve ser realizada para a morada indicada no TIR de fls. 121, nos termos do art.º 113º, n.º 1 al. c) do C.P.P., em cumprimento da jurisprudência obrigatória do Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão nº 6/2010, de 15/04/2010, in DR nº 99, Série I, de 21/05/2010 (1). Após trânsito, emita os competentes mandados de detenção do arguido para cumprimento de pena. Remeta boletim ao Registo Criminal. Apreciemos. Nulidade insanável da decisão recorrida Sustenta o recorrente que o tribunal a quo não procedeu à sua audição presencial, como se estabelece no artigo 495º, nº 2, do CPP, o que integra a nulidade insanável prevista no artigo 119º, alínea c), do CPP e ocorreu também violação do disposto no artigo 56º, nº 1, do Código Penal, porquanto não foi notificado para se pronunciar sobre a possibilidade de revogação da suspensão da execução da pena. Conforme resulta do artigo 495º, do CPP, tendo havido conhecimento do incumprimento dos deveres, regras de conduta ou obrigações, impostos ao condenado na pena de substituição de suspensão da execução da pena, “o tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, bem como, sempre que necessário, ouvida a vítima, mesmo que não se tenha constituído assistente.” Ora, ao contrário do que parece pretender fazer crer o recorrente, o tribunal a quo procedeu à sua regular notificação para o fazer comparecer na diligência de audição a que se reporta o artigo 495º, nº 2, do CPP, com o escopo de esclarecer das razões do incumprimento do Plano de Reinserção Social que tinha sido elaborado, a que dera a sua concordância e se mostrava judicialmente homologado. Só que, não só não compareceu à diligência, pese embora estivesse devidamente notificado, como não justificou a falta e bem assim se ausentou para o estrangeiro, para parte incerta. E, posteriormente foram envidados todos os esforços necessários à audição presencial do condenado, tendo até sido emitido mandado de detenção para comparência à diligência na nova data designada, não se mostrando possível a sua presença unicamente porque não se apurou o respectivo paradeiro, o que inviabilizou a realização da mesma. Ou seja, a falta de audição pessoal ocorreu tão-só por força do seu comportamento, que a inviabilizou, pelo que não ocorreu violação do consagrado no artigo 495º, nº 2, do CPP, nem a nulidade assinalada. – neste sentido, vd. Acs. da Relação de Lisboa de 06/03/2013, Proc. nº 876/06.8PLLSB-G.L1-3 e de 12/10/2022, Proc. nº 1677/18.6PFLSB-D.L1; Acs. da Relação do Porto de 09/03/2016, Proc. nº 25/06.2SFPRT-A.P1 e 29/03/2017, Proc. nº 9/09.9GAMCN.P2; Ac. da Relação de Coimbra de 10/02/2021, Proc. nº 837/17.1PAMGR-A.C1 e Ac. da Relação de Évora de 12/07/2012, Proc. nº 691/09.7GFSTB.E1, todos disponíveis em www.dgsi.pt. Por outro lado, foi a defensora do condenado (e este só não o foi por se encontrar, há vários anos, com paradeiro desconhecido no estrangeiro) notificada da posição assumida pelo Ministério Público quanto à revogação da suspensão da execução da pena – incluindo na parte que concerne ao incumprimento do Plano de Reinserção Social - mostrando-se, assim, cumprido o contraditório imposto pelo artigo 495º, nº 2, do CPP, não se verificando, também nesta perspectiva, tenha sido preterido direito de defesa ou ocorrido obliteração do princípio do contraditório, consagrados no artigo 32º, nºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, nem a invocada nulidade prevista na alínea c), do artigo 119º, do CPP. Assim, improcede o recurso neste segmento. Não verificação dos requisitos de revogação da suspensão da execução da pena Insurge-se o recorrente contra o despacho que revogou a suspensão da execução da pena em que tinha sido condenado. Estabelece-se no artigo 56º, do Código Penal, que: “1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”. E, conforme se consagra no artigo 50º, desse Código, um dos pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão é a circunstância de a simples censura do facto e a ameaça da pena realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Estas finalidades constam do artigo 40º, nº 1, do Código Penal, sendo que “a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, mas vero é que a finalidade político-criminal primordial (ainda que não única, como acaba de se ver) pretendida com este instituto é o afastamento do delinquente da prática de novos crimes. A norma do nº 1, do artigo 56º é límpida ao estabelecer a natureza não automática da revogação da suspensão da pena, prevendo-se na sua alínea a) a situação em que o condenado infringe “grosseira ou repetidamente” os deveres ou regras de conduta impostas, sendo essencial para que a revogação se imponha que o juízo de prognose favorável que esteve na origem da suspensão se venha a revelar, afinal, obliterado. Ora, o recorrente foi condenado na pena de 3 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 2, alínea e), do Código Penal, resultando dos autos que não cumpriu o Plano de Reinserção Social, de que foi devidamente notificado e a que estava obrigado, onde consta, entre o mais, dever sujeitar-se à tutela da DGRSP e comparecer às entrevistas marcadas, sendo que, nem sequer justificou a sua omissão, ausentando-se para o estrangeiro, onde permanece há vários anos, sem previamente comunicar e mesmo sem subsequentemente indicar o seu paradeiro. Assim, é manifesto que estamos perante um incumprimento grosseiro, isto é, com culpa grave, do Plano de Reinserção Social, que não merece ser tolerado. Pelos fundamentos apontados, que reflectem a profunda indiferença do recorrente perante a reacção penal aplicada, não se pode deixar de concluir que, assim actuando, inviabilizou a satisfação das finalidades que estavam na base da mesma, inexistindo qualquer esperança fundamentada quanto a um futuro comportamento de acordo com as normas. Aliás, importa que não se confunda a ressocialização em liberdade com a impunidade e é precisamente este sentimento de impunidade que pode passar para o condenado que não sofre qualquer consequência por não cumprir os deveres inerentes à suspensão da execução da pena. Sustenta ainda o recorrente que deveria o tribunal a quo ter optado pela não revogação da suspensão da execução da pena e aplicação do estabelecido no artigo 55º, do Código Penal. Nos termos do estabelecido neste normativo, quando no decurso do período de suspensão, o condenado, com culpa, deixa de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta, ou não corresponde ao plano de reinserção, pode o tribunal aplicar uma das medidas previstas. Pois bem. Do mencionado reiterado (durante anos, repisemos) comportamento omissivo do condenado que, como é claríssimo, pura e simplesmente decidiu não cumprir o Plano, resulta não ficarem asseguradas as finalidades preventivas com a aplicação de qualquer das aludidas providências, que não constituem, manifestamente, medidas adequadas a dissuadi-lo de praticar outros ilícitos. Não merece, pois, censura a decisão recorrida de revogação, impondo-se o cumprimento efectivo da pena de prisão. Pelo exposto, cumpre negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida. III - DISPOSITIVO Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e confirmar a decisão recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC. Évora, 21 de Novembro de 2023 (Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário) _______________________________________ (Artur Vargues) _______________________________________ (Margarida Bacelar) _______________________________________ (Jorge Antunes) ............................................................................................................. 1 Cfr. ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/07/2017, do processo n.º 303/13.4GASPS-A.S2, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/07/2014, do processo n.º 985/11.1PRPRT-A.S1, e Acórdão da Relação de Lisboa de 08/11/2016, do processo nº 561/05.8PBSXL-A.L1-5. |