Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
184/22.7GTABF.E1
Relator: ANABELA SIMÕES CARDOSO
Descritores: PENA ACESSÓRIA
INIBIÇÃO DE CONDUZIR
FUNÇÃO PREVENTIVA
ATIVIDADE PROFISSIONAL
Data do Acordão: 05/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: As penas acessórias desempenham uma função preventiva adjuvante da pena principal, com sentido e conteúdo não apenas de intimidação da generalidade, mas, também, de defesa contra a perigosidade individual – neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26 de Maio de 2015 (Processo n.º 915/14.9SGLSB.L1-5, disponível em www.dgsi.pt).
Porque se trata de uma pena, ainda que acessória, deve o julgador, na sua graduação atender, também ao estabelecido no artigo 71.º do Código Penal, tendo presente que a sua finalidade (ao contrário da pena principal que visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente) assenta na censura da perigosidade e na necessidade de incutir no espírito do condutor que, após ingerir bebidas alcoólicas, não pode conduzir.

O facto de o arguido/recorrente necessitar da carta de condução para a sua actividade profissional, de onde retira os rendimentos económicos para o seu sustento doméstico, não revela uma menor premência de aplicação da pena acessória de inibição de conduzir, porquanto não serviu para dissuadir o mesmo de conduzir, no estado de embriaguez em que se encontrava; pelo contrário, reforça a necessidade de fazer sentir ao arguido / recorrente que a sua conduta não fica impune e que não pode beber bebidas alcoólicas antes de conduzir.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
1. No Processo Abreviado nº 184/22.7GTABF, do Juízo Local Criminal de …, Juiz …, do Tribunal Judicial da Comarca de …, foi julgado o arguido, AA, pela prática, em autoria material, sob a sua forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal.

Realizado o julgado, foi proferida decisão, nos termos da qual se fez constar no respectivo dispositivo final:

“Pelo exposto, o Tribunal decide condenar o Arguido AA, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º nº 1 do Código Penal:

A) na pena principal de 60 (sessenta) dias de multa à razão diária de € 12 (doze) euros; e

B) na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 3 (três) meses e 15 (quinze) dias.

Mais se condena o Arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal, que será ainda reduzida a metade por força da confissão.

Deposite e após trânsito, remeta boletim ao registo criminal e comunique a sentença às entidades administrativas.”

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2. Não se conformando com o teor de tal decisão, dela recorreu o arguido, extraindo da motivação de recurso as seguintes conclusões:

“A douta sentença “a quo”, não fez uma correcta aplicação do direito vigente, designadamente no que segue:

1- O M.º Juiz “a quo”, começou por determinar a pena principal a aplicar e na qual o arguido não apresenta qualquer oposição.

2-parece que a meritíssima Juiz a quo não fez uma correcta apreciação dos critérios exigidos pelo artigo 71.º do C. P., para a determinação da medida da pena de multa aplicada. Pois tendo em consideração que:

a) o arguido não tem antecedentes criminais,

b) que se encontra bem inserido social, familiarmente e,

c) faz da condução a sua profissão e por isso ao ficar sem poder conduzir compromete a sua actividade profissional e bem assim a subsistência da sua família e a sua.

3- Assim, se por um lado para a determinação da medida da pena deverá ter-se em conta todos os factos anteriormente expostos, por outro lado, nos termos do artigo 71.º do Código Penal «a determinação da medida da pena dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção».

4- No tocante á determinação da medida da pena de multa, e da pena acessória de inibição fixada salvo melhor opinião, afigura-se como demasiado severa e excessiva,

5-mostrando-se suficientes e adequadas ás finalidades da punição, a aplicação ao arguido no que respeita á multa fixada próxima dos limites mínimos ou seja nunca superior a 50 dias de multa e da pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 3 meses, e isto atendendo a toda uma panóplia de factos invocados anteriormente e que em muito relevam para que ao ora recorrente lhe seja aplicada uma pena fixada nos seus limites mínimos,

6- A ameaça com as sanções ao mesmo aplicadas, por si só, bastará para que o ora recorrente conduza o seu comportamento futuro longe da criminalidade, e assegurando as finalidades da punição.

7- Deste modo foi violado, o artigo 71.º do C. P., no que diz respeito à ponderação dos critérios para determinação da medida da pena de multa aplicada.

8- De acordo com os referidos critérios do artigo 71.º C. P. temos por conveniente e adequado a condenação do ora recorrente, numa pena de multa fixada num prazo nunca superior a 50 dias.

9 – Assim, entende-se que o Tribunal “a quo”, na aplicação da medida concreta da pena aplicada ao arguido, violou as disposições dos art.º 2º, 40º, 69º, 71º e 77.º do C. Penal

Termos em que, nos mais de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Ex.ª, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, ser aplicada ao arguido uma pena de multa nunca superior a 50 dias, e de uma pena acessória de inibição de conduzir não superior a 3 meses”

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3. O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos autos e com efeito suspensivo, tendo ao mesmo respondido a Digna Magistrada do Ministério Público, junto do tribunal recorrido, pugnando no sentido de ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se inalterada a decisão recorrida.

Extraiu as seguintes conclusões:

“1– AA interpôs recurso da sentença que o condenou, pela prática, em autoria material, de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a), ambos do Cód. Penal, na pena de 60 dias de multa (à razão diária de € 12,00) e na pena acessória de proibição de conduzir veículo com motor pelo período de 3 meses e 15 dias;

2- Veio o arguido recorrer da sentença condenatória, por considerar as penas em que foi condenado excessivas, pedindo a sua revogação e substituição por pena de multa não superior a 50 dias e pena acessória no mínimo legal de 3 meses;

3- A determinação da medida concreta da pena faz-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido – cfr. art. 71º, nº 1 do Cód. Penal. São considerações de prevenção especial – de ressocialização e integração do agente -, que dentro daqueles limites e, num último momento, acabam por determinar a pena concreta a aplicar;

4- No caso em apreço são elevadas as exigências de prevenção geral, na medida em que a conduta do arguido é merecedora de um intenso juízo de censurabilidade, atenta a multiplicidade de bens jurídicos protegidos com a norma incriminadora e a frequência do crime em apreço. Por outro lado, as exigências de prevenção especial não são tão prementes, mas foi considerado em sede de sentença;

5- A sentença recorrida atentou em todas as circunstâncias que depõem a favor e contra o arguido.

6- O bem jurídico protegido é a segurança da circulação rodoviária, a segurança no tráfego, do trânsito de pessoas e veículos, por forma a evitar riscos e lesões para a vida, a integridade física e bens patrimoniais, tutelando-se, por conseguinte um interesse público consubstanciado na segurança dos utentes da via pública acautelando que os principais agentes do tráfego rodoviário, os condutores, dirijam as suas viaturas em condições psicomotoras normais, tratando-se de um crime de perigo abstracto;

7- A determinação da medida das penas é efectuada de acordo com critérios gerais plasmados nos arts. 40.º e 71.º do Cód. Penal, sendo que a pena acessória também ela é uma verdadeira pena, com a diferença de que a finalidade a atingir, neste caso, é mais restrita, porquanto visa sobretudo prevenir a perigosidade do agente, não obstante também ter um efeito de prevenção geral, o que foi respeitado;

8- É premente uma urgente e clara sensibilização dos condutores para uma circulação rodoviária segura não só para os próprios como para os demais utentes da via, e uma das formas será de o conseguir será não só através da pena principal, mas também através da medida da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados a fixar aos autores de crimes de condução sob o efeito do álcool de forma a garantir uma maior eficácia preventiva e dissuasora, sempre dentro do limite da culpa;

9- O grau de ilicitude e perigosidade do agente revelam-se acima de tudo na taxa de alcoolemia de que o arguido é portador, 1,38 g/l, o dolo é directo, tal como as elevadas necessidades prementes de prevenção geral e, ainda que menos intensas, as de prevenção especial;

10 - Atentas as finalidades da punição, a par das circunstâncias supra descritas, salvo o devido respeito, não poderia o Tribunal a quo ter fixado pena inferior aos 60 dias de multa;

11 - A circunstância de a conduta do arguido ter atentado contra um bem que, em face dos elevados índices de sinistralidade que marcam as nossas estradas, se revela cada vez mais importante do ponto de vista social (segurança rodoviária), o que eleva a medida de pena imposta pelas exigências de prevenção geral, ditadas pela necessidade de estabilização contra-fáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida e o efeito dissuasor, a par das necessidades de prevenção especial que no caso se fazem sentir em concreto;

12 - Atendendo a estes critérios e ainda que tendo em consideração como referiu o Mmo. Juiz a quo que a pena acessória causa um maior trastorno na vida das pessoas, nomeadamente pessoal e profissional, mas por factos que só àquele são imputáveis, as finalidades da pena assim o impõe, para protecção de um bem jurídico valioso - a segurança rodoviária- que encerra em si próprio diversos outros bens jurídicos, como o direito à vida e à integridade física e até à propriedade privada, a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 3 meses e 15 dias, ainda muito próxima do limite mínimo legal da respectiva moldura, que se fixa entre 3 meses a 3 anos, não poderia ser inferior;

13 – Não violou o Tribunal a quo qualquer dos critérios legais para fixação das penas em que o recorrente foi condenado;

14 - Termos em que deve o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente, com a consequente manutenção da sentença recorrida.”

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4. Subidos os autos a este tribunal, nele a Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer, nos termos do qual considerou, para além do mais, que: ”Ponderando os termos da decisão recorrida, à luz da motivação de recurso e da resposta que bem fundamentadamente apresenta dos respetivos argumentos o Ministério Público na primeira instância, com a qual manifestamos a nossa concordância, formulamos o parecer de que não deve o recurso obter provimento”.

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5. Cumpridos os vistos, realizou-se a competente conferência.

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6. O objecto do recurso versa a apreciação das seguintes questões:

- Medida da pena de multa aplicada;

- Medida da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor.

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7. A sentença recorrida, no que diz respeito aos factos provados, sumariamente ditados para a acta, é do seguinte teor:

No dia 17 de Junho de 2022, pelas 22 horas e 53 minutos, SAA conduziu um automóvel ligeiro de passageiros, na Rotunda …, em …, depois de ter ingerido bebidas alcoólicas.

Conduziu com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,38 gramas por litro.

O arguido sabia que tinha ingerido bebidas com teor de álcool, previu, por isso, poder vir a apresentar taxa de álcool igual ou superior a 1,20 gramas por litro, possibilidade com que se conformou.

Sabia que não podia conduzir o automóvel naquelas condições e via.

Ainda assim, decidiu fazê-lo, no que atuou de forma livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

Mais se deu como provado que:

O arguido não regista antecedentes criminais.

Confessou integralmente os factos por que vinha acusado.

É camionista e aufere, mensalmente, em média, 2.000,00€.

É casado e a esposa aufere o salário mínimo nacional.

Vive com a esposa e dois filhos de 16 e 6 anos de idade, respetivamente.

Para a aquisição de casa própria, paga, mensalmente, cerca de 680,00€, de empréstimo bancário.

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8. Apreciando:

Da medida da pena de multa e da pena acessória aplicadas:

Condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1 do Código Penal, o arguido não contesta a prática do crime ou a natureza da pena de multa que lhe foi aplicada, mas tão somente a medida da pena de multa e da pena acessória aplicadas.

Para o efeito, sustenta o recorrente que a medida da pena de multa que lhe foi aplicada não é adequada, por excessiva, em violação dos critérios de determinação da medida da pena, estabelecidos pelo artigo 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal, pugnando pela sua fixação em medida não superior a 50 dias, tendo em consideração que não tem antecedentes criminais, se encontra bem inserido social e familiarmente e que faz da condução a sua profissão, pelo que, ao ficar sem conduzir, se mostra comprometida a sua actividade profissional e, bem assim, a subsistência da sua família e a sua.

Requer, ainda, o recorrente a redução, ao mínimo legal, de 3 meses, da pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados, em razão dos constrangimentos que tal implica para o exercício da sua actividade profissional.

Apreciando:

Nos presentes autos, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.° n.° 1 do Código Penal, na pena de 60 dias de multa, à razão diária € 12,00, e na pena acessória de proibição de conduzir de veículos motorizados, pelo período de 3 meses e 15 dias, nos termos do artigo 69°, número 1 alínea a) do Código Penal.

O crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º, 1 do C.P, protege a circulação rodoviária, quer o agente ponha ou não em perigo a vida e segurança de bens pessoais e patrimoniais, tratando-se, por isso, de um crime de perigo abstracto e de mera actividade.

No que concerne à medida concreta da pena a aplicar, como é sabido, a sua determinação faz-se em função da culpa do agente e entrando em linha de conta com as exigências de prevenção de futuros crimes.

Tal como refere Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português”, 1993, p. 227 e ss, a culpa é um referencial que o julgador nunca pode ultrapassar. Até ao máximo consentido pela culpa, é a medida exigida pela tutela dos bens jurídicos que vai determinar a medida da pena, criando-se uma moldura de prevenção geral, cujo limite máximo é a protecção máxima pensada para os bens jurídicos da comunidade e cujo limite é aquele abaixo do qual já não há protecção suficiente dos bens jurídicos. Dentro desses limites intervêm, para a concretização, a prevenção geral e a ideia de ressocialização.

As exigências de prevenção geral dizem respeito à confiança da comunidade na ordem jurídica vigente que fica sempre abalada com o cometimento dos crimes e têm a ver com a protecção dos bens jurídicos, com o sentimento de segurança e a contenção da criminalidade, em resumo, visam a defesa da sociedade.

Por sua vez, as exigências de prevenção especial, que se prendem com a capacidade do arguido se deixarem influenciar pela pena que lhe é imposta, estão ligadas à reintegração do agente na sociedade.

Observados os autos, entendemos que não assiste qualquer razão ao arguido recorrente, quando pretende a redução da medida da pena de multa que lhe foi aplicada, pois a decisão recorrida aplicou os princípios e critérios de determinação da medida concreta da pena, com a devida ponderação das circunstâncias atendíveis referidas no art. 71º do Código Penal.

De facto, no caso, contra o arguido, importa considerar a ilicitude, reputada ao nível médio, traduzida na sua insensibilidade à conduta devida, a taxa de alcoolemia, que não é significativa, mas, também, não é próxima dos limites mínimos, bem como a forte intensidade do dolo, porque directo, tendo, por outro lado, e, como bem se refere na decisão recorrida, sido ponderado a seu favor: a confissão integral e sem reservas [salientando-se, no caso, a sua pouca relevância, já que o arguido foi detido em flagrante delito e a admissão dos factos pouco ou nada adiantou ao apuramento dos mesmos], o facto de não ter antecedentes criminais, assim como a sua integração social, familiar e profissional, mas que, também, não foi impeditiva da prática do crime, como resulta da existência deste processo.

Na sentença recorrida foram, ainda, salientadas as elevadas exigências de prevenção deste tipo de infracção [condução de veículo em estado de embriaguez], sobretudo de prevenção geral, pela ligeireza com que é praticado e as suas consequências ao nível da sinistralidade rodoviária.

Face aos elevados índices de sinistralidade, verificados nas nossas estradas, provocada, em grande parte, pela condução sob a influência do álcool, impõe-se, como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra, de 3 de Julho de 1997, in C. J., Ano XII, t. 3, pág. 57 que "as sanções aplicáveis se decretem com certa severidade, pois só assim poderão apresentar-se como dissuasoras do comportamento (...) dos condutores que bebem em excesso e que em tal estado de embriaguez se atrevem, ou se sentem impelidos para conduzir”.

Assim, observamos que foram ponderados todos os elementos legalmente previstos para a determinação concreta da pena, quer a nível de exigências de prevenção geral, quer de prevenção especial, designadamente os invocados pelo recorrente, considerando-se, por isso, adequada e justa, ao caso, a graduação da pena concreta de 60 dias de multa, fixada pelo tribunal da 1ª instância, ou seja, abaixo do ponto médio entre os limites abstratos, não havendo qualquer fundamento válido para a sua redução, quer no número de dias de multa, quer no quantitativo diário inferior.

O quantitativo diário da multa fixado (12,00 euros), entre os limites 5 e 500 euros, igualmente não merece qualquer censura, não só por se situar praticamente no limite mínimo, sendo, também, certo que, como é sabido, a função da pena de multa justifica que o seu quantitativo diário transmita a noção de censura social do comportamento do delinquente, sendo, ainda, certo que a lei não deixou de prever, em função das reais dificuldades do condenado, mecanismos de flexibilização do pagamento da multa (cf. art. 47º nº 3 do CP).

Face ao exposto, resulta evidente que nenhuma disposição legal foi preterida ou violada com a sentença proferida, que o arguido ora põe em crise, considerando-se que a mesma ponderou de forma cuidada e rigorosa todos os elementos e factos constantes nos autos, procedendo a uma apreciação de todas as circunstâncias que militam a favor e contra o recorrente e determinando, em rigoroso e estrito cumprimento das normas legais e constantes dos artigos 40.º, 70.º, 71.º e 77º, todos do Código Penal, a medida concreta da pena a aplicar.

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O inconformismo do arguido recorrente estende-se, igualmente, à medida da pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados, que lhe foi aplicada, e que o mesmo considera desproporcionada e que poderá prejudicar a sua situação profissional, pelo que deverá se proceder à sua redução para o mínimo legal.

Apreciando:

No que concerne à medida da pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor, que foi aplicada ao arguido, e tal como refere Figueiredo Dias, Direito Penal Português, “As Consequências Jurídicas do Crime”, pág.165, a graduação da medida concreta da pena acessória obedece aos mesmos critérios da pena principal e dela se espera que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor leviano ou imprudente.

Com efeito, as penas acessórias desempenham uma função preventiva adjuvante da pena principal, com sentido e conteúdo não apenas de intimidação da generalidade, mas, também, de defesa contra a perigosidade individual – neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26 de Maio de 2015 (Processo n.º 915/14.9SGLSB.L1-5, disponível em www.dgsi.pt).

Porque se trata de uma pena, ainda que acessória, deve o julgador, na sua graduação atender, também ao estabelecido no artigo 71.º do Código Penal, tendo presente que a sua finalidade (ao contrário da pena principal que visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente) assenta na censura da perigosidade e na necessidade de incutir no espírito do condutor que, após ingerir bebidas alcoólicas, não pode conduzir.

Podemos, assim, e desde já, afirmar que, e contrariamente ao entendimento do recorrente, a sentença recorrida ponderou, de forma rigorosa, todas as circunstâncias factuais e pessoais, incluindo as enumeradas pelo arguido, procedendo à determinação da medida concreta da pena acessória, em estrito cumprimento do estabelecido nos artigos 69º, 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal, não deixando de ter em vista as exigências subjacentes à aplicação da pena e as finalidades visadas pelo legislador ao estabelecer a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, quando em causa se encontra a prática de determinado tipo de ilícitos, ao considerar as elevadíssimas exigências de prevenção geral, atenta a frequência com que ilícitos, como o de condução de veículos em estado de embriaguez, ocorrem.

O recorrente fundamenta, também, o seu inconformismo em não ter o tribunal a quo atendido ao facto de necessitar de utilizar o automóvel como instrumento de trabalho, já que exerce a profissão de camionista.

Como bem se menciona na decisão recorrida, a pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis causa um maior transtorno na vida das pessoas, e tem consequências que, frequentemente, a pena de multa não causa, nomeadamente por aquela acarretar reflexos negativos importantes na autonomia pessoal e profissional, mas por factos que só àquelas são imputáveis, termos em que a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 3 meses e 15 dias, ainda muito próxima do limite mínimo legal da respectiva moldura [que se fixa entre 3 meses a 3 anos], não poderia ser inferior.

A chamada à colação, por parte do recorrente, da actividade profissional, que exerce, e a necessidade de utilizar o automóvel, como instrumento de trabalho, não pode ter acolhimento, pois, e desde logo, essa mesma razão deveria ter sido motivo determinante para o mesmo se abster de conduzir embriagado, já que não podia deixar de saber que, com essa conduta, colocava em risco o exercício dessa actividade, assim como a sua própria estabilidade profissional e económica.

Por outro lado, tal argumento, também, não constitui critério legalmente previsto para a determinação da medida da sanção acessória.

O arguido não podia deixar de ter consciência da importância que a carta de condução tinha para si, como instrumento de trabalho, quando tomou a decisão de exercer a condução de um veículo com uma TAS de, pelo menos, 1,38 g/l.

E, tendo tomado essa decisão, não poderá deixar de ser por ela responsabilizado, dentro dos critérios de legalidade estabelecidos, não se podendo deixar de ter em consideração a finalidade da aplicação da pena acessória de inibição de conduzir, que visa única e exclusivamente a consciencialização do arguido, para que paute, futuramente, as suas condutas de acordo com a lei.

O facto de o arguido/recorrente necessitar da carta de condução para a sua actividade profissional, de onde retira os rendimentos económicos para o seu sustento doméstico, não revela uma menor premência de aplicação da pena acessória de inibição de conduzir, porquanto não serviu para dissuadir o mesmo de conduzir, no estado de embriaguez em que se encontrava; pelo contrário, reforça a necessidade de fazer sentir ao arguido / recorrente que a sua conduta não fica impune e que não pode beber bebidas alcoólicas antes de conduzir.

Resulta, pois, óbvio, que ‘o condutor que necessita de carta de condução para exercer a sua profissão, tem que ter uma maior consciência da perigosidade que é conduzir sob os efeitos de álcool’ (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29 de Maio de 2013, Processo n.º 65/13.5GAILH.C1).

De resto, saliente-se que o Tribunal Constitucional, já, várias vezes, se pronunciou sobre esta matéria, evidenciando-se, aqui, depois da revisão do Código Penal, operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, o Acórdão n.º 149/01 - que não julgou inconstitucional a norma que, no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do referido Código, passou a cominar com pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados o «crime cometido no exercício daquela condução com grave violação das regras de trânsito rodoviário» - bem como nos Acórdãos n.º 79/09, 363/10, 53/11, que não julgaram inconstitucional a norma que, em consequência das alterações levadas cabo pela Lei n.º 77/2001, passou a prever, nos mesmos artigo, número e alínea, a referida pena acessória para a prática de «crimes previstos nos artigos 291.º ou 292.º» (respetivamente condução perigosa de veículo rodoviário e condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas); cf. igualmente o Ac. n.º 440/2002, de 23 de Outubro, publicado no D.R., II Série, de 29 de Novembro – que se pronunciou sobre a sanção inibitória de conduzir, no sentido de não violar o princípio constitucional do direito ao trabalho: «Mas, ainda que fosse demostrada aquela factualidade (ou seja, que o recorrente inelutavelmente necessitava de conduzir veículos automóveis para o exercício da sua profissão), adianta-se desde já que a objetiva «constrição» que porventura resultaria da aplicação da medida sancionatória em causa se apresenta, de um ponto de vista constitucional, como justificada. Efetivamente, uma tal justificação resulta das circunstâncias de a sanção de inibição temporária da faculdade de conduzir se apresentar como um meio de salvaguarda de outros interesses constitucionalmente protegidos, nomeadamente, quer, por um lado, na perspetiva do arguido recorrente a quem é imposta e destinada a pena aplicada, quer, por outro lado, na perspetiva da sociedade – a quem, reflexamente, se dirige também aquela medida, - na medida em que se visa proteger essa sociedade e, simultaneamente, compensá-la do risco a que os seus membros foram sujeitos com a prática de uma condução sob o efeito do álcool.»

E, como se faz notar no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17 de Janeiro de 2013 (Processo n.º 593/12.0PEAMD.L1-9, disponível em www.dgsi.pt): “a opção do legislador plasma uma inequívoca direcção político-criminal que reconhece que as finalidades da punição, atenta a reconhecida pouca eficácia da pena de multa, se conseguem, neste tipo de delito rodoviário, essencialmente, através da aplicação da pena acessória de proibição de condução, sendo essa a parte que invariavelmente mais toca no âmago do prevaricador’.

É precisamente essa a finalidade da pena acessória, a de incutir no espírito do condutor que, após ingerir bebidas alcoólicas, não pode conduzir.

Se ao arguido se viesse a aplicar uma pena acessória pelo mínimo legal, de 3 meses, como o mesmo pretende, quanto seria de aplicar a um indivíduo que fosse detectado a exercer a condução com uma TAS de 1,21g/l?

Temos, pois, que a aplicação da pena acessória, nos termos pretendidos e requeridos pelo arguido, mais não constituiria do que uma verdadeira e flagrante violação das regras previstas nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal.

Assim, não sendo a determinação da pena acessória automática, mas aplicável a ilícitos criminais, como o em causa nos autos, certo é que na sua escolha se deverá atender a todas as circunstâncias a favor e contra o arguido, como se fez na sentença proferida, e, nomeadamente, à TAS que o arguido apresentava, que não é muito significativa, mas que, também, não está perto dos limites mínimos.

Importa considerar, ainda, as elevadas exigências de prevenção deste tipo de infracção, sobretudo de prevenção geral, face aos elevados índices de sinistralidade verificados nas nossas estradas, provocada, em grande parte, pela condução sob a influência do álcool, impondo que “as sanções aplicáveis se decretem com certa severidade, pois só assim poderão apresentar-se como dissuasoras do comportamento (...) dos condutores que bebem em excesso e que em tal estado de embriaguez, se atrevem ou se sentem impelidos para conduzir” (cf., neste sentido, o Ac. do T.R.C. de 3 de Julho de 1997, in C. J., Ano XII, t. 3, pág. 57).

Em suma, a pretensão do recorrente de ver a medida da pena acessória fixada no seu limite mínimo, por necessitar de conduzir veículo automóvel, por exigências da sua vida profissional, não pode, pois, proceder, considerando que a prática do crime aqui em apreço, pelos motivos já expostos, revela a total indiferença do mesmo relativamente à proibição legal, assim como quanto às consequências do crime, não constituindo as suas exigências ou necessidades profissionais e pessoais motivação bastante para o impedir de perpetrar o facto censurado, o que, por isso mesmo, eleva obviamente as exigências cautelares acima do mínimo legal.

Donde, o somatório das finalidades preventivas e punitivas parece ter contraponto adequado na concreta pena acessória fixada.

Tudo ponderado, afigura-se-nos ajustado que o arguido deva ficar proibido de conduzir veículos motorizados pelo período fixado de três meses e quinze dias, muito pouco acima do mínimo legal de três meses e bem afastado do seu limite máximo (3 anos), que, de forma alguma pode ser qualificado de exagerado, revelando, antes, adequada ponderação, pelo facto de necessitar da condução para exercer a sua atividade profissional.

Face ao exposto, resulta evidente que nenhuma disposição legal foi preterida ou violada com a sentença proferida, que o arguido ora põe em crise, considerando-se que a mesma ponderou, de forma cuidada e rigorosa, todos os elementos e factos constantes nos autos, procedendo a uma apreciação de todas as circunstâncias que militam a favor e contra o arguido e determinando, em rigoroso e estrito cumprimento das normas legais e constantes dos artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal, a medida da pena principal e acessória a aplicar.

O recurso será, assim, face aos termos sobreditos, julgado improcedente.

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- Decisão:

Em conformidade com o exposto acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, confirmando-se a douta decisão recorrida.

Condena-se o recorrente em custas, fixando-se em 4 (quatro) UCS de taxa de justiça.

(Texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto)

Évora, aos 21 de Maio de 2024

Os Juízes Desembargadores

Anabela Simões Cardoso

Nuno Garcia

Jorge Antunes