Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | MÁRIO BRANCO COELHO | ||
Descritores: | AÇÃO DE RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PRESUNÇAO DE LABORALIDADE LOCAL DE TRABALHO INSTRUMENTOS DE TRABALHO | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 05/22/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA | ||
Área Temática: | SOCIAL | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | Sumário: 1. As presunções de laboralidade visam facilitar a prova da existência de um contrato de trabalho em situações de dúvida, bastando a demonstração de dois dos indícios constantes do art. 12.º n.º 1 do Código do Trabalho. 2. Para os fins da al. a) deste normativo, o que releva como elemento caracterizador é a relação entre o local de exercício da actividade e o respectivo beneficiário, retirando-se ao prestador de actividade a possibilidade de a exercer noutro local. 3. A existência de contrato de trabalho confirma-se pela efectiva integração do prestador na organização do beneficiário, através da sujeição a ordens e instruções, cumprimento de horários de trabalho impostos, integração numa equipa de trabalhadores coordenados por um superior hierárquico, e obrigação de prestar a sua actividade em local determinado e com instrumentos de trabalho disponibilizados pelo beneficiário da actividade. | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo do Trabalho de Tomar, a Digna Magistrada do Ministério Público intentou acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho contra FAMETAL – Fábrica Portuguesa de Estruturas Metálicas, S.A., pedindo o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre esta e AA, com início em 01.08.2021. Contestada a acção pela Ré, invocando a existência de um mero contrato de prestação de serviços, o prestador da actividade apresentou requerimento, dizendo não aderir à petição inicial, pois era do seu interesse continuar a prestar serviços como independente. Após julgamento, a sentença julgou a acção totalmente procedente. A Ré recorre e, nas suas conclusões, coloca as seguintes questões: - impugnação da decisão quanto aos factos provados em 4., 5., 6., 8., 9., 11., e o facto não provado da alínea (V); - aditamento de factos numerados como 8-A, 8-B, 8-C, 8-D e 16; - qualificação da relação contratual, que a Ré entende ser de mera prestação de serviços. A resposta sustenta a manutenção do decidido. Cumpre-nos decidir. Da impugnação da matéria de facto Ponderando que se encontram reunidos os pressupostos do art. 640.º n.º 1 do Código de Processo Civil para se conhecer da impugnação fáctica deduzida pela Recorrente, procedamos à respectiva análise. Consigna-se que se procedeu à audição da prova gravada. * Factos provados 4 e 11:Pretende a Ré que se dê como provado que o prestador AA apenas recebe “indicações” dos concretos materiais e peças que devem ser soldados/serralhados, e que não recebe quaisquer orientações ou ordens quanto ao meio, modo e forma de execução da soldagem. Para além da semântica de palavras que a Ré pretende estabelecer – “indicações” em vez de “orientações” – certo é que para esta não é indiferente o meio, o modo e a forma de execução da soldagem. Como o seu administrador CC declarou, a Ré fabrica produtos certificados, que devem ser fabricados com os seus instrumentos e os seus métodos de trabalho, sob pena de não os poder certificar. Daí que os seus produtos – pelo menos, os que são certificados – devam ser fabricados nas suas instalações, com as matérias-primas por si adquiridas, com as suas ferramentas e pelas suas equipas de trabalho, coordenadas entre si e utilizando os métodos de trabalho que a empresa implementa, e seguindo os seus projectos de engenharia. Note-se, ainda, que o AA não trabalha sozinho. Como revelou no seu depoimento, trabalha em equipa, e com ele trabalha um ajudante, trabalhador da Ré, que o auxilia nas suas tarefas, sempre coordenados pelo encarregado BB, que dá instruções sobre os trabalhos a realizar, distribui as tarefas e controla o trabalho realizado. Deste modo, a pretensão da Ré nesta parte não pode ser acolhida. * Facto provado 5:Pretende a Ré que se adite uma justificação ao uso pelo prestador dos equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à Ré: só eles estão certificados por entidades externas, sendo a sua utilização necessária à certificação de qualidade da empresa. Esta matéria não foi alegada nos articulados, nomeadamente da contestação, mas apesar disso a Ré pretende dela aproveitar-se. Porém, não cabe nos poderes de cognição da Relação aditar factos essenciais não alegados e integrantes da causa de pedir, ainda que possam resultar da prova produzida.[1] O atendimento de factos essenciais não articulados é um poder inquisitório que incumbe ao juiz da causa e que ele apenas pode exercitar no decurso da audiência de julgamento, por sugestão da parte interessada ou por iniciativa própria, em função dos elementos que resultem da instrução e discussão da causa e da sua pertinência para a decisão jurídica e com vista ao apuramento da verdade material e da justa composição do litígio. Por isso, a Relação não pode utilizar tais poderes, ampliando o elenco dos factos provados, como não pode ordenar à 1.ª instância que utilize tal faculdade.[2] Na verdade, os poderes da Relação estão delimitados pelo art. 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil, podendo alterar a decisão sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, o que significa que a decisão a alterar há-de respeitar a factos adquiridos – no sentido de provados / não provados ou alegados – e não a outros que sejam percepcionados no decurso da audição dos registos da prova. Deste modo, o facto que a Ré pretende introduzir, não tendo sido articulado nem objecto de consideração pela primeira instância, no uso dos poderes conferidos pelo art. 72.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, igualmente não pode ser conhecido por esta Relação, pelo que esta pretensão não será atendida. Mas diremos, ainda, que a justificação que a Ré pretende introduzir carecia de outra prova, que não foi estabelecida: que todas – repete-se, todas – as tarefas do AA são realizadas no fabrico de produtos certificados. Se tal estivesse provado – e ninguém confirmou que o AA apenas intervém no fabrico de produtos certificados – poderia ser dado o passo seguinte, ou seja, a justificação que a Ré pretendia estabelecer. Mas como nem essa prova foi realizada, também nesta parte a impugnação não é acolhida. * Factos provados 6 e 8, facto não provado da alínea (V), e aditamento do facto 8-A:Pretende a Ré que se dê como provado que o AA pode, de acordo com a sua disponibilidade pessoal, escolher as horas de início e de termo da prestação de serviço, desde que o faça dentro do horário de funcionamento da empresa (entre as 08h00 e as 17h00), e que apenas comunica à Ré, na pessoa do referido encarregado, as suas faltas ao trabalho para que aquela possa planear o trabalho, apesar de não ter qualquer obrigação de o fazer ou sequer de justificar as suas ausências. E ainda que o AA não tem obrigação de pontualidade ou assiduidade, dispondo de total liberdade de organização do seu tempo. Porém, não foi isso que relatou o próprio AA. Cumpre um horário das 08.00 às 17.00hs, de segunda a sexta, como todos os outros trabalhadores da fábrica, vai almoçar uma hora, ao mesmo tempo dos outros, trabalha em equipa e tem um ajudante, trabalhador da Ré, não pode trabalhar na fábrica fora do horário definido pela Ré e, quanto às faltas e férias, coordena com o BB, pois o trabalho é realizado em equipa e a falta de um tem consequências no desenvolvimento das tarefas de todos. Quanto às consequências da ocorrência de uma falta não informada ou não justificada, tal nunca sucedeu (nisso o AA e o BB foram unânimes), pelo que desconheciam qual o procedimento que a Ré tomaria em tal situação. De todo o modo, dada a precariedade do vínculo estabelecido, o próprio AA admitiu que tal poderia passar não apenas por deixar de receber, mas também por deixar de trabalhar na empresa, de forma sumária e sem qualquer procedimento. Enfim, a prova realizada não demonstra que o AA disponha de liberdade na escolha das horas de início e de termo do trabalho, ou sequer que não tenha de justificar as suas ausências, pelo que também nesta parte se desatende a impugnação deduzida pela Ré. * Facto provado 9:Pretende a Ré que se dê como provado que as quantias pagas ao AA são variáveis e mera contrapartida pela quantidade e peso de material soldado/serralhado. Aos autos está junta a declaração de remunerações do AA comunicada à Segurança Social, revelando a participação de remunerações como trabalhador independente em todos os meses entre Agosto de 2021 e Março de 2024 (data da acção inspectiva da ACT), e apenas algumas facturas-recibos emitidas através do Portal das Finanças, descrevendo a prestação de serviços à Ré em alguns meses do ano de 2022 (Março, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro) – apesar do AA ter revelado que prestou a sua actividade em todos os meses decorridos desde Agosto de 2021. Na factura relativa ao mês de Março de 2022, surge a seguinte descrição do serviço: “Serviços prestados de soldadura – mês de Março – 33.638kg”, e o valor-base facturado é de € 2.691,00, pelo que se pode concluir que o valor/quilo facturado corresponde a cerca de € 0,08 (33.638 x 0,08 = 2.691,04). Nos restantes meses, a descrição é diferente: “Soldadura certificada de estruturas metálicas pelo sistema de electro-arco (kg) – mês de (…) – Contrato n.º 11/2022”. A Ré não apresentou o referido contrato n.º 11/2022, mas admite nas suas alegações que do mesmo deriva a obrigação de “todos os meses (ser) feito um “auto” com a quantidade e peso de material soldado”, mesmo “nos meses em que nada seja soldado”, caso em que o AA “nada aufere”. As declarações do AA e do administrador da Ré são coincidentes quanto ao pagamento com periodicidade mensal – como, de resto, consta das facturas-recibo – mas variando de acordo com o peso e quantidade do material soldado/serralhado, pelo que importa alterar o intróito deste ponto, de modo a reflectir essa realidade. Assim, concedendo parcial provimento a esta parte da impugnação, altera-se o intróito do ponto 9 para os seguintes termos: “Como contrapartida, recebe da Ré, com periodicidade mensal, uma quantia monetária variável calculada conforme a quantidade e peso de material soldado/serralhado, conforme facturas-recibo constantes de fls. 9 a 17 dos autos, nomeadamente: (…)”. * Aditamento de factos numerados como 8-B, 8-C, 8-D e 16:Pretende a Ré que se adite ao elenco de factos provados que o contrato com o AA estabelece o preço por quantidade e peso de material soldado com base no qual é calculada a contrapartida (8-B); que nos meses em que não é soldado qualquer material, não é efectuado qualquer pagamento (8-C); que o preço contratual é negociado livremente entre o AA e a Ré, com respeito pelas regras da livre concorrência e pelas leis da oferta e da procura (8-D); e que o AA tem seguro de acidentes de trabalho, por si contratualizado e pago (16). Quanto aos pontos 8-B e 8-C já foram analisados a propósito do ponto 9, e a factualidade relevante já ali foi descrita. Quanto ao ponto 8-D, não foi junto o contrato celebrado entre o AA e a Ré – as facturas-recibo identificam um contrato com o n.º 11/2022, que não foi apresentado – pelo que os exactos critérios de estabelecimento do preço não foram justificados nos autos. Quanto ao ponto 16, nos articulados nada se diz acerca de quem celebrou e paga o seguro de acidentes de trabalho, pelo que nesta parte se remete para o que já acima se expôs a propósito do art. 72.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho. Logo, nesta parte improcede a impugnação. * Em resumo, a impugnação procede apenas quanto ao intróito do ponto 9, nos termos supra expostos, improcedendo quanto ao demais.A matéria de facto provada fixa-se assim nos seguintes termos: 1. A Ré tem por objecto social a exploração e montagem de estruturas metálicas, oficinas de reparação de automóveis e motoretas, outros trabalhos de construção civil, aplicação de sistemas de compartimentação e de revestimentos contra incêndios, arrendamento de imóveis, sob o CAE principal de 25110-R3 e secundários de 68200-R3; 43992-R3 e 43320-R3; 2. A Ré desenvolve a sua actividade em estabelecimento/oficina próprio, sito na Av. 21 de Junho, n.º 123, em Caxarias; 3. AA presta a sua actividade de soldador/serralheiro, com carácter regular, no estabelecimento da Ré acima indicado, desde 1 de Agosto de 2021; 4. Para tanto recebe ordens e orientações directamente da Ré ou através do trabalhador desta, BB, que tem a categoria de Encarregado; 5. No exercício da sua actividade usa os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à Ré existentes na oficina, tais como aparelhos de soldadura, soldas e bancadas; 6. Inicia o seu trabalho, diariamente, na oficina da Ré pelas 8h, faz um intervalo de uma hora para almoço, após o que retoma o trabalho diário que termina às 17h, tal como os trabalhadores da Ré, correspondendo ao período de funcionamento da oficina; 7. Reporta as ocorrências que se verifiquem na execução do trabalho ao encarregado da Ré supra identificado; 8. Comunica igualmente à Ré, na pessoa do referido encarregado, as suas faltas ao trabalho para que aquela possa planear o trabalho; 9. Como contrapartida, recebe da Ré, com periodicidade mensal, uma quantia monetária variável calculada conforme a quantidade e peso de material soldado/serralhado, conforme facturas-recibo constantes de fls. 9 a 17 dos autos, nomeadamente: - Serviços de Soldadura - factura recibo de 31/3/2022 (€ 2.681,00 – 309,47 retido a título de IRS) € 2.381,53; - Serviços de Soldadura - factura recibo de 2/6/2022 (€ 3.013,00 – 346,50 retido a título de IRS) € 2.666,50; - Serviços de Soldadura - factura recibo de 30 de Junho de 2022 (€2.242,50 – 257,89 retido a título de IRS) € 1.984,61; - Serviços de Soldadura - factura recibo de 1 de Agosto de 2022 (€2.725,50 – 313,43 retido a título de IRS) € 2.412,07; - Serviços de Soldadura - factura recibo de 31 de Agosto de 2022 (€1.679,00 – 193,09 retido a título de IRS) € 1.485,91; - Serviços de Soldadura - factura recibo de 30 de Setembro de 2022 (€2.587,50 – 297,56 retido a título de IRS) € 2 289,94; - Serviços de Soldadura - factura recibo de 2 de Novembro de 2022 (€2.403,50 – 276,40 retido a título de IRS) € 2.127,10; - Serviços de Soldadura - factura recibo de 30 de Novembro de 2022 (€2.771,50 – 318,72 retido a título de IRS) € 2.452,78; - Serviços de Soldadura - factura recibo de 3 de Janeiro de 2023 (€1.702,00 – 195,73 retido a título de IRS) €1.506,27; 10. AA comunicou à Segurança social as retribuições que auferiu, conforme extracto de remunerações junto a fls. 7 e 8 dos autos, que aqui se dão como reproduzidos, nomeadamente: - 2024/3, 30 dias, 1047,90 remuneração base; - 2024/2, 30 dias, 1047,90 remuneração base; - 2024/1, 30 dias, 1047,90 remuneração base; - 2023/12, 30 dias, 1.615,95 remuneração base; - 2023/11, 30 dias, 1.615,95 remuneração base; - 2023/10, 30 dias, 1.615,95 remuneração base; - 2023/09, 30 dias, 926,80 remuneração base; - 2023/08, 30 dias, 926,80 remuneração base; - 2023/07, 30 dias, 926,80 remuneração base; - 2023/06, 30 dias, 1.034,34 remuneração base; - 2023/05, 30 dias, 1.034,34 remuneração base; - 2023/04, 30 dias, 1.034,34 remuneração base; - 2023/03, 30 dias, 1.203,47 remuneração base; - 2023/02, 30 dias, 1.203,47 remuneração base; - 2023/01, 30 dias, 1203,47 remuneração base; - 2022/12, 30 dias, 1.223,60 remuneração base; - 2022/11, 30 dias, 1.223,60 remuneração base; - 2022/10, 30 dias, 1.223,60 remuneração base; - 2022/09, 30 dias, 1.360,45 remuneração base; - 2022/08, 30 dias, 1.269,77 remuneração base; - 2022/07, 30 dias, 1.360,45 remuneração base; - 2022/06, 30 dias, 1.185,36 remuneração base; - 2022/05, 30 dias, 1.185,36 remuneração base; - 2022/04, 30 dias, 1185,36 remuneração base; - 2022/03, 30 dias, 849,27 remuneração base; - 2022/02, 30 dias, 849,27 remuneração base; - 2022/01, 30 dias, 849,27 remuneração base; - 2021/12, 30 dias, 962,98 remuneração base; - 2021/11, 30 dias, 962,98 remuneração base; - 2021/10, 30 dias, 962,98 remuneração base; - 2021/09, 30 dias, 93,46 remuneração base; - 2021/08, 30 dias, 93,46 remuneração base; 11. AA executa as tarefas que lhe são determinadas pela Ré e pelo seu encarregado de modo em tudo igual ao dos demais trabalhadores vinculados à Ré por contrato de trabalho subordinado; 12. AA não pretende um vínculo laboral que o obrigue a uma permanente disponibilidade perante a Ré, querendo prestar serviços apenas quando quer e está disponível; 13. As peças trabalhadas por AA possuem elevado peso, chegando a atingir toneladas, requerendo gruas-ponte com alta capacidade de carga, para poderem ser movimentadas, que só existem nas instalações da Ré; 14. AA usa os seus próprios Equipamentos de Protecção Individual; 15. Verifica-se escassez deste tipo de mão-de-obra especializada (soldador/serralheiro), o que se traduz numa concorrência feroz na sua procura e numa componente remuneratória cada vez mais elevada, não só internamente como também externamente, nomeadamente no mercado europeu. APLICANDO O DIREITO Da existência de contrato de trabalho De acordo com o art. 12.º do Código do Trabalho de 2009 – na sua versão original, ainda em vigor à data em que se iniciou a relação – presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) a actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) o prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) o prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa. A primeira instância considerou demonstrada a ocorrência dos quatro primeiros indícios, por a actividade ser prestada em local determinado pela Ré, os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados serem por esta fornecidos, serem cumpridos horários de trabalho determinados por esta e a retribuição ser paga com periodicidade mensal (pagamento mensal e não à tarefa ou por obra), para retribuição do trabalho, “quantias que, independentemente da forma de cálculo (cfr. por tonelagem de metal transformado ou horas de serviço) não sendo certas, são, contudo, bastante aproximadas”. A Ré reconhece que os dois primeiros indícios ocorrem no caso dos autos, mas alega que deve ser afastada a presunção da existência de contrato de trabalho, pois, no seu entender, o prestador do serviço aufere um montante variável em função da quantidade e peso de material ou peças soldadas/serralhadas, tem total liberdade de organização do seu tempo e sem qualquer controlo de pontualidade e assiduidade, não está sujeito a poder disciplinar, e os instrumentos de trabalho são por si adquiridos, à excepção dos equipamentos que, por razões de certificação, têm de ser disponibilizados pela entidade beneficiária, sempre sem recebimento de quaisquer ordens ou orientações acerca do modo ou forma de execução do trabalho. Vejamos. Maria do Rosário Palma Ramalho[3] nota que «no caso das presunções de laboralidade, pretende-se, pois, facilitar a prova da existência de um contrato de trabalho em situações de dúvida. Assim, porque beneficia de tal presunção, o trabalhador tem apenas que alegar os indícios de subordinação jurídica que, no caso, considere relevantes, bem como a existência dos restantes elementos essenciais do contrato de trabalho (indicando que desenvolve uma actividade produtiva mediante uma retribuição); e, nos termos gerais do art. 350.º, n.º 2, do CC, compete ao empregador ilidir tal presunção, provando, em contrário, que os indícios alegados pelo trabalhador não evidenciam, no caso concreto, a subordinação e, assim, afastando a qualificação do vínculo como um contrato de trabalho. Em suma, a presunção de laboralidade facilita a posição do trabalhador no diferendo sobre a qualificação do seu contrato.» Deste modo, o Tribunal deverá proceder à avaliação do conjunto dos factos apurados, a fim de determinar se o prestador da actividade actuava com autonomia ou com efectiva subordinação jurídica à autoridade da beneficiária. Como já se decidiu Supremo Tribunal de Justiça[4], «os índices de qualificação mais significativos e utilizados são: (i) vontade real das partes quanto ao tipo contratual; (ii) objecto do contrato (prevalência da actividade ou do resultado; grau de (in)determinação da prestação; grau de disponibilidade do trabalhador e repartição do risco); (iii) momento organizatório da prestação (pessoalidade da prestação; exclusividade e grau de dependência económica; tipo de remuneração; local de trabalho e titularidade dos instrumentos de trabalho; tempo de trabalho e de férias; grau de inserção na estrutura organizativa da contraparte; (iv) indícios externos (regime fiscal e de segurança social; sindicalização).» No caso dos autos, o prestador da actividade foi inserido numa organização dirigida pela Ré, executando as ordens e instruções emanadas desta, e desempenhando a sua actividade no local por esta determinado, pelo que se verifica a presunção da al. a) do n.º 1 do art. 12.º. Ocorre igualmente a presunção da al. b) – equipamentos e instrumentos de trabalho fornecidos ou disponibilizados pela beneficiária da actividade. A circunstância dos equipamentos de protecção individual pertencerem ao prestador, não afasta o essencial: todos os instrumentos necessários à actividade pertencem à Ré, como as gruas-ponte com capacidade de carga para deslocar pesos de várias toneladas, os aparelhos de soldadura, as soldas e as bancadas. Ocorre igualmente a presunção da al. c), face ao cumprimento de horários determinados pela Ré – início do trabalho, diariamente, na oficina da Ré, às 08.00hs, intervalo de uma hora para almoço, e termo às 17.00hs, tal como os demais trabalhadores que ali exercem a sua actividade. Quanto à presunção da al. d), apenas está demonstrado o pagamento de uma quantia monetária com periodicidade mensal, calculada conforme a quantidade e peso de material soldado/serralhado, mas ignorando-se qual o exacto critério utilizado. Deste modo, não está demonstrado o pagamento de uma quantia certa, pelo que esta presunção não está demonstrada. Havendo a notar que basta a demonstração de dois dos indícios previstos no art. 12.º n.º 1 do Código do Trabalho, diremos, ainda, que os autos demonstram a efectiva integração do prestador na estrutura e organização da Ré, com subordinação jurídica a esta, e tanto basta para se considerar confirmada a presunção legal de existência de contrato de trabalho. Citando, mais uma vez, Maria do Rosário Palma Ramalho[5], «o elemento organizacional do contrato de trabalho (…) pretende realçar o facto de o trabalhador subordinado (contrariamente ao que sucede com outros prestadores de um serviço ou actividade laborativa) se integrar no seio da organização do credor da sua prestação, com uma especial intensidade. Desta integração resulta, em primeiro lugar, a vinculação do trabalhador a deveres que apenas se justificam por esta componente organizacional (assim, deveres de produtividade ou deveres diversos de colaboração com os colegas de trabalho, mas também a sujeição a horários, ao regulamento empresarial, a códigos de conduta ou a deveres disciplinares); é também esta componente organizacional que explica a influência quotidiana da organização do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores (evidenciada em múltiplos regimes laborais, que conformam os deveres dos trabalhadores em matéria de tempo e de local de trabalho, de alteração da prestação, de mudança do empregador ou de cessação do contrato por motivos de gestão); e é ainda a componente organizacional do vínculo laboral que explica o princípio da interdependência dos vínculos laborais da mesma organização (que se traduz em regras como a igualdade de tratamento entre os trabalhadores e em muitos aspectos da dinâmica colectiva dos contratos de trabalho).» No caso, para além do preenchimento de três presunções de laboralidade, a existência de contrato de trabalho confirma-se pela efectiva integração do prestador na organização da Ré e sob a sua autoridade, através da sujeição a ordens e instruções, o cumprimento de horários por esta estabelecidos, a integração numa equipa de trabalhadores coordenados por um superior hierárquico, e pela obrigação de prestar a actividade em local determinado e com instrumentos de trabalho disponibilizados pela beneficiária da actividade. Demonstrada, pois, a ocorrência de factos integradores da noção de contrato de trabalho estabelecida no art. 11.º do Código do Trabalho, correctamente decidiu a primeira instância, pelo que improcede o recurso. DECISÃO Destarte, nega-se provimento ao recurso, com confirmação da sentença recorrida. Custas pela Recorrente. Évora, 22 de Maio de 2025 Mário Branco Coelho (relator) Filipe Aveiro Marques Paula do Paço __________________________________________________ [1] Assim se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.04.2023 (Proc. 1205/19.6T8VCD.P1.S1), publicado em www.dgsi.pt. [2] Hermínia Oliveira e Susana Silveira no VI Colóquio sobre Direito do Trabalho, realizado no Supremo Tribunal de Justiça em 24.10.2014, in “Colóquios”, disponível em www.stj.pt. Na jurisprudência, vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15.09.2016 (Proc. 2/13.7TTBRG.G1.S1), da Relação de Évora de 28.09.2017 (Proc. 1415/16.8T8TMR.E1, subscrito pelo ora relator) e da Relação de Guimarães de 10.07.2019 (Proc. 3235/18.6T8VNF.G1), todos em www.dgsi.pt. [3] In “Delimitação do Contrato de Trabalho e Presunção de Laboralidade no Novo Código do Trabalho – Breves Notas”, publicado no e-book do CEJ “Trabalho Subordinado e Trabalho Autónomo: Presunção Legal e Método Indiciário”, 2.ª ed., Janeiro de 2016, pág. 63. [4] Acórdão de 21.05.2014 (Proc. 517/10.9TTLSB.L1.S1), disponível em www.dgsi.pt. [5] Loc. cit., pág. 70. |