Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | TOMÉ RAMIÃO | ||
| Descritores: | LIVRANÇA EM BRANCO AVALISTA INTERPELAÇÃO PRESCRIÇÃO | ||
| Data do Acordão: | 11/07/2019 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | 1. A LULL não exige a necessária interpelação do avalista de livrança subscrita em branco como condição prévia do seu preenchimento, nem como requisito da exigibilidade da dívida incorporada no título cambiário. 2. De acordo com o disposto no art.º 70º da LULL, aplicável às livranças, por força do disposto no artigo 77.º, todas as ações contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar da data do seu vencimento. 3. Considerando que a livrança dada à execução tem a data de vencimento de 01 de janeiro de 2009 e a execução foi instaurada em 19 de março de 2009, não se mostra decorrido o prazo prescricional referido se os embargantes/executados, demandados na qualidade de avalistas, foram citados para a execução em 07 de Fevereiro de 2018, por facto não imputável à exequente, tendo-se por interrompida a prescrição logo que decorreram os cinco dias nos termos do art.º 323.º/2 do C. Civil. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Évora I- Relatório. BB e CC vieram por apenso à Execução que contra eles e contra «DD, Lda», EE, FF e GG foi intentada por «Caixa de Crédito Agrícola Mútuo …, C. R. L.», deduzir os presentes embargos de executado, alegando, em suma: - A prescrição da livrança dada à execução ocorre para o aceitante nos três anos a contar do seu vencimento e de um ano a contar do seu vencimento para os endossantes, pelo que há que ajuizar se a proposição da ação executiva em 2009 foi realizada antes da ocorrência prescritiva da livrança e mesmo que tal tivesse acontecido essa propositura da ação apenas teria, no limite, os efeitos interruptivos devidos sem prejuízo de se considerar ainda a devida falta de citação ou qualquer conhecimento do processo durante 9 anos até à presente data de 2018 e semelhante intervalo de tempo de 2009 até 2018 de inação e execução sem qualquer tramitação processual apenas é imputável à exequente e dessa inação a si imputável não pode a exequente retirar vantagem sobre prazos prescritivos relativos à livrança ou aos executados, sendo que os executados deveriam ter sido citados após a proposição da ação e com a aprovação do Decreto-Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro e alterações seguintes e pela aplicação posterior do novo código de processo cível, a execução deveria ter sido extinta, sendo que a livrança em branco foi entregue como garantia no contrato de empréstimo e apenas poderia ser preenchida em boa-fé e sem violação do pacto de preenchimento sob determinados pressupostos que não se verificaram, nomeadamente o incumprimento definitivo do contrato - Daí concluir-se pela anulabilidade do preenchimento da livrança em branco enquadrável como “falta grave” nos termos do artigo 10º in fine da LULL ex vi artigo 77º do mesmo diploma. Notificada, contestou a embargada/exequente, alegando em suma, que a ação executiva para pagamento de quantia certa da qual os presentes embargos constituem apenso deu entrada em Juízo em 05 de Março de 2009 e a livrança que constitui o título executivo apresenta como data de vencimento 5 de Dezembro de 2008, concluindo pela improcedência dos embargos. Teve lugar a audiência prévia após o que foi prolatado o saneador sentença que julgou os embargos totalmente improcedentes e determinou o prosseguimento da execução. Desta sentença vieram os opoentes/executados interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: 1. A decisão não emite qualquer juízo sobre a falta de pressupostos processuais para a execução por impossibilidade de acesso a Plano extrajudicial, por mediador de crédito previsto no DL 144/2009 de 17 de Junho. 2. Considera-se desacertado o juízo de notificações realizadas por as notificações em causa não obedeceram à forma legal e estipulada de registo postal com Aviso de receção. 3. A menção de “não atendeu” (sem esquecer que nem existia Aviso de receção) -linha 8 do 1º parágrafo de folhas 17 da sentença, não sucede para concluir sobre a realização das aludidas notificações de incumprimento definitivo. 4. Considerando, como defende a recorrente, que as notificações anteriormente referidas não foram realizadas, não pode aceitar-se desde o início, o preenchimento das livranças e a existência de pressupostos para a instauração da presente execução. 5. A prescrição ocorre por obrigação legal nos termos do artigo 224º do CPC em realizar a citação na residência ou local de trabalho do executado. 6. O que não aconteceu até 2018 mas que como bem se vê acabou facilmente por se concretizar. 7. A segunda via, se havia incerteza do local onde os executados se encontravam desde 2008 então nos termos do artigo 240º do CPC e nº 2 do artigo 10º da Portaria 282/2013 de 29 de Agosto: “Frustrada a citação pessoal por carta registada com aviso de receção….o agente de execução procede à citação edital.”; 8. Ambos os diplomas são de aplicação imediata ao processo executivo pendente por força do nº 1 do artigo 6º da lei 41/2013 de 26 de Junho – aprovação do código e artigo 62º da Portaria 282/2013 de 29 de Agosto. 9. A citação edital não foi realizada de 2008 a 2018 pelo que o não cumprimento das norma anteriores conduzem a situação violadora da segurança jurídica que os prazos prescritivos em geral pretendem evitar e bem assim, in casu, especialmente o prazo prescritivo de três anos respeitante a livranças. 10. Por inércia do exequente ao longo de dez anos o processo judicial esteve parado e como tal a execução deveria ter sido extinta por deserção nos termos do artigo 281º e 277º do CPC; 11. Assim acontecendo, operaria a aludida prescrição. Termos em que nos melhores de direito, sempre com o mui douto provimento de V. Ex.ª, deve o presente recurso ser recebido, porque em tempo, devendo o Tribunal ad quem, conceder provimento ao mesmo, por provado, revogando a decisão a quo proferida. *** Não se mostram juntas contra-alegações.O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. *** II – Âmbito do Recurso.Perante o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil em vigor, constata-se que as questões essenciais a decidir são as seguintes: a) Se a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia; b) Necessidade da notificação dos avalistas do incumprimento da obrigação. c) Verificação do prazo de prescrição de 3 anos. *** III – Fundamentação fáctico-jurídica.1. Matéria de facto. 1.1. A matéria de facto considerada pela 1.ª instância, que não vem questionada, é a seguinte: 1. A exequente «Caixa de Crédito Agrícola Mútuo …, C. R. L» intentou em 06/03/2009 a execução contra os executados BB e CC, «DD, Lda», EE, FF e GG, apresentando como título executivo a livrança com o nº 500873631070555516, no valor de 12.065,89 €, com data de emissão de 25/11/2008 e data de vencimento de 05/12/2008, subscrita pela executada «DD, Lda», e avalizada pelos executados BB e CC, EE, FF e GG que apuseram as respetivas assinaturas no verso da livrança a seguir às expressões “bom por aval à firma subscritora” ou “bom por aval”; 2. Foi celebrado acordo reduzido a escrito, o qual faz fls. 20 a 21 destes autos, no essencial com o seguinte teor: “Crédito Agrícola. Crédito a Empresas. 1. X Oper. Próprias: Caixa Sotavento Algarvio, Balcão: Vila R. S tº António. Como Agente e em representação da Caixa Central-Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, C. R. L. Nº Empréstimo: …. 2. Identificação da Mutuária-Pessoa Coletiva/Empresas. Firma: DD, Lda …. Nº Sócio: 4429. Sede: Monte Gordo (…) representada pelo seu (qualidade) sócios gerentes. Nome: EE e FF (…) 3. Garantes (que assinam o verso) (…) 4. A Mutuária solicita e contrata com a Caixa um empréstimo/crédito nas condições gerais constantes do verso e das particulares e Anexos referidos nos pontos seguintes: (…) 4.2. Montante (Euro). Montante 11.000,00. Extenso: onze mil euros. 4.3. Finalidade: Reestruturação da letra 57042911659. 5. Prazo do Empréstimo/crédito. 2 anos. 6. Utilização: x única (…) 1ª utilização-Data: 27/03/08 (…) 8. Juros: Taxas Vencimento e Pagamento: 8.1. Taxa de juro (…) = 12,5% (…) 9. Garantias-Constituídas pelos documentos Anexos (…) 9.1 x Fiança dos sócios (…) 10. Conta de Depósito à Ordem associada ao empréstimo: 7043-40147074625-44. Condições Gerais 11. Empréstimo: Montante, prazo, finalidade e confissão de dívida: a) o empréstimo, sob a forma e no montante atrás referidos nos pontos 4.1 e 4.2 das condições particulares destina-se a ser aplicado pela Mutuária exclusivamente na finalidade indicada no ponto 4.3 e é concedido pelo prazo mencionado no ponto 5 b) A Mutuária declara recebida a quantia mutuada e dela se confessa devedora, obrigando-se a paga-la à CAIXA com os respetivos juros, comissões, encargos e despesas (…) 15. Pagamento de capital, de juros e demais obrigações. As prestações de amortização do capital mutuado e dos respetivos juros vencem-se, são exigíveis e deverão ser pagas nas datas e com a periodicidade, pelos valores e nos termos estabelecidos nos pontos 7 e 8 das condições particulares, sem dependência de qualquer aviso ou interpelação para o efeito, por débito à referida conta de depósitos à ordem, que a Mutuária se obriga a manter suficientemente provisionada para o efeito (…) 17. Mora e capitalização de juros. a) Em caso de mora no pagamento de qualquer prestação e capital, de juros ou de outra obrigação, à taxa de juro referida nos pontos 8 e 14 acresce a sobretaxa de quatro pontos percentuais, sobre as quantias em dívida e pelo tempo da mora, a esse título e de cláusula penal, que se vencem e são exigíveis dia a dia, sem necessidade de aviso e interpelação (…) 19. Incumprimento, vencimento antecipado e exigibilidade. O não cumprimento das obrigações da Mutuária para com a Caixa, pelos montantes, e nos prazos devidos, ainda que decorrentes de outra operação ou título, acarreta o imediato vencimento e exigibilidade de todas as demais obrigações, sem embargos de outros direitos conferidos por lei ou contrato, e especialmente: a) se não for paga alguma das prestações de capital ou de juros, no respetivo prazo, ou se não forem pagos os juros moratórios, as comissões, os encargos e as despesas, ou outras obrigações nas datas estabelecidas ou que a Caixa assinalar para o respetivo pagamento (…) 20. Garantias. a) Para segurança do bom e pontual pagamento da quantia mutuada e respetivos acessórios, juros, comissões e despesas, são constituídas a favor da Caixa, as garantias referidas no ponto 9 das condições particulares e, se for o caso, nos termos dos documentos próprios, que se dão por reproduzidos e deste ficam a fazer parte integrante. b) Livrança: A Mutuária entrega uma livrança por si subscrita em branco, como aval a seguir previsto, à Caixa, para titular as obrigações emergentes deste contrato e de eventuais alterações, e para assegurar o seu pagamento, sem que tal constitua novação, e desde já autorizam a Caixa a preencher essa livrança e nela inscrever as quantias que em qualquer momento sejam devidas, as datas e os locais de emissão, de vencimento e de pagamento, mesmo à vista, bem como as cláusulas “sem despesas” e “sem protesto”, além de a poder descontar, endossar e utilizar como bem entender e for do seu interesse. c) Aval: os avalistas dão o seu aval na referida livrança e autorizam o seu preenchimento, nas condições referidas no número anterior, vinculando-se solidariamente com a Mutuária pelo pagamento de todas as sobreditas responsabilidades, por qualquer prazo, prorrogação ou renovação, e das despesas judiciais e extrajudiciais que a Caixa faça para haver e assegurar os seus créditos, bem como declaram a sua expressa renúncia a qualquer benefício ou oposição. d) Fiança: Os fiadores vinculam-se solidariamente com a Mutuária a pagar todas as obrigações decorrentes deste contrato, suas alterações, prorrogações ou renovações, cujos termos aceitam, ou por qualquer prazo e das despesas judiciais e extrajudiciais que a Caixa faça para haver e assegurar os seus créditos, e compromete-se a pagar imediatamente e sem qualquer reserva, logo após aviso para o efeito, as quantias que lhes forem reclamadas. Os Fiadores também declaram que renunciam ao benefício da excussão e a qualquer outro ou prazo facultado por lei, bem como a fazer ou invocar qualquer exceção, oposição ou reserva; e que esta fiança subsiste até completa extinção das obrigações garantidas. 21. Domicílios e Comunicações. As comunicações entre os contraentes devem ser feitas por escrito, por carta protocolada ou sob registo do correio, ou por telecópia confirmada por uma daquelas vias, e têm-se como efetuadas sempre que dirigidas para os respetivos endereços referidos na identificação dos contraentes, cujas alterações terão de ser comunicadas nos trinta dias posteriores à sua ocorrência, e que também são indicados para efeitos de citação e notificação judicial (…) Declaração de renúncia ao exercício do direito de revogação do contrato: Nos termos da lei e dado que a Mutuária pretende utilizar de imediato o empréstimo concedido, aqui renunciam ao exercício de qualquer direito de revogação deste contrato. A Mutuária e os Garantes (Avalistas e/ou Fiadores) declaram conhecer, estar bem cientes e aceitar as condições particulares e as gerais constantes da frente e verso desta proposta de crédito, que apresentam à Caixa e que assinam, por corresponder à sua vontade e em sinal de conformidade. Local e data: 20 de Março de 2008. Assinaturas dos representantes da Mutuária (…) Assinaturas dos Garantes (…) Assinaturas da CCAM (…) Alongue-Os Outorgantes confirmam que o presente documento faz parte integrante da proposta de crédito (…) Identificação da Mutuária-Pessoa Coletiva/Empresas. Firma: DD, Lda (…) Garantes: C-Nome: CC (…) Morada: Urbanização …-Rua …, Lote 1, 1º Esquerdo, Tavira (…) Cônjuge: Nome: BB (…) A Direção (…) Mutuário (…) Garantes (…)”; 3. A exequente subscreveu e remeteu por via postal ao embargante Joaquim João Moreira Tijaleiro, o escrito que faz fls. 22 destes autos, no essencial com o seguinte teor: “Exmo. Senhor CC. Rua José Carlos Chelmicki, Lt 1, 1º Esq. 8800-000 Tavira. Tavira, 08.01.2009. Assunto: Resolução por incumprimento. Interpelação para pagamento do montante da livrança. Contrato de mútuo nº 56041862034. Exmo. Senhor, Vimos informa-lo que, na qualidade de avalista, não tendo logrado realizar os débitos referentes ao contrato mencionado em epígrafe, consideramos o mesmo contrato definitivamente resolvido. Consequentemente, torna-se imediatamente exigível todo o valor em dívida que compreende: prestações vencidas e não pagas, capital vincendo, juros de mora e despesas, tudo num total de 12.065,89. Comunicamos-lhe, ainda que, de acordo com a cláusula 20ª do contrato, preenchemos e procederemos à execução da livrança que nos entregou no momento da celebração do contrato para garantia do seu bom cumprimento, nos seguintes termos: Data de vencimento: 19/01/2009. Valor da livrança: € 12.065,89. A que acresce o respetivo imposto de selo no valor de € 60,33. Assim, sob pena de recurso à ação judicial, interpelamo-lo para regularização dos montantes, no prazo de 8 (oito) dias através do envio de cheque visado para: CCAM … C.R.L.-Departamento Jurídico. Contrato 56041862034. Rua … nº 1. 8800-… Tavira. Para qualquer esclarecimento adicional, poderá contactar-nos através do nº 281 320 620. Certos de que não será necessário o recurso a esta via e de que esta carta merecerá a v/melhor atenção, subscrevemo-nos com os nossos melhores cumprimentos (…) Eunice Guerreiro Advogada Estagiária. Departamento Jurídico”; 4. A exequente subscreveu e remeteu por via postal à embargante BB, o escrito que faz fls. 23 verso destes autos, no essencial com o seguinte teor: “Exma. Senhora BB. Rua …, Lt 1, 1º Esq. 8800-000 Tavira. Tavira, 08.01.2009. Assunto: Resolução por incumprimento. Interpelação para pagamento do montante da livrança. Contrato de mútuo nº 56041862034. Exma. Senhora, Vimos informa-la que, na qualidade de avalista, não tendo logrado realizar os débitos referentes ao contrato mencionado em epígrafe, consideramos o mesmo contrato definitivamente resolvido. Consequentemente, torna-se imediatamente exigível todo o valor em dívida que compreende: prestações vencidas e não pagas, capital vincendo, juros de mora e despesas, tudo num total de 12.065,89. Comunicamos-lhe, ainda que, de acordo com a cláusula 20ª do contrato, preenchemos e procederemos à execução da livrança que nos entregou no momento da celebração do contrato para garantia do seu bom cumprimento, nos seguintes termos: Data de vencimento: 19/01/2009. Valor da livrança: € 12.065,89. A que acresce o respetivo imposto de selo no valor de € 60,33. Assim, sob pena de recurso à ação judicial, interpelamo-lo para regularização dos montantes, no prazo de 8 (oito) dias através do envio de cheque visado para: CCAM … C.R.L.-Departamento Jurídico. Contrato 56041862034. Rua … nº 1. 8800-… Tavira. Para qualquer esclarecimento adicional, poderá contactar-nos através do nº 281 320 620. Certos de que não será necessário o recurso a esta via e de que esta carta merecerá a v/melhor atenção, subscrevemo-nos com os nossos melhores cumprimentos (…) Eunice G… Advogada Estagiária. Departamento Jurídico”; 5. A livrança referida em 1) não foi paga na data do seu vencimento nem posteriormente. *** 3. O Direito.3.1. Nulidade da sentença. Os recorrentes parecem pretender invocar a nulidade da sentença, alegando que a sentença “não emite qualquer juízo sobre a falta de pressupostos processuais para a execução por impossibilidade de acesso a Plano extrajudicial, por mediador de crédito previsto no DL 144/2009 de 17 de Junho”. Trata-se, segundo se depreende do corpo alegatório, de nulidade por omissão de pronúncia. De acordo com a 1.ª parte da alínea d), do n.º1, do art.º 615.º do C. P. Civil, a sentença é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”. O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras – art.º 608.º/2 do C. P. Civil. E a decisão padece do vício da nulidade quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Tem sido entendimento pacífico da doutrina e na jurisprudência, que apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal. Questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do art.º 615º nº 1, al. d), do CPC. Daí que, se na sua apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este se não pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia. Como escreve Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9.ª Edição, pág. 57, “trata-se de nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda”. E acrescenta, citando Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado, Volume V, pg. 143, que “são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”. Ora, no caso concreto, consta da sentença: “(…) De acordo com o disposto no nº 1, do artigo 10º do Decreto-Lei que vimos citando “Sempre que detete indícios de degradação a capacidade financeira do cliente bancário para cumprir o contrato de crédito ou que o cliente bancário lhe transmita factos que indiciem o risco de incumprimento, a instituição de crédito desenvolve as diligências necessárias para avaliar esses indícios, tendo em vista aferir da existência de risco efetivo de incumprimento e da respetiva extensão”, dispondo o nº 1, do artigo 11º que “As instituições de crédito estão obrigadas a elaborar e a implementar um Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI), que descreva detalhadamente os procedimentos e as medidas adotados para o acompanhamento da execução dos contratos de crédito e a gestão de situações de risco de incumprimento”. Também com interesse para o caso em apreço, o disposto no artigo 12º do diploma legal que vimos citando “As instituições de crédito promovem as diligencias necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito”, dispondo o artigo 13º que “No prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, a instituição de crédito informa o cliente bancário do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolve diligencias no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado”, e mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado mo PERSI entre o 31º dia e o 60º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa (cf. nº 1, do artigo 14º). A nosso ver, salvo o devido respeito por opinião contrária, o regime previsto no citado Decreto-Lei não tem aplicação ao contrato de mútuo celebrado entre a exequente e os executados, porquanto o mesmo entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2013, e o contrato celebrado entre a exequente e os executados deixou de ser pontualmente cumprido em 27 de Setembro de 2008 o que determinou a imediata exigibilidade de todos os montantes em divida tendo a exequente instaurado a execução em 19 de Março de 2009, ou seja quando ainda não tinha visto a luz do sol o referido diploma legal. Pelo exposto, também nesta parte não assiste qualquer razão aos embargantes, porquanto não poderia a exequente elaborar e implementar o PARI e/ou o PERSI, já que os mesmos ainda não tinham sido criados aquando do incumprimento do contrato por parte dos executados”. Perante esta fundamentação é evidente que o tribunal a quo apreciou essa questão, pelo que não se deteta qualquer omissão de pronúncia. Importa apenas acrescentar que os citados diplomas legais, para além da sua não vigência à data do incumprimento, como se sublinha na sentença recorrida, não têm qualquer aplicação ao caso dos autos. Na verdade, o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, estabelece os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito: a) No acompanhamento e gestão de situações de risco de incumprimento; e b) Na regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários, respeitantes aos contratos de crédito referidos no n.º 1 do artigo seguinte ( seu art.º 1.º/1). E nos termos da alínea a) do seu art.º 3.º considera-se: «Cliente bancário» o consumidor, na aceção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto -Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito”. Ora, seguramente que os embargantes, demandados na qualidade de avalistas de livrança, dada como garantia de pagamento de mútuo concedido à sociedade comercial, não podem ser considerados “clientes bancários”, visto não serem consumidores intervenientes na qualidade de mutuários em contrato de crédito. Donde, também por essa razão, e ainda que tal regime estivesse em vigor à data do incumprimento, seria inaplicável ao caso em apreço. Improcede, pois, a apontada nulidade. 3.2. Necessidade de notificação dos avalistas do incumprimento da obrigação. Sustentam os recorrentes que as notificações feitas pela exequente aos embargantes e referidas em 3) e 4) dos factos assentes, não recebidas, não se pode concluir sobre a realização das aludidas notificações de incumprimento definitivo, pelo que não pode aceitar-se, desde o início, o preenchimento das livranças e a existência de pressupostos para a instauração da presente execução. Ora, sobre esta questão escreveu-se na sentença recorrida. “Os Embargantes alegam também que a exequente não poderia preencher a livrança que lhe tinha sido entregue em branco antes de notificar os executados do incumprimento definitivo do contrato, razão pela qual que a livrança apresentada como título executivo é inexequível. Resulta do contrato celebrado em 20 de Março de 2008 entre a exequente e os executados, entre eles os ora embargantes que a exequente ficava autorizada a preencher a livrança que lhe foi entregue nessa data em branco, subscrita pela sociedade executada e avalizada pelos restantes executados, no caso do não cumprimento pontual de qualquer obrigação, nomeadamente obrigações pecuniárias, emergentes do contrato, sendo certo que está assente que a exequente alegou (facto não contestado pelos embargantes) que o contrato deixou de ser pontualmente cumprido em 27/09/2008, o que tornou imediatamente exigível todos os montantes em divida. Perante o não cumprimento pontual do contrato a exequente subscreveu e remeteu aos ora embargantes, para a morada indicada aquando da celebração do contrato no qual estes assumem a veste de Garantes, as missivas que fazem fls. 22 e 23 verso destes autos, datadas de 08/01/2009 onde lhe comunicava que por não terem sido regularizadas as prestações em divida considerava o contrato resolvido e também lhes comunicava que tinha preenchido a livrança em branco que tinha em seu poder, pelo valor de 12.065,89 € e com data de vencimento de 19/01/2009, sendo certo que tais missivas vieram devolvidas com a indicação “não atendeu”, mas apesar disso as notificações têm-se por efetuadas e os embargantes apenas de si se podem queixar por as ditas notificações não terem chegado ao seu conhecimento, e se mudaram de morada estavam obrigados a comunicar essa alteração à exequente, sendo certo que não lograram alegar e muito provar que o tenham feito. Do exposto, resulta que não tendo sido cumprido pontualmente o contrato tornaram-se imediatamente exigíveis todos os montantes ainda em divida e a exequente ficou legitimada a preencher a livrança que lhe tinha sido entregue em branco e foi isso que a exequente fez, sendo certo que comunicou aos embargantes a resolução do contrato e o preenchimento da livrança e concedeu-lhes um prazo suplementar de 8 dias para regularizarem a situação, pelo que inexistem, quais dúvidas de que estamos perante o incumprimento definitivo do contrato de mútuo, sendo a livrança exequível”. Concordamos com o raciocínio aí expresso. Acresce que a exequente não estava obrigada a notificar os avalistas como condição prévia para o preenchimento da livrança avalizada. A este propósito, este coletivo já se pronunciou em Acórdão de 22/02/2018, proferido no processo n.º 53/14.4T8ENT-A.E1, que se reproduz: “Caminho oposto tem seguido o STJ, nomeadamente no seu Acórdão de 28/09/2017 (Tomé Gomes), in dgsi.pt, que quanto a esta concreta questão sentenciou: E quanto à invocada necessidade de interpelação do avalista como condição prévia do preenchimento da livrança, não se subscreve o entendimento perfilhado pelo embargante, já que não se traduz em exigência que resulte da lei, mormente da LULL, nem se mostra que decorra sequer do pacto de preenchimento. Para que assim fosse, necessário seria que o embargante tivesse alegado e provado que a necessidade dessa interpelação emergia do próprio pacto de preenchimento, o que não fez. Nem tão pouco essa falta de interpelação se reconduz minimamente em situação de má-fé ou de falta grave na aquisição do título por parte da exequente”. E quanto à inexigibilidade da obrigação cartular, por ausência dessa eventual interpelação, acrescenta o aresto: *** IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.1. A LULL não exige a necessária interpelação do avalista de livrança subscrita em branco como condição prévia do seu preenchimento, nem como requisito da exigibilidade da dívida incorporada no título cambiário. 2. De acordo com o disposto no art.º 70º da LULL, aplicável às livranças, por força do disposto no artigo 77.º, todas as ações contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar da data do seu vencimento. 3. Considerando que a livrança dada à execução tem a data de vencimento de 01 de janeiro de 2009 e a execução foi instaurada em 19 de março de 2009, não se mostra decorrido o prazo prescricional referido se os embargantes/executados, demandados na qualidade de avalistas, foram citados para a execução em 07 de Fevereiro de 2018, por facto não imputável à exequente, tendo-se por interrompida a prescrição logo que decorreram os cinco dias nos termos do art.º 323.º/2 do C. Civil. *** V. DecisãoPelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida. Custas da apelação pelos recorrentes. Évora, 2019/11/07 Tomé Ramião Francisco Xavier Maria João Sousa e Faro |