Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
479/20.4T8STB.E1
Relator: VÍTOR SEQUINHO DOS SANTOS
Descritores: EMPRESA DE TRABALHO TEMPORÁRIO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 10/30/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – Mantém-se em € 15.000,00 o montante da indemnização pelo dano biológico.
2 – Aumenta-se para € 20.000,00 o montante da indemnização pelos danos não patrimoniais.
3 – Não existe fundamento para proceder à redução do montante da indemnização ao abrigo do disposto no artigo 570.º do Código Civil.
4 – É a empresa utilizadora, e não a empresa de trabalho temporário, quem deve ser considerada civilmente responsável, ao abrigo do disposto no artigo 500.º do Código Civil, pelos danos ilícita e culposamente causados a terceiro por um trabalhador no exercício das suas funções.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 479/20.4T8STB.E1

Autor: (…).

Ré: (…), S.A..

Intervenientes principais: (…), Volkswagen (…), Lda., DHL (…), Portugal, S.A., (…) Services – Empresa de Trabalho Temporário, Unipessoal, Lda. e (…), sucursal em Portugal.

Pedido: Condenação da ré e dos intervenientes principais a pagarem, ao autor, uma indemnização no montante de € 124.403,90, por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida do pagamento de procuradoria condigna e juros desde a citação até efectivo e integral pagamento, bem como uma indemnização, a liquidar ulteriormente, por outros danos futuros.

Sentença recorrida: Julgou a acção parcialmente procedente, nos seguintes termos:

- Condenou, solidariamente, os intervenientes (…) e DHL (…), Portugal, S.A., a pagarem, ao autor:

- Uma indemnização de € 10.000,00 por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a prolação da sentença até integral pagamento;

- Uma indemnização de € 15.000,00 pelo dano biológico, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a prolação da sentença até integral pagamento;

- A indemnização, a liquidar ulteriormente, correspondente à diferença entre os valores recebidos da seguradora e os que o autor teria auferido da sua entidade patronal durante o período que decorreu desde o acidente até à data da alta clínica, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento;

- Absolveu os intervenientes (…) e DHL (…), Portugal, S.A. do demais peticionado;

- Absolveu os restantes intervenientes do pedido.

Recorrentes: Autor (recurso independente) e interveniente principal DHL (…), Portugal, S.A. (recurso subordinado).

Conclusões do recurso interposto pelo autor:

I. Entende o recorrente que os montantes fixados a título de dano biológico no montante de € 15.000,00 e 10.000,00 fixados a título de danos não patrimoniais, são insuficientes e não acautelam a totalidade dos danos por si sofridos.

II. Conforme resulta dos factos provados, o autor ficou afectado por um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, situação compatível com o exercício da actividade profissional habitual, mas que implica esforços suplementares. Esta situação representa para o autor uma maior penosidade permanente, traduzida na necessidade de esforço acrescido para o desempenho das suas funções laborais correntes, afectando, de forma significativa, não só o seu rendimento físico, como também o seu bem-estar global. Tal esforço suplementar, devidamente confirmado pela prova pericial e testemunhal, não pode ser desvalorizado ou equiparado a situações sem qualquer limitação funcional, devendo merecer especial ponderação no cálculo do dano biológico.

III. A permanência das sequelas, as dores mantidas e a limitação das capacidades físicas do autor não se repercutem apenas no plano profissional, mas estendem-se às actividades da vida corrente, social, de lazer e familiar. Conforme se provou, o autor apresenta restrições nas actividades desportivas e de lazer (repercussão permanente no grau 3 numa escala de gravidade crescente de 1 a 7), tem cicatrizes de carácter definitivo, manifesta quantum doloris elevado (4 em 7), e encontra-se limitado em tarefas quotidianas, como caminhar em bicos de pés, sendo impedido de desempenhar integralmente as funções habituais sob pena de acentuação da dor. Assim, o défice funcional não se resume a uma vertente laboral, mas constitui uma mutilação continuada do potencial pleno do autor em múltiplas dimensões existenciais.

IV. A limitação funcional afeta, sem margem para dúvida, a progressão na carreira, a liberdade de escolha de eventuais novos horizontes profissionais ou mesmo actividades complementares, e condiciona o percurso e estabilidade do autor até ao final da sua vida activa. Na esfera pessoal, as dores crónicas, as restrições à mobilidade e a existência de dano estético permanente são factores que contribuem para uma frustração objectiva de legítimas expectativas de um percurso profissional e pessoal isento de obstáculos resultantes de terceiro. Todo este enquadramento deve ser atendido à luz do entendimento jurisprudencial de que o dano biológico abrange a lesão no potencial geral do indivíduo, não se limitando ao aspecto remuneratório.

V. A circunstância de o dano biológico não se repercutir numa imediata e mensurável perda de retribuição não pode, só por si, esvaziar o direito do autor a uma indemnização que, de forma justa, atenda ao carácter permanente e à natureza multidimensional da lesão sofrida. O quantum ora requerido encontra justificação: a) Na necessidade de reflectir a maior exigência quotidiana de esforços e o desgaste físico prolongado; b) No alargamento da cobertura jurisprudencial do dano biológico, que, como tem sido afirmado pela doutrina e pela jurisprudência, deve compensar a perene diminuição da aptidão física e psíquica, independentemente das consequências imediatas no rendimento; c) No facto de ser irreparável a perda do potencial de vida plena e descondicionada, que se traduz na limitação das escolhas pessoais e profissionais, repercutindo-se de modo relevante no futuro do lesado.

VI. Deverá ainda considerar-se que, não obstante o autor contar com 50 anos de idade à data do acidente, mantém-se uma longa vida activa estimada em pelo menos 20 anos, correspondente à esperança média de vida, durante os quais continuará a ser forçado a conviver com o défice funcional e as limitações inerentes. A jurisprudência tem reconhecido especial relevância a este factor, elevando a indemnização em função da extensão temporal em que as sequelas projectam os seus efeitos. A ponderação deste elemento impõe, por equidade, que o valor arbitrado na sentença seja majorado, sob pena de não ser plenamente ressarcido o dano de natureza continuada e progressiva que condiciona o autor.

VII. A persistência das dores, das restrições funcionais e do dano estético é factor de acentuada penalização. O autor ficou privado de uma normalidade física que não poderá recuperar, sendo certo que este dano se projectará, também, para além do termo da vida activa, influenciando todos os aspectos da sua dimensão existencial. Tal circunstância, em sintonia com a orientação dos nossos tribunais, deve ser adequadamente reflectida no montante da indemnização, excedendo, por conseguinte, o valor de € 15.000,00 fixado em 1ª instância, e aproximando-se dos padrões indemnizatórios actualizados para situações com grau de incapacidade e impacto vital semelhantes.

VIII. Por todo o exposto, deve ser reconhecida a necessidade de elevação do montante indemnizatório atribuído ao autor a título de dano biológico, em respeito pelo princípio da restituição integral e pela tutela efectiva dos direitos fundamentais à integridade física e à realização da personalidade do lesado, devendo ser fixado o montante de € 30.000,00 a título de dano biológico.

IX. A indemnização pelos danos não patrimoniais não se limita a uma função compensatória, mas incorpora também uma dimensão punitiva e pedagógica, desincentivando condutas lesivas da integridade física e dignidade da pessoa humana. No caso dos autos, o acto foi praticado com culpa acentuada, tendo sido reconhecida responsabilidade criminal do lesante, pelo que a vertente penalizadora da quantia indemnizatória ganha especial relevo, justificando uma indemnização de expressão significativa, o que a sentença não atribuiu, apesar de reconhecer a responsabilidade criminal do réu (…).

X. Resulta da matéria provada que o autor, em consequência do acidente sofrido a 10.11.2017, foi vítima de traumatismo dos membros inferiores, com fractura dos ossos do pé esquerdo (2º, 3º e 4º metatársicos), o que implicou internamento, imobilização com tala gessada, intervenção cirúrgica com colocação de material de osteossíntese e longos meses de tratamentos de reabilitação.

XI. O autor sofreu um esmagamento, devido à passagem do empilhador por cima do seu pé, pelo que as sequelas mantêm-se, estando aquele afectado, em termos permanentes, por défice funcional da integridade físico-psíquica fixável em 5 pontos, apresenta dores e limitações no pé esquerdo, duas cicatrizes cirúrgicas, limitação da flexão dos metatarsos, dor à mobilidade passiva dos dedos do pé, incapacidade de caminhar em bicos de pés no lado esquerdo e marcha condicionada. O quantum doloris foi fixado em 4 (escala 1 a 7), o dano estético em 1 e as repercussões nas actividades lúdicas e de lazer em 3 (em 7 possíveis), tudo factores que, pela sua gravidade, justificam relevância acrescida na apreciação do sofrimento vivenciado e ainda hoje vivido pelo autor.

XII. Desde a data do acidente, o sofrimento do autor prolongou-se por mais de um ano de recuperação, intervenções médicas e tratamentos de fisioterapia, mantendo-se dores e limitações mesmo após a alta clínica e consolidação médico-legal das lesões. O sofrimento não se cingiu à componente física, mas abrangeu também dimensão psicológica e emocional, pela perda de bem-estar, pela dependência de terceiros, pelas perturbações no sono e pelas dificuldades na execução das tarefas mais básicas e elementares. Nomeadamente, por não conseguir apoiar a sua esposa, que sofre de uma doença incapacitante e incurável, tal como o fazia antes do acidente.

XIII. O autor tem esforços suplementares para a concretização da tarefa habitual compromete não só a eficiência e desempenho do autor enquanto profissional de transportes pesados, mas também acarreta fadiga, dor e maior risco de erro ou de agravamento das lesões. Este esforço acrescido, imposto por um acto lesivo de terceiro, não deve ser subvalorizado, devendo ser justamente reflectido numa compensação superior pelos danos não patrimoniais, em conformidade, aliás, com o que vem sendo reconhecido em sede jurisprudencial.

XIV. As sequelas que o recorrente ficou a padecer implicam para o mesmo esforços acrescidos para a profissão habitual de motorista de veículos pesados, sendo que os esforços acrescidos por si só, conferem ao lesado o direito a ser indemnizado por danos morais complementares, autonomamente, tal como decorre do artigo da alínea e) do 4.º Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, quando resulte para o lesado uma incapacidade permanente que lhe exija esforços acrescidos no desempenho da sua actividade profissional habitual.

XV. Em síntese, todos estes factores – gravidade das lesões, intensidade e duração do sofrimento, impacto pessoal e profissional, existência de sequelas e cicatrizes estigmatizantes, precedentes jurisprudenciais e função preventiva e compensatória da responsabilidade civil – impõem a fixação de um valor significativamente mais elevado a título de danos não patrimoniais, visando uma tutela efectiva, justa e adequada do direito violado, impondo-se, por isso, elevar o montante a título de danos não patrimoniais no montante de € 35.000,00.

Conclusões do recurso interposto pela interveniente principal DHL (…), Portugal, S.A.:

A. O tribunal a quo julgou a acção parcialmente procedente, condenando solidariamente ao pagamento de € 10.000,00 por danos não patrimoniais, € 15.000,00 por dano biológico e uma quantia a liquidar por perdas salariais, acrescidas de juros de mora.

B. Os valores fixados a este título mostram-se excessivos face à extensão dos danos apurados, à idade do autor à data do acidente (50 anos), à ausência de perda de rendimentos e à compatibilidade das sequelas com o exercício da actividade profissional.

C. A indemnização por dano biológico não se justifica, pois não houve redução efectiva da capacidade de ganho, e a indemnização por danos não patrimoniais não encontra suporte suficiente na factualidade provada nem na gravidade dos danos, devendo ser reduzida ou mesmo excluída.

D. O tribunal a quo não considerou a culpa do lesado, apesar de ter ficado provado que o autor/recorrido abandonou voluntariamente a zona de segurança, colocando-se em situação de risco e violando regras de segurança.

E. Esta conduta constitui culpa concorrente, que deveria ter sido ponderada na fixação e eventual redução da indemnização, nos termos do artigo 570.º, n.º 1, do Código Civil e da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.

F. A absolvição da ré (…) Services não se justifica, uma vez que, nos termos do regime do trabalho temporário, o trabalhador mantém vínculo laboral e dependência económica com a empresa de trabalho temporário, que é responsável pelo pagamento do salário, contribuições e demais obrigações legais.

G. A cedência à utilizadora (ré/recorrente) não transfere a titularidade da relação laboral nem exclui a responsabilidade primária da entidade empregadora, salvo prova de culpa exclusiva da utilizadora, o que não se verificou.

H. Assim, a ré (…) Services deve ser responsabilizada pelos actos do seu trabalhador, nos termos do artigo 500.º do Código Civil.

I. O tribunal a quo não fundamentou adequadamente a existência e gravidade dos danos não patrimoniais, nem demonstrou que estes atingem o grau de gravidade exigido pelo artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil e pela jurisprudência dominante.

J. Os danos alegados são, em grande parte, coincidentes com os já compensados a título de acidente de trabalho e dano biológico, não se justificando nova indemnização por meros incómodos ou contrariedades.

K. A fixação das indemnizações não observou os critérios de equidade, proporcionalidade e ponderação das circunstâncias do caso concreto, nomeadamente a contribuição do lesado para o acidente, a ausência de perda de rendimentos e a gravidade objectiva dos danos.

L. Deve ser revista a decisão recorrida, reduzindo-se os valores indemnizatórios arbitrados, considerando-se a concorrência de culpas do lesado e responsabilizando-se na qualidade de comitente a entidade empregadora do réu (…).

Questões a resolver:

1 – Montante da indemnização pelo dano biológico;

2 – Montante da indemnização pelos danos não patrimoniais;

3 – Culpa do lesado;

4 – Responsabilidade civil da interveniente principal (…) Services – Empresa de Trabalho Temporário, Unipessoal, Lda..

Factos julgados provados na sentença recorrida:

1. O autor é motorista de viaturas pesadas ao serviço da empresa (…), Solutions, Lda..

2. No dia 10.11.2017, pelas 16,40h, o autor deslocou-se ao Parque Industrial da Autoeuropa, zona Canopy, sito na Quinta da Marquesa, em Palmela, para efectuar descarga de material.

2-A. Nessa ocasião, foi (…) que, conduzindo um empilhador, procedeu à descarga do material que era transportado no veículo pesado conduzido pelo autor.

3. Em virtude de (…) ter embatido com o material no veículo, o autor chamou-o à atenção, gerando-se uma discussão entre ambos.

4. Nessa sequência, sem que nada o fizesse prever, enquanto o autor permanecia do lado esquerdo de (…) e junto ao empilhador, este girou a direcção do empilhador para a direita e movimentou-o, fazendo com que o veículo embatesse nas pernas do autor e passasse ainda com uma das rodas por cima dos pés deste, provocando a sua queda no solo.

5. Em consequência da conduta de (…), o autor sofreu traumatismo dos membros inferiores e fractura de ossos do pé esquerdo.

6. Ao actuar da forma descrita, (…) representou que inevitavelmente molestaria o autor no seu corpo e saúde, o que fez, provocando-lhe dores nas partes do corpo que atingiu com a sua conduta, utilizando para o efeito o empilhador que conduzia e que sabia ser um meio especialmente perigoso, susceptível de causar lesões graves.

7. Após o acidente, o autor foi transportado de emergência para o Hospital de São Bernardo em Setúbal, onde deu entrada pelos serviços de urgência, por queixa de trauma dos pés em consequência de atropelamento de empilhadora.

8. À entrada verificou-se edema importante e impotência funcional esquerda com hematoma no dorso do pé direito.

9. O autor fez exames complementares de diagnóstico como raio x que revelou fractura dos 2º, 3º e 4º metatársicos esquerdos.

10. Fizeram-lhe imobilização do pé esquerdo com tala gessada.

11. Ficou internado naquele hospital em serviço de urgência para vigilância de sinais de compromisso, medicado com analgésicos.

12. Teve alta no dia seguinte, com indicação de acompanhamento no médico de família e seguradora de acidentes de trabalho.

13. No dia seguinte, foi consultado pelos serviços de medicina do trabalho, que atestaram a sua incapacidade.

14. Passou a ser seguido pelos serviços clínicos da (…), que lhe recomendaram repouso absoluto.

15. Não obstante, por fractura luxação Lisfranc esquerda (mais colos dos metas), acabou por ser sujeito a intervenção cirúrgica em Dezembro de 2017, com colocação de material de osteossíntese no pé esquerdo.

16. Seguiu-se um período de recuperação e iniciou tratamentos de medicina física de reabilitação com fisioterapia.

17. Tratamentos que realizou até Novembro de 2018, data em que a seguradora lhe atribuiu alta com sequelas.

18. O autor mantém dores e limitações no pé esquerdo.

19. À data do acidente, o autor auferia € 1.020,21 a título de retribuição mensal base, acrescida dos valores que fossem devidos a título de prémio de assiduidade, de subsídio de transporte, de trabalho suplementar/horas extras e de subsídio de alimentação.

20. O autor apresenta as seguintes lesões e/ou sequelas, relacionadas com o acidente:

- Duas cicatrizes cirúrgicas com sinais de sutura na face dorsal do pé esquerdo, a mais medial sinuosa, com 7 cm. de comprimento, a mais lateral retilínea, com 5 cm. de comprimento; ligeiro aplanamento da planta do pé esquerdo; sem amiotrofia dos músculos da perna;

- Dor à mobilidade passiva dos dedos do pé esquerdo; flexão dos metatarsos limitada a 20º à esquerda, com dor; mobilidades do tornozelo preservadas em todos os campos; não caminha em bicos de pés no lado esquerdo, pela dor; marcha normal sem apoio ou claudicação.

21. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 15.11.2018.

22. O período de défice funcional temporário total é fixável em 49 dias.

23. O período de défice funcional temporário total é fixável em 322 dias.

24. O período de repercussão temporária na actividade profissional total é fixável em 222 dias.

25. O período de repercussão temporária na actividade profissional parcial é fixável em 149 dias.

26. O quantum doloris é fixável no grau 4 numa escala de gravidade crescente de 1 a 7.

27. O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é fixável em 5 pontos.

28. As sequelas resultantes do acidente, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares.

29. O dano estético permanente é fixável no grau 1 numa escala de gravidade crescente de 1 a 7.

30. A repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer é fixável no grau 3 numa escala de gravidade crescente de 1 a 7.

31. Aquando do acidente, a (…) Services – Empresa de Trabalho Temporário, Lda. (agora … – Empresa de Trabalho Temporário, Unipessoal, Lda.) era a entidade empregadora de (…), pagando-lhe o respectivo salário.

32. Na mesma altura, era a DHL (…) que dirigia as operações de logística no local onde ocorreu o acidente, ao abrigo de acordo celebrado com a Autoeuropa, nos termos da qual a DHL se comprometeu a prestar serviços de montagem e de logística à Autoeuropa, aí se incluindo o transporte, manuseio, armazenamento, alimentação de linha, etc., com respeito por todos os requisitos legais, normas e padrões.

33. Para executar as operações de logística, a DHL utilizava trabalhadores que faziam parte do seu quadro de funcionários, mas também, quando necessário, diversos trabalhadores que eram disponibilizados pela (…) Services (…).

34. Sendo esse o caso de (…), disponibilizado ao abrigo do «contrato de utilização de trabalho temporário» de cedência de trabalhadores temporários com a categoria profissional de operador de armazém, bem como do «contrato de utilização de trabalho temporário n.º (…)», tendo sido integrado numa equipa da DHL, juntamente com os restantes trabalhadores, recebendo formação e passando a desenvolver a sua actividade profissional sujeito à autoridade e direcção dos representantes da DHL no local.

35. Na altura do acidente, (…) conduzia um empilhador que tinha sido fornecido pela (…) à Autoeuropa (empilhador ... com s/n …), a título de aluguer em regime de renting, no âmbito de um acordo de fornecimento de equipamentos de logística.

36. Empilhador esse que a Autoeuropa disponibilizou à DHL no âmbito do acordo de prestação de serviços de montagem e de logística.

37. O acidente ocorreu fora da «zona de espera» pré-definida por razões de segurança, de onde o autor saiu para se dirigir a (…), que se encontrava no interior do empilhador na área onde deviam ocorrer as operações de descarga.

38. À data do acidente a (…) Solutions, Lda., tinha a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho transferida para a (…) – Sucursal em Portugal.

39. No processo por acidente de trabalho com o n.º 8317/18.1T8STB, através de sentença proferida em 16.07.2020 pelo Juízo do Trabalho do Barreiro – Juiz 3, transitada em julgado em 04.08.2020, onde se deu por provado que o autor auferia a retribuição global anual de € 18.645,58, e se considerou que o sinistrado tinha direito a uma pensão anual e vitalícia de € 1.566,23 (€ 18.645,56 x 70% x 12%), obrigatoriamente remível, decidindo-se fixar a incapacidade permanente parcial (IPP) do Autor em 12%, desde a data da alta em 15.11.2018, condenando-se a (…) – Sucursal em Portugal a pagar ao sinistrado:

«(…)

- Quanto à IPP, capital de remição correspondente a uma pensão anual e vitalícia no montante de € 1.566,23;

- Juros de mora, à taxa legal, desde a data em que as obrigações se venceram até integral pagamento».

40. Efectuado o cálculo do capital de remição e dos juros de mora, em 10.08.2020, apurou-se a quantia total de € 22.470,18.

41. A (…) – Sucursal em Portugal procedeu ao pagamento da quantia referida no ponto anterior.

42. Por sentença proferida em 17.02.2020 no processo comum n.º 911/17.4GDSTB, transitada em julgado em 16.06.2020, (…) foi condenado na pena de 12 meses de prisão, substituída por 360 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, perfazendo o montante de € 2.160,00, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, julgando-se provados os factos descritos em 1 a 6.

43. O Autor deduziu pedido de indemnização civil no processo referido no ponto anterior, tendo sido remetido para os tribunais civis por despacho proferido em 05.12.2019, nos termos do disposto no artigo 82.º-A, n.º 3, do CPP.

Factos julgados não provados na sentença recorrida:

1. O Autor saiu da «zona de espera» e aproximou-se do empilhador no exato momento em que (…) iniciou a sua marcha.

2. O Autor aproximou-se do empilhador pela retaguarda do veículo, não tendo (…) qualquer visibilidade sobre aquele.

3. Apenas no momento do embate (…) se apercebeu que o autor se tinha aproximado do empilhador e que, nessa sequência, o veículo tinha passado por cima do pé esquerdo do autor.


*


1 – Montante da indemnização pelo dano biológico:

O tribunal a quo atribuiu ao autor uma indemnização de € 15.000,00 pelo dano biológico. O autor pretende o aumento desse montante para € 30.000,00. A interveniente DHL considera excessivo o montante de € 15.000,00, não especificando qual seria o correcto.

O autor fundamenta a sua pretensão em termos que assim se sintetizam:

- Apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, compatível com o exercício da actividade profissional habitual, mas sujeito a esforços suplementares, sendo estas sequelas suscetíveis de influenciar negativamente a qualidade de vida, as oportunidades profissionais, a progressão na carreira e a realização de tarefas do quotidiano;

- A indemnização pelo dano biológico não se restringe à mera compensação da diminuição da capacidade produtiva, antes visando ressarcir a generalidade das repercussões negativas, presentes e futuras, na vida pessoal e laboral do lesado, traduzidas na maior penosidade do desempenho de funções, na frustração de expectativas, na restrição de escolhas profissionais e de lazer;

- A referida indemnização visa ainda ressarcir as perdas patrimoniais decorrentes do dano estético permanente, das dores crónicas e da repercussão negativa nas actividades desportivas e de lazer;

- Passou a viver com limitações, não conseguindo dar o apoio necessário à sua família, nomeadamente à sua esposa, que tem uma doença incapacitante e incurável;

- O dano biológico por si sofrido manifestar-se-á ao longo de, previsivelmente, 20 anos.

A interveniente DHL realça, por seu turno, o seguinte:

- As sequelas com que o autor ficou são compatíveis com o exercício da sua actividade profissional;

- Na data da lesão, o autor tinha 50 anos de idade.

Tendo em vista a determinação do montante da indemnização pelo dano biológico, o tribunal a quo teve em consideração que:

- O autor contava 50 anos de idade à data da lesão, tendo ainda pela frente uma vida activa de 20 anos, atenta a esperança de vida média (78 anos);

- O autor apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos;

- As sequelas implicam esforços suplementares, mas são compatíveis com o exercício da actividade habitual do autor, não tendo reflexo na sua capacidade de ganho;

- As sequelas impõem restrições nas possibilidades de escolha, de evolução e de mudança na profissão por parte do autor, o que configura uma limitação no leque de oportunidades profissionais à sua disposição;

- As sequelas representam um dano funcional que perturba a vida de relação e bem-estar do autor e determinam uma alteração profunda da vida deste, com afectação da sua potencialidade física e psíquica;

- O défice funcional só se reflectirá no desempenho da profissão até à idade de reforma; a partir desse momento, só se reflectirá nos actos e gestos correntes do dia-a-dia (vida pessoal).

Ou seja, o tribunal a quo ponderou todos os factos e razões invocados pela interveniente DHL, bem como a generalidade daqueles que o foram pelo autor. Destes últimos, apenas não considerou as alegadas perdas patrimoniais decorrentes do dano estético permanente, das dores crónicas e da repercussão negativa nas actividades desportivas e de lazer, bem como a alegada incapacidade para dar o apoio necessário à sua família, nomeadamente ao seu cônjuge, que terá uma doença incapacitante e incurável.

Porém, o enunciado dos factos provados (EFP) não fornece suporte factual a estas duas últimas alegações. Por um lado, não se provou que o dano estético permanente, as dores crónicas e a repercussão negativa nas actividades desportivas e de lazer hajam acarretado qualquer perda patrimonial para o autor. Por outro lado, não se provou que o cônjuge do autor sofra de uma doença incapacitante e incurável que requeira um apoio que este tenha deixado de conseguir prestar.

Tendo em conta a gravidade do dano biológico realmente sofrido pelo autor, correctamente caracterizado e delimitado pelo tribunal a quo, consideramos que a indemnização de € 15.000,00, por este atribuída e devidamente fundamentada com abundante e pertinente jurisprudência, é ajustada, não merecendo crítica. Deverá, por isso, manter-se.

2 – Montante da indemnização pelos danos não patrimoniais:

O autor considera que a indemnização fixada pelo tribunal a quo por danos não patrimoniais, no montante de € 10.000,00, é insuficiente, devendo ser aumentada para € 35.000,00. A interveniente DHL considera excessivo o montante de € 10.000,00, sem especificar qual seria o adequado.

Os factos provados justificam a atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais de valor significativamente superior a € 10.000,00 embora não tanto quanto o autor pretende.

Importa ter em mente que os danos não patrimoniais que o crime (porque é de um crime doloso que se trata e não de um acidente) cometido pelo interveniente (…) causou não se circunscreveram ao momento desse cometimento. Tais danos prolongam-se até à actualidade e persistirão ao longo do resto da vida do autor.

Como consequência imediata do embate do monta-cargas, ocorrido em 10.11.2017, o autor sofreu traumatismo dos membros inferiores e fractura de ossos do pé esquerdo, mais precisamente dos 2º, 3º e 4º metatársicos. O tratamento imediato consistiu na imobilização do pé esquerdo com tala gessada. Todavia, em Dezembro de 2017, o autor acabou por ter de ser sujeito a uma intervenção cirúrgica, com colocação de material de osteossíntese no pé esquerdo. Seguiu-se um período de recuperação e posteriormente, um período de tratamentos de medicina física de reabilitação com fisioterapia, que apenas terminou em Novembro de 2018. O quantum doloris foi de 4 numa escala de 1 a 7, ou seja, bastante significativo.

Importa ter ainda em conta os danos não patrimoniais subsequentes, resultantes das sequelas com que o autor ficou, que são os seguintes:

- Dores e limitações no pé esquerdo;

- Dor à mobilidade passiva dos dedos do pé esquerdo; flexão dos metatarsos limitada a 20º à esquerda, com dor; mobilidades do tornozelo preservadas em todos os campos; não caminha em bicos de pés no lado esquerdo, pela dor; não obstante, marcha normal sem apoio ou claudicação;

- Duas cicatrizes cirúrgicas com sinais de sutura na face dorsal do pé esquerdo, a mais medial sinuosa, com 7 cm de comprimento, a mais lateral retilínea, com 5 cm de comprimento; ligeiro aplanamento da planta do pé esquerdo; sem amiotrofia dos músculos da perna;

- Dano estético permanente fixável no grau 1 numa escala de gravidade crescente de 1 a 7;

- Repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 3 numa escala de gravidade crescente de 1 a 7.

Ou seja, o autor ficará com limitações físicas significativas durante o resto da sua vida, que o impedirão de desfrutar plenamente desta, nomeadamente no que concerne às actividades desportivas e de lazer, tão importantes para a saúde e o bem-estar de qualquer pessoa, impedimento esse que lhe causará, necessariamente, sofrimento e frustração. Além disso, terá de suportar dores de que estaria livre se não fosse o crime cometido pelo interveniente (…). Tudo isto determina que, para além do dano estritamente biológico, o autor sofra danos não patrimoniais significativos, que carecem de compensação.

Perante o quadro descrito e à luz do critério de equidade estabelecido no artigo 496.º, n.º 4, do Código Civil, consideramos adequada uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 20.000,00, devendo a sentença recorrida ser alterada em conformidade.

3 – Culpa do lesado:

A interveniente DHL censura a sentença recorrida por esta não ter considerado que houve culpa do autor na produção do dano. Segundo a interveniente DHL, essa culpa existiu porquanto o autor abandonou indevidamente a «zona de espera» onde ele tinha o dever de permanecer enquanto se realizava a operação de descarga, colocando-se voluntariamente numa situação de risco, e foi nessas circunstâncias que o «acidente» ocorreu. Com este fundamento, a interveniente DHL sustenta que se verifica uma situação de responsabilidade concorrente entre o autor e o interveniente (…) para o efeito previsto no n.º 1 do artigo 570.º do Código Civil.

O n.º 1 do artigo 570.º do CC estabelece que, quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

A saída do autor da «zona de espera» não pode ser considerada culposa, antes tendo sido inteiramente justificada, atentos os factos descritos nos n.ºs 2, 2-A, 3 e 37 do EFP. O autor dirigiu-se ao local onde a descarga se efectuava com o objectivo de chamar a atenção do interveniente (…) para a forma deficiente como este estava a fazer o seu trabalho, danificando o veículo que ele, autor, tinha à sua guarda. Não era exigível que, perante a actuação desastrada do interveniente (…), o autor se mantivesse, impávido e sereno, na «zona de espera», como se a descarga estivesse a decorrer com toda a normalidade. Pelo contrário, o autor tinha o dever de zelar pelo veículo que lhe estava confiado, desde logo chamando a atenção de quem estava a danificá-lo.

Por outro lado, o autor não foi atingido pelo empilhador de forma casual, enquanto as operações de descarga decorriam. Atente-se na forma como os n.ºs 3 e 4 do EFP descrevem o que aconteceu: o interveniente (…) embateu com o material no veículo; o autor chamou a atenção do interveniente (…) para esse facto; gerou-se uma discussão entre o autor e o interveniente (…); subitamente, enquanto o autor permanecia do lado esquerdo do interveniente (…) e junto ao empilhador, este, intencionalmente, movimentou o empilhador de forma a que este embatesse nas pernas daquele e passasse com uma das rodas por cima dos seus pés, provocando a sua queda no solo. Não se tratou de um acidente, mas de um crime doloso, por cuja prática o interveniente (…) foi condenado por sentença transitada em julgado.

Nestas circunstâncias, não tem cabimento qualquer ponderação de culpas. O autor actuou sem culpa e, em contraponto, o interveniente (…) actuou com a modalidade mais grave de culpa, que é o dolo. A produção e a dimensão dos danos sofridos pelo autor ficou a dever-se exclusivamente à actuação dolosa do interveniente (…), pelo que é inaplicável o disposto no n.º 1 do artigo 570.º do Código Civil.

4 – Responsabilidade civil da interveniente principal (…) Services – Empresa de Trabalho Temporário, Unipessoal, Lda.:

A interveniente DHL pretende que, além dela própria e do interveniente (…), também a interveniente (…) Services seja julgada civilmente responsável e, consequentemente, condenada no pagamento da indemnização que for devida ao autor. Argumenta em termos que assim resumimos:

- Apesar de o interveniente (…) estar integrado nas equipas da interveniente DHL e trabalhar sob as ordens e a supervisão desta, o vínculo laboral e a subordinação jurídica mantiveram-se integralmente com a interveniente (…) Services, que é uma empresa de trabalho temporário;

- Por isso e porque não ficou demonstrada, de forma inequívoca, a culpa exclusiva da interveniente DHL, a interveniente (…) Services é civilmente responsável, nos termos do artigo 500.º do CC, pelos actos praticados pelo interveniente (…).

Os n.ºs 1 e 2 do artigo 500.º do CC têm a seguinte redacção:

1 – Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.

2 – A responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada.

Para o efeito previsto no artigo 500.º do CC, comissão significa «serviço ou actividade realizada por conta e sob a direcção de outrem, podendo essa actividade traduzir-se num acto isolado ou numa função duradoura, ter carácter gratuito ou oneroso, manual ou intelectual, etc.. (…) pressupõe uma relação de dependência entre o comitente e o comissário, que autorize aquele a dar ordens ou instruções a este, pois só esta possibilidade de direcção é capaz de justificar a responsabilidade do primeiro pelos actos do segundo. (…) É o caso (…) do operário ou empregado em relação à entidade patronal (…)»[1]

A relação laboral constitui uma das hipóteses mais comuns de comissão para o efeito previsto no artigo 500.º do CC, o que implica que, em princípio, a entidade patronal incorra em responsabilidade civil objectiva, como comitente, por actos ilícitos e culposos, praticados pelos seus trabalhadores no exercício das funções que lhes atribuiu, que causem danos a terceiros.

Todavia, importa não perder de vista o óbvio: é a comissão, no sentido acima descrito, e não a relação laboral, que constitui elemento da previsão do artigo 500.º do CC. Significa isto que a existência de uma relação laboral apenas poderá fundamentar a responsabilidade objectiva da entidade patronal ao abrigo do disposto no artigo 500.º do CC na medida em que, no caso concreto, mantenha os elementos definidores da comissão. Sublinhamos este aspecto porquanto a interveniente DHL parece tê-lo esquecido, ao insistir que a interveniente (…) Services deve ser civilmente responsabilizada, como comitente, pelos danos causados pelo interveniente (…), pelo simples facto de ser ela a entidade patronal deste.

Analisemos, então, em que medida a prestação de trabalho temporário nos termos dos artigos 172.º a 192.º do Código do Trabalho (CT) impõe uma visão diferenciada do contrato de trabalho para os efeitos previstos no artigo 500.º do CC.

No regime de trabalho temporário, o trabalhador mantém o vínculo laboral com a empresa de trabalho temporário, que lhe paga a retribuição, mas presta a sua actividade a terceiros, denominados utilizadores, aos quais é cedido pela sua entidade patronal – CT, artigo 172.º. Logo, é o utilizador quem, em cada momento, determina as funções que o trabalhador deverá desempenhar e os termos em que deverá fazê-lo. Cabe ainda ao utilizador enquadrar e fiscalizar a prestação do trabalho.

Sendo assim, comitente, para o efeito previsto no artigo 500.º do CC, é apenas o utilizador. É este e apenas este quem encarrega outrem de uma comissão, pois é ele e apenas ele quem define as tarefas que o trabalhador deverá desempenhar na sua empresa e os termos em que deverá fazê-lo, dando-lhe ordens e instruções e fiscalizando a sua execução. Os poderes e deveres que sobram para a empresa de trabalho temporário no âmbito da relação laboral não são idóneos para configurar uma relação de comissão e, por essa via, responsabilizá-la civilmente pelos actos praticados pelo seu trabalhador no exercício das funções que lhe foram cometidas pelo utilizador.

Flui do exposto que carece de fundamento a pretensão da interveniente DHL de ver a interveniente (…) Services responsabilizada civilmente ao abrigo do disposto no artigo 500.º do CC e condenada no pagamento da indemnização atribuída ao autor.


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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto:

- Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo autor, fixando em € 20.000,00 (vinte mil euros) a indemnização por danos não patrimoniais, mas mantendo o montante fixado na sentença recorrida para a indemnização pelo dano biológico;

- Julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela interveniente DHL.

As custas do recurso interposto pelo autor são da responsabilidade deste e dos recorridos, na proporção do seu decaimento.

As custas do recurso interposto pela interveniente DHL são da responsabilidade exclusiva desta.

Notifique.


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Sumário: (…)

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30.10.2025

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

Maria Domingas Simões (1ª adjunta)

Maria Emília Melo e Castro (2ª adjunta)


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[1] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição revista e actualizada, pág. 441, em anotação ao artigo 500.º.