Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
656/09.9GELLE.E1
Relator:
JOÃO GOMES DE SOUSA
Descritores: RECURSO
ÓNUS DO RECORRENTE
Data do Acordão: 10/07/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:
1. O ónus do recorrente é o de fazer escolhas e de expressar, de forma tão sucinta e cristalina quanto possível, as suas opções processuais, designadamente, a definição clara e insofismável da sua estratégia recursal. Não cabe ao Tribunal fazer, pelo recorrente, as suas opções de recurso.

2. Na motivação, o recorrente expõe, explica e desenvolve os fundamentos da discordância relativamente à decisão impugnada e os que conduzem à solução que pretende ver consagrada.

3. Nas conclusões apresenta proposições sintéticas que decorrem do que se expôs e considerou ao longo da motivação, procede-se a um enunciado conciso daquela exposição.

4. Assim se concretiza o dever de colaboração do recorrente na formulação das questões controvertidas e delimitação objectiva do âmbito do recurso, e se contribui, do mesmo passo, para a defesa dos direitos do recorrente na realização da justiça.

5. O ónus de concluir obtém-se “pela indicação resumida dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da sentença ou despacho. Mais simplesmente, enunciação abreviada dos fundamentos do recurso”, os quais devem ser claros e concretos “pois aos tribunais não incumbe perscrutar a intenção das partes, mas sim apreciar as questões que são submetidas ao seu exame” e não a “reprodução longa e indigesta” das motivações.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.

A - Relatório:

No âmbito do processo sumário supra numerado do Tribunal Judicial da comarca de … veio o arguido F. insurgir-se contra a decisão sumária de 20-04-2010 (fls. 189-190) que rejeitou o recurso por si interposto, após convite à correcção não cumprido pelo recorrente.

É o seguinte o teor de tal Decisão Sumária:
DECISÃO SUMÁRIA
Nos presentes autos de processo sumário nº 656/09.9GELLE do 2°Juizo de Competência Criminal do Tribunal Judicial de …, o arguido F. interpôs recurso da sentença que o condenou pela prática de um crime de desobediência p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts.152° n. 1, al. a) e 3 do C.Estrada e 348° n. 1, al. a) e 69°, ambos do C.Penal, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de €10 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 4 meses.

Face às conclusões do recurso apresentado, por despacho proferido em 9/3/2010, foi o recorrente convidado nos termos do art.417° n. 3 do CPP a apresentar novo requerimento de recurso da sentença, corrigindo as conclusões formuladas, uma vez que estas mais não eram do que a repetição da motivação, aliás, prolixa, não resultando, de forma clara, as questões concretas a apreciar no recurso interposto. O convite à correcção foi efectuado com a cominação de, caso não atendido pelo recorrente, ser rejeitado o recurso.

Decorrido o prazo concedido para a correcção, 10 dias, o recorrente não cumpriu o convite que lhe foi dirigido, não apresentando novo requerimento de recurso com as conclusões corrigidas.

Nos termos do art. 420° n. 1, al. c) do CPP "O recurso é rejeitado sempre que o recorrente não apresente, complete ou esclareça as conclusões formuladas e esse vício afectar a totalidade do recurso, nos termos do n. 3 do artigo 417°".

No caso vertente, uma vez que o recorrente não cumpriu o convite à correcção das conclusões e sendo que as apresentadas aquando da interposição do recurso, são um decalque da motivação, com considerandos acessórios, confusos, não especificando, de forma clara, as concretas questões a apreciar, nos termos do art.420° n. 1, al.c) do CPP, rejeito o recurso interposto pelo arguido F.

Pelo exposto, nos termos do art. 420° n. 1, al. c) do CPP rejeito o recurso interposto pelo arguido F.

Condeno o recorrente no pagamento da importância de 4 Ucs - art.420° n. 3 do CPP. Notifique”.

*
1) – Inconformado, veio o recorrente apresentar peça processual designada como “reclamação/Recurso sobre a Decisão Sumária”.

Esta faz-se acompanhar de peça processual extemporânea onde se pretende ter corrigido as conclusões de recurso e de documentos apresentados ex novo e não produzidos em primeira instância.

Convidado a esclarecer a natureza de tal peça processual, o recorrente nada disse.

É o seguinte o teor das conclusões de tal peça processual:

1) A presente Reclamação / Recurso é feita em tempo, previamente ao trânsito em julgado da douta decisão sumária proferida no processo, pelo que é requerida a sua admissão nos termos do CPP;

2) A presente RECLAMAÇÃO é apresentada nos termos gerais da Lei de processo, como forma não só de reagir ao teor dessa mesma decisão, mas também como forma de expor e justificar um conjunto de aspectos que puderam enformar tal decisão;

3) O artigo 417.° n. 3, prevê em epígrafe, regular a fase processual recursiva do "exame preliminar";

4) Em substância, a Douta Decisão proferida pronuncia-se como se pronunciasse nos termos do n. 6 do art. 417.° em sede de exame preliminar, ou seja: Pronuncia-se como se "alguma circunstância obstar ao conhecimento do Recurso" ou o Recurso "dever (devesse) ser rejeitado"-E este "rejeitado", em substância, pode remeter paro a rejeição do recurso previsto no art." 420.° n." 1 alínea c) do CPP, até porque este tipo de rejeição se reporta o "esse vício afectar o totalidade do Recurso nos termos do n. 3 do artigo 417.°";

5) Ou seja, permitindo, mutatis mutandis, que o Reclamação seja decidido em conferência nos termos do art." 419.° n." 3, por aplicação também por "analogia" do art" 417.n° 6, em resultado do convite e do Douto decisão ter sido proferido em sede de fase de "exame preliminar" nos termos do art." 417.° do CPP;

6) Não sendo assim entendido, por parte de V.Exas., em conferência, ou não, que seja a seguinte RECLAMAÇÃO admitida e apreciada, sobre a tomada de uma Douta decisão proferido ao obrigo do art. 420º n. 1, c) do CPP, nos termos gerais do Lei (ou Lei de Processo de aplicação subsidiário);

7) Ou também, se não for este o entendimento de V.Exas., que seja admitido a presente peça processual como requerimento e apreciado pela Relação, dentro do prazo de trânsito em Julgado, como peça justificativa da não prática do acto, com efeitos a nível da prossecução do processo para efectivo julgamento de Recurso;

8) Por fim, se nenhum destes entendimentos for admitido pelo Lei Processual e/ ou pelo sentido de Administração de Justiça que couber ao caso concreto, ou nos termos dos princípios de Gerais Direito pertinentes, que seja a presente peça processual admitida como Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do preceituado no art. 432.° n. 1, alínea b);

9) Convertendo-se as motivações a presente reclamação, ou o seu articulado e respectivas conclusões, em motivações, articulado e conclusões de Recurso para o STJ, da Douta Decisão sumária proferida pela Exma. Relatora do Tribunal a Relação de Évora;

10) A presente Reclamação (ou Recurso) foi precedida de alguma reflexão não só quanto ao meio processual idóneo a utilizar para fazer valer os direitos do arguido em face da Douta decisão sumária, mas também sobre os argumentos de Facto e de Direito a aduzir para não só refutar a Douta Decisão Sumária, mas também o convite ao aperfeiçoamento das conclusões, que lhe serviu de base.

11) Antes da própria decisão sumária ter sido conhecida pelo arguido, o Recurso aperfeiçoado encontrava-se pronto a enviar ao Tribunal da Relação de Évora

12) No próprio dia do conhecimento da decisão, o arguido toma conhecimento da Douta Decisão Sumária, cujo teor levou à ponderação da apresentação de uma Reclamação ou exposição, convertível ou não em Recurso, dado o apertado prazo de trânsito em julgado;

13) Sem prejuízo do envio em anexo do novo articulado de Recurso contendo o aperfeiçoamento do Recurso na parte das conclusões, sucederam-se um conjunto de factos que obstaram o envio atempado do Recurso, a saber:

14) O mandatário do arguido, perdeu a notificação com a referência 631993 que continha o convite ao aperfeiçoamento das conclusões, uma vez que por erro remeteu o envelope, no dia em que o levantou no correio, entre outras notificações que recebeu na semana, numa pasta a um cliente para exame de uma notificação que lhe adveio de um processo;

15) Com algumas dificuldades de comunicação pelo meio, o mesmo cliente devolve-lhe o envelope (fechado) uns dias após o término das férias judiciais;

16) Toma então o mandatário conhecimento da mesma notificação e do prazo que tinha entretanto expirado, mas não da cominação legal, por lapso;

17) Sucederam para cúmulo dois outros factos: O mandatário do arguido adoeceu na semana subsequente à do término das férias judiciais e por erro informático perdeu o suporte digital do articulado original de recurso, o que lhe obrigou a refazer todo o articulado do princípio ao fim, contendo as novas conclusões, solicitadas pela Mmª. Relatora;

18) Originando a finalização das conclusões e a digitalização do novo articulado, no dia 21 ou 22 de Abril de 2010;

19) O mandatário pensou ainda, baseado em anteriores situações neste processo, que o Tribunal da Relação, reinsistiria com a notificação a convidar ao aperfeiçoamento, mantendo o prazo para envio das novas conclusões e respectivo suporte digital, mas não o fez;

20) E não o fazendo decidiu sumariamente, não permitindo a explicação destes factos, cuja justificação, requer o mandatário do arguido que seja atendida, dando-se provimento à prossecução do processo e seus ulteriores termos, já que,

21) O arguido, tempestivamente apresentou recurso e resposta ao Douto parecer do Ministério Público - O qual foi havido pela /lustre procuradora que homologou o referido parecer, como redigido de forma "proficiente".

22) Sempre mostrou interesse em prosseguir com o processo, requereu apoio judiciário - O qual foi admitido em prestações mensais - E não negou cooperação com o Tribunal em algum caso;

23) É manifestamente prejudicado com a Douta Decisão sumária, sem ter culpa nenhuma e não compreende que o seu interesse na prossecução da justiça fique reduzido a uma questão formal, incidental, que não afasta a análise da totalidade da matéria substancial do Recurso;

24) É manifestamente prejudicado em custas, sem ter culpa nenhuma e posto numa situação conflitual e desnecessária ante o seu mandatário;

25) A Douta decisão sumária prejudica o trabalho desenvolvido no processo, relegando para o arquivo de papéis, as Motivações de Recurso, a recolha de nova prova, o Parecer do Ministério Público e a Resposta ao mesmo parecer, tudo peças que foram apresentadas em tempo ao Tribunal;

26) Prejudica todo este trabalho desenvolvido desde 2009 e com isso prejudicando o fim básico e último do recurso ao Tribunal da Relação - A prossecução da Administração da Justiça material e a concretização de direitos, liberdades e garantias de um arguido afectado por uma decisão de um Tribunal de Primeira Instância, ainda para mais em processo sumário e com menores garantias práticas de defesa.

27) Todavia, e apesar do teor das anteriores conclusões, é de refutar o argumento suscitado para o convite ao aperfeiçoamento das conclusões nos termos do art." 417.° n. 3:

28) O convite elaborado de acordo com o acima mencionado preceito, refere que se deve cumprir o art." 412.° n." 1 do CPP, uma vez que as 16 conclusões devem ser apresentadas sobre proposições formuladas de forma "sintética" e não "manifestamente prolixa", com "inúmeras alegações acessórias";

29) A redacção do art." 412.° n. 1 do CPP nada refere relativamente a esses aspectos invocados;
30) O arguido deduz efectivamente as conclusões em artigos em que procurou com a extensão tão ampla quanto possível fundamentar os pedidos formulados, os quais se apresentam também de forma subsidiária ou alternativa;

31) Se essa extensão resulta em "prolixidade" "alegações acessórias" ou "de ligação" entre ideias ou juízos- Tal não é fundamento para a rejeição de um recurso - Mesmo que tenha resultado algum excesso de verbo ou redundância;

32) Cabe ao colectivo da Magistratura, com capacidade para intervir e decisão, i.e. os Mmº. juízes a distinção "do trigo do joio", feita aliás de forma clara pelo M.P aquando da sua resposta;

33) Não peca pois, a peça, de falta de conclusões, mas antes de uma variedade das mesmas, quer constituam - Como constituem muitas conclusões - elaboração ou cópia das motivações. E isso não é proibido por Lei;

34) Não se concorda pois que dentro de um princípio de "igualdade de armas" fosse também o Ministério Público sujeito a tal aperfeiçoamento, até porque o próprio M.P. soube distinguir o essencial do acessório, responder às conclusões e pronunciar-se sobre o pedido, dispensando ulteriores aperfeiçoamentos;

35) E se o Ministério Público o conseguiu, também os Venerandos Desembargadores, o conseguem sem a necessidade de exame que careça aperfeiçoamento ou condensação. Essa mesma condensação é feita no processo em Acórdão;

36) Donde resulta a invocação do art." 412.° n." 1, como efectivamente cumprido nas primordiais Alegações;

37) E resulta também - Que a Relação tinha toda a matéria escrita para decidir o Recurso e todos os elementos para separar o essencial do acessório;

38) Se voltarmos ao recurso ao artigo 417.° n." 3, verificamos que esta disposição é claramente incorrectamente aplicada, para fazer vingar a aplicação do n. 1 do art." 412.° do CPP:

39) O artigo 417.° n. 3 refere claramente que: "Se a motivação e recurso não contiver conclusões ou destas não seja possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nsº 2 a 5 do art." 412.°, o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada";

40) Ora nas motivações e conclusões originais, para além de existirem conclusões, aquelas indicações do n. 2 e 5 do art. 412.° estão lá todas!;

41) Donde se verifica que o art. 417.° n.º 3 é incorrectamente aplicado, por ordenar consequência diversa da prescrita no artigo, encontrando-se plenamente verificados os pressupostos do artigo 412 n. 1 a 5, e cumpridos no texto das originais motivações e conclusões;

42) Sendo em consequência despiciendo o Recurso ao art." 417.° n. 3 no processo e insustentável o seu cumprimento - Concomitantemente

Como base para a rejeição de Recurso nos termos o art." 420º n.1 alínea c);

43) Podendo inclusivamente ser suscitada a nulidade dos termos em que é formulado o convite e correspectiva cominação legal.

Termos em que,

Nestes e nos demais termos de Direito que V.Exa. entenda Doutamente por suprir, se requer que:

a) Seja a presente peça processual admitida como Reclamação, exposição ou Recurso, nos termos prescritos, cabendo o Recurso, com a motivação e conclusões insertas, para o Supremo Tribunal de Justiça;

b) Seja considerada incorrecta aplicação do disposto no art.º 417.° n. 3 na Douta Decisão Sumária e no Convite dirigido ao arguido e sejam apreciada as correspondentes e eventuais nulidades desses despachos;

c) Em consequência, seja revogada a Douta Decisão Sumária;

d) Seja o originário recurso admitido por legal e tempestivo e declarado procedente;

e) Seja a Sentença de primeira instância revogada e apreciadas as suas eventuais nulidades, determinando-se a consequente absolvição do arguido;

f) Não sendo esse o caso, que seja determinada a repetição do julgamento em consequência do exposto e nos termos do art. 426.° do CPP;

g)Que seja admitida a renovação da prova documental, admitindo a análise do doc. 1 que se junta e a renovação da prova testemunhal, por testemunha já arrolada no julgamento da primeira instância e por testemunha do arguido a indicar;

h) Que em caso de entendimento diverso, que o Tribunal decrete o cumprimento de trabalho a favor da comunidade em substituição da multa e a redução ao mínimo da sanção acessória de inibição de condução ou a sua aplicação aos fins-de-semana, dada a indispensabilidade do uso da viatura do arguido para se deslocar para e assegurar o seu posto de trabalho;
*
Cumpre decidir.

Com o devido respeito pensamos que a origem do dissídio, o problema essencial, se encontra no teor destas conclusões do recorrente.

30) O arguido deduz efectivamente as conclusões em artigos em que procurou com a extensão tão ampla quanto possível fundamentar os pedidos formulados, os quais se apresentam também de forma subsidiária ou alternativa;

31) Se essa extensão resulta em "prolixidade", "alegações acessórias" ou "de ligação" entre ideias ou juízos- Tal não é fundamento para a rejeição de um recurso - Mesmo que tenha resultado algum excesso de verbo ou redundância;

32) Cabe ao colectivo da Magistratura, com capacidade para intervir e decisão, i.e. os Mmº. juízes a distinção "do trigo do joio",

35) E se o Ministério Público o conseguiu, também os Venerandos Desembargadores, o conseguem sem a necessidade de exame que careça aperfeiçoamento ou condensação. Essa mesma condensação é feita no processo em Acórdão;

37) E resulta também - Que a Relação tinha toda a matéria escrita para decidir o Recurso e todos os elementos para separar o essencial do acessório;

No entender do recorrente o seu ónus é o de, de forma tão ampla quanto possível, espraiar-se em excesso de verbo ou redundância e multiplicar-se em pedidos subsidiários e alternativos.

O ónus do tribunal é o de, no centro da imensa seara, “separar o trigo do joio”.

O ónus do recorrente é colocar em “matéria escrita” tudo o que lhe aprouver. Ao tribunal separar o essencial do acessório, supondo artes de distinguir o que o recorrente entende como essencial ou acessório. Ao Tribunal incumbe, pois, a tarefa de conhecer do recurso com artes de adivinhação.

Não há nestas afirmações do tribunal o mínimo de imaginativo. São um mero resumo das alegações do recorrente.

Nem se apercebe o recorrente de que o seu ónus é o de fazer escolhas e de expressar, de forma tão sucinta e cristalina quanto possível, as suas opções processuais, designadamente, a definição clara e insofismável da sua estratégia recursal.

Mais, não se apercebe o recorrente – como é jurisprudência constitucional pacífica – que não cabe ao Tribunal fazer, pelo recorrente, as suas opções de recurso. Que não é permitido ao tribunal pôr-se a adivinhar quais sejam as concretas pretensões do recorrente.

A peça ora apresentada pelo recorrente mais não é do que a confirmação do acerto do convite ao aperfeiçoamento, tal a prolixidade e confusão de pretensões trazidas ao conhecimento do tribunal.

Aliás, é de recordar, desde logo, que ao recorrente incumbe balizar o que pretende ver conhecido pelo tribunal e que é essa sua peça processual, designadamente as conclusões, que cumprem essa tarefa. É sabido que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação.

Para além do ónus de enunciar especificamente os fundamentos do recurso, tem ainda o recorrente o ónus de concluir, ou seja, de apresentar resumidamente as razões da discordância da decisão atacada – artigo 412°, n° 1 Código de Processo Penal.

Vem a jurisprudência entendendo, de modo pacífico, que as conclusões hão-de constituir uma enunciação resumida, explícita e inteligível das questões equacionadas pelo recorrente, visando facilitar a realização do contraditório e balizar a decisão; em suma, pretende-se que sejam uma súmula das razões da discordância da decisão impugnada.

Na motivação, o recorrente expõe, explica e desenvolve os fundamentos da discordância relativamente à decisão impugnada e os que conduzem à solução que pretende ver consagrada. Nas conclusões apresenta proposições sintéticas que decorrem do que se expôs e considerou ao longo da motivação, procede-se a um enunciado conciso daquela exposição.

Assim se concretiza o dever de colaboração do recorrente na formulação das questões controvertidas e delimitação objectiva do âmbito do recurso, e se contribui, do mesmo passo, para a defesa dos direitos do recorrente na realização da justiça.

Como afirmava ALBERTO DOS REIS, “para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação” (Código de Processo Civil Anotado, volume V, reimpressão, Coimbra, 1984, página 359)".
Assim, o ónus de concluir obtém-se “pela indicação resumida dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da sentença ou despacho. Mais simplesmente, enunciação abreviada dos fundamentos do recurso” (ibidem), os quais devem ser claros e concretos “pois aos tribunais não incumbe perscrutar a intenção das partes, mas sim apreciar as questões que são submetidas ao seu exame” (ibidem) e não a “reprodução longa e indigesta” das motivações (idem, pag. 360).

Ora, nas suas conclusões, desnecessariamente longas, o recorrente limita-se a, com ligeiras alterações, reproduzir o dito na motivação.

A omissão de indicação das menções aludidas no artigo 412º do Código de Processo Penal que tenha como efeito a rejeição do recurso só deverá acontecer após ter sido dada a oportunidade ao recorrente de suprir essa deficiência, sob pena de violação do princípio de garantia de defesa do arguido.

Nos termos do disposto no artigo 417º, nº 3 do Código de Processo Penal “Se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos ns. 2 a 5 do artigo 412.º, o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada”, na sequência, aliás, da previsão da al. c) do nº 1 do artigo 420.º do mesmo diploma, a saber, “O recurso é rejeitado sempre que … o recorrente não apresente, complete ou esclareça as conclusões formuladas e esse vício afectar a totalidade do recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 417.º

Interpretação que encontra arrimo constitucional, como aliás, já afirmado pelo Tribunal Constitucional no acórdão nº 193/97 – (“Os artigos 412º nº 1 e 420º nº 2 contêm suficiente espaço de interpretação para possibilitar um entendimento que, face a conclusões de recurso tidas por não concisas (onde não se resuma as razões do pedido), não deixe de permitir-se uma possibilidade de aperfeiçoamento das mesmas, configurando uma interpretação constitucionalmente conforme”).

Jurisprudência que veio a ser confirmada pelo acórdão nº 140/2006 com o reconhecimento que o estabelecimento, por parte do legislador ordinário, desse ónus e do efeito preclusivo que lhe está associado depois do convite ao recorrente para corrigir o vício processual não é “ofensivo das garantias de defesa constitucionalmente reconhecidas”.

Assim, por se entender que a falta de concisão ou prolixidade das conclusões equivale à falta de conclusões, convidou-se – e bem - o recorrente a corrigir o seu requerimento de recurso com apresentação de conclusões concisas, sob pena de rejeição do recurso não o fazendo – artigo 417º, nº 3 do mesmo diploma.

Ora, a isto o recorrente disse nada.

E a consequência é inexorável, o disposto no artigo 417º, nº 3, in fine é claro: o recurso deve ser rejeitado.

Vem agora, fora de tempo e com razões não atendíveis, pretender alegar o justo impedimento, o que não pode ser atendido.

Nesta parte o requerimento do recorrente cumpre, ao que parece, uma terceira função, a de alegação de justo impedimento.

Mas mal o faz, desde logo devido à sua própria prolixidade, já que na conclusão 11ª do requerimento afirma que “Antes da própria decisão sumária ter sido conhecida pelo arguido, o Recurso aperfeiçoado encontrava-se pronto a enviar ao Tribunal da Relação de Évora”, para logo após (conclusões 14ª a 20ª), afirmar que, muitos dias depois, (16)“Toma então o mandatário conhecimento da mesma notificação e do prazo que tinha entretanto expirado, mas não da cominação legal, por lapso; (17) Sucederam para cúmulo dois outros factos: O mandatário do arguido adoeceu na semana subsequente à do término das férias judiciais e por erro informático perdeu o suporte digital do articulado original de recurso, o que lhe obrigou a refazer todo o articulado do princípio ao fim, contendo as novas conclusões, solicitadas pela Mmª. Relatora;

Mas então o recurso aperfeiçoado não estava já pronto para envio ao Tribunal da Relação?
Por outro lado, como se pode afirmar que (19)” O mandatário pensou ainda, baseado em anteriores situações neste processo, que o Tribunal da Relação, reinsistiria com a notificação a convidar ao aperfeiçoamento, mantendo o prazo para envio das novas conclusões e respectivo suporte digital, mas não o fez;”.

Como pode o ilustre causídico invocar o desconhecimento da lei que obviamente não desconhece?

Como pode invocar uma esperança de nova notificação, contra legem, estando já pronto o recurso aperfeiçoado (como alega em 11º)?

O requerimento do recorrente não serve, pelas razões expostas, como invocação de justo impedimento.

Convidado de novo a esclarecer, agora o que pretendia desta sua segunda peça processual - se recurso, se reclamação - o recorrente voltou a dizer nada, quiçá crente na sua estratégia de “separação do trigo do joio” como ónus do tribunal.

Quanto à prolação da própria decisão sumária é claro o artigo 417º, nº 6, al. b): “Após exame preliminar, o relator profere decisão sumária sempre que (b) o recurso dever ser rejeitado”.

Assim esta peça “optativa” do recorrente só pode ser entendida como uma reclamação da decisão sumária, tal como se estatui no nº 3 do artigo 419º do Código de Processo Penal (“O recurso é julgado em conferência quando (a) tenha sido apresentada reclamação da decisão sumária prevista no n.º 6 do artigo 417.º”).

Por tudo se impõe, como se afirmou, a manutenção da decisão sumária e a improcedência do recurso.

Verifica-se, por outro lado, que a decisão sumária, não obstante ter condenado o recorrente em 3 Ucs nos termos do nº 3 do artigo 420º do Código de Processo Penal, olvidou a condenação do mesmo em custas, já que o montante referido no nº 3 do preceito não são custas mas uma multa devida pela rejeição do recurso.

Assim, opera-se a reforma da decisão sumária quanto a custas, condenando-se o recorrente nas custas do recurso, com 2 (duas) Ucs de taxa de justiça, a que acrescerão as 3 Ucs devidas nos termos do nº 3 do artigo 420º do Código de Processo Penal.
*
Dispositivo

Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 2ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em negar provimento à reclamação e em confirmar a decisão sumária lavrada nos autos.

Opera-se a reforma da decisão sumária quanto a custas, condenando-se o recorrente nas custas do recurso, com 2 (duas) ucs de taxa de justiça, a que acrescerão as 3 (três) Ucs devidas nos termos do nº 3 do artigo 420º do Código de Processo Penal.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) Ucs.

Évora, 07 de Outubro de 2010

João Gomes de Sousa

António Alves Duarte