Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
| Processo: |
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| Relator: | RICARDO MIRANDA PEIXOTO | ||
| Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO PRAZO CERTO OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO COMUNICAÇÃO INVALIDADE EFICÁCIA | ||
| Data do Acordão: | 12/16/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA | ||
| Área Temática: | CÍVEL | ||
| Sumário: | SUMÁRIO (art.º 663º, n.º 7, do CPC):
I. A invalidade parcial de uma declaração só afecta a parte restante da mesma quando se demostre que esta não teria sido emitida sem a parte viciada. II. A errada referência ao dia a partir do qual produz efeitos a declaração de oposição da senhoria à renovação do contrato de arrendamento habitacional, não afecta a validade da manifestação incondicional de vontade daquela, em opor-se à sua renovação depois de esgotado o prazo de vigência inicial aplicável. III. Cumprida pela senhoria a antecedência legalmente prevista para comunicar, à pessoa da inquilina, a oposição à renovação do contrato de arrendamento celebrado por um ano, sucessivamente renovável, os seus efeitos produzem-se quando da primeira renovação que, por determinação legal, só se verifica depois de cumpridos os três primeiros anos de vigência. IV. A ultrapassagem dos três primeiros anos de vigência do contrato em data anterior à prolação da sentença da 1ª instância, é uma ocorrência certa, evidente para todos e que deve ser considerada pelo juiz na sua decisão, ainda que não tenha sido alegada pelas partes. V. Verificando-se o precedente condicionalismo, cessa, depois do terceiro ano, por caducidade, o contrato de arrendamento para habitação objecto de oposição à renovação por parte da senhoria, devendo a inquilina desocupar o imóvel e restituí-lo à senhoria. | ||
| Decisão Texto Integral: | *
Apelação 3911/23.1T8PTM.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Local Cível de Portimão – Juiz 2 * *** * Acordam os Juízes na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, sendo Relator: Ricardo Miranda Peixoto; 1º Adjunto: Maria Adelaide Domingos; 2º Adjunto: Filipe Aveiro Marques. * *** I. RELATÓRIO * A. AA, na qualidade de cabeça-de-casal da herança de BB, propôs contra CC, a presente acção declarativa de condenação, pedindo que seja reconhecida a cessação, por caducidade, do contrato de arrendamento melhor descrito na p.i. e que a Ré seja condenada a desocupar o imóvel, restituindo-o à Autora, livre e devoluto de pessoas e bens, com a respetiva chave e nas condições em que se encontrava aquando do arrendamento. Para tanto, alega que celebrou com a Ré contrato de arrendamento urbano destinado a habitação com prazo certo pelo período de um ano, tendo por objecto a fracção autónoma designada pela letra A, inserida em prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, descrita na Conservatória do Registo Predial de Cidade A sob o n.º 6023/19961002-A e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 4580, com início no dia 01/07/2022 e com termo no dia 30/06/2023. Por convenção entre as partes foi afastada a renovação automática do contrato, mediante manifestação de oposição à renovação ou denúncia, sendo que a Autora informou a Ré por meio de carta registada recepcionada no dia 01/02/2023, da oposição à renovação do contrato de arrendamento, tendo o contrato cessado no dia 30/06/2023. B. A Ré contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção peremptória. Sustentou que está prevista, no n.º 3 da Cláusula Terceira do Contrato de Arrendamento, a renovação automática do contrato por iguais e sucessivos períodos e que os senhorios não justificaram a oposição à renovação do referido contrato, na necessidade do locado para habitação própria e permanente. Não existindo disposição legal que afaste o disposto no n.º 3 do artigo 1097.º do Código Civil e estando prevista a renovação do contrato, tal determinação tem carácter imperativo, nos termos do disposto no artigo 1080.º do Código Civil, não podendo ser afastada. A oposição à renovação do contrato de arrendamento só produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, ou seja, só em 30/06/2025 ocorrerá a caducidade do aludido contrato. C. Cumprido o exercício prévio do contraditório, foi proferido, no dia 01.09.2025, despacho saneador-sentença que julgou improcedente a acção, absolvendo a Ré do pedido, por considerar inválida e ineficaz a oposição à renovação do contrato de arrendamento promovida pela Autora, já que o término do contrato ocorreu apenas na pendência da acção, em 30/06/2025. D. Inconformada com o assim decidido, a Autora interpôs o presente recurso de apelação, concluindo as suas alegações nos seguintes termos (transcrição parcial, sem negrito e sublinhado da origem): “(…) 1. A sentença recorrida padece de nulidade, por contradição entre os fundamentos e a decisão, uma vez que, apesar de reconhecer a caducidade do contrato de arrendamento (ainda que apenas em 30/06/2025), julgou a ação improcedente, mantendo a Ré na posse do imóvel, o que viola o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), CPC. 2. Verifica-se também omissão de pronúncia, pois o Tribunal a quo deixou de apreciar o pedido principal do Autor a condenação da Ré a restituir o imóvel livre de pessoas e bens, o que viola o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), CPC. 3. Citada nulidade é insanável, isto porque, reconhecendo a caducidade do contrato, a sentença teria necessariamente de declarar a procedência da ação, impondo a restituição do locado (arts. 1038.º, al. i), e 1051.º, al. a), CC). 4. O Tribunal a quo incorreu ainda em erro de julgamento, ao considerar que a oposição à renovação efetuada pelo senhorio em 30/01/2023 (recebida em 01/02/2023) era inválida, por ter sido realizada antes de decorridos 3 anos de vigência do contrato. 5. O artigo 1097.º, n.º 1, al. b), CC apenas exige o respeito por um prazo mínimo de antecedência de 120 dias, não impõe que a comunicação só possa ser realizada após decorrido determinado período do contrato. 6. A comunicação em causa respeitou o prazo legalmente previsto e traduz de forma inequívoca a intenção do senhorio de não renovar o contrato, sendo válida e eficaz. 7. Errou o tribunal a quo ao considerar que pelo fato do contrato apenas perfez a duração mínima de 3 anos em 30.06.2025, a oposição à renovação efetuada pelo senhorio através de carta registada com aviso de receção seria inválida e ineficaz, pelo fato de ter sido efetuada antes de decorridos (três) anos da celebração do contrato. 8. Efetivamente a comunicação foi efetuada atempadamente, em respeito pelo prazo legal de 120 dias, e resultando inequívoca a oposição à renovação para a Ré. 9. Não se poderá colocar em questão da intempestividade da declaração de oposição à renovação do contrato em curso. 10. O prazo da renovação em curso terminava a 30.06.2025 (conforme entendimento Tribunal a quo) e a inquilina recebeu a declaração de oposição à renovação em 01.02.2023 (aviso receção). 11. Nas respetivas missivas à oposição à renovação, ficou evidente a consequência da caducidade com o respetivo efeito da entrega do locado livre de pessoas e bens, estando em ponto controverso a data em que se operava o cessar os seus efeitos. 12. Daqui resulta incontroverso a declaração de oposição à renovação do contrato pelo senhorio e o entendimento da mesma pela arrendatária, ficando clarificado o propósito de se pôr fim ao contrato. 13. Assim, deveria o Tribunal a quo ter concluído que a caducidade ocorreu em 30/06/2023 (e não apenas em 30/06/2025), impondo-se a restituição imediata do imóvel. 14. Ao não o fazer, a sentença violou os artigos 1096.º, n.º 1, 1097.º, n.º 1, al. b), 1051.º, al. a) e 1038.º, al. i), todos do Código Civil. (…)” E. Notificada, a Ré não contra-alegou. G. Admitido o recurso, colheram-se os vistos dos Ex.mos Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos. * H. Questões a decidir O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos Recorrentes, sem prejuízo da sua ampliação a requerimento dos Recorridos (art.ºs 635º, n.º 4, 636º e 639º, n.ºs 1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (art.º 608º, n.º 2, parte final, ex vi do art.º 663º, n.º 2, parte final, ambos do CPC). Também está vedado o conhecimento de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, anulação, alteração e/ou revogação. Assim, são as seguintes as questões, exclusivamente jurídicas, em apreciação no presente recurso: 1. Se a sentença proferida padece de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão (cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC), ou por omissão de pronúncia (cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC). 2. Se, em caso de resposta negativa à questão precedente, deve ser considerada válida e eficaz, a declaração de oposição da Autora à renovação do contrato de arrendamento no termo do terceiro ano seguinte à sua celebração (cfr. artigos 1097.º, n.ºs 1, al.ª b) e 3, 1051.º, al.ª a) e 1038.º, al.ª i), todos do CC). 3. Se, em caso de resposta afirmativa à questão precedente, deve a decisão a proferir pelo tribunal ter em consideração o transcurso daquele prazo na pendência da acção. * *** II. FUNDAMENTAÇÃO * A. De facto * Reprodução integral dos factos provados da decisão da matéria de facto como constam da sentença sob recurso (sem negrito e itálico da origem): “(…) 1. Por escrito datado de 30/06/2021 e assinado pelo Autor e pela Ré, intitulado de “CONTRATO DE ARRENDAMENTO”, o primeiro declarou ceder à segunda o gozo da fração autónoma designada pela letra A do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua 1, n.º 39, Rés-do-Chão Direito, Bairro ..., freguesia e concelho de Cidade A, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade A sob o n.º 6023/19961002-A e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4580, com destino à habitação desta e do seu agregado familiar, mediante a contrapartida mensal de €250,00 (duzentos e cinquenta euros), mais tendo sido estabelecido que o acordado era por 1 (um) ano, com início em 01/07/2022 e termo no dia 30/06/2023. 2. Mediante o escrito referido em 1) as partes acordaram que: «3ª (…) 3. No final do prazo, caso não seja denunciado por nenhuma das partes ou se houver oposição à renovação, o contrato renovar-se-á automaticamente pelo mesmo prazo. (…) 8ª (…) 2. O primeiro outorgante pode fazer oposição à renovação do presente contrato e suas renovações subsequentes, desde que comunique tal facto ao segundo outorgante por carta registada com aviso de receção, com a antecedência mínima de 120 dias do termo deste, conforme descrito no artigo 1097º. do Código Civil.». 3. Por carta registada com aviso de receção e datada de 30/01/2023, endereçada para a morada descrita em 1), o Autor comunicou à Ré, designadamente: “(…) que pretende denunciar o contrato de arrendamento (…) Mais acrescento que pretendo que a referida denuncia produza os seus efeitos a partir do dia 30 de Junho de 2023, entregando a chave diretamente ao senhorio, conforme cláusulas vinculativas estipuladas no contrato de arrendamento celebrado a 30 de junho de 2022 e com início em 1 de julho de 2022 (…)”. 4. A Ré assinou o aviso de receção da carta descrita em 3) em 01/02/2023. 5. Por carta datada de 03/05/2023, a Ré comunicou ao Autor, designadamente: “(…) o aludido contrato cessa os seus efeitos, não na data por V/Exa. Indicada, mas antes no dia 30 de junho de 2025 (…)”. 6. Por carta registada com aviso de receção datada de 10/05/2023, o Autor comunicou à Ré que a data da produção de efeitos da oposição à renovação é 30/06/2023.” * B. De direito * Da nulidade do saneador-sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão e por omissão de pronúncia * Invoca a Autora / Recorrente, a nulidade da sentença recorrida. O primeiro fundamento da alegada nulidade consiste na contradição entre os fundamentos e a decisão (cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC), uma vez que, apesar dos fundamentos da sentença reconhecerem a caducidade do contrato de arrendamento, ainda que apenas em 30/06/2025, esta julgou a acção improcedente, mantendo a Ré na posse do imóvel. O segundo, consiste em omissão de pronúncia, alegadamente resultante de ter deixado de apreciar o pedido principal da Autora, na condenação da Ré a restituir-lhe o imóvel livre de pessoas e bens. * Prevê o n.º 1 do artigo 615º do CPC que “[é] nula a sentença quando: (…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…)”. As nulidades da sentença taxativamente previstas no art.º 615º, n.º 1, alíneas a) a e), do CPC, são vícios formais e intrínsecos, designados como error in procedendo, respeitando apenas à estrutura ou aos limites da decisão. Como refere JOSÉ LEBRE DE FREITAS, “[o]s casos das alíneas b) a e) do n.º 1 constituem, rigorosamente, situações de anulabilidade da sentença, e não de verdadeira nulidade. Respeitam eles à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação) e c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum).” 1 São vícios a apreciar em função do texto da sentença, do discurso lógico nele desenvolvido, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando – que são erros quanto à decisão de mérito constante da sentença), decorrentes de errada consideração da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do Direito (error juris) à matéria de facto, levando a que o decidido não corresponda à realidade ôntica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos. * i. Apreciando o primeiro argumento de nulidade invocado – contradição entre os fundamentos e a decisão por naqueles se reconhecer a caducidade do contrato de arrendamento em 30/06/2025 e neste se ter mantido a Ré na posse do imóvel (cfr. alínea c) do n.º 1 do artigo 615º do CPC) -, devemos ter presente que, como referem ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA E FILIPE PIRES DE SOUSA “…ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos de direito e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe decisão diferente (…)”. 2 No caso vertente, a fundamentação da sentença recorrida concluiu que “…por carta registada com aviso de receção datada de 30/01/2023 e cujo aviso de receção foi assinado em 01/02/2023 o Autor comunicou à Ré a não renovação do contrato (cf. factos n.ºs 3 e 4) (…)” e que o fez cumprindo o prazo de 120 dias de antecedência estipulado no artigo 1097.º, n.º 2, alínea b), do CC, em atenção à data de 01/02/2023 mas, contrariamente ao sustentado pela Autora, “…o contrato apenas perfez a duração mínima de 3 (três) anos em 30/06/2025, logo a oposição à renovação efetuada pelo senhorio através de carta registada com aviso de receção é ineficaz, pois foi efetuada antes de decorridos 3 (três) anos da celebração do contrato.” (sublinhado nosso). E mais adiante, na mesma linha de pensamento, “a oposição à renovação do contrato de arrendamento promovida pelo Autor, deve ter-se por inválida e ineficaz, tendo o término do contrato ocorrido apenas em 30/06/2025 (já na pendência da ação) (e não em 30/06/2023 como alega o Autor), pelo que o pedido do Autor terá necessariamente de improceder.” Verifica-se, portanto, que a decisão recorrida considerou “inválida e ineficaz” a oposição à renovação do contrato enviada pela Autora/senhoria, à Ré/inquilina, na data de 30/06/2023 pois, sem embargo de ter sido celebrado por apenas um ano (o que faria coincidir o termo com tal data), não podia ser cessado por iniciativa da senhoria, mediante oposição à renovação, senão depois de cumpridos os três primeiros anos de vigência, em obediência o disposto no n.º 3 do art.º 1097º do CC. No contexto geral da fundamentação da sentença recorrida, a referência feita ao “…término do contrato ocorrido apenas em 30/06/2025…” não tem a leitura de que a oposição da renovação ao contrato por parte da senhoria produziu efeitos – pois havia acabado declará-la “inválida e ineficaz” - mas apenas a de que o primeiro termo contratual no qual a senhoria podia ter obstado à renovação ocorreu na data de 30/06/2025 e não no dia 30.06.2023 como entende a Autora. Assim, sem embargo de poder, ou não, acompanhar-se a afirmação de que a declaração de oposição é “inválida e ineficaz”, situação que cai já na apreciação do eventual erro de julgamento da sentença de 1ª instância, não há qualquer oposição entre o sentido da fundamentação da sentença e a decisão de improcedência do pedido, sendo que a interpretação dos seus fundamentos também permite compreender o sentido geral do pensamento jurídico que lhe presidiu. Deste modo, é inconsistente a alegada nulidade da sentença por contradição entre a fundamentação e a respectiva decisão. * ii. Rege supracitada alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC, que a omissão de pronúncia ocorre perante a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. A norma em apreço conjuga-se com o n.º 2 do art.º 608º do CPC que impõe ao juiz o dever de “…resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; (…)”. A omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que, por isso, tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respectivas posições, na defesa das teses em presença. Considera a Recorrente que a sentença recorrida deixou de apreciar o pedido principal de condenação da Ré a restituir o imóvel à Autora, livre de pessoas e bens. Sem razão, porém. O dispositivo da sentença recorrida é claro ao julgar “…totalmente improcedente a acção…” e ao “[a]bsolver a Ré do pedido.” Esta declaração abrange a totalidade do pedido formulado pela Autora. Quanto às razões subjacentes à improcedência, repetindo o que acabou de se escrever a respeito da nulidade da alínea c) do art.º 615º do CPC, a sentença considerou que a declaração de oposição à renovação pela senhoria foi “inválida e ineficaz” e que não produziu as inerentes consequências jurídicas, nomeadamente de obstar à renovação do contrato no termo, quer no primeiro, quer no seu terceiro ano de vigência. Não há, portanto, omissão de pronúncia da decisão recorrida. * Improcede, assim, a invocada nulidade da sentença recorrida (cfr. alíneas c) e d) do n.º 1 do art.º 615º do Código Civil). * Da invalidade e/ou ineficácia da declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento para habitação * Vimos já que a decisão recorrida considerou “inválida e ineficaz” a declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento para habitação dirigida pela Autora à Ré por carta registada com aviso de recepção, datada de 30/01/2023 e cujo aviso foi assinado em 01/02/2023, pela qual comunicou, entre o mais: “(…) que pretende denunciar o contrato de arrendamento (…)”; e “…pretendo que a referida denuncia produza os seus efeitos a partir do dia 30 de Junho de 2023, entregando a chave diretamente ao senhorio, conforme cláusulas vinculativas estipuladas no contrato de arrendamento celebrado a 30 de junho de 2022 e com início em 1 de julho de 2022 (…)”. A Recorrente discorda do entendimento da sentença de 1ª instância, sustentando que, mesmo sem ter produzido os seus efeitos na data 30/06/2023, a declaração de oposição à renovação produziu-os depois de completados os primeiros três anos de vigência do contrato, o que coincide com a data de 30/06/2025, excedida no decurso da presente acção. Esta circunstância deveria ter sido tomada em consideração pela decisão recorrida, resultando na procedência do pedido. O recurso interposto não questiona a aplicação, à situação em análise, do n.º 3 do artigo 1097.º do CC, conformando-se com esta parte da decisão da primeira instância que, aliás, se mostra correcta pois a norma determina que, tratando-se de contrato de arrendamento para fins habitacionais com prazo certo, como é o caso, “[a] oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data (…).” (sublinhados nossos). Deste modo, partiremos para a análise da questão da validade e da eficácia da declaração de oposição à renovação do contrato dirigida pela Autora à Ré, tendo por pano de fundo a bem formulada premissa de que, pese embora celebrado por apenas um ano, sucessivamente renovável, o senhorio só poderia opor-se à renovação do contrato que ocorreria três anos após o seu início, o que é dizer, a 30/06/2025. A decisão recorrida considerou que a oposição à renovação do contrato, enviada pela Autora à Ré e por esta recebida, é “inválida” na sua totalidade. Porém, não resultam inteiramente claras as razões desta conclusão. Sobre as noções de “invalidade” e “ineficácia”, ensina C.A. DA MOTA PINTO (in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 605) que: “A invalidade é uma espécie do género ineficácia: enquanto a ineficácia «lato sensu» compreende todas as hipóteses em que, por causas intrínsecas ou extrínsecas, o negócio não deve produzir os efeitos a que tendia, a invalidade é apenas a ineficácia que provém de uma falta ou irregularidade dos elementos internos (essenciais, formativos) do negócio. O conceito de ineficácia em sentido estrito, definir-se-á, coerentemente, pela circunstância de depender, não de uma falta ou irregularidade dos elementos internos do negócio, mas de alguma circunstância extrínseca que, conjuntamente com o negócio, integra uma situação complexa (fattispecie) produtiva de efeitos jurídicos.” Assim, a invalidade é uma causa específica, mas não única, da ineficácia e verifica-se quando faltam ao acto jurídico, ou são irregulares, elementos internos essenciais, produzindo vícios formais ou materiais geradores da sua nulidade ou anulabilidade. A invalidade pode ser: - Total quando afecte a globalidade da declaração; ou - Parcial, se respeitar a apenas parte da mesma. Na segunda situação, em obediência ao disposto no artigo 292º do Código Civil, a declaração ou o negócio será reduzido, mantendo-se válida a parte não afectada pela nulidade ou anulabilidade, salvo quando se mostre que esta não teria sido emitida ou concluída sem a parte viciada. No caso em apreciação, a alínea b) do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 1097.º do Código Civil, impõem que a oposição à renovação deduzida pelo senhorio seja comunicada ao arrendatário com a “…antecedência mínima de 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos”, reportando-se tal antecedência “…ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.” Por carta registada com aviso de recepção datada de 30/01/2023, cujo aviso de recepção foi assinado em 01/02/2023, a herança Autora comunicou à Ré que pretendia “…denunciar o contrato de arrendamento (…)” e a intenção de “…que a referida denuncia produza os seus efeitos a partir do dia 30 de Junho de 2023 (…)”. A “denúncia do contrato” traduz, em termos inequívocos, uma comunicação, dirigida pela senhoria / Autora, recebida pela inquilina / Ré, de oposição à manutenção do vínculo contratual a partir da data da sua primeira renovação. Estamos perante uma declaração realizada por meios formais válidos e que chegou ao conhecimento da Ré com a antecedência mínima de 120 dias relativamente ao termo do prazo de duração inicial do contrato, quer por referência ao dia 30 de Junho de 2023, quer relativamente ao dia 30 de Junho de 2025. É certo que a oposição à renovação parte do princípio, errado, de que os seus efeitos se produzem a partir do fim do primeiro ano de vigência – como decorre da passagem “…que produza os seus efeitos a partir do dia 30 de Junho de 2023”. Por força do disposto no n.º 3 do artigo 1097º do CC, tais efeitos só se produzem decorridos os três primeiros anos da celebração. Tendo o contrato tido início no dia 1 de Julho de 2022, só a 30 de Junho de 2025, e não de 2023, se completam os três anos de vigência mínima legal. Todavia, a errada referência ao dia a partir do qual a declaração produzirá efeitos, não afecta a manifestação incondicional de vontade da Autora em opor-se à renovação do contrato de arrendamento depois de esgotado o prazo de vigência inicial, prazo este que é por lei reportado ao dia 30 do mês de Junho do ano de 2025. Aliás, esse foi também o sentido que a Ré atribuiu à declaração de oposição emitida pela Autora, como evidencia a sua carta datada de 03/05/2023, pela qual respondeu que “(…) o aludido contrato cessa os seus efeitos, não na data por V/Exa. Indicada, mas antes no dia 30 de junho de 2025 (…)”. Porque a desconformidade legal da comunicação dirigida pela Autora à Ré, é restrita da referência à data da produção dos efeitos da oposição à renovação, tendo, na parte restante, sido cumpridos os pressupostos, formais e materiais, previstos por lei para a manifestação de vontade de oposição à renovação do contrato que a Ré bem compreendeu, estamos perante uma invalidade parcial da declaração com o sentido supra assinalado. Dito de outro modo: a declaração de oposição à renovação do contrato não padece de vício determinante da sua invalidade total, mas apenas da parte referente ao momento a partir do qual produz efeitos por ser esta que contraria norma imperativa legal (cfr. artigos 292º e 294º do CC). Sendo, consequentemente, irregular quanto à data indicada de 30.06.2023, foi validamente realizada a parte da comunicação de oposição à renovação do contrato na data da primeira renovação que, em obediência ao critério legalmente prescrito, se verificou no dia 30.06.2025. * Da atendibilidade do decurso superveniente do prazo * O entendimento de que é válida a declaração de oposição da senhoria por reporte à data da 1ª renovação do contrato de arrendamento, coloca-nos perante uma nova questão que se prende com a atendibilidade, pela decisão a proferir nos presentes autos e, consequentemente, no âmbito do presente recurso, da produção dos respectivos efeitos por via do decurso daquele prazo no dia 30.06.2025. A ultrapassagem de determinada data no decurso do processado, é uma ocorrência certa, evidente para todos e que deve ser considerada pelo juiz na sua decisão, ainda que não tenha sido alegada pelas partes, tal como sucede com os factos notórios (cfr. b) do n.º 2 do art.º 5º e 412º, n.º 1 do CPC). No caso em apreciação, a sentença recorrida foi proferida no dia 1 de Setembro de 2025, dois meses depois da data em que produziu efeitos a declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento vigente entre Autora e Ré. Sucede que da constatação, feita na sentença de 1ª instância, de que havia sido excedida a referida data, não foi extraída consequência relevante porque aí se considerou que a declaração da senhoria era inválida e ineficaz tout court e não apenas quanto à data nela indicada. Sendo outro o entendimento aqui seguido, no sentido de que a declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento permaneceu válida e operou na data da renovação subsequente ao terceiro ano de vigência contratual, a conclusão será também distinta, já que tendo a comunicação produzido efeitos, a senhoria logrou impedir a renovação do contrato de arrendamento com termo certo celebrado entre as partes (cfr. artigos 1097.º, n.º 1, al.ª b), 1051.º, al.ª a) e 1038.º, al.ª i), todos do Código Civil). Encontrando-se validamente terminada a relação de arrendamento pelo decurso do respectivo prazo, assiste fundamento ao pedido, formulado pela Autora, de reconhecimento da cessação por caducidade, do contrato celebrado com a Ré e de condenação desta a desocupar o imóvel, restituindo-o à Autora, livre e devoluto de pessoas e bens, com a respetiva chave e nas condições em que se encontrava aquando do arrendamento. * Consequentemente, deve ser revogada a decisão recorrida e julgado procedente o pedido formulado pela Autora. * *** Custas * Não havendo norma que preveja isenção (art. 4º, n.º 2 do RCP), o presente recurso está sujeito a custas (art.º 607º, n.º 6, ex vi do art.º 663º, n.º 2, ambos do CPC). No critério definido pelos artigos 527º, n.ºs 1 e 2 e 607º, n.º 6, ambos do CPC, a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no vencimento ou decaimento na causa ou, não havendo vencimento, no proveito. No caso vertente, a Autora recorreu, tendo obtido vencimento no recurso. Assim, deve a Recorrida suportar as custas do presente recurso. * *** III. DECISÃO * Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o colectivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, em: 1. Julgar procedente o recurso de apelação, interposto pela Autora: a) Revogando a sentença recorrida; b) Declarando cessado a 30.06.2025, por caducidade, o contrato de arrendamento melhor descrito na p.i.; e c) Condenando a Ré a desocupar o imóvel, restituindo-o à Autora, livre e devoluto de pessoas e bens, com a respetiva chave e nas condições em que se encontrava aquando do arrendamento. 2. Condenar a Ré nas custas do recurso. * Notifique. * *** Évora, d.c.s. Os Juízes Desembargadores: Ricardo Miranda Peixoto; Maria Adelaide Domingos; e Filipe Aveiro Marques.
__________________________________________________ 1. In “Código de Processo Civil Anotado”, volume 2º, Coimbra Editora, 2001, anotação 3 ao então artigo 668º, pág. 669.↩︎ 2. In “Código de Processo Civil Anotado”, volume I, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2023, anotação 11 ao artigo 615º, págs. 793 e 794.↩︎ |