Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1102/21.5T8FAR.E1
Relator: JOSÉ LÚCIO
Descritores: DANO BIOLÓGICO
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1 - O dano biológico traduz-se na diminuição somático-psíquica do indivíduo, com repercussão na vida de quem o sofre, abarcando qualquer lesão da integridade psicofísica que possa prejudicar quaisquer actividades, situações e relações da vida pessoal do sujeito.
2 – Abrange, portanto, quer a sua esfera produtiva e patrimonial, quer também a espiritual, cultural, afectiva, social, desportiva e todas as demais nas quais o indivíduo procura desenvolver a sua personalidade.
3 - A indemnização por danos não patrimoniais visa contrabalançar o mal sofrido e terá que ser verdadeiramente significativa, devendo o seu quantitativo traduzir a justiça no caso concreto, cabendo, pois, ao julgador ter em conta as regras da prudência, o bom senso e a justa medida das coisas na formulação do juízo de equidade que conduza à sua fixação.
(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Integral:
Apelação n.º 1102/21.5T8FAR.E1 (1ª Secção Cível)

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

I – RELATÓRIO
A Autora AA veio instaurar a presente ação de processo comum contra a Ré “GNB – Companhia de Seguros, S.A.”, actualmente designada por “MUDUM – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, peticionando que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia global de € 57.505,77, sendo €7.505,77 referentes a danos patrimoniais já apurados e €50.000,00 a danos não patrimoniais, quantias estas ainda acrescidas “do que se vier a apurar, relativamente aos danos não patrimoniais, dano biológico e outros danos patrimoniais futuros que se quantificarão, após a realização do exame médico-legal a efectuar nestes autos para avaliação do dano corporal”.
A Ré/seguradora contestou a ação e deduziu incidente de intervenção principal provocada da seguradora “GENERALI SEGUROS, S.A.”, alegando que o acidente dos autos foi também acidente de trabalho e que esta suportou perante a Autora algumas despesas médicas e outros pagamentos decorrentes do mesmo acidente.
Admitida a intervenção, a Interveniente/seguradora “GENERALI SEGUROS, S.A.” veio aos autos pedindo a condenação da Ré/seguradora a pagar-lhe a quantia de €11.622,62, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, desde a data da notificação até integral pagamento, e ainda outros montantes que viesse a despender em consequência do acidente, estes a liquidar em ampliação de pedido, incidente de liquidação ou em execução de sentença.
Posteriormente, a Interveniente/seguradora ampliou o pedido inicialmente formulado, pedindo a condenação da Ré/seguradora a pagar-lhe o montante de €15.530,12, acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal desde a data da notificação, bem como outros montantes que viesse a despender em consequência do acidente, estes a liquidar em ampliação de pedido, incidente de liquidação ou em execução de sentença (cfr. fls. 421).
No decurso do processo, na sequência da junção aos autos do relatório pericial, a Autora veio ampliar o pedido inicialmente formulado, pedindo a condenação da Ré/seguradora, no montante global de € 99.999,00, discriminado da seguinte forma: a) danos patrimoniais directos €7.505,77; danos não patrimoniais €50.000,00; c) dano biológico €30.000,00; perda da capacidade de ganho e dano patrimonial futuro €12.493,23.
As ampliações dos pedidos foram admitidas, por despacho que não sofreu impugnação.
Feito o julgamento e fixada a matéria de facto, foi proferida sentença que julgou os pedidos parcialmente procedentes, condenando e absolvendo nos seguintes termos (transcrevemos):
“A) Condenar a ré/seguradora “MUDUM – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” no pagamento à autora AA, dos seguintes montantes:
i. € 1 149,52 (mil, cento e quarenta e nove euros e cinquenta e dois cêntimos), relativos a danos emergentes;
ii. € 32 619,00 (trinta e dois mil, seiscentos e dezanove euros), relativa a perdas salariais e dano biológico, na vertente de dano patrimonial futuro;
iii. € 38 000,00 (trinta e oito mil euros), a título de danos não patrimoniais, totalizando a quantia global de € 71 768,52 (setenta e um mil, setecentos e sessenta e oito euros e cinquenta e dois cêntimos);
B) Condenar a ré/seguradora no pagamento dos montantes adiantados pela interveniente/seguradora:
i. € 6 857,52 (seis mil, oitocentos e cinquenta e sete euros e cinquenta e dois cêntimos), a título de despesas de saúde;
ii. € 7 381,00 (sete mil, trezentos e oitenta e um euros), por perdas salariais/dano biológico, no total de € 14 238,52 (catorze mil, duzentos e trinta e oito euros e cinquenta e dois cêntimos).
C) Relegar para execução de sentença a liquidação dos montantes a que se refere a necessidade da autora se sujeitar a fisioterapia do maxilar e/ou consulta de otorrinolaringologia, com periodicidade de anual e utilização de goteira maxilar e eventuais montantes relativos a despesas médicas que a ré/interveniente venha a liquidar.
D) Absolver a ré/seguradora do demais peticionado.
E) Sobre as quantias referidas em A) ii) e iii.) vencer-se-ão juros de mora à taxa legal, desde a data da sentença até integral pagamento;
F) As demais quantias vencerão juros à taxa legal, a contar da citação/notificação até integral e efetivo pagamento.”
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II – SOBRE OS RECURSOS
1 - Contra a sentença proferida insurgiu-se desde logo a Ré/seguradora Mudum através de recurso de apelação, que sintetizou nas seguintes conclusões:
“A. O presente recurso visa a reapreciação da prova gravada em sede de audiência de discussão e julgamento, bem como da demais produzida nos autos, e a correcta aplicação do direito à matéria dos autos;
B. A sentença de que ora se recorre é, com todo o respeito, que é muito, manifestamente injusta e desfasada da prova produzida nos autos, nomeadamente em sede de julgamento.
C. Nos termos da sentença recorrida, a Recorrente foi condenada no pagamento à Autora dos seguintes montantes:
i) €1.149,52, relativos a danos emergentes;
ii) €32.619,00, relativa a perdas salariais e dano biológico, na vertente de dano patrimonial futuro;
iii) €38.000,00, a título de danos não patrimoniais, totalizando a quantia global de €71.768,52.
D. A referida decisão de condenação enferma de erro grave na apreciação da matéria de facto provada nos presentes autos, sendo que deverá ser revogada.
E. Com efeito, a prova levada aos autos, quer por documentos, incluindo o relatório pericial de Fls.400 e ss, quer pelas testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento, não atesta a existência e veracidade de todos os danos dados como provados na sentença recorrida, não podendo, de todo, fundamentar os montantes indemnizatórios em que a Ré foi condenada.
F. De facto, resultou provado nos presentes autos que a Autora sofreu um atropelamento no dia 30 de Abril de 2018, tal como resultaram provados alguns danos resultantes de tal atropelamento, cuja gravidade para a Autora não se pretende menosprezar em momento algum, mas a verdade é que NÃO resultaram provados todos os factos constantes da matéria dada por provada na sentença a quo, de onde resulta necessariamente a necessidade da reapreciação da prova e de uma nova decisão fundamentada nos factos efectivamente provados.
G. Revista a prova gravada e toda a prova carreada aos autos, a Recorrente considera que a decisão recorrida proferida sobre a matéria de facto, tendo em conta as provas juntas aos autos, e a reapreciação da prova gravada relativamente aos nºs 11, 23, 29, 30, 32, 35, 36, 37, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 53, 54, 56, 57 e 60 da matéria de facto provada enferma de erro manifesto de julgamento e tem de ser revogada.
H. É forçoso concluir-se que, face à prova gravada e documental existente, e tal como demonstrado nas alegações precedentes, as referidas alíneas da matéria de facto provada deverão ter a seguinte redacção:
Facto nº 11: Nos momentos antes do sinistro o condutor do .. circulava na dita via, no sentido oeste/este, a baixa velocidade, tendo sido encadeado pelo sol.
Facto nº 29: A autora, após o acidente, evitou o contacto com outras pessoas, mantendo-se em casa, contactando apenas com os seus familiares e alguns amigos próximos, situação que não se mantém actualmente.
Facto nº 30 – A Autora, no período pós-acidente, não conseguia sair à noite com os seus amigos, nem sequer no período de férias, situação que já não se mantém actualmente.
Facto nº 32 – Não provado.
Facto nº 35 – “A Autora usa uma goteira, para evitar bruxismo e aliviar a tensão tempero-mandibular”.
Facto nº 36 – Não provado.
Facto nº 37 – Não provado.
Facto nº 39 – Não provado.
Facto nº 40 – Não provado.
Facto nº 41 – Não provado.
Facto nº 42 – Não provado.
Facto nº 43 – Não provado.
Facto nº 44 - A Autora, após o acidente, ficou alguns meses sem ocorrência do período menstrual.
Facto nº 45 – Não provado.
Facto nº 53 – Não provado.
Facto nº 54 – Não provado.
Facto nº 56 – Não provado.
Facto nº 57 - Em 9/5/2018, a Autora comprou um novo colchão, tendo despendido a quantia de €349,00.
Facto nº 60 – “No dia do sinistro, a autora adquiriu medicamentos na farmácia BB, tendo gasto a quantia de €23,17, em ETORICOXIB, BILAXTEN, BLOXINUS, HOLON ESTÉRIL.”
Facto nº 72 - A Autora, quando voltou a trabalhar após o acidente, continuou a desempenhar as tarefas de promotora de vendas de perfumes da marca ..., o que faz com bons resultados e sem que haja qualquer sinal de insatisfação por parte da sua entidade patronal, situação que se mantém nos dias de hoje.
I. Pelo que, face ao errado julgamento da Mma. Juíza a quo sobre a matéria de facto provada nos autos, deverá proceder-se, ao abrigo e em cumprimento do artigo 662º do Código de Processo Civil, à modificação da matéria de facto considerada provada na sentença recorrida nos termos atrás referidos, com as legais consequências.
J. Por outro lado, e de acordo com a sentença recorrida, encontram-se reunidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, conforme previsto no artigo 483º, nº 1, do Código Civil.
K. A este respeito, considerou a sentença recorrida que o acidente se deveu a culpa exclusiva do condutor do veículo segurado da Recorrente, o qual estaria a conduzir “completamente desatento”.
L. Conforme atrás exposto, e vertido na nova redacção a dar ao Facto nº 11, o condutor do veículo segurado pela Recorrente circulava a baixa velocidade, tendo sido encadeado pelo sol.
M. Pelo que, dúvidas não podem restar que estamos perante um caso de mera culpa, ao qual é aplicável o disposto no artigo 494º, do Código Civil, preceito que a sentença recorrida manifestamente desconsiderou e que deverá ser tido em consideração no quantum indemnizatório.
N. Pelo que também quanto a este facto deve a sentença recorrida ser revogada por manifesta violação do artigo 494º do Código Civil.
O. Tal como atrás ficou demonstrado, a sentença recorrida padece de erro de julgamento no apuramento dos danos efetivamente sofridos pela Autora na sequência do sinistro de 30 de Abril de 2018.
P. Nem todos os danos dados por provados na sentença recorrida se verificaram ou foram consequência directa do referido sinistro, sendo que uma vez reapreciada a prova gravada quanto aos alegados danos dados por provados sob os nºs 53, 54, 56, 57 e 60, como atrás demonstrado nas alegações, não resultou provado nos autos o nexo de causalidade entre o sinistro de 30 de Abril de 2018 e os danos acima enunciados, pelo que a Autora não tem o direito a receber da Recorrente, como erradamente julgou a Mma. Juiza a quo, a importância de €1.134,52, a título de danos emergentes.
Q. A sentença recorrida condenou ainda a Recorrente no pagamento à Autora de uma indemnização, pelo dano biológico, no montante de €40.000,00.
R. Este montante é manifestamente exagerado.
S. Refere a sentença recorrida que teve em consideração na fixação de tal montante indemnizatório os seguintes factos:
- A autora tinha 39 (trinta e nove) anos à data do acidente, o que significa que terá pela frente, previsivelmente, 44 anos de vida biológica (cfr. supra em que se estimou a esperança média de vida em 83 anos) e 31 anos de vida ativa;
- A autora auferia rendimentos mensais na ordem dos € 1 000,00 (mil euros), encontrando-se a trabalhar como efetiva no mesmo ramo de atividade, sem que se tenha apurado qualquer perda de rendimento;
- Foi fixado um défice funcional permanente da integridade física em 11,5 pontos – facto provado n.º 71, al. g);
- As sequelas descritas nos factos provados, são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional compatíveis com o exercício da atividade profissional, mas implicam esforços complementares (ligeiros) - facto provado n.º 71, al. h);
- O valor da taxa de juro anual e a variação da taxa de inflação; e,
- O sinistro ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor do veículo segurado na ré.
T. Em primeiro lugar, importa aqui ter presente que resultou provado nos autos que a Autora, ao contrário do que parece fazer crer a sentença recorrida, manteve a sua actividade profissional anterior ao sinistro, como promotora de vendas de perfumes, actividade essa que continua a desempenhar com bons resultados, tendo inclusivamente melhorado a sua situação laboral prévia ao acidente, tendo actualmente um contrato de trabalho definitivo.
U. A Autora, tal como consta do Relatório Pericial, consegue desempenhar a sua actividade profissional sem limitações, apesar de alguns esforços ligeiros.
V. Ora, estes factos são tanto mais importantes quando estamos a falar de dano biológico, enquanto consequências patrimoniais da incapacidade geral ou funcional do lesado.
W. Em segundo lugar, teria sido relevante que a Mma. Juiza a quo tivesse tido em consideração a mera culpa do condutor do veículo que embateu na Autora, o que, como já vimos, não fez, violando o artigo 494º do Código Civil.
X. Depois, e tal como referido na nossa Jurisprudência mais actual, a consideração destes factores é importante, mas há sempre que fundar a decisão em critérios de equidade e sem dissociação de entendimentos “minimamente uniformizados”, ou seja, há que manter alguma segurança na aplicação do direito e demais imperativos decorrentes do princípio da igualdade.
Y. A este propósito relevam os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 2019, de 17 de Outubro de 2019, citado na própria sentença recorrida, e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Maio de 2021, também citado na sentença recorrida.
Z. Em todos os casos jurisprudenciais acima indicados, dois dos quais citados na própria sentença recorrida, verificou-se a possibilidade de exercício da actividade profissional, embora com esforços suplementares graves.
AA. No caso da Autora, e como atrás ficou demonstrado, a mesma continua a conseguir desempenhar, sozinha e sem dor, a sua actividade profissional, podendo ter de fazer apenas alguns esforços ligeiros.
BB. Temos pois que o dano biológico sofrido pela Autora não pode ser valorizado em €40.000,00 como fez a sentença recorrida, sob pena de grave violação dos princípios da igualdade e da segurança jurídica.
CC. A douta sentença recorrida, ao decidir em contradição com a jurisprudência actual, violou, entre o demais, o disposto no art.º 562.º do CC, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que, por apelo ao supra alegado, fixe a indemnização a título de dano patrimonial na vertente de dano biológico em valor nunca superior a €20.000,00.
DD. Ademais a sentença recorrida fixou a indemnização devida à Autora, a título de danos não patrimoniais, em €38.000,00.
EE. A Autora sofreu efectivamente um acidente no dia 30 e Abril de 2018, provocado pelo embate do veículo ..-PG-...
FF. Sucede que o referido embate ocorreu a baixa velocidade, na sequência do encadeamento do condutor daquele veículo pelo sol.
GG. A Autora sofreu as lesões constantes do Relatório Pericial de Fls.400 e ss., segundo o qual a Autora apresenta os seguintes danos permanentes:
e) Sinais de stress pós-traumático em reversão (parcial);
f) Diminuição da audição e do olfacto (anosmia parcial);
g) Cicatriz vestigial da região mentoniana e sulco internasal e desvio ligeiro do septo nasal para direita com boa permeabilidade nasal;
h) Boa abertura bucal (2 dedos) embora com instabilidade temporomaxilar bilateral.
HH. Salvo o devido respeito, há erro manifesto no julgamento das consequências do acidente, até porque o mesmo inclui factos que não ficaram provados, como atrás demonstrado.
II. Os factos provados, de acordo com o Relatório Pericial de Fls 400 e ss e com a prova gravada cuja transcrição se junta como Documento nº 1, a ter em consideração na fixação da indemnização por danos patrimoniais, devem ser os seguintes:
- a idade da autora e a esperança média de vida superior aos 70 anos;
- as consequências que resultaram do acidente, com particular relevo na cicatriz na face e no desvio ligeiro do septo nasal, ambas valoradas no dano estético no grau 2/7;
- a diminuição parcial da audição e do olfato;
- a sujeição a uma intervenção cirúrgica;
- o quantum doloris de 4 em 7, sendo que não consta dos factos provados que o mesmo seja de gravidade crescente como refere a sentença recorrida;
- o défice funcional permanente fixado em 11,5;
- desenvolvimento de stress pós-traumático em reversão.
JJ. Tudo o mais referido na sentença recorrida a este respeito não ficou provado.
KK. Não ficou provado que o isolamento social da Autora se mantenha aos dias de hoje, tendo inclusivamente ficado provado que a mesma esteve sempre acompanhada da família e de alguns amigos e, bem assim, que a Autora está bastante melhor, saindo com os seus amigos e tendo actualmente um relacionamento amoroso.
LL. Não resultou provado qualquer alteração permanente do ciclo hormonal da Autora;
MM. Não ficou provado que a Autora tivesse sofrido de depressão.
NN. Não ficou provado que a Autora tivesse sofrido quaisquer lesões que a impeçam de praticar actividade física e desportiva.
OO. Não ficou provado que a Autora tenha de se submeter a novas cirurgias ou tratamentos, com excepção da eventualidade de consultas anuais de otorrinolaringologia e/ou fisioterapia do maxilar, sendo que as ajudas técnicas se limitam ao uso de goteira.
PP. Não ficou provada a previsibilidade de dano futuro.
QQ. E se compararmos a situação da Autora com os casos jurisprudenciais citados pela própria sentença recorrida, logo percebemos que a indemnização arbitrada de €38.000,00 é manifestamente exagerada.
RR. A este propósito vejam-se os Acórdãos do STJ de 19/2/2015, de 4/6/2015, de 6 de Dezembro de 2022, de 30/5/2019, de 17 de Outubro de 2019 e de 26 de Maio de 2021.
SS. Temos pois que, atendendo às circunstâncias do presente caso atrás descritas, bem como à jurisprudência citada, quantificar os danos não patrimoniais em €38.000,00 revela-se manifestamente excessivo.
TT. Nos termos do artigo 496º, nº 4, do Código Civil, o montante da indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixado com recurso à equidade, tendo também em consideração o disposto no artigo 494º, do Código Civil.
UU. Ora, conforme resultou provado nestes autos, o condutor do veículo que embateu na Autora não agiu com dolo ou culpa grave, mas sim com mera culpa.
VV. E tal facto não pode ser ignorado pelo Tribunal a quo, como foi.
WW. Pelo que também por esta razão o montante fixado para a indemnização por danos não patrimoniais é manifestamente excessivo, devendo ser fixado em montante inferior ao preconizado na sentença recorrida.
XX. Face a tudo o exposto, é forçoso concluir que os montantes indemnizatórios decididos pela Mma. Juíza a quo são excessivos, padecendo a decisão de erro de julgamento na apreciação da matéria de facto provada e, simultaneamente, na aplicação do direito, violando manifestamente os artigos 414º, 466º, 574º, 607º, nº 3 e 4 do Código de Processo Civil, bem como os artigos 496º, 494º, 562ºe 566º do Código Civil.
Nestes termos, e nos demais de direito, concedendo provimento ao recurso, e alterando a sentença sub judice conforme supra preconizado, farão v. exas. a costumada verdadeira justiça!
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2 - Por seu turno, a Interveniente/seguradora interpôs também recurso de apelação, com vista à alteração do decidido. São as seguintes as conclusões em que a Interveniente sintetiza e delimita o objecto do seu recurso:
1) A questão em discussão no recurso prende-se com a correcção do valor fixado para as despesas de saúde e ainda com a extensão da condenação para liquidação de sentença.
2) A Interveniente não pode aceitar a condenação a título de despesa de apenas de € 6.857,52, uma vez que o somatório de todas as quantias que o tribunal deu como assente, (factos, 59., 61. a 63.), perfaz mais precisamente €7.203,52.
3) Ao analisar detalhadamente a decisão a Interveniente concluiu que o Tribunal por lapso omitiu o valor de € 346,00, que foi admitido como provado no facto 59 da sentença e é essa a razão para a discrepância dos valores.
4) A Interveniente entende que esta diferença se tratou de um mero lapso desculpável e requer que o Tribunal emende tal valor, com a ressalva que se fará a seguir com respeito ao valor final das despesas de saúde.
5) Ao analisar a sentença quanto à resposta à alínea bb) a Interveniente constatou que o Tribunal seguiu um entendimento que não se mostra correcto.
6) O Tribunal retirou o valor das despesas datadas de 22/10/2021 e 22/11/2021 ao valor reclamado pela Interveniente, no seguimento da decisão de dar como não provado a alínea bb).
7) Acontece que a Interveniente não peticionou o valor das despesas datadas de 22/10/2021 e 22/11/2021, pelo que não deveria ter sido reduzido tal valor ao pedido.
8) Nos documentos que foram juntos com a ampliação do pedido figuram as despesas datadas de 22/10/2021 e 22/11/2021, que de facto não dizem respeito a cuidados de saúde prestados à Autora e que por essa razão não foram peticionados pela Interveniente.
9) Os documentos a folhas 424 e seguintes discriminam os pagamentos que foram efetuados pela Interveniente ao longo do processo e estão elencados por data e não por categoria.
10) Isto significa que a Interveniente para juntar a informação sobre os pagamentos efetuados a título de cuidados de saúde, teve também de juntar os demais pagamentos efetuados no processo, mas isso não significa que todos os valores elencados foram peticionados.
11) Caso seja feita as contas de todos os valores liquidados a título de despesas de saúde, o Tribunal alcançará o valor de € 3.907,50.
12) Na primeira página dos documentos juntos pela Interveniente está o somatório dos pagamentos efetuados por categoria e a última categoria é exactamente as despesas médicas que perfazem um valor de € 3.907,50.
13) Assim sendo, a Interveniente requer que a alínea bb) seja eliminada dos factos não provados, uma vez que os valores das despesas datadas de 22/10/2021 e 22/11/2021 não foi peticionado e por essa razão estes factos não relevam para os autos.
14) E requer ainda que o facto 63. seja alterado e que em consequência passe a constar:
“63. E, até 1/7/2022, liquidou ainda despesas médicas no valor de € 3.907,50, (três mil, novecentos e sete euros e cinquenta cêntimos).”
15) Em consequência da alteração da matéria de facto a Interveniente requer a alteração da decisão e que da mesma passe a constar:
“B) Condenar a ré/seguradora no pagamento dos montantes adiantados pela interveniente/seguradora:
i. € 8 149,12 (oito mil, cento e quarenta e nove euros e doze cêntimos), a título de despesas de saúde;
ii. € 7 381,00 (sete mil, trezentos e oitenta e um euros), por perdas salariais/dano biológico, no total de € 15 530,12 (quinze mil, quinhentos e trinta euros e doze cêntimos).
16) A Interveniente não pode aceitar que a condenação para liquidação de sentença fique limitada às despesas de saúde que a Autora ainda irá necessitar, uma vez que a Interveniente no âmbito do processo de acidente de trabalho está obrigada a suportar mais quantias, decorrentes do desenrolar do processo, quantias essas que também terá de ficar sub-rogada e imputar à Ré.
17) A Interveniente em sede de contestação alegou que o processo de acidente de trabalho ainda se encontrava a correr termos junto da Procuradoria do Tribunal do Trabalho.
18) Conforme é do conhecimento oficioso do Tribunal só após a alta é que o processo de acidente de trabalho se desenvolve no Tribunal do Trabalho.
19) O processo de acidente de trabalho encontra-se a correr termos e a Interveniente ainda será condenada a pagar o capital de remição à Autora, nos termos da Lei dos Acidentes de Trabalho, bem como os valores que se vierem a apurar caso a Autora apresente algum pedido de revisão. Tais quantias, à semelhança das demais são da responsabilidade da seguradora de acidentes de viação, que no caso em apreço é a Ré.
20) Face ao exposto, a Interveniente, entende que deve ser acrescentado o facto 72) ao elenco dos factos provados, com a seguinte redacção:
“Encontra-se a correr termos na Procuradoria do Juízo do Trabalho de Faro, processo n.º 1582/19...., o processo de acidente de trabalho no qual a Interveniente ainda irá ser chamada a liquidar os valores devidos à Autora previstos na Lei dos Acidentes de Trabalho.”
21) Uma vez acrescentado este facto ao elenco dos factos assentes, a Interveniente requer que a condenação para liquidação de sentença abranja as despesas de saúde que a Autora ainda poderá vir a ter, bem como as quantias que a Interveniente vier a liquidar no âmbito do processo de acidente de trabalho com o número 1582/19.....”
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III – DA CONTRA-ALEGAÇÃO
Não foram apresentadas contra-alegações quanto ao recurso interposto pela Interveniente.
Diferentemente, no que se refere à apelação interposta pela Ré Mudum, a Autora apresentou contra-alegações, nas quais defende que este recurso deve ser julgado totalmente improcedente.
Conclui o seguinte:
I. A matéria de facto constante dos pontos 11, 23, 29, 30, 32, 35, 36, 37, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 52, 53, 54, 56, 57, 60 e 72 dos factos provados mostra-se devidamente julgada de acordo com a prova produzida.
II. Verifica-se que toda a prova produzida foi analisada, no seu conjunto, de modo crítico e livremente, tendo como critério fundamental a liberdade da sua apreciação, por parte do julgador, nos termos que se encontram previstos no artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.
III. Os valores arbitrados pelo tribunal a quo são justos, equilibrados e consentâneos com os limites mínimos que têm vindo a ser praticados pela jurisprudência nacional para danos semelhantes aos sofridos pela A.
IV. Improcedem todas as conclusões apresentadas pela recorrente seguradora.
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IV – DA MATÉRIA DE FACTO
Expondo a factualidade que considerou relevante para a apreciação da causa, o Tribunal recorrido julgou provados os seguintes factos:
1. A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula ..-PG-.. mostra-se transferida para seguradora “GNB – Companhia de Seguros, S.A.”, atualmente designada por “MUDUM – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, através de acordo escrito titulado pela apólice n.º ...81.
2. A responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho sofridos pelos trabalhadores da empresa “G..., LDA.” mostra-se transferida para a interveniente/seguradora através de acordo escrito titulado pela apólice n.º ...84.
3. A autora nasceu no dia ../../1979.
4. No dia 30/4/2018, pelas 07 horas e 30 minutos, no Arruamento 1 do aeroporto ... ocorreu um sinistro em que foram intervenientes o veículo automóvel, ligeiro, de passageiros, serviço particular, marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-PG-.., adiante .., pertencente a CC, que o conduzia e a peã, aqui autora.
5. A autora encontrava-se a percorrer o trajeto normal para o seu local de trabalho.
6. O Arruamento 1 do aeroporto ... tem a largura de 19,44 metros, sendo via de sentido único, oeste/este, dividida em três faixas de rodagem.
7. A faixa mais à direita da referida via, considerando o sentido de tráfego que serve, é de uso exclusivo dos transportes públicos e as outras duas do tráfego em geral.
8. O local configura-se como uma reta de mais de 100 (cem) metros de comprimento, havendo boa visibilidade em toda ela.
9. Nesse troço da via existem 2 (duas) passadeiras para peões, identificadas no pavimento, pintado em zebra preta e branca e assinalada, antes, com o respectivo sinal vertical.
10. O sinistro ocorreu na segunda das passadeiras do troço, atento o sentido de trânsito da via.
11. Nos momentos antes do sinistro o condutor do .. circulava na dita via, no sentido oeste/este, desatento à condução. aceite
12. No local, a velocidade máxima permitida, por sinalização vertical é de 50 km/hora.
13. A autora atravessava a via, dentro da passadeira, a passo normal e contínuo, perpendicularmente à via.
14. Quando a autora se encontrava um pouco mais do meio da dita passadeira foi atropelada pelo veículo ...
15. Sendo que, a frente do lado direito do veículo veio a embater na anca direita do corpo da autora.
16. Apercebendo-se, então, da presença da autora, o condutor do .. efetuou uma travagem com cerca de 2 (dois) metros, da roda do lado esquerdo da viatura, na zona branca da passadeira.
17. Nessa sequência, o corpo da autora foi projetado para a frente do veículo, vindo a cair na faixa de rodagem, fora da passadeira, cerca de 6 (seis) metros após o local do embate.
18. Estava bom tempo.
19. Após o sinistro, a autora foi conduzida, pelo INEM, ao Hospital ..., para tratar das lesões sofridas nele, onde fez vários exames e tratamentos, tendo tido alta hospitalar, nesse mesmo dia.
20. Consta do “Relatório completo de episódio de urgência”, no ponto “Queixa”, a seguinte informação: “Queixa do paciente: Vítima de atropelamento a baixa velocidade, apresenta dor ao nível da cintura e dor no maxilar, dor ao nível do septo nasal, escoriações nas mãos”.
21. Como decorrência direta e necessária do embate descrito, a autora sofreu as seguintes lesões:
a) Ferida incisa no queixo e por cima do lábio superior;
b) Fratura dos ossos do nariz, com desvio ligeiro do septo nasal;
c) Escoriações nos joelhos;
d) Nódoas negras nos olhos;
e) Escoriações nas mãos;
f) Dores musculares intensas nas pernas; e,
g) Lesões na anca.
22. Prosseguiu depois o tratamento em ambulatório, sujeitando-se às várias consultas e tratamentos médicos, análises clínicas e exames, designadamente:
a) Consultas de otorrinolaringologia;
b) Consultas de traumatologia;
c) Consultas de cirurgia maxilo-facial;
d) Consultas de medicina dentária;
e) Tratamentos da cicatriz com terapeuta;
f) Massagens das pernas;
g) Avaliação de osteopatia, na clínica de medicina Física e de ...” e subsequentes consultas de osteopatia e reabilitação da articulação temporo-mandibular;
h) ...; e,
i) Consultas de Psicologia.
23. A autora era uma mulher jovial, gostava da vida, das caminhadas, de ir para a praia e se divertir com os seus amigos, fazia desporto – ginástica localizada e body combat.
24. Nos dias subsequentes ao sinistro a autora sofreu muitas dores;
25. Necessitando de ajuda dos seus familiares para as tarefas domésticas, como cozinhar, tratar da roupa.
26. Toda a situação emergente do sinistro provocou-lhe uma grande ansiedade e pavor de perder as suas faculdades.
27. Logo após o sinistro, a autora pensou que iria ficar afetada de surdez total e definitiva, inoperável e irreversível, o que muito a angustiou.
28. A autora passou a ter medo dos carros, de andar na via pública, por tudo nesse local lhe recordar o acidente e por ter medo de que volte a acontecer.
29. A autora entrou em depressão, evitando o contacto com outras pessoas, fechando-se em casa e não contactando mesmo com os seus familiares.
30. Não conseguindo tao pouco sair à noite com os seus amigos, nem sequer no período de férias;
31. Sendo frequentes os pesadelos acompanhados de imagens de passadeira de peões e de automóveis a atingi-la, os quais perduraram por muito tempo.
32. O sistema nervoso ficou abalado com necessidade de fármacos, mormente o Lexotan.
33. Quando a autora fez os seus 38 (trinta e oito) anos, a 10/5/2018, passou o seu aniversário deitada numa cama e cheia de dores.
34. Por causa das lesões decorrentes do sinistro, a autora teve de se sujeitar a uma cirurgia ao nariz.
35. E devido à lesão na parte maxilar usa uma goteira, para evitar bruxismo, o qual provoca o desgaste dentário e aliviar a tensão tempero-mandibular.
36. Utilização que lhe causa desconforto durante o sono.
37. A cicatriz que a autora possui na sua face, afeta-lhe a auto estima, como mulher jovem.
38. A autora teve que mudar a sua rotina diária, designadamente passou a ter que acordar meia hora antes para massajar constantemente a cicatriz por baixo do nariz por se não o fizer o nariz não desincha e permanece nesse estado o dia inteiro.
39. Não pode apanhar sol na praia, por causa da cicatriz, uma vez que o sol provoca manchas na pele nessa zona.
40. Em virtude das lesões decorrentes do sinistro a autora não pode tomar banho sem tampões nos ouvidos em casa e na praia não pode mergulhar;
41. Antes do sinistro, a autora não sofria quaisquer dores quando o tempo mudava o que agora não se verifica;
42. Existem diariamente dores reflexas na sequência do sinistro, que principalmente incidem na perna direita da autora.
43. Na sequência do sinistro, o desejo de maternidade que a autora tinha na altura do acidente foi colocado de parte.
44. A autora ficou dois anos sem ocorrência de período, o que lhe alterou o seu ciclo hormonal.
(Alterado agora, por via do recurso, para:
A Autora, após o acidente, ficou alguns meses sem ocorrência do período menstrual, ficando alterado o seu ciclo hormonal.”)
45. Em virtude da diminuição do olfato a autora vê diminuída a sua capacidade para apreciar os cheiros agradáveis a comida e os cheiros das flores na Primavera,
46. Na altura do sinistro, a autora trabalhava para a empresa “G..., Empresa D..., Lda.”, como promotora de vendas de produtos de perfumaria e cosmética.
47. Profissão que exige que tenha bom olfato para poder apreciar e aconselhar os perfumes que vende.
48. Em abril de 2018 a autora auferia o vencimento mensal bruto de € 1 000,00 (mil euros), acrescida de subsidio de férias e subsídio de Natal, cada um, no mesmo valor de € 83,30 (oitenta e três euros e trinta cêntimos)
49. Sendo que, a interveniente/seguradora procedeu ao pagamento das perdas salariais no valor de € 7.381,00 (sete mil, trezentos e oitenta e um euros), conforme extrato detalhado, faturas e comprovativos de pagamento.
50. Em setembro de 2018 a autora conseguiu regressar ao seu trabalho de promotora.
51. Atualmente, está a trabalhar, como efetiva, para a ..., em perfumaria, no aeroporto ....
52. Tendo dificuldade em executar certas tarefas relativas à sua profissão, nomeadamente no que se refere à apreciação das fragâncias, tendo mais dificuldades quando se trata de produtos novos.
53. A autora pagou, do seu bolso, as consultas e sessões de osteopatia e de reabilitação temporo-mandibular que realizou na clinica “...” nos dias 10 e 28 de dezembro de 2018, 2, 14, 21 e 28 de janeiro de 2019, 6 e 13 de fevereiro de 2019, 4, 19 e 20 de março de 2019, 3 e 4 de abril de 2019, as quais ascenderam à quantia total de € 580,00 (quinhentos e oitenta euros).
54. Para o efeito a autora teve de deslocar da sua residência em Faro às instalações da referida clínica, sitas na Rua ..., ..., ..., em ..., tendo que percorrer a distância de 32 (trinta e dois) quilómetros para ir e voltar para casa em cada um desses dias.
55. E teve de se sujeitar, em 5/12/2018, a uma consulta aos maxilares, na qual despendeu a quantia de € 15,00 (quinze euros);
56. Em 14/5/2018, a autora teve também que comprar produto cicatrizante para as suas cicatrizes, designado de DERMATIX, no valor de € 44,11 (quarenta e quatro euros e onze cêntimos).
(Alterado agora, por via do recurso:
- no valor de €42,11 (quarenta e dois euros e onze cêntimos).
57. Como a autora não conseguia dormir convenientemente, em 9/5/2018, teve que comprar um novo colchão para conseguir dormir tendo despendido a quantia de € 349,00 (trezentos e quarenta e nove euros).
58. A adquiriu um par de óculos, em 31/12/2018, no que despendeu a quantia de € 461,00 (quatrocentos e sessenta e um cêntimos).
59. A interveniente/seguradora pagou € 346,00 (trezentos e quarenta e seis euros) desse valor.
60. No próprio dia do sinistro a autora teve que comprar medicamentos na farmácia BB tendo gasto a quantia de € 23,17 (vinte e três euros e dezassete euros), em ETORICOXIB, BILAXTEN, BLOXINUS, HOLON ESTÉRIL, sendo os mesmos necessários a combater as dores e inchados sofridos pela autora.
61. Até 30/06/2021 e no âmbito da assistência prestada à autora, a interveniente/seguradora procedeu ainda o pagamento de despesas médicas no valor de € 3 822,23 (três mil, oitocentos e vinte e dois euros e vinte e três cêntimos).
62. E despesas de farmácias no valor de € 73,39 (setenta e três euros e trinta e nove cêntimos).
63. E, até 1/7/2022, liquidou ainda despesas médicas no valor de € 2 961,90 (dois mil, novecentos e sessenta e um euros e noventa cêntimos).
(Alterado agora em sede de recurso, para:
“63. E, até 1/7/2022, liquidou ainda despesas médicas no valor de € 3.907,50, (três mil, novecentos e sete euros e cinquenta cêntimos).”
64. Em 22/4/2022, no âmbito do processo de inquérito que correu termos sob o n.º 2827/18...., do DIAP – ... seção de Faro, foi proferida acusação contra o condutor do veículo .., sendo-lhe imputada a prática do crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelos artigos 148.º, n.º 1, 69.º, n.º 1, al. a) e 15.º, al. a), do Código Penal, por referência ao disposto no artigo 103.º, n.º 2, do Código das Estrada.
65. De acordo com o relatório pericial, atinente a exame médico-pericial efetuado na pessoa da autora no dia 11/4/2022, esta apresentava os seguintes danos permanentes:
a) Sinais de stress pós-traumático em reversão (parcial);
b) Diminuição da audição e do olfato (anosmia parcial);
c) Cicatriz vestigial da região mentoniana e sulco internasal e desvio ligeiro do septo nasal para direita com boa permeabilidade nasal;
d) Boa abertura bucal (2 dedos) embora com instabilidade temporomaxilar bilateral.
66. Foi atribuído à autora um quantum doloris de grau 4/7, de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo e os tratamentos efetuados.
67. No que respeita ao dano futuro, considerou-se como tal o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, nomeadamente da patologia otorrino (auditiva e olfativa) e temporo maxilar (artrose temporo maxilar de predomínio direito.
68. No que concerne ao dano estético foi valorada a cicatriz e a deformidade da pirâmide nasal.
69. Relativamente à repercussão nas atividades desportivas e de lazer foi fixado o grau 2, de gravidade crescente, tendo em conta a atividade da ginástica.
70. No que respeita às ajudas permanentes considerou-se ainda a necessidade da autora se sujeitar a fisioterapia do maxilar e/ou consulta de otorrinolaringologista, com periodicidade anual e utilização de goteira maxilar.
71. Tendo sido formuladas as seguintes conclusões:
a) A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 3/11/2020;
b) O Período de Défice Funcional Temporário Total é fixável num período de 10 dias;
c) O Período de Défice Funcional Temporário Parcial é fixável em 835 dias;
d) O Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total é fixável em 164 dias;
e) O Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial é fixável em 755 dias;
f) Quantum doloris fixável no grau 4/7;
g) O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica é fixável em 11,5 pontos, sendo de admitir a existência de Dano Futuro.
h) As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares (ligeiros);
i) O Dano Estético Permanente é fixável no grau 2/7;
j) A Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer é fixável no grau 2/7.
k) Ajudas técnicas permanentes: tratamentos médicos regulares e ajudas técnicas.
E, aditado agora em sede de recurso:
72) “Encontra-se a correr termos na Procuradoria do Juízo do Trabalho de Faro, processo n.º 1582/19...., o processo de acidente de trabalho no qual a Interveniente ainda irá ser chamada a liquidar os valores devidos à Autora previstos na Lei dos Acidentes de Trabalho.”
*
V – DO OBJECTO DO RECURSO
Como é sabido, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (cfr. arts. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC).
Sublinha-se ainda a este propósito que na sua tarefa não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelo recorrente, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (cfr. art. 5.º, n.º 3, do CPC).
No caso presente, tendo em conta as conclusões apresentadas, as questões colocadas ao tribunal de recurso referem-se tanto à impugnação da matéria de facto como à adequada fixação dos montantes indemnizatórios a suportar pela Ré, para a Autora e para a Interveniente, nos termos mencionados nas conclusões dos recursos da Ré e da Interveniente, que acima ficaram expostos.
*
VI – APRECIANDO E DECIDINDO
Passamos então a decidir do objecto do recurso, tal como ficou delimitado nas conclusões acima transcritas.
Como se constata, o que está em causa desde logo é o julgamento da matéria de facto feito na primeira instância.
Tanto o recurso interposto pela Ré Mudum como aquele interposto pela Interveniente Generali visam alterações pontuais na matéria de facto provada, considerando que nesses pontos houve erro de julgamento.
Como se sabe, a possibilidade de impugnação da decisão relativa à matéria de facto está agora consagrada no art. 640º do Código de Processo Civil, cabendo então ao recorrente observar os ónus que sobre ele recaem para esse fim.
Importa ter presentes os ónus primários estabelecidos nas três alíneas do n.º 1 do citado artigo: o recorrente que pretenda impugnar a matéria de facto tem obrigatoriamente que indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Vistas as conclusões apresentadas, e bem assim o teor das alegações, afigura-se que as recorrentes lograram cumprir no essencial as exigências legais, permitindo ao tribunal, e à parte recorrida, discernir quais os pontos da matéria de facto que se pretende ver modificados, qual o sentido da modificação pretendida e quais os meios de prova invocados para esse efeito.
Sendo assim, deve o tribunal de recurso examinar as pretensões em causa, e decidir do seu mérito, em face da prova disponível, no uso dos poderes de livre apreciação da prova que também lhe assistem (cfr. art. 607º, n.º 5, CPC).
Para tanto, procedemos à audição dos depoimentos testemunhais e das declarações de parte produzidas em audiência, e ao exame da prova documental e pericial invocada, de modo a alcançar uma convicção própria, nesta instância, onde se alicerçam as respostas aos diversos pontos questionados.
*
A – Quanto ao recurso da Ré
Verifica-se que a Ré recorrente pretende a reapreciação da prova relacionada com os factos declarados provados sob os números 11, 23, 29, 30, 32, 35, 36, 37, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 52, 53, 54, 56, 57 e 60, de modo a obter alterações ao decidido na primeira instância.
Em primeiro lugar, a Ré não concorda com o conteúdo do ponto 11 da matéria de facto provada:
“11. “Nos momentos antes do sinistro o condutor do .. circulava na dita via, no sentido oeste/este, desatento à condução.”
Esta matéria teve origem no art. 7º da PI, em que estava alegado que “nos momentos antes do acidente o condutor do .. circulava na dita via, no sentido oeste-este, a uma velocidade superior a 50 Kms/hora e completamente desatento à condução”, o que foi aceite pela Ré no art. 12º da contestação apenas até à expressão “sentido oeste-este”.
A recorrente pretende que esse ponto passe a ter outra redacção:
“11. Nos momentos antes do sinistro o condutor do .. circulava na dita via, no sentido oeste/este, a baixa velocidade, tendo sido encadeado pelo sol.”
A alteração seria resultante dos depoimentos das testemunhas DD e EE, o primeiro como testemunha presencial, ocular, por se encontrar no local, e o segundo como agente da PSP, que compareceu no local poucos instantes após o acidente.
Constatamos desde logo que em sede de contestação não foi alegado o agora mencionado encadeamento pelo sol. E as testemunhas referidas, na realidade, quando inquiridas, admitiram essa hipótese, como uma possibilidade, mas não afirmam a sua existência, não transmitem a certeza dele ter ocorrido. O que descrevem permite, no entanto, estabelecer com segurança a falta de atenção do condutor, pois que nesse local a vítima atravessava a via na passadeira e foi colhida nessa travessia, sendo projectada alguns metros para a frente, só se notando travagem no momento do embate. A velocidade no local estaria limitada a 40 km/hora, segundo o agente policial declara.
Tudo ponderado, entende-se que os elementos referidos não são de molde a impor a modificação pretendida, e pelo contrário deve manter-se o ponto da matéria questionado (a falta de atenção).
Quanto à velocidade, não foi provada a alegação da Autora de que o condutor seguiria a mais de 50 km/hora, mas também não se justifica consignar que seguia a “baixa velocidade”, conceito que exigiria adequada quantificação.
No restante, e pese embora a sua aparência conclusiva, a circunstância de seguir “desatento à condução” constitui uma realidade naturalística, observável a partir do exterior, descrevendo a atitude psicológica, comportamental, de alguém, e que decorre claramente da situação conhecida nos autos.
Tudo ponderado, decidimos manter inalterado o facto n.º 11 em análise.
Prosseguindo, a Ré recorrente alude ao facto 23 dizendo o seguinte:
“Sob o nº 23, a sentença recorrida deu por provado o seguinte facto: “A autora era uma mulher jovial, gostava da vida, das caminhadas, de ir para a praia e se divertir com os seus amigos, fazia desporto – ginástica localizada e body combat”; (…) e acrescenta a Recorrente: “não se coloca em causa que o mesmo tenha ficado provado. Coloca-se sim em causa que do mesmo resulte, conforme consta da motivação da sentença recorrida, que “as testemunhas revelaram saber as actividades desportivas a que esta se dedicava antes do sinistro e que, em virtude das limitações por si sofridas deixou de praticar – ou, simplesmente, deixou de se sentir em condições psicológicas para tal – como sejam a prática desportiva de ginástica localizada e body combat.”
Ora assim sendo impõe-se considerar que o teor do ponto 23 não está impugnado, antes se apresenta corroborado pela própria recorrente – não vindo ao caso a discordância sobre a motivação exarada na sentença, ou qualquer valoração dos factos – pelo que também o ponto 23 permanece inalterado.
Continua a recorrente aludindo aos pontos 29 e 30:
“De acordo com a sentença recorrida, ficaram provados os seguintes factos sob os nºs 29 e 30, nos quais pode ler-se:
29 - “A autora entrou em depressão, evitando o contacto com outras pessoas, fechando-se em casa e não contactando mesmo com os seus familiares”.
30 – “Não conseguindo tão pouco sair à noite com os seus amigos, nem sequer no período de férias.”
De acordo com a motivação da sentença recorrida, a prova destes factos teve por base os depoimentos das testemunhas FF, GG, HH, II e JJ”.
Antes de mais, importa referir que não existe nos autos qualquer relatório médico comprovativo de ter sido diagnosticada à Autora uma depressão (…)
O fundamento da impugnação estaria portanto na ausência do diagnóstico clínico da depressão, propondo a Recorrente uma redacção diferente para estes pontos da matéria de facto.
Todavia, vistos os elementos probatórios mencionados pela recorrente, nomeadamente os depoimentos das pessoas que contactaram a Autora nesse período, nomeadamente amigos e irmã, não ficam dúvidas algumas sobre a realidade vertida nos pontos questionados.
É verdade que “depressão” corresponde cientificamente a uma doença tipificada, e que não foi diagnosticada por clínico algum, mas também é verdade que corresponde na linguagem vulgar a um estado de abatimento reconhecido e cognoscível, observável por qualquer pessoa comum, nada obstando a que o tribunal declare provado aquilo que consta dos pontos em análise, com base apenas nos depoimentos citados.
Também neste ponto julgamos improcedente a pretensão da recorrente.
Continuando, a Ré sustenta que deve ser dado como não provado o facto nº 32 (“O sistema nervoso ficou abalado com necessidade de fármacos, mormente o Lexotan”), também por não existir prescrição médica.
Porém, concorda que o facto em si, essa realidade empírica, foi realmente confirmado pelos depoimentos das testemunhas FF, HH e JJ. Ora não há motivo para questionar estes depoimentos, e o facto não está sujeito a um meio de prova específico, vinculado.
Deste modo, também nada há a alterar ao ponto 32 da factualidade apurada.
Continuando, a Ré requer a alteração do ponto 35 (“E devido à lesão na parte maxilar usa uma goteira, para evitar bruxismo, o qual provoca o desgaste dentário e aliviar a tensão tempero-mandibular.”) para dele retirar a parte inicial, referente à causalidade, já que essa causa “não consta do Relatório pericial junto aos autos, nem tão pouco das declarações de parte da Autora”.
Constata-se que no relatório pericial em referência está efectivamente mencionado o problema temporo-maxilar, do lado direito, afirmando mesmo a probabilidade do seu agravamento, como dano futuro. Não se descortina, portanto, outra explicação para a utilização de goteira, nem outra causa qualquer estava em questão, pelo que também se afigura que é improcedente a posição da Ré, e mantemos o conteúdo deste n.º 35 dos factos provados.
De seguida, a Ré recorrente impugna em conjunto uma sequência de factos, com um mesmo fundamento, que seria a falta de prova bastante.
Diz a recorrente:
“Os factos dados por provados sob os nºs 36, 37, 39, 40, 41, 42, 43 e 45 resultam exclusivamente das declarações de parte da Autora. Ora, salvo o devido respeito, as declarações de parte devem ser valoradas com parcimónia, devendo ser sempre corroboradas por outros meios de prova. Tal não sucedeu quanto a estes factos, os quais reafirma-se baseiam-se exclusivamente nas declarações de parte da Autora, pelo que devem os mesmos terem-se por não provados.”.
Não vindo a propósito deduzir aqui contestação à posição doutrinária da Ré sobre o pouco valor das declarações de parte, temos, no entanto, que retorquir chamando a atenção para o disposto no art. 640º do CPC: ao recorrente que impugna a matéria de facto compete indicar meios de prova que imponham resposta diversa sobre os pontos questionados, e isso a recorrente não faz.
Ora a simples afirmação da fragilidade de um meio de prova, que todavia baseou a convicção do julgador, desacompanhada de qualquer outro elemento de prova que aponte em sentido contrário, não satisfaz os requisitos da impugnação regulada no art. 640º do CPC, pelo que nesta parte também improcede a impugnação em análise.
Prosseguindo, a Ré contesta o teor do ponto 44 dos factos provados:
“44. A autora ficou dois anos sem ocorrência de período, o que lhe alterou o seu ciclo hormonal.”.
Na sentença recorrida este facto foi fundamentado dizendo-se que as testemunhas FF, HH e JJ referiram esse descontrole hormonal, como consequência das alterações psicológicas decorrentes do sinistro.
Contudo, verifica-se que a referência a “dois anos sem ocorrência de período”, resulta da alegação feita no n.º 81 da petição inicial, mas não é confirmada pelos depoimentos referidos, de duas amigas e da irmã da Autora.
Na verdade, considerados esses três depoimentos, o que resulta confirmado é tão só que a Autora, após o acidente, ficou alguns meses sem ocorrência do período menstrual, ficando depois alterado o seu ciclo hormonal (refere-se irregularidade).
Deve, por consequência, alterar-se esse ponto 44 em conformidade:
Facto nº 44 – “A Autora, após o acidente, ficou alguns meses sem ocorrência do período menstrual, ficando alterado o seu ciclo hormonal.”
Prossegue a Ré deduzindo o pedido de que seja acrescentado um novo facto aos que ficaram provados, explicando, depois de mencionar excertos de alguns depoimentos, que “a Recorrente considera que houve erro na apreciação da matéria de facto, uma vez que deveria ter sido dado por provado o seguinte facto, o qual deverá ser acrescentado ao rol dos factos dados por provados nos presentes autos:
Facto 72 - “A Autora, quando voltou a trabalhar após o acidente, continuou a desempenhar as tarefas de promotora de vendas de perfumes da marca ..., o que faz com bons resultados e sem que haja qualquer sinal de insatisfação por parte da sua entidade patronal, situação que se mantém nos dias de hoje.”
A este propósito, observa-se que estamos perante factos nunca alegados, designadamente na contestação apresentada pela Ré. Ora, a possibilidade de serem acrescentados factos não alegados, embora prevista no art. 5º, n.º 2, do CPC, está limitada nos termos dessa disposição legal – e neste caso não se verifica o condicionalismo ali previsto, já que tal factualidade não foi sujeita a qualquer contraditório.
Assim, indefere-se o requerido aditamento.
Continuando a impugnação propriamente dita, requer a Ré que sejam dados como não provados os factos n.ºs 53 e 54.
53 - “A Autora pagou do seu bolso, as consultas e sessões de osteopatia e de reabilitação temporo-mandibular que realizou na Clínica ..., nos dias 10 e 28 de Dezembro de 2018, 2, 14, 21 e 28 de Janeiro de 2019, 6 e 13 de Fevereiro de 2019, 4, 19 e 20 de Março de 2019, 3 e 4 de Abril de 2019, as quais ascenderam à quantia total de €580,00”.
54 – “Para o efeito a Autora teve de se deslocar da sua residência em Faro as instalações da referida clínica, sitas na Rua ..., ..., ..., em ..., tendo que percorrer a distância de 32 quilómetros para ir e voltar para casa em cada um desses dias.”
Invoca a Recorrente a falta de fundamentação nas respostas a esta matéria, e a ausência de prova. Efectivamente, a sentença recorrida apenas refere as deslocações a ... de forma genérica, entre as mais deslocações para tratamentos, atribuindo a confirmação dessa factualidade aos depoimentos das testemunhas FF, GG, HH e JJ, destacando aí o depoimento de GG, e mencionando de forma expressa o ponto 54. Não menciona expressamente o art. 53, onde resulta que a autora suportou essas despesas. Porém, encontramos também a menção das deslocações a ... feitas pela irmã da Autora, JJ. E há que ter em conta as facturas juntas com a petição inicial, documentos particulares naturalmente sujeitos à livre apreciação do julgador mas que não foram contrariados por outro meio de prova.
Tudo ponderado, e vista a interligação óbvia entre os pontos 13 e 14, atenta a prova disponível e o contexto fornecido pela restante factualidade, decide-se julgar improcedente a impugnação da Ré também nestes pontos.
De seguida, a Ré requer que seja dado como não provado o facto nº 56:
“Em 14/5/2018, a autora teve também que comprar produto cicatrizante para as suas cicatrizes, designado de DERMATIX, no valor de €44,11”.
Está este facto fundamentado no documento nº 17 junto à PI, uma factura de farmácia que inclui, não só o produto Dermatix, no valor de €42,11, mas também óleo de rícino, no valor de €2.
Verificando-se que é assim, deve o facto n.º 56 ser alterado em conformidade, para o valor correcto, não se justificando a sua exclusão total, sendo improcedente a argumentação da Ré, que assenta na falta de demonstração da necessidade desse produto – o que é outra coisa que não impugnação do facto, não respeita à sua realidade mas sim a considerandos de outra natureza.
O mesmo se diga quanto ao facto n.º 57, que a Ré também pretende seja dado como não provado:
“57 - Como a autora não conseguia dormir convenientemente, em 9/5/2018, teve que comprar um novo colchão para conseguir dormir tendo despendido a quantia de €349,00”.
A Mma. Juíza a quo fundamentou a sua decisão na fatura do referido colchão (documento de fls. 51 dos autos), assim como no depoimento das testemunhas GG e JJ.
A Recorrente não vê nos referidos depoimentos a prova da necessidade da compra de tal colchão e do nexo de causalidade existente com o sinistro ocorrido em 30 de Abril de 2018. Como se constata, não é o facto em si que é impugnado, mas sim algo diferente, e que será a sua valoração jurídica.
Acresce que o próprio depoimento transcrito, da testemunha GG, revela bem que a Autora, embora ainda se mantivesse em casa da irmã, experimentou e concluiu pela inadaptação ao colchão que substituiu (“foi necessário comprar um colchão, porque a deitar no colchão sentia enormes crises, enormes dores, não conseguia dormir”… “as dores que ela tinha, ela não o conseguia suportar e, portanto, teve mesmo que o comprar.”)
Consequentemente, improcede a impugnação em apreço, mantendo-se o facto referido.
Finalmente, a Ré insurge-se contra o facto nº 60:
“No próprio dia do sinistro a autora teve que comprar medicamentos na farmácia BB tendo gasto a quantia de €23,17 (vinte e três euros e dezassete euros), em ETORICOXIB, BILAXTEN, BLOXINUS, HOLON ESTÉRIL, sendo os mesmos necessários a combater as dores e inchaços sofridos pela autora.”
A compra está comprovada pela factura da farmácia junta pela Autora e que se encontra a Fls. 69 dos autos.
Também aqui a Recorrente baseia a sua impugnação na ausência de prescrição médica, e na falta de prova quanto à necessidade da compra. Porém, também não indica qualquer meio de prova que imporia resposta diferente daquela que foi ditada pela livre convicção do tribunal recorrido, a quem competia o julgamento. E o certo é que a alteração desse julgamento exigiria que algum meio de prova a impusesse, nos termos do art. 640º que vimos a citar.
Por conseguinte, improcede também neste ponto a impugnação da matéria de facto deduzida pela Ré.
As alterações que foram decididas, nos pontos 44 e 56, ficarão a constar da matéria de facto atrás exposta, mantendo-se tudo o restante.
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B – Quanto ao recurso da Interveniente
Por seu lado, a Interveniente Generali veio também requerer alterações à matéria de facto apurada, alegando existir erro no quantitativo referido no ponto 63 da matéria provada.
Na sentença deu-se como provado que:
“63. E, até 1/7/2022, liquidou ainda despesas médicas no valor de € 2.961,90 (dois mil, novecentos e sessenta e um euros e noventa cêntimos).”
Entende a recorrente que deve consignar-se:
“63. E, até 1/7/2022, liquidou ainda despesas médicas no valor de € 3.907,50, (três mil, novecentos e sete euros e cinquenta cêntimos).”
Isto de acordo com os documentos que foram considerados, e que devidamente analisados demonstram essa quantia, explicando-se o erro por o tribunal ter subtraído o respeitante a quantias que são dadas como não provadas na al. bb) dos factos não provados – verificando-se, no entanto, que a recorrente não tinha peticionado estas importâncias.
Pede por isso que seja dada sem efeito a citada alínea bb), por ser irrelevante para os autos, o que indeferimos, uma vez que na realidade, tratando-se de matéria não provada, não se mostra necessária para esse efeito essa eliminação (por si só a presença no elenco dos factos não provados não implica qualquer consequência).
Mas por outro lado constata-se que tem razão a recorrente quanto ao somatório a incluir no ponto 63 dos factos provados, demonstrado pelos comprovativos das despesas médicas que apresentou, a fls. 424 e segs., pelo que procede a impugnação deduzida nesse ponto, que se irá corrigir no local respectivo.
Além desta alteração, requer a Interveniente que seja aditado um novo facto com o seguinte teor:
72) “Encontra-se a correr termos na Procuradoria do Juízo do Trabalho de Faro, processo n.º 1582/19...., o processo de acidente de trabalho no qual a Interveniente ainda irá ser chamada a liquidar os valores devidos à Autora previstos na Lei dos Acidentes de Trabalho.”
Esta factualidade representa o desenvolvimento e especificação do já alegado no articulado próprio, quando a Interveniente alegou que “a Autora ainda vai continuar a necessitar de assistências médicas e/ou medicamentosas, tratamentos, entre outros, e até que o processo de acidente de trabalho fique concluído em sede de Tribunal do Trabalho a Interveniente irá continuar a liquidar os salariais e todas as demais despesas associadas à recuperação da Autora”.
Não houve oposição da parte contrária a esta alegação, como não houve agora oposição a esta pretensão.
Consequentemente, e por se afigurar que tal matéria se reveste de interesse para a decisão a proferir, julga-se procedente esta pretensão da Interveniente, aditando-se o facto aludido, no local próprio).
Nada mais havendo a apreciar, no que respeita aos factos, no recurso interposto pela Interveniente, passamos então a tratar das questões relativas à aplicação do Direito, atentos os factos disponíveis.
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C – Da responsabilidade da Ré perante a Autora
Recordamos que está em causa no presente recurso de apelação a adequada fixação dos montantes indemnizatórios a atribuir à Autora, considerando os danos a ressarcir e atendendo à factualidade provada, dada a pretensão da Ré ora recorrente em ver esses montantes reduzidos nesta instância.
Com efeito, não está questionada a responsabilidade da Ré, resultante do contrato de seguro relativo ao veículo causador do acidente, nem se discute a responsabilidade exclusiva do condutor deste.
Sendo apenas os montantes o objecto da discórdia, passamos então a conhecer das questões a isso respeitantes.
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1 - Do montante indemnizatório a pagar à A. relativo a danos patrimoniais diretos:
Consignou a sentença recorrida que em face da factualidade dada como provada verifica-se que, por causa das lesões decorrentes do sinistro, a autora teve de despender a quantia global de € 580,00 (quinhentos e oitenta euros) em consultas e sessões de osteopatia e de reabilitação temporo-mandibular (facto provado n.º 53), sendo que, para o efeito teve de se deslocar desde a sua residência para a referida clínica, por várias vezes, no total de 384 (trezentos e oitenta e quatro) quilómetros (facto provado n.º 54) – deslocações que devem ser pagas a € 0,40 (quarenta cêntimos), por quilómetro percorrido, nos termos do artigo 4.º da Portaria n.º 1553-D/2008, perfazendo a quantia de € 138,24 (cento e trinta e oito euros e vinte e quatro cêntimos).
Mais se provou que, por causa das mesmas lesões, a autora teve de despender: - a quantia de € 15,00 (quinze euros), em consulta aos maxilares (facto provado n.º 55); - a quantia de € 44,11 (quarenta e quatro euros e onze cêntimos) em creme cicatrizante (facto provado n.º 56); - a quantia de € 349,00 (trezentos e quarenta e nove euros) na aquisição de um colchão (facto provado n.º 57); - a quantia de € 23,17 (vinte e três euros e dezassete cêntimos), na compra de medicamentos no dia do sinistro (facto provado n.º 60).
A este respeito não se perfilam discordâncias, que não fossem as que ficaram resolvidas ao conhecer-se da impugnação da matéria de facto. Em consequência haverá apenas que ter em conta a alteração introduzida no facto n.º 56, que reduz em dois euros o montante a considerar.
Conclui-se assim, feita essa rectificação, mas concordando no mais com a sentença recorrida, que terá a autora direito a receber da ré, a título de danos emergentes, o valor global de € 1 147,52 (mil, cento e quarenta e sete euros e cinquenta e dois cêntimos), condenando-se a ré/seguradora no respetivo pagamento.
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2 - Do montante indemnizatório por perda da capacidade de ganho e dano patrimonial futuro/dano biológico:
Recorde-.se que o dano biológico traduz-se em qualquer diminuição somático-psíquica do indivíduo, com repercussão na vida de quem o sofre, como explanado no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2017, proc. n.º 505/15.9T8AVR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt:
“Por dano biológico deve entender-se qualquer lesão da integridade psicofísica que possa prejudicar quaisquer atividades, situações e relações da vida pessoal do sujeito, não sendo necessário que se refira apenas à sua esfera produtiva, abrangendo igualmente a espiritual, cultural, afetiva, social, desportiva e todas as demais nas quais o indivíduo procura desenvolver a sua personalidade, «Com efeito, o dano biológico é constituído pela lesão à integridade físico-psíquica, à saúde da pessoa em si e por si considerada, independentemente das consequências de ordem patrimonial. Abrange as tarefas quotidianas que a lesão impede ou dificulta e as repercussões negativas em qualquer domínio em que se desenvolva a personalidade humana.”
O quantitativo referente a esta parcela da indemnização a pagar à Autora ficou fixado na sentença em € 32 619,00 (trinta e dois mil, seiscentos e dezanove euros).
Fundamentando, a primeira instância exarou as considerações que se seguem.
No respeitante a “lucros cessantes” apurou-se que, na data do acidente, a autora desempenhava funções de promotora de vendas, auferindo o vencimento base de € 1 000,00 (mil euros) x 12, acrescido de € 64,05 (sessenta e quatro euros e cinco cêntimos) x 11 meses relativo a subsídio de refeição (facto n.º 48).
Se não tivesse ocorrido o acidente a autora teria continuado a auferir tais vencimentos/rendimentos até setembro de 2018, data em que regressou ao trabalho (facto n.º 50).
Todavia, uma vez que a autora recebeu da interveniente/seguradora, a título de perdas salariais, o valor de € 7 381,00 (sete mil, trezentos e oitenta e um euros), não poderá deixar de se descontar tal valor na indemnização que for arbitrada.
E a partir daquela data (3/11/2015) devem ser contabilizadas as perdas de rendimento, mas a título de danos futuros, sendo estes integrantes da categoria dos danos patrimoniais, qualificados correntemente como “dano biológico”.
Dito isto, e deixando as longas citações jurisprudenciais, considerou o tribunal relevantes para este efeito os factores que enunciou:
- A autora tinha 39 (trinta e nove) anos à data do acidente, o que significa que terá pela frente, previsivelmente, 44 anos de vida biológica (calculando a esperança média de vida em 83 anos) e 31 anos de vida ativa;
- A autora auferia rendimentos mensais na ordem dos € 1 000,00 (mil euros), encontrando-se a trabalhar como efetiva no mesmo ramo de atividade, sem que se tenha apurado qualquer perda de rendimento;
- Foi apurado um défice funcional permanente da integridade física em 11,5 pontos (facto n.º 71, al. g);
- As sequelas descritas nos factos provados, são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional compatíveis com o exercício da atividade profissional, mas implicam esforços complementares (ligeiros) (facto provado n.º 71, al. h);
- O valor da taxa de juro anual e a variação da taxa de inflação;
- O sinistro ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor do veículo segurado na ré.
Nestes termos, conclui a primeira instância, atendendo aos critérios e à luz da jurisprudência que citou, e ainda de acordo com a equidade, que deve fixar-se a indemnização devida, quanto a este dano, no montante de € 40 000,00 (quarenta mil euros), a que terá de ser descontado o valor que a autora já recebeu da interveniente/seguradora - no total de € 7 381,00 (sete mil, trezentos e oitenta e um euros) – pelo que deve condenar-se a ré a pagar à autora a este título a quantia de € 32 619,00 (trinta e dois mil, seiscentos e dezanove euros”.
Em relação aos pressupostos de facto mencionados, anotamos apenas que houve um lapso evidente, face ao que consta do facto n.º 33: a autora fez os seus 38 (trinta e oito) anos, a 10/5/2018. Portanto, na data do acidente teria 37 anos. E assim, pelos critérios referidos, nessa altura teria ainda à sua frente 46 anos de vida biológica (calculando a esperança média de vida em 83 anos) e 33 anos de vida ativa.
Porém, feita essa rectificação, diremos que tendo presentes os factores considerados, sobretudo o défice funcional permanente fixado em 11,5 pontos, e as sequelas apontadas, julgamos que o montante indemnizatório se ajusta aos critérios jurisprudenciais, aliás bem expressos na lista de decisões citadas na sentença recorrida, para a qual remetemos.
Considerando a idade da lesada, o grau de afectação da sua integridade psíquico-física, o prolongamento no tempo dessa diminuição, apresenta-se como equilibrado o montante fixado.
As limitações resultantes das lesões sofridas implicam que a autora tenha que suportar um acréscimo de sacrifício em qualquer tarefa que tenha que desempenhar no seu dia a dia, uma penosidade adicional, que deve reflectir-se no montante indemnizatório.
Julgamos, portanto, não assistir razão à recorrente quando alega excesso indemnizatório, e, ao contrário, julgamos adequado fixar a indemnização a este título no montante referido, confirmando a decisão recorrida.
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3 – Quanto à indemnização por danos não patrimoniais:
A este propósito, sublinha a sentença recorrida, e a nosso ver bem, que “a finalidade da indemnização atribuída pelos danos não patrimoniais é a de atenuar, minorar e, de algum modo, compensar os desgostos e sofrimentos suportados pelo autor, através de uma quantia em dinheiro que, permitindo o acesso a bens, vantagens e utilidades, seja capaz de lhe permitir a satisfação das mais variadas necessidades e de, assim, lhe proporcionar um acréscimo de bem-estar que, em certa medida, contrabalance os desgostos sofridos, as dores e angústias suportadas e a suportar.”
“Da análise da jurisprudência recente dos nossos Tribunais Superiores constata-se que os montantes indemnizatórios relativos aos danos não patrimoniais, em sede de responsabilidade civil extracontratual, têm sido consideravelmente aumentados. É evidente a procura de uma compensação justa que tenha um alcance significativo e não meramente simbólico, sem contudo alterar de forma abrupta os critérios que têm subjazido à apreciação e valoração dos danos sofridos.”
Concordamos com a primeira instância: como se pode ler a este respeito no Ac. STJ de 24-05-2016 (Revista n.º 2439/14.5TBVNG.P1.S1 - 6.ª Secção, relator KK) disponível nos Sumários do STJ, “a indemnização por danos não patrimoniais visa contrabalançar o mal sofrido e terá que ser verdadeiramente significativa, devendo o seu quantitativo traduzir a justiça no caso concreto, cabendo, pois, ao julgador ter em conta as regras da prudência, o bom senso e a justa medida das coisas”.
Por outras palavras, em sede de indemnização por danos não patrimoniais, o critério a adoptar é o da compensação do lesado em termos de lhe proporcionar uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão.
Regressando à sentença impugnada, sublinha depois o julgador, depois de enunciar uma nova série de decisões jurisprudenciais, num louvável esforço de assentar critérios quantitativos, os factores que entende mais relevantes para o caso presente.
Menciona a este respeito, lembrando a idade da autora e a esperança média de vida, todas as consequências que resultaram do acidente, com particular relevo na cicatriz na face e no desvio ligeiro do septo nasal, ambas valoradas no dano estético, a diminuição da audição e do olfato, a sujeição a uma intervenção cirúrgica, o quantum doloris de 4 em 7, de gravidade crescente, o défice funcional permanente fixado em 11,5 e toda a alteração do seu estado anímico, com desenvolvimento de stress pós-traumático, o isolamento social, as limitações na prática desportiva e ainda a previsibilidade de dano futuro, em face não só da patologia relacionada com a diminuição do olfato e da audição, mas também da artrose temporomaxilar, com necessidade de acompanhamento futuro.
Concordamos com a relevância do conjunto factual exposto, sublinhando que o elenco dos factos disponíveis respeitantes a esta matéria dos danos morais se afigura especialmente gravosa.
Na verdade, o dano estético é especialmente significativo, sobretudo para uma mulher jovem que tem como actividade profissional a promoção de vendas de perfumes.
A afectação da capacidade olfactiva e auditiva apresenta-se também como constituindo danos de notória gravidade, bem como a intensidade do sofrimento traduzido no quantum doloris (nível 4 em 7).
A repercussão psicológica e na vida pessoal da autora, bem expressa na factualidade apurada, também reclamam correspondente compensação.
Ponderando todos os factores expostos, o Tribunal recorrido considerou adequada, justa e equitativa a indemnização de € 38.000,00 (trinta e oito mil euros), devida à autora, a título de danos não patrimoniais.
Também neste ponto a Ré recorrente se insurge contra o decidido apontando-lhe o excesso, mas sem que logre fazer a demonstração desse vício.
Ponderando o conjunto de factos disponíveis (v. g. a idade da autora, as lesões sofridas e o sofrimento físico e psíquico que decorreu do acidente, o quantum doloris, o dano estético permanente, a repercussão definitiva nas actividades desportivas e de lazer, o défice funcional, a afectação física e psicológica) e fazendo agora o juízo de equidade exigível face ao disposto no n.º 3 do art. 566º do Código Civil, e sem esquecer o necessário equilíbrio, e a consideração pelas orientações jurisprudenciais, julga-se adequado estabelecer in casu a indemnização pelos danos não patrimoniais no montante de €38.000 (trinta e oito mil euros), tal como decidiu a primeira instância.
Nesta instância de recurso, vistos os factos, o direito aplicável e os critérios jurisprudenciais correntes, julgamos acertado o quantitativo a que chegou a instância recorrida, decidindo em consequência a sua confirmação.
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D – Quanto ao recurso da Interveniente
A interveniente veio aos autos com vista a obter o reembolso das quantias que despendeu ou haja de despender em consequência da sua condição de seguradora laboral da Autora (o acidente foi também um acidente de trabalho in itinere, pois na altura a autora caminhava para o seu local de trabalho, no aeroporto ..., quando foi atropelada na passadeira existente no arruamento 1 do Aeroporto).
A sentença proferida reconheceu o direito da Interveniente, a que aliás a Ré não deduziu oposição, designadamente neste recurso.
Feitas as modificações que se julgou justificadas na matéria de facto pertinente, resta conhecer das pretensões da Interveniente.
A primeira instância considerou a este propósito que, desde logo, visto que a autora recebeu da interveniente/seguradora laboral, a título de perdas salariais, o valor de € 7 381,00 (sete mil, trezentos e oitenta e um euros), haverá que condenar a ré seguradora no acidente de viação no respetivo pagamento à interveniente.
Não está questionada esta parte do pedido da interveniente, restando-nos a sua confirmação.
E prosseguiu a sentença impugnada anotando que “também se apurou que a interveniente/seguradora procedeu ao pagamento de despesas médicas no valor global de € 6 857,52 (seis mil, oitocentos e cinquenta e sete euros e cinquenta e dois cêntimos) – factos provados nºs 61 a 63 – valores que lhe deverão ser reembolsados pela ré/seguradora.
Soma-se que “também se apurou que a autora terá de continuar a sujeitar-se, de futuro, a fisioterapia do maxilar e/ou consulta de otorrinolaringologia, com periodicidade anual e à utilização de goteira – facto provado n.º 70. No entanto, o certo é que não foram apurados, em concreto, os custos que, previsivelmente, a autora terá de suportar com tais consultas/ajudas técnicas, ao longo da sua vida ou ainda, os valores que, a título de despesas médicas, a interveniente/seguradora poderá ter assegurado ou vir a assegurar, relegando-se a liquidação de tais montantes para momento posterior.”
Quanto a estes pontos, temos agora que ter em conta a matéria de facto tal como resultou após as modificações operadas neste julgamento.
Como factos relevantes, temos o que consta dos números 61, 62 e 63:
Até 30/06/2021 e no âmbito da assistência prestada à autora, a interveniente/seguradora procedeu ao pagamento de despesas médicas no valor de €3 822,23 (três mil, oitocentos e vinte e dois euros e vinte e três cêntimos), despesas de farmácias no valor de € 73,39 (setenta e três euros e trinta e nove cêntimos), e até 1/7/2022, liquidou despesas médicas no valor de € 3.907,50, (três mil, novecentos e sete euros e cinquenta cêntimos).”
Entendemos que deve ser reconhecido à Interveniente o direito a haver da Ré a quantia correspondente à soma dos valores recebidos, ou seja €8.149,12 (oito mil cento e quarenta e nove euros e doze cêntimos).
Acompanhamos assim a decisão da primeira instância de excluir o montante de €346, respeitantes aos óculos adquiridos pela autora já em 31 de Dezembro de 2018, mais de seis meses após o acidente, por não descortinar o elo de ligação causal dessa despesa com o acidente dos autos.
Por último, recordamos que ficou provado o facto 72: “Encontra-se a correr termos na Procuradoria do Juízo do Trabalho de Faro, processo n.º 1582/19...., o processo de acidente de trabalho no qual a Interveniente ainda irá ser chamada a liquidar os valores devidos à Autora previstos na Lei dos Acidentes de Trabalho.”
Por esse motivo, a Interveniente requer que a condenação para liquidação de sentença abranja as despesas de saúde que a Autora ainda poderá vir a ter, bem como as quantias que a Interveniente vier a liquidar no âmbito do processo de acidente de trabalho com o número 1582/19.....
Afigura-se que tem razão a Interveniente, pelos fundamentos que determinaram já a sentença recorrida a reconhecer o direito da interveniente a ser reembolsada pela Ré quanto a essas despesas previsíveis.
Recordamos a este respeito que o meio próprio para alcançar o efeito pretendido é o previsto agora no art. 609º, n.º 2, do CPC: “Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.”
Diferentemente do que ocorria na redacção do artigo 661.º, n.º 2, do CPC, anteriormente à alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, a sentença de condenação genérica deixou de condenar como até então “no que se liquidar em execução de sentença”, para passar a condenar “no que vier a ser liquidado”.
O incidente de liquidação constitui, portanto, o único meio processual agora previsto quando se mostre necessário quantificar a condenação proferida, como acontece no caso presente.
Dito isto, e com esta ressalva quanto aos termos da decisão da primeira instância, julgamos ser procedente a pretensão recursória da Interveniente, apenas com a excepção referente aos €346, como foi explicitado.
Termina-se, portanto, decidindo em conformidade.
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Uma vez que estão assim decididas as questões suscitadas nos recursos, resta-nos concluir, terminando de acordo com toda a fundamentação que ficou exposta.
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VII - DECISÃO
Por todo o exposto, acordam os Juízes desta Relação, apreciando os recursos de apelação interpostos pela Ré Mudum e pela Interveniente Generali, em julgar improcedentes e procedentes as pretensões deduzidas, condenando e absolvendo como se segue:
A) Condenar a ré/seguradora “MUDUM – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” no pagamento à autora AA, dos seguintes montantes:
i. € 1 147,52 (mil, cento e quarenta e sete euros e cinquenta e dois cêntimos), relativos a danos emergentes;
ii. € 32 619,00 (trinta e dois mil, seiscentos e dezanove euros), relativa a perdas salariais/ dano biológico, na vertente de dano patrimonial futuro;
iii. € 38 000,00 (trinta e oito mil euros), a título de danos não patrimoniais:
- totalizando a quantia global de € 71 766,52 (setenta e um mil, setecentos e sessenta e seis euros e cinquenta e dois cêntimos);
B) Condenar a ré/seguradora “MUDUM” no pagamento à Interveniente GENERALI dos seguintes montantes adiantados por esta:
i. € 7 803,12 (sete mil, oitocentos e três euros e doze cêntimos), a título de despesas de saúde;
ii. € 7 381,00 (sete mil, trezentos e oitenta e um euros), por perdas salariais/dano biológico, no total de € 15 184,12 (quinze mil, cento e oitenta e quatro euros e doze cêntimos).
C) Condenar ainda a Ré a pagar à Interveniente o que vier a ser liquidado por esta a título de despesas de saúde da autora, emergentes do acidente dos autos, bem como as quantias que a Interveniente vier a liquidar à autora no âmbito do processo de acidente de trabalho com o número 1582/19.....
D) Absolver a ré/seguradora do demais peticionado.
E) Sobre as quantias referidas em A) ii) e iii) vencer-se-ão juros de mora à taxa legal, desde a data da sentença até integral pagamento;
F) As demais quantias líquidas vencerão juros à taxa legal, a contar da citação/notificação até integral e efetivo pagamento.
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Finalmente, as custas dos presentes recursos de apelação, nos termos do art. 527º, n.º 1, do CPC, ficam a cargo da Ré recorrente, considerando o seu decaimento.
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Évora, 23 de Maio de 2024
José Lúcio
Manuel Bargado
Albertina Pedroso