Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ALMEIDA SIMÕES | ||
Descritores: | PROVA PERICIAL CONTRATO DE EMPREITADA RESOLUÇÃO DO CONTRATO INDEMNIZAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 03/03/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO CÍVEL | ||
Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
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Sumário: | I – Sendo irrelevante a prova pericial para o objecto da acção, o Tribunal deve indeferi-la pois são proibidos os actos inúteis. II - O contrato de empreitada, enquanto modalidade autónoma de prestação de serviço, pressupõe a vinculação do empreiteiro a realizar certa obra, a obter um resultado, mediante o pagamento de um preço. III - A resolução opera por mero efeito da declaração unilateral à outra parte, considerando-se resolvido o contrato logo que a comunicação for recebida pelo destinatário. IV - O direito de resolução, enquanto destruição da relação contratual, quando não convencionada pelas partes, depende da verificação de um fundamento legal, correspondendo, nessa medida, ao exercício de um direito potestativo vinculado, o que obriga a parte que invoca o direito de resolução a demonstrar o fundamento que justifica a destruição do vínculo contratual. V - A resolução do contrato, por inexecução, reveste carácter extrajudicial (resolução ope voluntatis): significa isto que o credor, para a obter, não tem de recorrer ao tribunal - é ele próprio que resolve o contrato - e, havendo litígio, a intervenção do tribunal consiste tão-só em verificar se estavam reunidas as condições necessárias para o credor poder romper o contrato por vontade unilateral. VI - Mostrando-se a obra parada, por responsabilidade exclusiva e injustificada do respectivo dono, por um período de cerca de 7 meses, assiste ao empreiteiro fundamento para resolver o contrato, uma vez que o comportamento da dono da obra consubstancia situação de incumprimento definitivo da sua parte. VII - O contrato de empreitada é um contrato sinalagmático e oneroso, mas também de execução instantânea, ainda que prolongada. Nos contratos de execução instantânea, o interessado que resolve o contrato tem apenas direito a ser indemnizado pelo interesse negativo ou de confiança, uma vez que o dá sem efeito e na medida em que a resolução do contrato bilateral é equiparada, quanto aos seus efeitos, à declaração de nulidade e à anulação do negócio jurídico, retroagindo à data do contrato. E este interesse contratual negativo compreende tanto o dano emergente como o lucro cessante. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA * “A” demandou, em 8 de Maio de 1995, no Tribunal de …, “B”, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de 27.121.248$00, acrescida de juros à taxa de 15%, tendo liquidado em 8.136.374$00 os que se vencerem, desde 1 de Março de 1993, até 1 de Março de 1995. Alegou, no essencial, que celebrou com a ré um contrato de empreitada, o qual tinha como objecto a construção da estrutura do “B”, em …, pelo preço de 85.000.000$00. O autor cumpriu pontualmente as obrigações contratuais, mas a ré suspendeu a construção da obra, por carta datada de 20 de Novembro de 1992, invocando falta de meios financeiros, por recusa de financiamento, pelo Fundo de Turismo, situação que o autor acatou, supondo que a obra iria recomeçar em breve. Posteriormente, por carta de 25 de Fevereiro de 1993, a ré passou a justificar a paragem da obra pela verificação de irregularidades na execução da obra, o que não correspondia à verdade, uma vez que executou a obra de acordo com o projecto e supervisão do engenheiro responsável. O autor imobilizou pessoal e equipamento e rejeitou outras ofertas de trabalho, por se encontrar obrigado à construção da obra contratada com a ré. Recebeu apenas, por conta dos trabalhos realizados, a quantia de 15.000.000$00, sendo o valor da obra realizada de 22.982.773$00, devendo adicionar-se a importância de 4.596.554$00, correspondente ao lucro de 20% que o mesmo seria susceptível de gerar; computa em 12.403.445$00 os lucros cessantes proporcionais ao trabalho não realizado. A ré prevaleceu-se da paragem da obra para dela afastar o autor, recomeçando-a sob sua orientação e administração. A ré contestou no sentida da improcedência da acção, salientando que o valor recebido pelo autor (15.000.000$00) excede o valor dos trabalhos realizados, não superior a 12.955.861$00, e que estes o foram defeituosamente. Referiu, ainda, que o autor, por carta de 4 de Agosto de 1993, veio recusar a reparação dos defeitos e declarar a "resolução definitiva do contrato". E deduziu reconvenção a pedir a condenação do autor no pagamento da quantia de 46.844.280$00, pelos prejuízos sofridos, bem como no pagamento da quantia a liquidar em execução de sentença pelos prejuízos indicados nos artigos 25° e 26° da mesma reconvenção. Respondeu o autor a invocar a caducidade do prazo de denúncia dos defeitos e a pugnar pela improcedência do pedido reconvencional. Após réplica da ré, foi proferido despacho saneador que julgou, para além do mais, improcedente a excepção de caducidade, tendo sido elaborados a especificação e o questionário. Teve lugar a perícia requerida pelo autor, mas os senhores peritos não puderam responder a todos os quesitos formulados, por impossibilidade de observação, salientando-se no relatório de peritagem de fls. 877 e seguintes: Após a conclusão da estrutura efectuam-se os enchimentos e acabamentos, pelo que todas as peças de betão, a menos que alguma se encontre à vista, estarão tapadas, nomeadamente as sapatas, não sendo possível, à vista desarmada, fazer qualquer tipo de observação em relação a dimensões ou armaduras. Para averiguar das dimensões das sapatas ter-se-ia que a/as destapar, o que seria moroso, difícil e bastante caro. O mesmo acontece em relação à espessura total do conjunto laje/enchimento e acabamento do pavimento, não sendo possível determinar, a menos que se parta o enchimento por forma a deixar visível a superfície da laje. Por isso, foi ordenada pelo senhor juiz peritagem complementar para analisar as fundações da obra, entretanto concluída, tendo a Universidade do Algarve indicado a empresa “C”, que sugeriu um quadro de operações, que passa por quatro técnicas de diagnóstico, entre elas a carotagem das fundações. A ré agravou, tendo a decisão sido confirmada em recurso que subiu em separado. Mas, antes da realização da perícia complementar, a ré desistiu do pedido reconvencional e requereu que fossem retirados do questionário os quesitos 15°,16°,17°,18°,20°,21°,23°,24°,25°,26°, 27°, 28°, 40° e 41 ° (factos alegados na reconvenção), bem como os quesitos 31°, 32°, 33°, 34°, 35°, 36°, 37° e 38° (factos alegados na réplica à reconvenção). Em consequência, manifestou o entendimento que ficava prejudicada a produção de qualquer prova, nomeadamente, a ordenada carotagem, como meio complementar de perícia, que fica sem efeito. O autor opôs-se, por manter interesse na perícia complementar já ordenada, salientando que a desistência da ré deixou intocada toda a matéria factual visada pela realização da perícia. O senhor JUIZ homologou a desistência do pedido reconvencional (fls. 1824) e determinou a eliminação dos quesitos 15° 16° 17° 18° 19° 20° 21° 23° 24° 25° 26° 27° 28° 30° 31°, 32°, 33°, 34°, 35°, 36°, 37° 38°, 40° e 41 ° do questionário, bem como os factos das alíneas J), L), M) e O) da especificação, circunscrevendo o tema do litígio aos quesitos remanescentes (fls. 1872). E determinou também a não realização da perícia complementar, por inutilidade superveniente da sua realização, face à redefinição do tema da controvérsia. Inconformado, o autor agravou - recurso admitido com subida diferida -, tendo alegado e formulado as conclusões que se transcrevem: 1ª. O autor verifica que por uma ou outra razão, não lhe tem sido permitido nestes autos realizar a perícia que requereu. Primeiro, logo no início do processo, não tendo o Tribunal concretizado na prática a admissibilidade daquela; agora, e a pedido da ré, também lhe é negada pela douta decisão recorrida tal possibilidade. 2a. Na prática, isso traduz-se num prémio concedido à ré, que nos autos tem litigado com manifesta má fé, impedindo a descoberta da verdade material. 3a. A ré, habilidosamente, desistiu da reconvenção, mas não da contestação, quando a matéria é a mesma, de modo a alegar a desnecessidade da realização da carotagem, invocando que esta provoca danos graves ao prédio, o que não é verdade. 4ª. A douta decisão recorrida, agindo mal ao abrigo do princípio inquisitório, considerou que a realização da carotagem era supervenientemente inútil, com o que se discorda. 5a. A carotagem é um meio de prova essencial nestes autos, uma vez que o prédio está concluído há anos. Ora a matéria litigiosa decisiva a apurar nos autos, depende de se conhecer com rigor o modo como o prédio se encontra edificado, desde as suas fundações, sem o que não se alcança a verdade material. Além disso, 6a. A realização da carotagem é o único meio de prova para determinar a matéria relativa ao edificado no subsolo. 7ª. Meio de prova esse que serve a garantir não apenas a prova da matéria alegada pela ré, mas igualmente a factualidade invocada pelo autor nos seus articulados, e que constitui e integra a causa de pedir. 8a. Sendo que a douta decisão recorrida não pode impedir a realização da carotagem, pois os meios de prova, ao abrigo do princípio dispositivo, pertencem às partes, no caso ao autor e o indicado meio de prova não é ilícito, nem irrelevante nem despropositado, sem o que se viola o princípio do contraditório. Acresce que, 9a. A realização da carotagem havia já sido determinada nestes autos por douto acórdão deste Venerando Tribunal da Relação, transitado em julgado, pelo que se formou caso julgado formal nos autos. 10ª. Não se verificam os fundamentos invocados pela douta sentença recorrida que determinou a não realização da carotagem, ficando o autor em situação de igualdade diminuída face à ré. 11ª. Na prática há uma grave diminuição dos direitos processuais do autor, designadamente em sede de utilização dos meios de prova, pelo que este fica impedido de cabalmente defender o seu direito, e de o Tribunal apurar a verdade material. 12a. A douta sentença recorrida procedeu à elaboração de uma nova base instrutória, não sendo legítimo impedir o autor de poder requerer a realização da carotagem, para si essencial para prova da sua factualidade. 13a. A douta decisão recorrida violou os artigos 3°-A, 512°, 515°, 668°, n° 1, alíneas c) e d), 672°, 673° e 675°, todos do Código do Processo Civil, pelo que deve ser revogada. A ré contra-alegou a defender a confirmação do despacho recorrido. Procedeu-se depois a julgamento e foi proferida sentença a julgar a acção improcedente, absolvendo a ré do pedido. Considerou-se na sentença que o autor não provou que a ré desistiu da empreitada acordada, tendo sido o autor quem "rescindiu" o contrato de empreitada, em 25.02.1993, o que consubstanciou um perda de interesse do autor (credor) na prestação e conduziu à extinção da obrigação contratual, sem que possa ser assacada responsabilidade à ré (devedora), nos termos do artigo 790° do Código Civil. O autor apelou e conclui a findar as suas alegações: 1ª. A douta sentença recorrida fez errada fixação, interpretação e aplicação da matéria de facto dada como provada nos autos, omitindo elementos importantes e decisivos para a correcta decisão da lide. 2ª. Assim, a douta sentença fixou que o apelante despendeu, pelo menos, 5.775.555$10 nos trabalhos que executou na obra. 3ª. Contudo, essa verba documentalmente comprovada nos autos, apenas corresponde à despesa realizada com a aquisição de cimento/betão. 4ª. Pois, importa a esse montante acrescentar e imputar os custos sofridos com a compra de outros materiais como o ferro, a areia, a pedra, custo de mão-de-obra empregue, o transporte de materiais e pessoas, o descarregamento destes e a sua organização no terreno, a abertura do espaço para construção de caves, o custo da maquinaria utilizada e o transporte de terra retirado, os seguros, os impostos, e o lucro previsível, em percentagem não inferior a 20%, de acordo com os usos vigentes na construção civil. 5ª. A própria apelada admitiu no seu articulado/contestação, no n° 87, que o valor dos custos sofridos pelo apelante ascenderam a 12.955.861$00, o que deve ser dado como provado. 6ª. Donde, há lugar à modificação da factualidade apurada nos autos, em vistas também da obtenção de elementos relativos aos proveitos, lucros cessantes, que o apelante deixou de receber com a denúncia da empreitada, incluindo a formulação de novos quesitos para prova em nova audiência de julgamento. 7ª. A douta sentença recorrida não teve em conta os 16 anos decorridos desde o fim do contrato celebrado entre o apelante e a apelada. 8°. As delongas processuais suscitadas pela apelada no seu interesse, e que dificultaram quer a prova documental quer a prova testemunhal do apelante. Além disso, 9ª. Importa relembrar que o tribunal impediu, não deferindo, uma produção antecipada de prova, requerida e paga pelo apelante, quando a obra ainda estava no início e eram ainda visíveis as fundações desta. 10ª. E contrariando a douta decisão expressa em acórdão deste Venerando Tribunal da Relação, o Tribunal da 1ª instância impediu a realização da perícia/ carotagem. 11ª. Desse modo, foram postergados, por duas vezes, legítimos interesses e direitos processuais do apelante. 12ª. Com a realização da carotagem, o apelante visava obter prova de que cumpriu a sua parte no contrato de empreitada, não lhe podendo ser atribuídas quaisquer responsabilidades na denúncia do contrato. 13ª. Dado que o prédio se encontra edificado, a carotagem é o único meio de prova, seguro e rigoroso, para se determinar o tipo, natureza, características, quantidades e condições dos trabalhos executados pelo autor. 14ª. Paralelamente, a carotagem permitirá compreender que a apelada fez aprovar junto da Câmara Municipal um projecto, que depois substituiu por um outro que deu origem ao realmente edificado, de muito menor qualidade e mais barato, sem autorização das autoridades competentes, projecto este que ordenou ao apelante para executar ao nível das fundações. 15ª. O projecto executado é ilegal, e não cumpriu as ordens de correcção emanadas dos serviços competentes da autarquia, lesando-se assim interesses públicos relevantes. 16ª. Foi, aliás, o apelante que avisou as autoridades da irregularidade verificada com a construção do hotel, até hoje não corrigida. 17ª. A apelada tem impedido a todo o custo a execução da carotagem a fim de impedir que se descubra as irregularidades por ela cometidas na construção do Hotel. 18ª. A apelada bem sabe que no dia em que for feita a carotagem provado fica que a construção do hotel não está feita de acordo com o projecto aprovado pela Câmara Municipal e nem foram feitas as correcções que esta ordenara. 19ª. O hotel foi construído segundo um tipo de construção aligeirada, tipo de construção social. 20ª. É isso que a apelada não quer que se descubra. 21ª. A douta sentença recorrida inviabilizou a realização da carotagem, considerando que esta apenas servia para prova da matéria da reconvenção, entretanto objecto de desistência da apelada, sendo que a razão de ser dessa perícia é também do interesse do apelante. 22ª. Dá-se aqui por reproduzidas as alegações de agravo do recurso junto aos autos, que devem subir para apreciação com a presente apelação. 23ª. A douta sentença recorrida não determinou quem foi o responsável pela denúncia da empreitada, sendo que deve essa imputação ser feita à apelada que agiu no âmbito do contrato com manifesta reserva mental. 24a. Igualmente não foram apurados os lucros cessantes sofridos pelo apelante. 25a. Existe omissão de apuramento de matéria essencial para melhor dirimir o litígio, pelo que além da necessária realização da perícia, devem ser formulados novos quesitos para efectivação de nova audiência. 26a. A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 244°, 1220° e 1229° do Código Civil, e ainda o artigos 3° n° 3, 3°-A, 264° nº 3 e 668° alíneas b) e d) do nº 1, todos do Código de Processo Civil, pelo que deve ser revogada. Os Exmºs Desembargadores Adjuntos tiveram visto nos autos. São os seguintes os factos dados como provados em 1ª instância: 1. Em Maio de 1992, o autor e a ré celebraram um acordo que tinha como objecto, designadamente, a construção pelo autor da estrutura do “B”, em … 2. Estipulou-se um regime de entregas em dinheiro ao longo do faseamento da obra. 3. No acordo celebrado entre autor e ré foi ajustado o valor total de 85.000.000$00. 4. A ré suspendeu a construção da obra em finais de Julho ou princípios de Agosto de 1992. 5. Invocando como causa a falta de meios financeiros, por causa do financiamento da obra, pelo Fundo de Turismo. 6. A ré, em 25/02/93, justificou ao autor a paragem da obra não por falta de dinheiro, mas por erros de construção. 7. A ré entregou ao autor a quantia de 15.000.000$00, a título de pagamento por conta dos trabalhos por ele realizado. 8. Para as fundações as partes tinham acordado previamente o montante de 15.000.000$00. 9. Em 25-02-1993, o autor disse à ré que rescindia o contrato. 10. Aquando da interrupção da obra do réu, o autor tinha em curso e a seu cargo as seguintes obras: a) uma obra em …, …, com apartamentos; b) Uma obra em …, …, …; c) Uma obra em … 11. O autor despendeu, pelo menos, 5.775.555$10 nos trabalhos que executou na obra (cf modificação infra). 12. O acordo a que se reportam os pontos 1. e 3. supra incluía também a construção de uma piscina, dos muros envolventes ao “B”, dos muretes para ajardinamento prontos a jardinar, calcetamento em calçada à portuguesa, arranjos exteriores e de uma fossa. 13. Foi acordado que o pagamento ou pagamentos pela ré seriam efectuados, autonomamente, por fase, depois de concluída cada uma. 14. Autor e ré acordaram que não haveria correcção dos preços estabelecidos, mesmo em caso de qualquer anormalidade de consistência contrária ao bom prosseguimento da obra. 15. Em Fevereiro de 1993, o autor, imputando à ré o incumprimento do contrato, pediu-lhe o pagamento de 15.000.000$00, além dos 15.000.000$00 que já tinha recebido. 16. O autor, logo que interrompeu os trabalhos de construção do “B”, transferiu parte do material que tinha nesta obra para outra sita na … 17. No montante a que se refere o ponto 8. supra não está incluído o valor do IVA. 18. O autor não chegou a acabar a fase das fundações. Cabe, então, apreciar os dois recursos interpostos pelo autor, conhecendo-se o agravo, em primeiro lugar, conforme o disposto no n° 1 do artigo 710° do Código de Processo Civil. De acordo com as conclusões apresentadas, que delimitam, como é regra, o objecto do recurso, a questão nuclear a atender no agravo consiste em saber se há razão para manter a peritagem complementar que fora ordenada, em face da desistência do pedido reconvencional, já homologada, e das alterações subsequentes introduzidas ao questionário e à especificação. De notar, antes de mais, que não viola o princípio do trânsito em julgado formal a eventual alteração do que ficara decidido quanto à necessidade da perícia complementar, se vier a ser entendido que esta se tornou inútil, por desnecessária, em virtude da factualidade a investigar, conforme a selecção da matéria de facto organizada após a desistência do pedido reconvencional. Na verdade, se se concluir que ocorreu alteração substancial do circunstancialismo que justificou a ordenada perícia, o tribunal pode - e deve - julgar dispensável tal perícia, na medida da sua irrelevância para o apuramento dos factos controvertidos. No agravo, o autor não questiona a eliminação dos quesitos e das alíneas da especificação, anteriormente indicados, entendendo apenas que a perícia complementar continua a justificar-se para a boa decisão da causa. Assim, importa indagar se a perícia complementar continua a relevar para o apuramento dos factos constantes do questionário reformulado. Recorde-se que, realizada a primitiva perícia, os senhores peritos não puderam responder a diversos quesitos apresentados pelo autor, por impossibilidade de observação, dado que as peças de betão, nomeadamente as sapatas, já se encontravam tapadas (cf. fls. 877 e seguintes). Estava em causa, fundamentalmente, apurar se os trabalhos levados a cabo pelo autor o tinham sido de forma deficiente ou desrespeitando o projecto da obra. Ora, face à redefinição do tema da controvérsia, conforme consta do "novo questionário" transcrito a fls. 1875 e 1876, tais questões deixaram de ter pertinência para a boa decisão da causa, na medida em que o objecto do litígio ficou circunscrito, no essencial, ao incumprimento do contrato, por parte da ré, e aos eventuais prejuízos, daí decorrentes, para o autor. Assim sendo, a perícia complementar perdeu, manifestamente, actualidade e a sua realização consubstanciaria um acto inútil que o tribunal não podia consentir, porquanto seria irrelevante o que os senhores peritos pudessem vir a apurar nessa perícia complementar. E, como se sabe, a lei proíbe os actos inúteis, conforme decorre do princípio ínsito no artigo 137° do Código de Processo Civil. Deste modo, improcede o agravo. No que respeita à apelação, importa, antes de mais, assinalar que assiste razão ao autor relativamente ao que a 1ª instância deu como provado sobre o valor dos trabalhos que o autor realizou. Na resposta ao quesito 3°, a 1ª instância considerou que apenas se provou que "o autor despendeu, pelo menos, 5.775.555$10 nos trabalhos que executou na obra" (cf. 11. supra). No entanto, a ré alegou, no artigo 87° da contestação, que "o valor dos trabalhos efectuados pelo autor não vai além de 12.955.861$00", constituindo essa alegação confissão que aproveita ao autor, pelo que cabe alterar o ponto 11. supra da factualidade apurada, dando-se como assente que o autor despendeu, pelo menos, 12.955.861$00 nos trabalhos que executou na obra. Fixada a matéria de facto, cabe agora determinar se o autor tinha fundamento para a resolução do contrato e se lhe assiste direito à indemnização reclamada. Vejamos: Não oferece dúvida que as partes celebraram, em Maio de 1992, um contrato de empreitada, tipificado no artigo 1207° do Código Civil, obrigando-se o autor a realizar determinada obra, designadamente, a construção da estrutura do “B”, em …, mediante o pagamento de um preço, que foi fixado em 85.000.000$00, a pagar pela ré, segundo um regime de entregas em dinheiro ao longo do faseamento da obra. O contrato de empreitada, enquanto modalidade autónoma de prestação de serviço, pressupõe a vinculação do empreiteiro a realizar certa obra, a obter um resultado, mediante o pagamento de um preço. Para as fundações da obra, acordaram o preço de 15.000.000$00 (IVA não incluído), que a ré pagou. No entanto, logo em final de Julho ou princípio de Agosto, a ré (dono da obra) suspendeu a construção, invocando falta de meios financeiros, por causa do financiamento da obra, pelo Fundo de Turismo. Mas, em 25 de Fevereiro de 1993, o autor justificou a paragem da obra, não por falta de dinheiro, mas por erros de construção. O que levou o autor a comunicar à ré que "rescindia o contrato" . A questão que se coloca, então, é a de saber se o autor/empreiteiro tinha fundamento para resolver o contrato. A resolução opera por mero efeito da declaração unilateral à outra parte - cf. artigos 224° n° 1 e 436° n° 1 do Código Civil -, considerando-se resolvido o contrato logo que a comunicação for recebida pelo destinatário. Mas o direito de resolução, enquanto destruição da relação contratual, quando não convencionada pelas partes, depende da verificação de um fundamento legal, correspondendo, nessa medida, ao exercício de um direito potestativo vinculado - art. 432° n° 1 do Código Civil -, o que obriga a parte que invoca o direito de resolução a demonstrar o fundamento que justifica a destruição do vínculo contratual. Assim, a resolução do contrato, por inexecução, reveste carácter extrajudicial (resolução ope voluntatis): significa isto que o credor, para a obter, não tem de recorrer ao tribunal - é ele próprio que resolve o contrato - e, havendo litígio, a intervenção do tribunal consiste tão-só em verificar se estavam reunidas as condições necessárias para o credor poder romper o contrato por vontade unilateral. Na concreta situação que se aprecia, o autor não terminou a obra a que se obrigara, mas por circunstâncias que lhe são inteiramente estranhas: a ré, ao mandar suspender a obra sem justificação, uma vez que não provou, como lhe competia, de acordo com o artigo 342° n° 1 do Código Civil, que a obra estava a ser realizada defeituosamente ou com inobservância do projecto, tornou impossível a prestação do autor. Ou seja, o autor ficou impedido de cumprir a sua prestação, por facto imputável à outra parte, pois foi o dono da obra, a ré “B”, quem ordenou a interrupção da obra, invocando, num primeiro momento, a falta de financiamento do Fundo de Turismo e, posteriormente, cerca de 6 meses depois, a existência de erros de construção. Mas não provou a ré a verificação de qualquer das razões invocadas, como se viu, designadamente, a deficiente execução da obra, nem os concretos defeitos imputados. Deste modo, mostrando-se a obra parada por responsabilidade exclusiva da ré, injustificadamente, por tão dilatado período de tempo - pelo menos, até 25 de Fevereiro de 1993, ou seja, durante cerca de 7 meses -, assistia ao autor fundamento para resolver o contrato, uma vez que o comportamento da ré, apresentando motivos incomprovados para a paralisação da obra, consubstancia situação de incumprimento definitivo da sua parte (cf. artigos 801° nºs 1 e 2 e 802° n° 1 do CC). Na verdade, o artigo 808º nº 1 do Código Civil, que remete implicitamente para o artigo 801º, equipara ao incumprimento definitivo a perda do interesse do credor que seja subsequente à mora, dispondo o nº 2 que a perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente. O que significa que a perda do interesse susceptível de legitimar a resolução do contrato deve ser justificada à luz de circunstâncias objectivas, aferindo-se em função da utilidade que a prestação teria para o credor, segundo o critério da razoabilidade própria do comum das pessoas. Ora, no caso sub judice, não poderá deixar de se atender que a obra de construção civil de imóvel exige ao empreiteiro a mobilização de consideráveis meios humanos, financeiros e materiais necessários à sua prossecução, o que não se compadece com demoras irrazoáveis do dono da obra, suspendendo a sua construção sem motivo, por tão alargado período de tempo, e sem perspectiva de lhe dar continuação, tornando insustentável a paralisação para o empreiteiro. Na situação vertente, ultrapassou, inclusivamente, a data prevista para a respectiva conclusão, 30 de Dezembro de 1992, conforme estipulado no contrato de fls. 232 a 234, sendo de salientar que a finalização da obra na data acordada interessa ao dono da obra, mas também, como é evidente, ao empreiteiro. Por outro lado, a suspensão da obra, por parte da ré, dono da obra, atendendo às circunstâncias do tempo e do modo que a revestiu, pode e deve ser interpretada como expressão de vontade firme e definitiva de não cumprir o contrato, pelo que o autor, empreiteiro, podia resolver o contrato sem necessidade da interpelação admonitória prevista no artigo 801° n° 1 do Código Civil [1]. Assim, para além do fundamento para a resolução do contrato, tem ainda o autor direito a ser indemnizado, de acordo com o n° 2 do artigo 801° do Código Civil. E que danos são susceptíveis de reparação pecuniária? A questão que se coloca, desde logo, consiste em saber se o fim da indemnização deve ser o de colocar o contraente que resolveu o contrato na situação patrimonial que teria se o contrato houvesse sido cumprido (indemnização dos danos positivos) ou na que teria se o contrato não tivesse sido celebrado (indemnização dos danos negativos). O contrato de empreitada, como anteriormente se viu, é um contrato sinalagmático e oneroso, mas também de execução instantânea, ainda que prolongada, não podendo ser qualificado como de execução continuada, pois o tempo não influi no conteúdo e extensão da obrigação, dado que apenas interessa ao credor a execução da obra. Como escreve Menezes Leitão, mesmo que essa execução se possa prolongar no tempo, este nunca é visto como relevante em termos de delimitação do conteúdo da obrigação, sendo apenas um prazo de execução da obrigação do empreiteiro, que é assim considerada de execução instantânea, ainda que prolongada (Direito das Obrigações, vol. III, pg. 513). Ora, no conspecto dos danos indemnizáveis, é entendimento largamente maioritário da doutrina e da jurisprudência, quanto aos contratos de execução instantânea, que o interessado que resolve o contrato tem apenas direito a ser indemnizado pelo interesse negativo ou de confiança, uma vez que o dá consequentemente sem efeito e na medida em que a resolução do contrato bilateral é equiparada, quanto aos seus efeitos, à declaração de nulidade e à anulação do negócio jurídico, nos termos do artigo 433° do Código Civil, retroagindo à data do contrato, de acordo com o artigo 289° n° 1 do Código Civil[2] Neste sentido, v.g., Inocêncio Galvão Teles, ao afirmar que a resolução do contrato retroage à data do contrato, produzindo efeito "ex tunc”. O contrato desaparece no passado, tendo-se por não celebrado. As partes ficam desligadas dos seus compromissos como se nunca os tivessem contraído (Direito das Obrigações, 7ª edição, pg.462). Também Antunes Varela pronuncia-se em sentido idêntico: Mesmo para a hipótese de o credor optar pela resolução do contrato se prevê o direito a indemnização. Trata-se da indemnização do prejuízo que o credor teve com o facto de se celebrar o contrato - ou, por outras palavras, do prejuízo que ele não sofreria se o contrato não tivesse sido celebrado (cfr. a fórmula do art. 908), que é a indemnização do chamado interesse negativo ou de confiança. O que ele pretende, com a opção feita, é antes a exoneração da obrigação que, por seu lado, assumiu (ou a restituição da prestação que efectuou) e a reposição do seu património no estado em que se encontraria, se o contrato não tivesse sido celebrado. Este interesse contratual negativo pode compreender tanto o dano emergente como o lucro cessante (o proveito que o credor teria obtido, se não fora o contrato que efectuou): foi apenas, por ex., por tem empatado todo o seu capital disponível na compra das mercadorias que teve de renunciar a uma outra aquisição que lhe teria proporcionado um lucro seguro de certo montante (Das Obrigações em geral, voI. II, 4a ed., pags. 104 e 105). Em face do que se deixou expendido, tendo havido resolução do contrato pelo autor, é apenas ressarcível o interesse contratual negativo - ou dano de confiança -, nos termos do n° 2 do artigo 801° do Código Civil. No entanto, o autor não provou a existência de prejuízos susceptíveis de integração no interesse contratual negativo, pelo que nenhuma indemnização lhe pode ser arbitrada, dado que a indemnização pressupõe a verificação do dano. Ante todo o exposto, concluindo, acorda-se em negar provimento ao agravo e em julgar improcedente a apelação, confirmando-se o despacho e a sentença recorridos, embora a confirmação da sentença o seja com distinta fundamentação. Custas do agravo e da apelação a cargo do autor, sem prejuízo do apoio judiciário concedido. Évora, 3 Março 2010 __________________________________________________ [1] De resto, a conduta da ré, obstando à continuação injustificada da obra, sempre poderia ser entendida como desistência tácita do dono da obra, como se este tivesse resolvido o contrato sem justa causa (art. 1229° CC), mas o autor não seguiu este caminho, optando pela resolução unilateral do contrato. [2] Em sentido oposto, embora sob reserva, pode ler-se João Baptista Machado - Obra Dispersa, vol. I, pg. 183 -, questionando a tese defendida pela maioria dos autores portugueses que considera o exercício do direito de resolução como incompatível com o direito à indemnização pelo interesse positivo. |