Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1364/24.6T8SLV-B.E1
Relator: FILIPE CÉSAR OSÓRIO
Descritores: EXECUÇÃO
INJUNÇÃO
OPOSIÇÃO
FUNDAMENTO DOS EMBARGOS
Data do Acordão: 05/22/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário:
Após as alterações da Lei n.º 117/2019, de 13/9 ao artigo 857.º, n.º 1, do CPC e ao regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1/9, com aplicação aos procedimentos de injunção iniciados após 01/01/2020, a impugnação dos factos constitutivos da causa de pedir do requerimento de injunção, ao qual não foi deduzida oposição e se verifica a regular notificação da Requerida/Executada, não constitui fundamento de oposição à execução baseada em requerimento de injunção dotado de fórmula executória.
Decisão Texto Integral: *

Apelação n.º 1364/24.6T8SLV-B.E1

(1.ª Secção Cível)

Relator: Filipe César Osório

1.º Adjunto: Susana Ferrão da Costa Cabral

2.º Adjunto: Sónia Moura

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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


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I. RELATÓRIO


Acção Executiva, Embargos de Executado, Oposição à Execução e Oposição à Penhora


1. As partes:


Embargante – Executado – Recorrente – «TRIÂNGULO DO CONHECIMENTO, LDA.»


Embargado – Exequente – Recorrido – AA


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2. Objecto do litígio:


A Executada «TRIÂNGULO DO CONHECIMENTO, LDA.» veio, por apenso à Execução que contra ela foi intentada pelo Exequente AA, deduzir cumulativamente oposição à Execução e Oposição à Penhora, através de embargos de executado, pedindo a extinção da execução e o imediato levantamento da penhora, tendo ainda prestado Caução por apenso através de Depósito Autónomo no valor da quantia exequenda de €12.912,78, alegando, resumidamente, que o contrato de prestação de serviços que serve de base à execução é falso, foi dolosamente forjado pelo Exequente, que a alegada prestação de serviços nunca foi prestada à Executada, que se verifica má fé e abuso do direito.


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3. Decisão proferida em Primeira Instância:


Foi proferido despacho liminar em primeira instância com o seguinte dispositivo:


«Face ao exposto, nos termos do disposto no artigo 732º, nº 1, al. c) do Código de Processo Civil, indefere-se liminarmente a presente oposição à execução e oposição à penhora por manifestamente improcedentes.


Custas a cargo da Executada ora Opoente (artigo 527º do Código de Processo Civil).


Valor: o da Execução.


Registe e notifique.


Dê conhecimento ao/à Agente de Execução.».


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4. Recurso de apelação do Executado/Embargante/Recorrente:


A Recorrente interpôs recurso de apelação da decisão onde pede a revogação desta e o prosseguimento dos autos com realização da audiência de julgamento, com as seguintes conclusões:


«A) Entende a Apelante, não ter razão a Meritíssima juíza a quo, que julgou incorrectamente os factos face à prova carreada aos autos, e correspondente direito adjetivo aplicado, errando, por conseguinte, na sua decisão tomada;


B) Os embargos da executada não poderão deixar de ser admitidos e julgados, face à explanação jurisprudencial e doutrinal, assente e pacifica, descrita em detalhe no Ponto II das alegações supra;


C) Tendo sido invocada a falsidade do titulo dado à execução, bem como a falsidade das declarações prestadas nos autos pelo exequente/embargado sobre tal documento (doc 4 dos embargos), que deram lugar ao Processo-Crime n.º 407/24... que corre os seus trâmites pelos SERVIÇOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE ..., também por essa via os embargos da executada terão que ser admitidos pelo tribunal;


D) Além de enquadráveis no disposto da alínea a) do art. 729.º, do CPC;


E) A decisão recorrida peca por deficiente e infundamentada face à factualidade documentalmente comprovada supra relatada.


F) Em momento algum poderá julgar-se indeferida liminarmente a oposição à execução, face ao cumprimento dos seus requisitos de admissibilidade, nomeadamente, na alínea a) do art.729.º do CPC, aplicável ao caso sub judice.».


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5. Admissão do recurso


O recurso foi admitido.


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6. Objecto do recurso – Questões a Decidir:


Considerando que o objecto dos recursos está delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso (arts. 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC) – são as seguintes as questões cuja apreciação aquelas convocam:


- Reapreciação jurídica da causa – saber se foram invocados fundamentos válidos para oposição à execução baseada em injunção.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

7. Os factos relevantes para decidir constam do relatório antecedente.


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8. Reapreciação jurídica da causa – saber se foram invocados fundamentos válidos para oposição à execução baseada em injunção:


8.1. A decisão de indeferimento liminar da presente oposição à execução e oposição à penhora por manifestamente improcedentes, foi fundamentada pela primeira instância do seguinte modo:

«O título dado à execução é um requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória – na medida em que a aqui Embargante (requerida no procedimento de injunção respectivo) não deduziu oposição nessa sede.

O requerimento de injunção em causa foi apresentado a 18.12.2023, a fórmula executória data de 26.06.2024 e a notificação efectuada à aqui Embargante no referido procedimento de injunção foi feita com a cominação estatuída no artigo 14º-A, nº 2 do D.L. nº 269/98, de 1 de Setembro (na redacção conferida pela Lei nº 117/2019, de 13 de Setembro) – conforme resulta da mera consulta ao respectivo processo de injunção.

Assim, a defesa da Executada está limitada aos fundamentos previstos no artigo 729º do Código de Processo Civil ou, excepcionalmente, às situações elencadas nas als. a), c) e d) desse normativo.

Porém, a Executada não invocou qualquer irregularidade na notificação efectuada nos autos de injunção.

Com efeito, como resulta ainda do nº 1 do citado artigo 14º-A, se o requerido, pessoalmente notificado e devidamente advertido do efeito cominatório previsto no nº 2 dessa mesma disposição legal (o que já vimos que se verificou no caso vertente), não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter lugar.

Ademais, com essa actual redacção do citado artigo 14º-A, deixou de ter aplicabilidade o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 714/2014, com força obrigatória geral, uma vez que tem em vista a anterior redacção do D.L. nº 269/98, de 1-09, a qual foi actualmente superada precisamente com a introdução da cominação expressa emanada do artigo 14º-A, nº 2.

Destarte e dado que os argumentos que o Embargante vem agora invocar não constituem fundamento válido de oposição por não ser admissível nos termos do artigo 729º do Código de Processo Civil, terão os presentes embargos de improceder liminarmente.

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Da Má-Fé e Abuso de Direito

Dispõe o artigo 334º do Código Civil, sob a epígrafe “Abuso de Direito“ que:

“É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.“

Pires de Lima e Antunes Varela (in Código Civil Anotado, 4ª edição Revista e Actualizada, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, vol. I, p. 298.) referem que “o abuso do direito pressupõe logicamente a existência do direito (direito subjectivo ou mero poder legal), embora o titular se exceda no exercício dos seus poderes. A nota típica do abuso do direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido”.]

Exige-se que o titular do direito tenha excedido manifestamente os limites impostos ao seu exercício – vide, Almeida Costa in Direito das Obrigações, 9ª edição, Revista e Aumentada, Coimbra, Almedina, 2001, p. 75.

No caso em apreço, não se pode concluir que o Exequente agiu com desrespeito dos limites da boa-fé.

Por seu turno, dispõe o artigo 542.º, do Código de Processo Civil que:

“1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.

2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

3 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé.”.

No caso em apreço, vai a presente Oposição julgada improcedente, pelo que também não se poderá concluir pela má-fé por banda do Exequente.

Desta forma, improcedem também nesta parte os embargos apresentados.

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Não se recebendo os presentes embargos, mostra-se prejudicada a requerida suspensão da execução (cfr. artigo 733º do Código de Processo Civil, a contrario).

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Da oposição à penhora

Com a Reforma do Processo Civil, introduzida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, o legislador dotou o executado dum meio incidental específico de oposição à penhora, regulado nos artigos 863º-A e 863º-B, ambos do Código de Processo Civil.

Com a revisão deste diploma legal levada a cabo pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, o incidente de oposição penhora manteve os mesmos fundamentos, de forma taxativa, passando agora a ser regulado pelo artigo 784º, o qual prevê que

“1 - Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:

a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;

b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;

c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência. (…)”

No caso em apreço, a ora Opoente não alega qualquer facto se enquadre em qualquer uma das situações previstas taxativamente nas ditas alíneas do artigo 784º, nº 1 do Código de Processo Civil.

Assim, falece igualmente a oposição à penhora.».

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8.2. A Recorrente discorda dos fundamentos da decisão liminar de primeira instância, essencialmente, porque entende que o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar, no Acórdão n.º 388/2013, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, sentido da inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 814.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição da execução instaurada com base em requerimentos de injunção aos quais foi aposta fórmula executória, por violação do principio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, ou seja, entende que o Executado pode utilizar, em embargos de executado, a sua defesa com a mesma amplitude com que o podia fazer na acção declarativa, nos termos do artigo 815.º do Código de Processo Civil.


Alegou ainda que a generalidade da doutrina tem considerado que a aposição, pelo secretário judicial, da fórmula executória no requerimento de injunção integra um título executivo distinto das sentenças, sendo admissível que, na oposição à execução nele fundada, o executado invoque, para além dos fundamentos invocáveis na oposição à execução fundada em sentença "quaisquer outros que serio lícito deduzir como defesa no processo de declaração".


E para estribar o seu entendimento menciona e cita diversos Acórdãos do Tribunal Constitucional e Doutrina, que a seguir se elencam:


- Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 437/2012;


- Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 283/2011;


- Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 669/2005;


- Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 658/2006;


E a seguinte Doutrina:


- JOSE LEBRE DE FREITAS (A Acção Executiva - Depois da Reforma, 4.ª edição, Coimbra, 2004, págs. 64 e 182);


- FERNANDO AMANCIO FERRERA (Curso de Processo de Execução, 6.ª Ed., Coimbra, 2004, págs. 39-46 e 152-153);


- J. P. REMEDIO MARQUES (Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Porto, 1998, págs. 79-80 e 153, nota 379);


- MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (A Reforma da Ação Executiva, Lisboa, 2004, pág. 69);


- CARLOS LOPES DO REGO (obra citada, vol. l, pág. 90), mas sem identificar realmente qual a obra;


- SALVADOR DA COSTA (A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 2.ª edição, Coimbra, 2002, p. 172);


- Lebre de Freitas, A Acção executiva depois da reforma da reforma, 5.ª ed., 2009, pp. 190-191.


Importa desde já referir, com o devido respeito, que a Jurisprudência do Tribunal Constitucional invocada pela Recorrente, bem como, a Doutrina por si citada, mostram-se desatualizadas e por isso inaplicáveis ao caso concreto, como se verá melhor infra no ponto 8.3.


Desde logo, todos os Acórdãos do Tribunal Constitucional invocados pela Recorrente foram proferidos no âmbito do antigo CPC, ou seja, anteriormente à entrada em vigor do novo CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o mesmo sucedendo com a citada Doutrina, como se pode verificar facilmente pelas datas das respectivas edições (de 1998 a 2009).


A título meramente exemplificativo, através do Acórdão n.º 388/2013, de 09/071, invocado pela Recorrente, o Tribunal Constitucional decidiu declarar com força obrigatória geral, «a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 814.º, nº 2 do Código de Processo Civil (CPC), na redação do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20º, nº 1 da Constituição», contudo, este Acórdão é aplicável ao art. 814.º do anterior CPC, não sendo aplicável ao caso concreto, já que a norma aplicável é a constante do art. 857.º, do CPC de 2013), o qual veio a ser objecto de Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 264/2015, de 12/05, entretanto também este ultrapassado pela Lei 117/19, de 13/09, diploma que alterou o art. 857.º, do CPC e alterou também o DL 269/98, de 01/09, relativo ao regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, como se verá melhor infra.


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8.3. Regime aplicável à oposição à execução baseada em injunção:


No caso concreto movemo-nos no âmbito de execução para pagamento de quantia certa, tendo sido dada à execução requerimento de injunção no qual, face à não oposição da Requerida, ora Executada e Embargante, foi aposta fórmula executória – cfr. art.º 14.º, n.º 1, do DL 269/98, de 1 de Setembro.


Sendo o título executivo um requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória, os fundamentos da oposição são aqueles que resultam do disposto no art.º 857.º, do CPC.


A versão primitiva do art.º 857.º, n.º 1, aprovada pela Lei 41/2013, de 26 de Agosto, estabelecia o seguinte:

“Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, apenas podem ser alegados os fundamentos de embargos previstos no artigo 729.º, com as devidas adaptações, sem prejuízo do disposto nos números seguintes”.

Perante várias questões relativas à in/constitucionalidade suscitadas pela sua aplicação, o Tribunal Constitucional, através do Acórdão n.º 264/2015, de 12/052, decidiu “declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral (o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 714/2014, citado na sentença não tem força obrigatória geral), da norma constante do artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, quando interpretada “no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória”, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa”.


Na sequência desta declaração de inconstitucionalidade, passou a ser entendido que, para além dos fundamentos de embargos previstos no art.º 729.º, do CPC, a oposição à execução baseada em requerimento de injunção à qual havia sido aposta fórmula executória poderia fundar-se em quaisquer outros meios de defesa que o executado pudesse invocar no processo de declaração, de acordo com o artigo 731.º, do CPC – António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra, 2020, pág. 287.


Entretanto, a redacção do art.º 857º, do CPC, foi alterada pela Lei 117/19, de 13/09, diploma que alterou também o DL 269/98, de 01/09, relativo ao regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos.


Então o art.º 857.º, do CPC, na sua actual redacção (dada pela Lei 117/19, de 13/09), dispõe, sob a epígrafe “Fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção”, o seguinte:

1 - Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual.

2 - Verificando-se justo impedimento à dedução de oposição ao requerimento de injunção, tempestivamente declarado perante a secretaria de injunção, nos termos previstos no artigo 140.º, podem ainda ser alegados os fundamentos previstos no artigo 731.º; nesse caso, o juiz receberá os embargos, se julgar verificado o impedimento e tempestiva a sua declaração.

3 - Independentemente de justo impedimento, o executado é ainda admitido a deduzir oposição à execução com fundamento:

a) Em questão de conhecimento oficioso que determine a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção;

b) Na ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção de exceções dilatórias de conhecimento oficioso.

Como já referido, esta redacção foi introduzida pela Lei 117/19, de 13 de Setembro, diploma que alterou também o DL 269/98, de 1 de Setembro, relativo ao regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos.


Das alterações efectuadas destaca-se aquela relativa ao art.º 13º do Anexo ao DL 268/98, de 1 de Setembro, através da qual foi alterado o teor da notificação a entregar ao Requerido, a qual deve conter “A indicação do prazo para a oposição e a respetiva forma de contagem, bem como da preclusão resultante da falta de tempestiva dedução de oposição, nos termos previstos no artigo 14.º-A”.


Foi também aditado o art.º 14º-A, o qual com a epígrafe “Efeito cominatório da falta de dedução da oposição” prevê que:

“1 - Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

2 - A preclusão prevista no número anterior não abrange:

a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;

b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;

c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;

d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente”.

Nesta sequência, como decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 07/03/2024 (proc. 1610/23.3T8ENT-A.E1, relator Francisco Matos), os fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, são os seguintes:


- os fundamentos de oposição à execução baseada em sentença e que sejam compatíveis com o procedimento de injunção (art.º 729º do CPC e art.º 14º-A, nº 2, al. b) do Anexo ao DL 269/98, de 1 de Setembro);


- o uso indevido do procedimento de injunção (art.º 14º-A, nº 2, al. a) do Anexo ao DL 269/98, de 1 de Setembro);


- a ocorrência de outras excepções dilatórias de conhecimento oficioso (art.º 14º-A, nº 2, al. a) do Anexo ao DL 269/98, de 1 de Setembro);


- a existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas (art.º 14º-A, nº 2, al. c) do Anexo ao DL 269/98, de 1 de Setembro);


- qualquer excepção peremptória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente (art.º 14º-A, nº 2, al. d) do Anexo ao DL 269/98, de 1 de Setembro);


- quaisquer outros fundamentos que possam ser invocados como defesa no processo de declaração, em caso de justo impedimento à dedução de oposição ao requerimento de injunção, tempestivamente declarado perante a secretaria de injunção, nos termos previstos no artigo 140º (cfr. art.º 857º, nº 2 do CPC).


No mesmo sentido, podem ser consultados “os Acs. TRC de 30-05-2023, proc. 1561/22.9T8SRE-B.C1, relator Pires Robalo, Ac. TRP de 07-04-2022, proc. 318/21.9T8OAZ-A.P1, relator Deolinda Varão e Ac. TRP de 16-01-2024, proc. 1171/23.3T8LOU-A.P1, relator Maria da Luz Seabra” e, no mesmo sentido, na doutrina, “António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Processo de Execução, Processos Especiais e Processo de Inventário Judicial, Coimbra, 2020, pág. 288 e José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, 4ª edição, pág. 872-873. Veja-se também Marco Carvalho Gonçalves in Lições de Processo Civil Executivo, 5ª edição, 2023, págs. 279 e ss..” – jurisprudência e doutrina citada no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/05/20243 (Ana Rodrigues da Silva, proc. n.º 14074/23.2T8SNT-A.L1-7, www.dgsi.pt).


No caso concreto em apreciação, a Recorrente alegou essencialmente que a quantia exequenda não é devida, porquanto nunca celebrou qualquer contrato com o Exequente, sendo o contrato de prestação de serviços que serve de base à execução e que foi a base do requerimento de injunção, é um documento falso e falsas as suas declarações, foi dolosamente forjado pelo Exequente, foi apresentado procedimento criminal, nega a celebração do contrato em causa e nega ainda a prestação de serviços invocada, bem como, entende que ocorreu má fé e abuso do direito por parte do Exequente nas modalidades de venire contra factum proprium e suppressio.


Face a tais alegações, o tribunal recorrido entendeu que a defesa apresentada nos embargos não respeita a nenhum dos fundamentos previstos na lei.


Então, a factualidade invocada pela Embargante, ora Recorrente, será suficiente para se concluir que o apelante pretende suscitar a apreciação da existência de abuso de direito?


O art. 334.º, do Código Civil, sob a epígrafe “Abuso do direito” dispõe que «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.».


O art. 334.º, do CC procedeu à junção quer da visão francesa do abuso – enquanto ofensa ao fim social ou económico do direito – quer da perspetiva alemã (e austríaca), ao ter por abusivo os atos violadores da boa fé e dos bons costumes4.


O legislador pretendeu, de facto, elencar os limites ao exercício do direito e, ao fazê-lo, agregou dois tipos de situações: aquelas em que o direito não pode ser exercido porque extravasa as suas próprias fronteiras e aqueloutras em que o impedimento ao exercício deriva das regras estabelecidas para semelhante atuação5.


Sinteticamente, haverá então abuso do direito sempre que:

a. Ocorra uma violação do fim social ou económico do direito, ou seja, da intenção normativa que lhe subjaz, do seu substrato axiológico;

b. Se desrespeite os bons costumes, que mais não são do que a eticidade jurídico-normativa imanente ao sistema. Os bons costumes são aqui perspetivados como o mínimo ético-jurídico que deve balizar o exercício de toda a posição jurídica.

c. Se aja em desconformidade com a boa-fé, a qual avalia o comportamento de uma pessoa em reação com o outro, estabelecendo a necessidade de o exercício do direito ser leal, correto e honesto, observando na medida do possível os interesses dos demais sujeitos.


Existem diversas modalidades de abuso do direito enquanto “exercício inadmissível de posições jurídicas”6, incluindo aquelas invocadas pelo ora Recorrente: venire contra factum proprium que se traduz no exercício de comportamento contraditório e ainda a suppressio.


O termo suppressio (supressão, neutralização ou inibição do direito) é a tradução latina proposta por Menezes Cordeiro7 da figura da “Verwirkung” do direito alemão, a qual conheceu as suas primeiras manifestações no último quartel do século XIX, ainda em tempos anteriores à entrada em vigor do B.G.B.


Na suppressio, Vervirkung ou neutralização, o agente não exerce o seu direito durante um lapso temporal considerável, criando por isso a convicção noutrem de que não o irá fazer. Não basta o mero não exercício, sendo simultaneamente preciso um indício objectivo que legitime essa convicção [Acs. STJ 04.11.2021(17431/19.5T8LSB.L1.S1); 20.10.2012 (369/2002.E1.S1); 15.11.2011 (49/07.2TBRSD.P1.S1) E 12.06.2012 (1267/03.8TBBGC.P1.S1)]8.


Neste caso o titular do direito está consciente da sua situação, tem condições para agir, mas não o faz. Este problema só se coloca quando o período de tempo decorrido sem exercício do direito é menor do que os prazos de prescrição ou de caducidade. Com efeito, se um destes prazos já tivesse decorrido, não haveria necessidade de buscar outro fundamento para tutelar a posição de confiante. Importa, contudo, salientar que, mais do que delimitar de forma precisa o fator tempo, interessa avaliar a repercussão que o exercício tardio tem na contraparte, indagando até que ponto será exigível que esta suporte este resultado (…) Em tais circunstâncias, a tutela da confiança determina a neutralização do direito exercido tardiamente. Discute-se se com isso se deve entender a supressão do direito, a supressão do seu exercício ou a simples imposição da obrigação de indemnizar ao respetivo titular pelos danos causados com essa atuação. Cabe, no entanto, salientar que, inclusive quando se professa esta última visão, se admite a inibição do exercício se a indemnização não cumprir de forma satisfatória a compensação do prejuízo (Batista Machado, 1991: 422; Carneiro da Frada, 2004: 427). Para que possa ser decretada a suppressio ou neutralização é necessário, para além da inação do titular do direito, que estejam preenchidos os pressupostos da tutela da confiança9.


Segundo Menezes Cordeiro10, costumam ser enunciados como requisitos de aplicação desta figura:


- um não exercício prolongado do direito;


- uma situação de confiança daí derivada para a contraparte, coadjuvada por elementos circundantes que a sustentem;


- uma justificação para essa confiança;


- um investimento de confiança;


- a imputação ao não exercente da confiança criada.


Ou, como bem referido, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/11/202111 (Jorge Dias, proc. n.º, 17431/19.5T8LSB.L1.S1, www.dgsi.pt): «O abuso de direito, na modalidade “suppressio”, exige não só o decurso de um período de tempo razoável sem exercício do direito, mas também a verificação de indícios objetivos de que esse direito não irá ser exercido. Indícios objetivos esses que geram na contraparte (beneficiário do não exercício) a confiança na “inação do agente”.».


Feito este sintético enquadramento teórico do abuso do direito e considerando os factos alegados relativos à conduta do Exequente e demais circunstâncias relativas ao contrato dos autos subjacente à injunção, não é possível concluir pela alegação, ainda que de forma sucinta, de uma situação enquadrável no abuso de direito, excepção de conhecimento oficioso e enquadrável no art.º 14.º-A, n.º 2, al. d) do Anexo ao DL 269/98, de 1 de Setembro, nem sequer da invocada litigância de má fé para efeitos do disposto no art. 542.º, do CPC.


Com efeito, a factualidade trazida aos autos pela Executada não permite concluir pela alegação de uma excepção peremptória de direito material que poderia ter sido invocada em sede de oposição ao requerimento injuntivo e que o tribunal possa conhecer oficiosamente.


A alegação relativa à falsificação da assinatura do executado, quando desacompanhada de quaisquer outros factos, nomeadamente relativos à conduta do Exequente e necessário conhecimento deste da situação em apreço, não é de molde a configurar a alegação de factos integradores de uma excepção peremptória enquadrável nos fundamentos de oposição constantes do art.º 857.º, do CPC.


Em consequência, não existindo qualquer fundamento de oposição à execução, nada há a censurar no despacho liminar recorrido quando decide pelo indeferimento liminar dos embargos de executado apresentados.


Entende ainda a Recorrente, embora com referência aos artigos 814.º e 816.º do anterior CPC, preceitos já revogados, que tal norma limita injustificadamente os fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória, padece do vício de inconstitucionalidade pela violação do princípio da indefesa, consagrado no art.º 20.º da CRP.


Como já acima referido, o Tribunal Constitucional, através do Acórdão n.º 264/2015, de 12 de Maio (e não os acórdãos invocados pela Recorrente), declarou “a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, quando interpretada “no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória”, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa”.


Entretanto, como acima já mencionado, a nova redacção do art.º 857º do CPC dada pela Lei 117/19, de 13/09, afastou as anteriores violações da Lei Fundamental, em particular no que tange ao princípio da proibição da indefesa.


Tal como decidido no já citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/05/202412 (Ana Rodrigues da Silva, proc. n.º 14074/23.2T8SNT-A.L1-7, www.dgsi.pt), concordamos de igual modo com J. H. Delgado de Carvalho in “Pela constitucionalidade do novo artigo 14.º-A do Regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro” em https://blogippc.blogspot.com quando refere que “a persistência da regra de equiparação entre o requerimento de injunção no qual foi aposta fórmula executória e a sentença judicial condenatória, enquanto títulos executivos, para efeitos de determinação dos fundamentos de oposição à execução mediante embargos – equiparação que foi mantida na nova redação do n.º 1 do artigo 857.º do Código de Processo Civil – e a consequente limitação dos fundamentos de defesa na fase executiva são conformes às exigências materiais jusconstitucionais, sendo de concluir que não existe incompatibilidade entre o efeito preclusivo estabelecido no n.º 1 do (novo) artigo 14.º-A do RPOP relativamente aos fundamentos (não supervenientes) de oposição à execução baseada naquele requerimento e o direito de defesa do requerido”.


Mais se refere no citado Acórdão que “Esta conclusão resulta das alterações introduzidas pela Lei 11/2019, de 13 de Setembro no que se refere ao conteúdo da notificação do requerimento de injunção, pelo Balcão Nacional de Injunções, antes da aposição da fórmula executória e, que concretizem as exigências do art.º 20º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa. Donde, sendo o requerido, regularmente notificado e advertido do efeito cominatório decorrente da falta de oposição ao requerimento injuntivo antes da aposição da fórmula executória, está salvaguardado o seu direito de defesa, o qual fica consolidado com as demais possibilidades de defesa constantes do art.º 857.º, do CPC.”.


Deste modo, também não existe qualquer violação dos direitos constitucionais da Executada, ora Recorrente, com a aplicação do disposto no art.º 857.º, do CPC.


Finalmente, quanto à oposição à penhora resta dizer, como na primeira instância, que no caso em apreço, a ora Recorrente não alega qualquer facto que se enquadre em qualquer uma das situações previstas taxativamente nas alíneas do artigo 784.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.


Na sequência de todo o exposto, impõe-se a total improcedência do recurso de apelação e a manutenção da decisão liminar recorrida.


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9. Responsabilidade Tributária


As custas do recurso de Apelação são da responsabilidade da Recorrente.


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III. DISPOSITIVO


Nos termos e fundamentos expostos,

1. Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Recorrente e, em consequência confirmar a Decisão Liminar da Primeira Instância.

2. As custas do recurso de Apelação são da responsabilidade da Recorrente.

3. Registe e notifique.


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Évora, data e assinaturas certificadas

Relator: Filipe César Osório

1.º Adjunto: Susana Ferrão da Costa Cabral

2.º Adjunto: Sónia Moura

1. https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-tribunal-constitucional/388-2013-499803↩︎

2. https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-tribunal-constitucional/264-2015-67409563↩︎

3. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/a56828eae39e0c5780258b2c003d5ced?OpenDocument↩︎

4. Elsa Vaz de Sequeira, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, 2.ª ed., 2023, UCP Editora, pág. 960-961.↩︎

5. Idem, pág. 963.↩︎

6. Existem diversas modalidades do abuso do direito analisadas na dissertação de doutoramento de Menezes Cordeiro, in Da Boa Fé no Direito Civil, Colecção Teses, Almedina, 2001, pág. 719 e ss.↩︎

7. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, tomo 4, Almedina, 2005, pág. 315 e ss.↩︎

8. Elsa Vaz de Sequeira, ob. cit., pág. 968.↩︎

9. idem pág. 968.↩︎

10. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, tomo 4, Almedina, 2005, pág. 324.↩︎

11. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f35c9f1f4f425d5f80258783005bc0e2?OpenDocument↩︎

12. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/a56828eae39e0c5780258b2c003d5ced?OpenDocument↩︎