Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MOISÉS SILVA | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO INCAPACIDADE TEMPORÁRIA PARCIAL INDEMNIZAÇÃO RETRIBUIÇÃO CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL REFORMATIO IN PEJUS | ||
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Data do Acordão: | 11/19/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | i) constitui violação da proibição de diminuir a retribuição a decisão unilateral da empregadora em reduzir a retribuição do trabalhador sinistrado na medida da incapacidade temporária parcial para o trabalho. ii) em processo de contraordenação laboral vigora, em regra, o princípio da proibição da reformatio in pejus quando o arguido é o único recorrente. (sumário do relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO Recorrente: …& Construção, SA (arguida). Recorrida: ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho. Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo do Trabalho de Beja. 1. A arguida veio impugnar judicialmente a decisão proferida pela Autoridade para as Condições do Trabalho, a qual a condenou na coima no valor de € 15 000 (quinze mil euros), e no pagamento de créditos laborais e juros de mora na quantia de € 2 337,12 (dois mil trezentos e trinta e sete euros e doze cêntimos) de contribuições à Segurança Social no valor de € 912,53 (novecentos e doze euros e cinquenta e três cêntimos), pela prática de contraordenação muito grave, por infração ao disposto na alínea d) do n.ºs 1 e 3 do art.º 129.º do Código do Trabalho, conjugada com o n.º 1 do art.º 283.º do mesmo diploma, art.º 2.º n.º 1 e al. e) do n.º 3 do art.º 48.º da Lei nº 98/2009, de 04.09 (Lei dos Acidentes de Trabalho – “LAT”). Para tanto, e em conclusão, alegou que: Em consequência de acidente de trabalho, o trabalhador da ora impugnante Sr. A…, foi acometido de Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) entre 11.09.2014 e 10.02.2015. A partir do dia 10.02.2015, encontrou-se afetado de Incapacidade Temporária parcial (ITP) de 20%, no âmbito da qual consideraram os Serviços Clínicos da Companhia de Seguros que o sinistrado poderia retomar a sua atividade profissional. A situação manteve-se até ao dia 03.03.2015, data em que aquela ITP se modificou para 10% até 10.03.2015, voltando então a aumentar para 20% até 07.04.2015. Nesta última data (07.04.2015), a ITP foi fixada em 15% até data não definida. Após o regresso do sinistrado à sua atividade profissional (lubrificador) em fevereiro de 2015, a ora Impugnante “retomou o seu dever de lhe pagar pontualmente a sua retribuição.” Sucede que, apesar do sinistrado ter retomado a sua atividade de lubrificador ao serviço daa, a verdade é que, em termos qualitativos e quantitativos, o seu desempenho não foi o mesmo que anteriormente ao acidente. Por se encontrar ainda em período de tratamentos e de recuperação física, por força da incapacidade – ainda que temporária – para o trabalho, no âmbito das funções próprias da categoria profissional, não podia, como manifestamente não pôde, o Sr. A… executar todas as tarefas normais e necessárias, ou executá-las, com o nível de prontidão exigível e habitual. Por via das suas limitações físicas de então, durante o período temporal em causa, o Sr. A… deixou, com o consentimento da ora Impugnante, de realizar tarefas mais exigentes fisicamente, que envolvessem movimentos mais complicados e/ou que reclamassem a permanência em pé por períodos de tempo prolongados: em intervalos de tempo regulares, era sistematicamente obrigado a interromper eventual trabalho, para repouso na posição de sentado. Não obstante se encontrar ao serviço da arguida, a atividade do sinistrado não teve objetiva e manifestamente o mesmo rendimento: menos tarefas executadas, e as que o foram, levaram bem mais tempo que o normal a ser concluídas. A prestação de trabalho do sinistrado refletiu na perfeição, pela negativa, o coeficiente de incapacidade temporária de que o mesmo se encontrava afetado em cada um daqueles períodos de tempo. Atenta a diminuição, clínica e efetiva, da capacidade de trabalho do Sr. A…, e como contrapartida direta dessa mesma capacidade reduzida, a ora Impugnante aplicou à retribuição deste último o coeficiente de desvalorização profissional temporária vigente em cada intervalo de tempo. A remuneração contratualmente devida ao sinistrado permaneceu inalterada. Só a retribuição concretamente paga pela Impugnante e recebida pelo sinistrado durante a fase de incapacidades temporárias correspondeu à efetiva capacidade sobrante para o trabalho do mesmo. Após a alta clínica, e continuando até hoje ao serviço da Impugnante, o sinistrado deixou de ter qualquer afetação no salário concretamente auferido. O sinistrado recebeu da Companhia de Seguros todas as indemnizações legais decorrentes por cada um dos períodos de incapacidade temporária. À luz do princípio estruturante de que uma indemnização se limita a eliminar ou a compensar um prejuízo sofrido, não devendo constituir qualquer fonte de ganho ou lucro, a ora Impugnante sempre interpretou da forma acima descrita o regime das incapacidades temporárias dos sinistrados na decorrência de acidente de trabalho: a remuneração por parte da Empregadora do trabalho prestado pelo sinistrado em fase de desvalorização da sua capacidade de trabalho deve refletir essa redução, já que em conjunto com a indemnização propriamente dita, ela vai compor a remuneração normal completa. A ora Impugnante interpretou e aplicou a lei aplicável da forma mais diligente e esclarecida que lhe é possível: através de raciocínio juridicamente consistente, razoável e em linha com a Justiça material que se preconiza em matéria de acidentes de trabalho, cuja matriz é o da compensação pelo prejuízo, e não de ganho duplo pelo mesmo trabalho. No caso do sinistrado António Pacheco, a Impugnante atuou com total ponderação e genuína boa-fé (objetiva e subjetiva), convicta de que estava a corresponder integralmente aos relevantes princípios e objetivos preconizados pelo regime jurídico dos acidentes de trabalho. Conclui pela procedência das conclusões e ser a decisão administrativa revogada e a recorrente absolvida. Arrolou testemunhas. Foi admitida impugnação e designado dia para realização de audiência de discussão e julgamento, que se realizou como consta da ata respetiva. Após, foi proferida sentença com a decisão seguinte: Em face do exposto, julgo parcialmente procedente a impugnação judicial interposta pela arguida e, em consequência, condeno a arguida pela prática da contraordenação muito grave por infração ao disposto na alínea d) dos n.ºs 1 e 3 do art.º 129.º do Código do Trabalho, na coima de € 9 180 (nove mil cento e oitenta euros) bem como na sanção acessória de publicidade, caso a arguida não cumpra com o preceituado no n.º 1 do artigo 563.º, do Código do Trabalho, e no pagamento da remuneração indevidamente descontada ao sinistrado trabalhador, no valor de € 424,06 (quatrocentos e vinte e quatro euros e seis cêntimos) e respetivos juros. 2. Inconformada, veio a arguida interpor recurso, que motivou e concluiu da forma seguinte: 1- Em toda a tramitação administrativa que antecedeu a elaboração do auto de notícia, o teor da acusação, tal como os fundamentos da condenação, nunca a ACT informou a arguida (ou sequer declarou nos autos, de modo a que esta pudesse aperceber-se de tal), uma concreta data de alta clínica atribuída ao trabalhador sinistrado, ou, sequer, que a empregadora mantinha as deduções salariais ao trabalhador – próprias e apenas devidas (mesmo no entender da arguida) durante os períodos de incapacidades temporárias para o trabalhador –, após a atribuição da alta. 2- Para determinar a prática da contraordenação, será essencial destrinçar a conduta da arguida reportada ao período que antecede a data da alta clínica, de todo o intervalo de tempo entre 17.04.2015 e junho de 2016, em que os descontos salariais foram efetuados num pressuposto (erróneo, mas compreensível) de manutenção da situação anterior de incapacidade temporária. 3- As deduções salariais concretizadas após 17.04.2015 não relevam para a questão de fundo do presente processo de contraordenação, na medida em que a arguida desconhecia, sem obrigação do contrário, que o fundamento jurídico por ela configurado como legitimando as deduções salariais posteriores já não existia. 4- O erro da recorrente circunscreve-se a um contexto de facto, no âmbito do qual, confiando legitimamente no teor do último elemento clínico disponível, e exercendo um normal dever de diligência, ignorava compreensivelmente a falta de fundamento para as deduções subsequentes a 17.04.2015: as entidades com competência e/ou obrigação de o reportar, as intervenientes no processo de acidente de trabalho – seguradora e sinistrado –, ou que com ele contactaram, como a ACT, nunca informaram ou tomaram a iniciativa de interpelar a empresa, questionando-a expressamente porque é que, tendo já sido atribuída alta clínica ao sinistrado, continuava a proceder às deduções no salário do mesmo, como se persistisse afetado da última percentagem de ITP. 5- A postura errónea da entidade empregadora no período posterior a 17.04.2015, não resulta de qualquer comportamento negligente, uma vez que, sendo alheia ao processo de acidente de trabalho, não era sequer seu o dever de informação quanto ao pressuposto essencial para as deduções nos vencimentos do sinistrado, mas antes deste último, e depois da própria ACT na fase prévia ao processo, e, finalmente da seguradora. 6- Relativamente às deduções salariais concretizadas entre abril de 2015 e junho de 2016, não se colocará, pois, a verificação do elemento subjetivo do tipo contraordenacional em apreço, visto que, atentos os factos provados sob os nºs 13 a 16, a recorrente agiu sempre com a diligência devida à luz dos elementos conhecidos, sendo certo que, assim que foi informada da data da alta clínica, de imediato regularizou a situação do ponto de vista da sua responsabilidade civil perante o trabalhador, e parafiscal perante a Segurança Social, quanto aos salários descontados posteriormente a 17.04.2015. 7- O que está em discussão na contraordenação prevista e punida na alínea d) do n.º 1 e n.º 3 do art.º 129.º do Código do Trabalho, é saber se as deduções operadas pela arguida nos salários auferidos pelo trabalhador sinistrado entre fevereiro e março de 2015, no total de € 424,06 (quatrocentos e vinte quatro euros e seis cêntimos), correspondem, ou não, à correta interpretação do regime legal dos acidentes de trabalho, no que toca às retribuições devidas no decurso dos períodos de incapacidades temporárias. 8- Da impugnação judicial oferecida pela recorrente e, bem assim, da prova produzida resulta (isto é, foi assumida) uma total transparência no que concerne ao critério da interpretação e aplicação utilizado, de total boa-fé, da lei vigente. Tal assunção jurídica, vem, desde logo, bem patenteada no facto provado sob o n.º 11 (perfeita e objetivamente estribado, em termos de causalidade fáctica, na matéria dada por provada nos n.ºs 2 a 10) e na fundamentação de facto plasmada pelo Digno Tribunal a quo a este respeito. 9- Esta interpretação mereceu do Tribunal a quo a consideração crucial consignada no facto provado n.º 17: “A arguida atuou de forma livre e consciente, convencida que atuava sem contrariar qualquer disposição legal”. 10- A recorrente também defende que “Não está a referida indemnização (por incapacidade temporária, consagrada no art.º 48.º da Lei n.º 98/2009, de 04.09 - LAT) condicionada à perda de retribuição.” Mas refuta que “a indemnização que é paga ao sinistrado pela seguradora visa compensar essa redução da retribuição.” 11- A recorrente interpreta a lei no sentido de que, nos períodos de incapacidades temporárias, se a indemnização suportada pela Seguradora compensa, ou, no dizer da sentença, “visa reparar a redução da capacidade de trabalho ou de ganho” (com o que se concorda sem reservas), a retribuição devida por esses mesmos períodos antes paga a capacidade de trabalho ou de ganho sobrante, assim se completando, aliás, o doutamente invocado “direito à integridade económica ou produtiva do trabalhador”. 12- O que se visa nesta fase é, tão-somente, a reposição dos normais rendimentos do trabalhador sinistrado. Se é certo que a incapacidade temporária parcial é compensada através da indemnização da Seguradora, já a capacidade de trabalho sobrante que o sinistrado consegue oferecer será remunerada por referência à diferença resultante da aplicação do coeficiente da desvalorização temporária. 13- A retribuição concretamente paga pela Impugnante e recebida pelo sinistrado durante a fase de incapacidades temporárias correspondeu à efetiva capacidade sobrante para o trabalho do mesmo (facto provado nº 10). 14- A consideração conjunta dos dois tipos de recebimentos (da Seguradora e da ora Impugnante) colocam o sinistrado na situação pretendida por lei, que é a reconstituição in natura: do ponto de vista da capacidade de ganho do trabalhador acidentado, tudo se passa como se acidente não tivesse acontecido, pois, no global e em termos líquidos, o sinistrado recebe o mesmo que receberia se tivesse prestado serviço na plenitude da sua capacidade de trabalho. 15- À luz do principio estruturante de que uma indemnização se limita a eliminar ou a compensar um prejuízo sofrido, não devendo constituir qualquer fonte de ganho ou lucro, a ora Impugnante sempre interpretou da forma acima descrita o regime das incapacidades temporárias dos sinistrados na decorrência de acidente de trabalho: a remuneração por parte da Empregadora do trabalho prestado pelo sinistrado em fase de desvalorização temporária da sua capacidade de trabalho deve refletir essa redução, já que, em conjunto com a indemnização propriamente dita da incapacidade temporária (paga pela seguradora), ela vai compor a remuneração normal completa. 16- A ora Impugnante interpretou a lei aplicável a este tipo de casos da forma mais diligente e esclarecida possível: assente em raciocínio juridicamente consistente, razoável, e em linha com a Justiça material que se preconiza em matéria de acidentes de trabalho, cuja matriz é o da compensação pelo prejuízo, e não de ganho duplo pelo mesmo trabalho. 17- Tal entendimento decorre, aliás, da leitura contextualizada dos art.ºs 154.º, 155.º n.º 1, 157.º n.ºs 1, 2 e 3, da LAT, na conjugação com o princípio subjacente às normas do art.º 51.º, também da LAT, e art.º 275.º n.º 1 al. b) do Código do Trabalho. 18- Como se retira do seu teor literal, o capítulo IV da LAT é formal e normalmente aplicável à reabilitação e reintegração profissional do trabalhador sinistrado por acidente de trabalho de que tenha resultado incapacidade temporária parcial. 19- Não se tratando de situação ou norma excecional (como pretende a douta sentença), o empregador encontra-se obrigado a ocupar o trabalhador que, ao seu serviço, sofreu acidente de trabalho de que tenha resultado uma incapacidade temporária para o trabalho em funções e condições compatíveis com o seu estado (art.º 155.º n.º 1, LAT). 20- A retribuição devida ao trabalhador sinistrado, ocupado em funções compatíveis com a desvalorização temporária nunca será inferior à devida pela capacidade sobrante de trabalho (157.º n.ºs 1, 2 e 3 da LAT). 21- Não sendo as indemnizações por incapacidades temporárias comprimíveis ou passíveis de suspensão, independentemente do valor da retribuição auferida pelo sinistrado, elas já não poderão acumular-se com rendimentos do trabalho para o mesmo período – apenas podem ser complementares entre si, tendo em vista, juntas, assegurar o ganho normal do trabalhador, e não mais do que isso. 22- Por seu lado, a retribuição mínima mensal garantida é, ela própria, suscetível de redução relativamente a trabalhador com capacidade de trabalho reduzida (art.º 275.º n.º 1 al. b), CT). Tal demonstra à saciedade que, em casos como o dos autos, a retribuição normal do trabalhador (a contratualmente garantida) seja, também ela, passível de redução em razão da desvalorização temporária do mesmo enquanto sinistrado de acidente de trabalho. 23- Afigura-se, assim, que o procedimento da arguida cumpriu a Lei e os princípios que lhe estão subjacentes, nenhuma razão se vislumbrando para considerar ilícito (muito menos a nível contraordenacional) o tratamento dado às retribuições auferidas nos períodos de incapacidades temporárias do sinistrado. 24- Por outro lado, é certo que o objeto do processo sancionatório se delimita pelo elenco de factos e respetivo enquadramento normativo, encetado e formalmente notificado ao visado pela entidade acusadora. Assim o exigem as garantias constitucionais de defesa do arguido (inclusive em sede de procedimento contraordenacional – art.º 32.º n.º 10 da Constituição da República), pois que este tem o direto de conhecer o âmbito da acusação que sobre si impende, de facto e de direito. 25- No seguimento do propugnado pela autoridade administrativa, a douta sentença em crise concluiu que, face à matéria provada, a ora recorrente teria violado uma das garantias fundamentais dos trabalhadores, qual seja, a proibição imposta na al. d) do n.º 1 do art.º 129.º do Código do Trabalho, de diminuição da retribuição do trabalhador. 26- A recorrente imitou-se a aplicar o coeficiente de desvalorização temporária para o trabalho, de que o sinistrado se encontrava afetado, remunerando-o, assim, pela atividade efetivamente prestada em cada mês (facto n.º 10), tendo por referência a remuneração contratualmente devida para uma situação de plenitude de capacidade de trabalho. 27- Nunca esteve em causa a remuneração do trabalhador como um direito contratual irredutível ou inatingível. Este direito foi sempre respeitado. 28- Coisa diferente é saber se, em dado mês, o trabalho efetivamente prestado pelo trabalhador, quando objetivamente inferior, gerará uma redução do direito à essa retribuição contratualizada. 29- Todavia, uma prestação efetiva inferior ao nível, também ele, contratualizado, deverá originar a correspondente redução do montante da remuneração. Tal é o que sucede, por exemplo, nas faltas injustificadas com perda de retribuição; sem perder o direito à retribuição contratualizada (a “devida”), no mês em causa, o trabalhador receberá seguramente uma remuneração de valor inferior ao normal. 30- Pois o mesmo se passa com a remuneração a receber como contrapartida da prestação de serviço com desvalorização temporária da capacidade de trabalho, e na proporção da redução: reflete-se na contrapartida remuneratória concretamente a receber a circunstância fáctico-jurídica da incapacidade temporária evidenciada nos factos provados n.ºs 5 a 10. 31- Ainda que se defendesse a impossibilidade de a recorrente atuar como atuou (sem conceder), nunca estaríamos perante um caso de diminuição (lícita ou ilícita) da retribuição, conforme estatuído no art.º 129.º n.º 1 al. d) do Código do Trabalho, mas de cumprimento defeituoso da obrigação (pagamento de – e não um direito a – retribuição em montante inferior ao devido em certo período de tempo), o que deverá dar apenas lugar ao ressarcimento do valor em falta, sem ilícito de outra natureza, nomeadamente contraordenacional. 32- A contraordenação prevista e estatuída no n.º 1 al. d) e n.º 3 do art.º 129.º do Código do Trabalho, não abrange o tipo de factos que estão na base da condenação da recorrente. 33- As normas da LAT que regem a quantificação das indemnizações pelos períodos de incapacidades temporárias do sinistrado foram escrupulosamente cumpridas pela Companhia de Seguros, no que respeita aos direitos do trabalhador (facto n.º 14). 34- A alegação de que a arguida pagou salário inferior (o que não é mesmo que dizer que se verificou uma diminuição do direito à retribuição contratual…) como contrapartida do trabalho efetivam ente prestado, por conta da desvalorização por incapacidade temporária, extravasa objetivamente a questão de saber ser se a indemnização pela incapacidade temporária foi, ou não, corretamente paga (e pela seguradora!), nos termos do art.º 48.º da LAT. Esta última questão é outra, e diferente, da que se define como o objeto do presente processo de contraordenação. 35- Provando-se que as indemnizações pelos períodos de incapacidade temporária foram integralmente pagas, e que não se trata de uma situação de diminuição da retribuição como direito contratual do trabalhador, é manifesta a inexistência de comportamento da recorrente suscetível de integral o ilícito contraordenacional em que assenta o juízo de censura da douta sentença em crise. 36- Como tal, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e a recorrente absolvida, pela absoluta falta de fundamento de facto e de direito em que assenta a consideração da prática da contraordenação muito grave, prevista no art.º 129.º n.º 1 al. d) e n.º 3 do Código do Trabalho, ou outra. 37- A este respeito, importa ainda salientar que, incidindo a acusação sobre prática da arguida violadora de disposições legais previstas na LAT, seria, quando muito, neste diploma que teríamos que encontrar uma previsão contraordenacional que abarcasse um comportamento, pretensamente, ilícito. 38- Mesmo que alguma daquelas previsões do art.º 171.º fosse teoricamente aplicável aos autos, não há dúvida que seria sempre fora do respetivo n.º 1 (que é restritivo no seu campo de aplicação), não há dúvida de que nunca estaríamos a tratar de uma contraordenação muito grave, mas sim, quando muito, “apenas” grave ou mesmo leve. 39- Seja como for, a ora recorrente defende, convictamente, não ter praticado qualquer ilícito contraordenacional, mormente o identificado nos presentes autos. 40- Como se atesta pelo facto provado n.º 17, no caso do sinistrado António Pacheco, a Impugnante atuou com total ponderação e genuína boa-fé (objetiva e subjetiva), convicta de que estava a corresponder integralmente aos princípios e regras estabelecidos pelo regime jurídico dos acidentes de trabalho. 41- O que vale por dizer que, ainda que se entendesse encontrar-se verificado o elemento objetivo da contraordenação invocada, sempre se teria que reconhecer a ausência de culpa da arguida em toda a situação. 42- De acordo com o disposto no art.º 548.º do Código do Trabalho, a (mera) culpa ou negligência não se presume, nem ela pode ser vista como um recetáculo da não prova do dolo; tem de emergir de factos concretos e evidenciar-se por si mesma, no âmbito do tipo negligente. 43- Entendimentos jurídicos divergentes não correspondem, pelo menos necessariamente, a comportamentos negligentes. Tal não é incompatível com a liberdade do pensamento jurídico, formado de boa-fé e alicerces minimamente consistentes. 44- Sendo certo que, ainda que a perspetiva da recorrente não seja sufragada por este Superior Tribunal sempre se colocaria a questão do erro previsto no art.º 9.º do RGCO: age sem culpa quem atua sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável, sendo que este corresponde a uma diligência exigível ao cidadão médio, colocado nas concretas circunstâncias do caso. Isto porque a vertente “ética” do erro resultará alheia ao direito contraordenacional. 45- No caso concreto, a recorrente atuou convicta que interpretou corretamente a lei. Mas, provando-se o contrário, estando em erro, não há dúvida que agiu sem consciência dessa suposta ilicitude, sendo certo que o seu entendimento não é isolado. 46- Sendo erróneo, não se trataria de erro censurável, na vertente de eventual falta de diligência, ou de indiferença às regras da interpretação e aos valores do Direito subjacentes às mesmas. 47- O mesmo se diga para a hipótese de se entender estarmos perante um erro sobre a proibição ou sobre um estado de coisas que, a existir, afastaria a ilicitude do facto e a culpa do agente (art.º 8.º n.º 2 do RGCO). Não se vê onde se possa identificar um comportamento descuidado ou desleixado da recorrente na interpretação, nomeadamente, do art.º 157.º n.ºs 1, 2 e 3 da LAT. 48- Pode, hipoteticamente, ser considerado entendimento “improcedente” ou “vencido”, perante o critério de decisão que venha adotado por este Alto Tribunal, mas nunca negligente. 49- Por conseguinte, emerge clara a inexistência de qualquer conduta censurável por banda da recorrente, pelo que, seja pela aplicação do art.º 9.º ou 8.º do RGCO, ainda que se pudessem dar por preenchidos os elementos do tipo objetivo, sempre faleceria o requisito essencial da culpa, e/ou censurabilidade (na aceção de negligência), para que se pudesse dar por praticada qualquer contraordenação. DA SANÇÃO ACESSÓRIA DA PUBLICIDADE: 50- Da estrutura do processo de contraordenação resulta que a fase judicial visa a confirmação judicial do decidido em sede administrativa. E a impugnação judicial oferecida pelo arguido constitui um verdadeiro recurso, limitado no seu objeto às questões suscitadas pelo interessado. 51- Não é um recurso de “jurisdição plena”, mas, como bem se refere na douta sentença recorrida, “A questão a decidir no âmbito da impugnação judicial, delimita-se pelas conclusões vertidas nas alegações dos recorrentes”, aferindo-se assim da bondade da decisão administrativa naquilo que aquelas conclusões tentem colocar em crise. 52- A decisão administrativa, impugnada judicialmente, não condenou a Impugnante em qualquer sanção acessória de publicidade. E vindo a matéria sob discussão em sede judicial delimitada pelas conclusões da recorrente, não faz parte do seu objeto a alteração da condenação administrativa, em termos que ela própria não consigna, nem a Impugnante suscita. 53- Na parte em que condenou a recorrente na sanção acessória de publicidade, a douta sentença extravasou a matéria que foi especificamente chamada a conhecer, incorrendo assim na nulidade por excesso de pronúncia, prevista no art.º 379.º n.º 1 al. c) do Código de Processo Penal, o que expressamente desde já se invoca para todos os efeitos legais. 54- Subsidiariamente, e apenas para o caso de assim se não entender, dir-se-á que sendo, na parte que condena a recorrente na sanção acessória de publicidade, a douta sentença recorrida mais prejudicial que a própria decisão administrativa (que é omissa a este respeito), foi violada a regra da proibição da reformatio in pejus (art.º 72.º-A do RGCO) 55- Não poderia a recorrente ver a sua situação processual, definida ao nível sancionatório na decisão administrativa, ser agravada pela douta sentença em resultado da apresentação da sua impugnação judicial. 56- Deverá, por isso, em todo o caso, a douta sentença ser sempre revogada, na parte em que, ex novo, condena a recorrente na sanção acessória de publicidade. Termos em que, e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora, deverá a douta sentença recorrida ser revogada por douto acórdão que declare a não verificação da prática da contraordenação por que vem a recorrente condenada (pela falta ou não preenchimento do elemento objetivo e/subjetivo do tipo de ilícito), sendo a mesma absolvida para os todos os devidos efeitos legais, sendo, subsidiariamente, e em todo o caso, a decisão recorrida ser julgada nula ou ilegal, na parte em que acrescenta aio decisório a condenação na sanção acessória de publicidade. 3. O Ministério Público respondeu e concluiu: 1. A factualidade dada como provada na sentença recorrida sustenta devidamente a condenação da arguida pela prática da contraordenação muito grave, p. e p. na alínea d) do n.º 1 e n.º 3 do art.º 129.º do Código do Trabalho, na coima de € 9 180, e no pagamento da remuneração indevidamente descontada ao sinistrado trabalhador, no valor de € 424,06 e respetivos juros. 2. Mostra-se devidamente preenchido o elemento objetivo e subjetivo do tipo de ilícito contraordenacional. 3. Nesta parte, deve ser mantida a sentença recorrida. 4. Tendo acrescido à decisão administrativa a aplicação à arguida de sanção acessória de publicidade, deve, e apenas quanto à mesma, o presente recurso proceder. 4. O Ministério Público, junto desta Relação, emitiu parecer onde adere à posição sufragada pelo Ministério Público em primeira instância quanto à contraordenação, mas entende que não deve ser condenada na sanção acessória da publicidade. O parecer foi notificado e a arguida respondeu, mantendo o já alegado. 5. O recurso foi admitido pelo relator. 6. Colhidos os vistos, em conferência, cumpre apreciar e decidir. 7. Objeto do recurso São as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto – artigos 403.º e 412.º n.º 1 do Código de Processo Penal e aqui aplicáveis por força do artigo 50.º n.º 4 da Lei n.º 107/2009, de 14.09 – sem prejuízo do conhecimento oficioso de outras questões. Questões a resolver: 1. A existência da contraordenação. 2. A sanção acessória de publicidade. II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A) A sentença recorrida deu como provados os factos seguintes: 1) Em consequência de acidente de trabalho, o trabalhador da arguida A…, foi acometido de Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) entre 11.09.2014 e 10.02.2015. 2) A partir do dia 10.02.2015, encontrou-se afetado de Incapacidade Temporária Parcial (ITP) de 20%, no âmbito da qual consideraram os Serviços Clínicos da Companhia de Seguros que o sinistrado poderia retomar a sua atividade profissional. 3) A situação manteve-se até ao dia 03.03.2015, data em que aquela ITP se modificou para 10% até 10.03.2015, voltando então a aumentar para 20% até 07.04.2015. 4) A partir de 07.04.2015 a ITP do sinistrado foi fixada em 15% até 17.04.2015, data em que teve alta clínica. 5) Após o regresso do sinistrado à sua atividade profissional (lubrificador) em fevereiro de 2015, a ora Impugnante retomou o seu dever de lhe pagar pontualmente a sua retribuição. 6) Apesar do sinistrado ter retomado a sua atividade de lubrificador ao serviço da arguida, a verdade é que, em termos qualitativos e quantitativos, o seu desempenho não foi o mesmo que anteriormente ao acidente. 7) Por se encontrar ainda em período de tratamentos e de recuperação física, por força da incapacidade – ainda que temporária – para o trabalho, no âmbito das funções próprias da categoria profissional, não podia o Sr. A… executar todas as tarefas normais e necessárias, ou executá-las, com o nível de prontidão exigível e habitual. 8) Por via das suas limitações físicas de então, durante o período temporal em causa, o Sr. A… deixou, com o consentimento da ora Impugnante, de realizar tarefas mais exigentes fisicamente, que envolvessem movimentos mais complicados e/ou que reclamassem a permanência em pé por períodos de tempo prolongados: em intervalos de tempo regulares, era sistematicamente obrigado a interromper eventual trabalho, para repouso na posição de sentado. 9) Não obstante se encontrar ao serviço da arguida, a atividade do sinistrado não teve objetiva e manifestamente o mesmo rendimento: menos tarefas executadas, e as que o foram, levaram bem mais tempo que o normal a ser concluídas. 10) A prestação de trabalho do sinistrado refletiu o coeficiente de incapacidade temporária de que o mesmo se encontrava afetado em cada um daqueles períodos de tempo. 11) Atenta a diminuição, clínica e efetiva, da capacidade de trabalho do Sr. A…, e como contrapartida direta dessa mesma capacidade reduzida, a ora Impugnante aplicou à retribuição deste último o coeficiente de desvalorização profissional temporária vigente em cada intervalo de tempo. 12) Assim em 31.03.2015 a impugnante descontou no vencimento do sinistrado a quantia de € 373,21; em 30.04.2015 efetuou o desconto de € 117,07; em 31.07.2015 (por reporte a três meses) descontou a quantia de € 457,65 (€ 152,55 x 3); em 31.08.2015, descontou a quantia de € 152,55, em 31.10.2015 (por reporte a dois meses) descontou a quantia de € 305,10 (€ 152,55 x 2); em 30.11.2015 descontou a quantia de € 152,55; em 31.12.2015 descontou a quantia de € 152,55; em 31.01.2016 descontou a quantia de € 152,55; em 29.02.2016 descontou a quantia de € 152,55; em 31.03.2016 descontou a quantia de € 152,55; em 30.04.2016 descontou a quantia de € 152,55; em 30.06.2016, por reporte a dois meses descontou a quantia de € 305,10 (€ 152,55 x 2), tudo no valor global de € 2.625,98. 13) Após a arguida ter tido conhecimento que o sinistrado já teria tido alta clínica, deixou de efetuar qualquer afetação no salário concretamente auferido. 14) O sinistrado recebeu da Companhia de Seguros todas as indemnizações legais decorrentes por cada um dos períodos de incapacidade temporária. 15) A data da alta clínica não foi imediatamente comunicada à entidade empregadora, a qual continuou a efetuar os descontos referentes à IPP mesmo após alta do sinistrado. 16) Quando teve conhecimento da data efetiva da alta do sinistrado a entidade empregadora pagou ao sinistrado todas as quantias descontadas após a alta clínica do mesmo, com os respetivos juros e descontos para a segurança social. 17) A arguida atuou de forma livre e consciente, convencida que atuava sem contrariar qualquer disposição legal. 18) No ano de 2014 a arguida apresentou um volume de negócios de € 324 171 819. B) APRECIAÇÃO B1) A existência da contraordenação A questão que se coloca é a de saber se a empregadora deve ser responsabilizada em sede contraordenacional por ter reduzido a retribuição do trabalhador correspondente à incapacidade temporária parcial decorrente de acidente de trabalho. O art.º 129.º n.º 1, línea d), do CT prescreve que é proibido ao empregador diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho. A violação desta proibição constitui uma contraordenação muito grave (n.º 2). O art.º 48.º da Lei n.º 98/2009, de 14.09, prescreve, na parte que interessa ao caso: 1. A indemnização por incapacidade temporária para o trabalho destina-se a compensar o sinistrado, durante um período de tempo limitado, pela perda ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho. 3 - Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, este tem direito às seguintes prestações: d) Por incapacidade temporária absoluta - indemnização diária igual a 70 % da retribuição nos primeiros 12 meses e de 75 % no período subsequente; e) Por incapacidade temporária parcial - indemnização diária igual a 70 % da redução sofrida na capacidade geral de ganho. Por sua vez, o art.º 157.º n.ºs 2 3 da Lei n.º 98/2009, de 14.09, prescreve: A retribuição devida ao trabalhador sinistrado por acidente de trabalho ou afetado por doença profissional ocupado em funções compatíveis tem por base a do dia do acidente, exceto se entretanto a retribuição da categoria correspondente tiver sido objeto de alteração, caso em que é esta a considerada (n.º 2). A retribuição a que alude o número anterior nunca é inferior à devida pela capacidade restante (n.º 3). A empregadora, louvando-se no n.º 3 do artigo acabado de citar, descontou na remuneração do trabalhador a quantia correspondente à incapacidade pela qual já era indemnizado pela seguradora. Ou seja, a empregadora, enquanto durou a incapacidade temporária parcial para o trabalho, retribuiu o trabalhador de acordo com a capacidade de trabalho não afetada, reduzindo a retribuição devida. Está provado que a arguida atuou de forma livre e consciente, convencida que atuava sem contrariar qualquer disposição legal. O raciocínio da empregadora consistiu em interpretar a lei no sentido de que não devia pagar ao trabalhador a totalidade da retribuição como se não houvesse incapacidade temporária parcial, pois na parte em que já era paga a indemnização pela seguradora, tal resultaria em reparar duas vezes parte do mesmo dano. Admite-se que a empregadora tivesse dúvidas quanto ao valor da retribuição que deveria pagar ao trabalhador sinistrado na situação de ITP para o trabalho. Em caso de dúvida, prescreve o art.º 159.º n.º 1 da LAT que quando for considerado necessário o esclarecimento de dúvidas sobre as incapacidades referidas no artigo 154.º ou sobre o emprego do trabalhador incapacitado em funções compatíveis com o seu estado, pode ser solicitado o parecer de peritos do serviço público competente na área do emprego e formação profissional. Resulta desta norma legal que a empregadora antes de reduzir a retribuição do trabalhador sinistrado deveria ter removido as dúvidas sobre esta matéria. A empregadora não o fez. Reduziu unilateralmente a retribuição do sinistrado sem primeiro verificar se tal era legal. O pagamento pela seguradora da indemnização ao sinistrado pela ITP não tem em vista reparar exatamente o mesmo dano. A redução da capacidade para o trabalho constitui para o trabalhador um aumento do sacrifício para satisfazer a obrigação. A indemnização visa também compensar o trabalhador pela maior penosidade na prestação, à semelhança da incapacidade permanente para o trabalho. Nesta última situação, o trabalhador sinistrado cumula o recebimento da pensão com a retribuição na sua totalidade. Em caso de incapacidade a força de trabalho deixa de ser 100 por cento e passa a ser inferior. A pensão visa compensar o dano resultante desta diminuição, a qual torna mais penosa a prestação de trabalho e pode constituir uma limitação à progressão na carreira e constitui uma desvantagem no competitivo mercado de trabalho. O mesmo ocorre no caso de incapacidade temporária para o trabalho. O que está em causa é a diminuição da capacidade de trabalho do trabalhador com o consequente aumento da penosidade na prestação de trabalho. A responsabilidade da empregadora pela reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho decorre do princípio ubi commoda ibi incomoda. A empregadora é a beneficiária da atividade do trabalhador, pelo que sobre si impede a responsabilidade objetiva de reparar os prejuízos sofridos pelo sinistrado em consequência do acidente de trabalho. A empregadora, que é uma grande empresa, como se vê pela sua faturação, não poderia ignorar sem culpa este princípio. Assim como não podia ignorar que antes de reduzir a retribuição do trabalhador deveria primeiro certificar-se de que o procedimento era legal. A empregadora reduziu a retribuição do trabalhador sem justificação, elemento objetivo da contraordenação, e omitiu o dever de cuidado consistente em certificar-se da sua legalidade, elemento subjetivo da contraordenação. Termos em que se conclui pela verificação da contraordenação e improcede o recurso nesta parte. B2) A sanção acessória de publicidade O art.º 562.º do CT prescreve que no caso de contraordenação muito grave ou reincidência em contraordenação grave, praticada com dolo ou negligência grosseira, é aplicada ao agente a sanção acessória de publicidade. A autoridade administrativa não condenou a arguida na sanção acessória de publicidade. A empregadora impugnou a decisão da autoridade administrativa e o tribunal recorrido decidiu aplicar à arguida a sanção acessória publicidade. Esta é uma decisão surpresa que, além do mais, com viola o princípio estruturante da ordem jurídica portuguesa, que é o princípio do contraditório. Nos termos do art.º 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro (Regime Jurídico das Contraordenações Laborais e da Segurança Social), sempre que o contrário não resulte da presente lei, são aplicáveis, com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo de contraordenação previstos no regime geral das contraordenações. Este diploma legal prescreve no art.º 39.º n.º 4 que o juiz fundamenta a sua decisão, tanto no que respeita aos factos como no que respeita ao direito aplicado e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção, podendo basear-se em mera declaração de concordância com a decisão condenatória da autoridade administrativa. Não resulta desta norma jurídica qualquer indicação no sentido de que o tribunal pode agravar a sanção aplicada ao arguido pela autoridade administrativa, nem no sentido oposto. Esta norma jurídica prescreve sobre o dever de fundamentação da decisão judicial. Analisado o conjunto das normas jurídicas que integram a Lei n.º 107/2009, de 14.09, em nenhuma delas se proíbe ou permite a reformatio em pejus, pelo que teremos que verificar se no regime jurídico aplicado subsidiariamente esta matéria está regulada. A proibição da reformatio em pejus está prevista no art.º 72.º-A do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, aplicado subsidiariamente, ex vi do art.º 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14.09, nos seguintes termos: 1 - Impugnada a decisão da autoridade administrativa ou interposto recurso da decisão judicial somente pelo arguido, ou no seu exclusivo interesse, não pode a sanção aplicada ser modificada em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes. 2 - O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de agravamento do montante da coima, se a situação económica e financeira do arguido tiver entretanto melhorado de forma sensível. A primeira norma jurídica estabelece a regra de que a sanção aplicada ao arguido, em caso de ser só este a impugnar a decisão, não pode ser modificada em seu prejuízo. A segunda norma jurídica exceciona a regra e permite o agravamento do montante da coima se no caso se provar que a situação económica e financeira do arguido melhorou entretanto de forma sensível. A alegação e prova da melhoria económica e financeira cabe à acusação, pois é um elemento constitutivo da possibilidade de agravação do montante da coima. Este regime jurídico corresponde ao previsto no art.º 409.º do CPP, tendo o Supremo Tribunal de Justiça[1], quanto a este, considerado que “o princípio da proibição da reformatio in pejus, estabelecido no art.º 409º do CPP, apenas impede que o tribunal superior, no caso de recurso interposto pelo arguido ou pelo MP em benefício do arguido, agrave a pena, quer na sua espécie, quer na sua medida”. O tribunal de primeira instância, nas contraordenações, funciona como tribunal de segunda instância. A condenação da arguida pela autoridade administrativa não pode ser agravada pelo tribunal quando a impugnação judicial for interposta pelo arguido ou pelo Ministério Público em benefício deste. A entender-se de modo diferente, poderia verificar-se a situação absurda do Ministério Público recorrer em benefício do arguido e o tribunal de recurso agravar a condenação. O tribunal recorrido podia alterar a qualificação jurídica dos factos, mas não podia agravar o estatuto jurídico da arguida, sancionando-a para além da condenação em discussão na impugnação da decisão da autoridade administrativa. É este o entendimento da doutrina[2] e da jurisprudência (nomeadamente, acórdão do STJ que já referimos). O art.º 51.º n.º 2, alínea a), da Lei n.º 107/2009, de 14.09, prescreve que o tribunal da relação pode alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida. Esta norma jurídica não tem a ver com a proibição ou permissão da reformatio in pejus. Visa apenas esclarecer que o tribunal da relação profere a decisão que entender sem estar limitado aos termos e sentido da decisão recorrida. Mas a norma não permite ao tribunal da relação modificar a decisão recorrida em prejuízo do arguido quando este é o único recorrente. A norma legal permite alterar, não agravar. Se o legislador tivesse essa intenção, tê-lo-ia dito expressamente, uma vez que os princípios da proibição da reformatio em pejus e do livre arbítrio fazem parte do edifício jurídico que sustenta o Estado de Direito Democrático, previsto no art.º 2.º da Constituição da República Portuguesa. Em qualquer caso, mesmo que se entendesse, sem conceder, que o art.º 51.º n.º 2, alínea a), da Lei n.º 107/2009, de 14.09, exceciona a proibição da reformatio in pejus, tal somente poderia ocorrer no tribunal da relação e não na primeira instância, uma vez que a norma jurídica disciplina expressamente o caso particular da decisão do recurso no tribunal da relação e não no tribunal de primeira instância. O argumento baseado no regime jurídico das contraordenações da segurança social revogado (alínea a) do n.º 2 do art.º 31.º da Lei n.º 64/89)) que permitia a reformatio in pejus, não pode ser aproveitado. A Lei n.º 107/2009, de 14.09, que estabelece o novo regime jurídico para as contraordenações laborais e da segurança social, é clara. Nos casos em que não dispuser diretamente, aplica-se o regime geral das contraordenações. A proibição da reformatio em pejus constitui um pilar do Estado de Direito Democrático inscrito no art.º 2.º da Constituição da República Portuguesa e um direito fundamental do arguido. Assim o exigem também a certeza e a segurança do Direito. A interpretação do art.º 51.º n.º 2, alínea a), da Lei n.º 107/2009, de 14.09, nos termos em que o fez a decisão recorrida, viola o art.º 2.º da Constituição da República Portuguesa. Nesta conformidade, verificamos que a sentença recorrida violou o princípio da proibição da reformatio em pejus, consagrado no art.º 72.º-A do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, aplicado subsidiariamente, ex vi do art.º 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14.09, pelo que é revogada na parte em que condenou a arguida na sanção acessória de publicidade. III - DECISÃO Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente parcialmente o recurso apresentado pela arguida, revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a arguida na sanção acessória de publicidade e confirmá-la quanto ao mais. Custas pela arguida. Notifique e comunique à ACT. (Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator). Évora, 19 de novembro de 2020. Moisés Silva (relator) Mário Branco Coelho _______________________________________________ [1] Ac STJ, de 04.12.2008, processo n.º 08P3456, www.dgsi.pt/jstj. [2] Albuquerque, Paulo Pinto, Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2009, pp. 1043 a 1045, e doutrina e jurisprudência aí citada. |