Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANA PESSOA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL INDEMNIZAÇÃO CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 03/27/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA | ||
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Sumário: | Sumário1:
I. No caso concreto, tendo em consideração que - a vítima era uma jovem de 19 anos de idade, ou seja, na flor da juventude, filha única, alegre, bem-disposta e ativa, solidária, que participava habitualmente em ações de voluntariado, cujos amigos ainda hoje, decorridos anos da sua morte, celebram a sua vida, praticante, desde a infância, de exercício físico, em diversas modalidades que praticou, trabalhadora, boa aluna, universitária, com várias competências académicas e sociais adquiridas, a ausência de culpa da lesada, o montante fixado pelo Tribunal Recorrido de cem mil euros para indemnização da perda do direito à vida é adequado. II. O mesmo se diga do valor atribuído a título de reparação dos danos não patrimoniais sofridos pelos Autores no valor de cinquenta mil euros para cada um dos pais, como decorre da análise das decisões mais recentes na jurisprudência, podendo facilmente imaginar-se o choque dos pais com a perda da única filha, que se sentiram-se perdidos, desorientados e afetivamente amputados para sempre, a sua alegria de viver nunca mais foi a mesma e o seu sentido de vida ficou destruído e que como decorreu dos depoimentos prestados em julgamento, tratava-se de uma família unida - a CC vivia com os pais, em plena comunhão de vida e cumplicidade recíproca. | ||
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Decisão Texto Integral: | ***
Processo n.º 135/22.9T8STR.E1 Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo Central Cível de Santarém – Juiz 2 Recorrente: Lusitânia – Companhia de Seguros S.A. Recorridos: AA e BB *** Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: *** I. RELATÓRIO. AA e BB intentaram ação de processo comum contra Lusitânia – Companhia de Seguros S.A., peticionando a condenação da Ré a pagar-lhes a quantia de € 250.000,00, sendo a título de direito próprio e danos não patrimoniais (€ 100.000,00 para os dois), e enquanto herdeiros de sua filha, a título de danos de natureza não patrimoniais (sofrimento da vítima) no valor de € 10.000,00 e € 140.000,00 (do dano vida). Para tanto e em síntese, alegaram que são pais de CC nascida a ... de ... de 1996 e falecida a ... e seus únicos herdeiros, que no dia ... de ... de 2015, a filha de ambos circulava no interior do veículo ..-FZ-.. no ... e no sentido ... com outras pessoas no banco traseiro daquele veículo e do lado direito, que em virtude de a condutora do FZ seguir desatenta, não se apercebeu atempadamente da presença de um canídeo na via e ao vê-lo guinou bruscamente para o contornar perdendo o controlo do veículo que veio a capotar. Acrescentaram que em consequência do capotamento CC sofreu lesões em consequência das quais veio a falecer. * Regularmente citada a Ré, apresentou contestação, excecionando a prescrição e impugnando os factos alegados pelos Autores, referindo que a condutora do veículo seguro circulava em cumprimento de todas as normas estradais, não tendo conseguido evitar o acidente por via da existência de um canídeo morto na via, que o acidente deveu-se unicamente à entrada de um animal de raça canina na via ...., estrada esta concessionada à AELO e que a filha dos AA. seguia sem dispositivo de segurança, sendo que os demais ocupantes da viatura tiveram ferimentos ligeiros porque faziam uso de cinto, pelo que é também responsável na produção do resultado. Impugnou os valores pedidos por os considerar exorbitantes. * Após apresentação de resposta, foi proferido despacho saneador, no qual a exceção de prescrição foi julgada improcedente, enunciaram-se o objeto do litígio e os temas da prova, e apreciaram-se os requerimentos probatórios. * Realizou-se a audiência final, após o que veio a ser proferida sentença em cujo decreto judicial se decidiu: “a) Condeno a R. Lusitânia Companhia de Seguros S.A. a pagar aos AA. AA e BB o valor global de € 210.000,00 - duzentos e dez mil euros - sendo a quantia de € 110.000,00 enquanto herdeiros de CC – e a quantia de € 100.000,00, ou seja, € 50.000,00 a cada, um por direito próprio – b) A quantia de € 210.000,00 - duzentos e dez mil euros - é acrescida de juros de mora contados da citação e até efectivo e integral pagamento. c) Custas a cargo da R. em 84% e a cargo dos AA. em 16% (artigo 527 do CPC) Registe e Notifique” * Inconformada a Ré interpôs recurso de apelação, apresentando, após alegações, conclusões, que, na sequência de despacho de aperfeiçoamento, são as seguintes: 1. O presente recurso vem interposto no seguimento da prolação da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, no âmbito dos presentes autos, a qual condenou a Ré, ora Recorrente, a pagar aos Autores o valor global de €210.000,00; sendo i) a quantia de €100.000,00 inerente à perda do direito à vida da infeliz CC; ii) a quantia de €10.000,00 inerente aos danos morais da vítima antes do seu infeliz decesso; e iii) a quantia de €100.000,00 (€50.000,00 a cada Autor) pelos danos não patrimoniais sofridos pelos Autores, pelo infeliz decesso de CC. 2. Assim, o presente recurso visa a alteração da matéria de facto, porquanto existem elementos probatórios dos autos que impunham, efetivamente, uma decisão diversa da que foi tomada na douta sentença recorrida e aqui em crise através da respetiva reapreciação da prova produzida em audiência de julgamento, quer da prova documental, quer da prova gravada (testemunhal) e, bem assim, da matéria de Direito. Ainda, por mera cautela de patrocínio, 3. A Recorrente, com todo o devido respeito – que é muito – também se irá insurgir contra os montantes indemnizatórios versados na sentença recorrida, os quais, no seu entendimento, se revelam manifestamente excessivos, tendo em conta,não só as circunstâncias do caso concreto, como, também, os valores plasmados na nossa jurisprudência, no que concerne a casos análogos ao dos autos (cfr. artigo 8.º, n.º 3 do CC), encontrando-se, nessa medida, incorretamente interpretadas e/ou aplicadas as normas legais previstas nos artigos 503.º, nº1, 505.º, 494.º, 496.º, n.º s 1 e 4, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º, n.º 3, 570.º e 805.º do Código Civil (CC). Posto isto, quanto à Impugnação da Matéria de Facto: 4. A matéria factual constante do Facto Provado 17, bem como, dos Factos Não Provados C) e D), foi incorretamente apreciada pelo douto Tribunal a quo, tendo a mesma sido absolutamente determinante na convicção formulada por aquele Tribunal, para que pudesse considerar a ora Recorrente responsável pela indemnização aos autores, pelos danos sofridos, quer por si, quer pela sua infeliz filha CC. De facto, 5. Entende a ora Recorrente que, quanto ao pressentimento que CC teve da sua morte, existem nos presentes autos dois meios de prova documental: i) ficha do INEM (vide Doc. 4 junto pelos Autores com o requerimento com a referência Citius n.º 41020418, de 17 de Janeiro de 2022) e ii) o relatório da autópsia médico-legal (parte integrante do Doc. 4 junto pelos Autores com o requerimento com a referência Citius n.º 41020418). 6. No que concerne à supra mencionada ficha do INEM, apenas resulta que o infeliz decesso de CC ocorreu por volta das 19:43 horas; e do aludido relatório da autópsia médico-legal, apenas resulta que tal infeliz decesso se ficou a dever “a lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas”. 7. Nesta senda, entende a Recorrente que, através da análise destes dois documentos vindos de referir, não se pode, de modo absolutamente algum, o Tribunal a quo concluir que a infeliz vítima CC pressentiu a chegada da sua morte, nem que tenha sofrido antes da mesma se verificar, pelo que, inexiste nos autos qualquer matéria probatória, pela qual o Tribunal a quo pudesse dar como provado o Facto Provado 17. Além disso, 8. Nenhuma das testemunhas, que prestaram depoimento na audiência de julgamento dos presentes autos, mencionaram que a infeliz CC tenha pressentido a sua morte a chegar nem que tenha sofrido antes da mesma ocorrer efetivamente. 9. Pelo contrário, do depoimento das testemunhas, maxime, dos ocupantes do veículo seguro, resultou que, depois da eclosão do sinistro, estes falaram entre si e que a infeliz CC não ofereceu qualquer resposta. 10. A este respeito, vide depoimentos (transcritos no corpo das alegações de recurso) das seguintes testemunhas: i) DD [minutos 09:43 e seguintes; e minutos 18:12 e seguintes]; ii) EE [minutos 07:20 e seguintes]; e iii) FF [minutos 06:53 e minutos 07:03 e seguintes]. 11. Face ao ora exposto, entende a Recorrente que o Facto Provado 17 passe a ter a seguinte redação: “17- Morte essa verificada pelas 19h43m.”; expurgando-se de tal facto a seguinte factualidade: “a qual foi pressentida por CC a qual sentiu sofrimento antes do seu decesso.”, passando a constar da matéria de Facto Não Provada, o seguinte Facto Não Provado: “E – a morte foi pressentida pela CC a qual sentiu sofrimento antes do seu decesso”, o que, expressa e muito respeitosamente, se requer a V. Exas. Seguidamente, 12. Com o devido respeito – que é muito – a aqui Recorrente considera, também, que o Facto Não Provado C (“A CC não era portadora de cinto de segurança no momento do acidente.”), versado na sentença recorrida, deverá passar a constar do elenco da matéria de Facto Provada, pois, foi produzida nos presentes autos matéria probatória mais do que suficiente para que resultasse como provado que CC não se fazia transportar com o devido uso do cinto de segurança. Vejamos, 13. No relatório do NICAV (vide Doc. 4 junto pelos Autores com o requerimento com a referência Citius n.º 41020418, de 17 de Janeiro de 2022), refere-se que a infeliz vítima CC “não fazia uso do cinto de segurança”. 14. De igual modo, o despacho de arquivamento do processo de inquérito n.º 74/15.0... (Doc. 2 da contestação da Recorrente) refere que “a infeliz vítima fazia-se transportar no referido veiculo sem fazer uso do cinto de segurança, o que determinou que, após o ..-FZ-.. ter tombado sobre a sua lateral direita, a infeliz vitima também tombasse e fosse arrastada com o veiculo, pelo pavimento”. 15. O depoimento da testemunha GG, transcrito no corpo das presentes alegações de recurso, também foi nesse sentido, que a infeliz vítima CC não se fazia transportar com o cinto de segurança, aquando da ocorrência do sinistro dos autos [vide minutos 39:35 e seguintes e minutos 42:03 e seguintes]. 16. Não nos olvidemos que o relatório do NICAV, na sua página 13/13, refere que, por a infeliz vítima não fazer o devido uso do cinto de segurança e por dois dos ocupantes do veículo seguro lhe terem caído em cima, “foi puxada para debaixo do veículo sendo arrastada com o mesmo, provocando-lhe os ferimentos que a levaram à morte”. 17. Deste modo, se a infeliz falecida fizesse o devido (e obrigatório) uso do cinto de segurança, o seu corpo, após o embate do veículo sinistrado, teria permanecido no lugar que ocupava e não teria sofrido as lesões que vieram a determinar a sua morte. 18. Deste modo, não poderia o Tribunal a quo ter concluído que não resultou provado que “Acaso a CC fosse portadora de cinto de segurança não teria falecido por virtude do acidente”, devendo, por isso, o Facto Não Provado D) passar a constar do elenco da matéria de Facto Provada, o que expressa e muito respeitosamente se requer a V. Exas. Face ao exposto, 19. Por via da alteração do Facto Provado 17 nos moldes supra explanados, da alteração dos Factos Não Provados C) e D) para a matéria de Facto Provada e, bem assim, perante a inexistência de meios probatórios através dos quais se pudesse concluir que a infeliz vítima CC pressentiu a sua morte e tenha sofrido antes que a mesma se verificasse, deverá a sentença recorrida, proferida pelo Tribunal a quo, ser revogada e substituída por outra que julgue pela absolvição da ora Recorrente da condenação no montante de €10.000,00, pelos danos morais sofridos por aquela, o que expressa e muito respeitosamente se requer a V. Exas. 20. Quanto à falta do uso de cinto de segurança pela infeliz falecida, sempre deverão V. Exas. valorar e enquadrar tal conduta no normativo do artigo 570.º, n.º 1, do CC, porquanto, essa conduta foi determinante para o agravamento dos danos sofridos pela infeliz CC, devendo, por isso, a indemnização a este respeito ser reduzida em proporção nunca inferior a 20%, conforme decidido no douto Acórdão de 13.10.2022, proferido pela Veneranda Relação do Porto, no âmbito do processo n.º 83/20.9T8PVZ.P1, o que, expressa e muito respeitosamente, se requer. Quanto à Matéria de Direito Aplicável pela Responsabilidade do Sinistro: 21. Com o devido respeito – que é muito – a Recorrente entende que o Tribunal a quo procedeu a uma incorreta apreciação, interpretação e aplicação das normas jurídicas que foram aplicadas ao caso dos presentes autos, no que concerne à responsabilidade pelo sinistro, maxime, dos artigos 503.º e 505.º do CC. 22. De facto, no que diz respeito à responsabilidade pelo sinistro ocorrido, maxime, quanto à culpa da condutora EE, o Tribunal a quo refere expressamente na sentença recorrida que “desde já adiantamos que não há prova de culpa da condutora do veículo acidentado na produção do mesmo, pelo que afastadas estão as regras da responsabilidade aquiliana.”, entendimento que merece toda a nossa concordância, atenta a prova produzida em julgamento. 23. Porém, em suma, considerou o Tribunal a quo que a Ré, ora Recorrente sempre seria responsável pelo sinistro objeto dos presentes autos, enquadrando o mesmo no instituto da Responsabilidade pelo Risco, considerando que se encontram preenchidos os pressupostos do artigo 503.º do CC, entendimento esse com o qual, salvo o devido respeito, não podemos concordar. 24. Efetivamente, atento o teor da prova produzida em sede de julgamento e, bem assim, a matéria de facto dada como provada (Factos Provados 13, 14 e 15), que não mereceu a impugnação da Recorrente no presente recurso, a mesma não é, nem nunca poderá ser, subsumível ao disposto no artigo 503.º, n.º 1 do CC, cuja responsabilidade, atento o disposto no artigo 505.º do mesmo diploma legal, é excluída quando o acidente for imputável a um terceiro. 25. Ora, sem margem para dúvidas, a responsabilidade pelo sinistro é imputável a terceiro, in casu, à AELO – Auto-Estradas do Litoral Oeste, S.A., concessionária da via (...) onde o mesmo ocorreu. 26. Isto porque, o que deu causa ao despiste do veículo seguro na aqui Recorrente, foi o facto de, na via onde este circulava (...), se encontrar o corpo de um canídeo. 27. Tendo ficado provado que o cão já se encontrava na faixa de rodagem várias horas antes da eclosão do sinistro (vide Facto Provado 29 da sentença recorrida), nunca se poderia considerar que o despiste do veículo seguro na Ré, aqui Recorrente, se deveu a um risco próprio e inerente do veículo. 28. Caso o canídeo não se encontrasse na faixa de rodagem, o acidente nunca teria ocorrido. Ora, de acordo com as regras da experiência comum, a presença de um cão num IC em que não existe sinalética adequada a alertar para esse perigo, tem aptidão de, só por si, provocar o acidente nos autos, bem como os danos daí decorrentes. 29. De facto, se a AELO tivesse cumprido os deveres de vigilância das condições de circulação da via (...), da qual é concessionária, no que diz respeito à fiscalização e prevenção de acidentes, teria retirado o corpo do cão da faixa de rodagem e o sinistro não teria ocorrido e a infeliz CC não teria perdido a sua vida. 30. Por isso, entende a Recorrente que o Tribunal a quo não a poderia ter responsabilizado pelo sinistro ocorrido, por via da transferência do risco de circulação do veículo sinistrado, porquanto, o caso dos autos não se enquadra no instituto da responsabilidade objetiva. 31. Resultou provado na sentença recorrida que a condutora do veículo seguro na Recorrente (EE) guinou o mesmo, para evitar o cão que se encontrava (há várias horas) na faixa de rodagem, tendo perdido o controlo dessa viatura, atravessado a faixa de rodagem em direção à via de sentido contrário, indo embater com a frente esquerda de tal veículo na proteção existente no lado esquerdo da via (vide Factos Provados 13, 14 e 15 da sentença recorrida). 32. Nesta senda, face à matéria de facto provada – maxime os Factos Provados 13, 14 e 15 da sentença recorrida – forçoso é concluir-se que estamos perante uma “causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo”, conforme previsto no normativo legal do artigo 505.º do CC, pelo que, sempre se deveria excluir a responsabilidade da condutora EE, quer subjetiva quer objetivamente. 33. O que, inevitavelmente, implicaria a absolvição da aqui Recorrente do pedido formulado pelos Autores nos presentes autos, devendo as indemnizações, em que aquela foi condenada, serem por estes exigidas à AELO, na ação que se encontra pendente. 34. Assim, por decidir em sentido contrário ao ora exposto, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 503.º e 505.º do CC, devendo tal sentença, com o mui douto suprimento de V. Exas. ser revogada e substituída por outra que decida pela absolvição da Ré, aqui Recorrente, dos pedidos formulados nos autos pelos Autores, o que, expressa e muito respeitosamente, se requer. Nunca prescindido do ora exposto, por mera cautela de patrocínio, Quanto aos Montantes Indemnizatórios: 35. Ora, salvo o devido respeito por douto entendimento em sentido contrário, considera, a ora Recorrente que os montantes indemnizatórios arbitrados na sentença recorrida afiguram-se manifestamente excessivos e desadequados, atendendo à prova efetivamente produzida nos autos, bem como, aos valores arbitrados na nossa jurisprudência, resultando numa clara violação do disposto nos artigos 8.º, 494.º, 496.º n.º 3, 563.º, 566.º, n.º 3 e 805.º do CC, pelo que devem ser substancialmente reduzidos. 36. Os Tribunais Superiores, no que concerne ao dano da perda do direito à vida (dano morte), têm vindo a fixar montantes indemnizatórios diferentes daquele que o Tribunal a quo arbitrou, elencando a ora Recorrente os seguintes exemplos jurisprudenciais: Acórdão do STJ, de 31.01.2012, proferido no âmbito do processo n.º 875/05.7TBILH.C1.S1, que arbitrou a quantia de €75.000,00, pela morte de uma vítima com 27 anos de idade, à data do acidente; Acórdão do STJ de 18.06.2015, proferido no âmbito do processo n.º 2567/09.9TBABF.E1.S1, que arbitrou a quantia de €80.000,00, pela morte de uma vítima com 20 anos de idade, à data do acidente; Acórdão do STJ, de 12.09.2013, proferido no âmbito do processo n.º 1/12.6TBTMR.C1.S1, que arbitrou a quantia de €70.000,00, pela morte de uma vítima com 19 anos de idade, à data do acidente; e Acórdão do STJ, de 11.04.2019, proferido no âmbito do processo n.º 465/11.5TBAMR,G1.S1, que arbitrou a quantia de €80.000,00, pela morte de uma vítima com 33 anos de idade, à data do acidente. 37. Assim, tendo em conta os critérios legais para fixação da indemnização entende-se que o montante fixado a título de indemnização pela perda do direito à vida em €100.000,00 é manifestamente excessivo e exagerado, devendo o mesmo ser reduzido, em harmonia com os valores arbitrados na nossa jurisprudência, para uma quantia mais equilibrada, justa e adequada à realidade do caso concreto e conforme ao sentido que vem sendo jurisprudencialmente decidido pelos nossos Tribunais Superiores, para uma quantia nunca superior a €80.000,00 (oitenta mil euros), o que, expressa e muito respeitosamente, se requer a V. Exas. Seguidamente, 38. No que toca aos danos não patrimoniais sofridos pelos Autores, com a infeliz morte da sua filha CC, o Tribunal a quo decidiu por uma quantia global de €100.000,00 (€50.000,00 para cada Autor), a qual, com o sempre devido respeito, se revela manifestamente exagerada e excessiva, tendo em conta, não só as circunstâncias do caso concreto, como os padrões estabelecidos pelos Tribunais Superiores. 39. Vide algumas das soluções que têm vindo a ser assumidas pelas Instâncias Superiores no que respeita aos montantes atribuídos como compensação dos danos não patrimoniais decorrentes da perda de um filho: Acórdão da Veneranda Relação de Guimarães, de 15.12.2009, proferido no âmbito do processo n.º 680/07.6TCGMT.G1, que arbitrou a quantia de €25.000,00 a cada um dos pais pela perda do seu filho, com 20 anos de idade à data do acidente; Acórdão do STJ, de 18.06.2015, proferido no âmbito do processo n.º 2567/09.9TBABF.E1.S1, que arbitrou a quantia de €20.000,00 a cada um dos pais pela perda do seu filho, com 20 anos de idade à data do acidente; Acórdão da Veneranda Relação do Porto, de 02.12.2008, proferido no âmbito do processo n.º 0823969, que arbitrou a quantia de €20.000,00 a cada um dos pais pela perda do seu filho, com 22 anos de idade à data do acidente; Acórdão do STJ, de 23.02.2016, proferido no âmbito do processo n.º 74/12.1SRLSB.L1.S1, que arbitrou a quantia de €24.000,00 a cada um dos pais pela perda do seu filho, com 24 anos de idade à data do acidente; e Acórdão da Veneranda Relação do Porto, de 14.03.2016, proferido no âmbito do processo n.º 424/13.3T2AVR.P1, que arbitrou a quantia de €30.000,00 a cada um dos pais pela perda do seu filho, com 24 anos de idade à data do acidente; Cumprindo referir que, 40. O montante global de €100.000,00 arbitrados aos Recorridos, pelo Tribunal a quo, a título de danos não patrimoniais sofridos com a infeliz e lamentável morte da sua filha, é exatamente o mesmo montante que foi arbitrado a título de perda do direito à vida, o que, com o devido respeito, a ora Recorrente não pode concordar nem se pode conformar. 41. Nos termos do Acórdão de 16.11.2021, proferido pela Veneranda Relação de Lisboa, no âmbito do processo n.º 48/18.9PHSXL.L1-5, não se concedeu uma “exagerada aproximação” do valor arbitrado pela perda do direito à vida, relativamente aos valores a arbitrados por danos não patrimoniais, decorrentes da violação desse direito. 42. Face ao exposto, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue pelo arbitramento de um montante nunca superior a €30.000,00 (trinta mil euros) a cada Autor, no total €60.000,00 (sessenta mil euros), pelos danos não patrimoniais sofridos pela morte da infeliz vítima CC, o que, expressa e muito respeitosamente, se requer a V. Exas. 43. No que toca aos danos não patrimoniais sofridos pela infeliz vítima antes de morrer, julgou o Tribunal a quo pelo arbitramento de uma quantia de €10.000,00; no entanto, tendo em conta a alteração da matéria de facto dada como provada e como não provada, nos moldes supra explanados, deverá a Recorrente ser absolvida de tal pedido. 44. Mesmo que assim não se entenda, por mera cautela de patrocínio, entende a ora Recorrente que o montante indemnizatório fixado a esse título deverá ser significativamente reduzido, considerando-se justo e equitativo o montante total de €2.500,00, dado que, ao não o fazer, incorre o douto Tribunal em violação expressa do disposto no artigo 496.º do Código Civil. 45. No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 04-12-2007, Revista n.º 3840/07-1ª foi arbitrada uma indemnização de 2.500,00 € (caso em que ficou provado que a vítima sentiu dores intensas mas também que a morte sobreveio de imediato). Por fim, 46. No que diz respeito aos juros de mora, foi a ora Recorrente condenada em juros de mora a contar da data da citação até efetivo e integral pagamento, nos termos do artigo 805.º, n.º 1 do CC. 47. Ora, os juros pelos danos não patrimoniais são devidos apenas a partir da data da sentença, por força do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/02 de 09 de Maio e não desde a citação tal como o Tribunal a quo condenou a Recorrente. 48. Considerando que a indemnização já foi fixada em valor atualizado à data da sentença, não podem ser arbitrados juros desde a data da citação que é anterior, porque tal se traduziria num enriquecimento ilícito do lesado. 49. De facto, a concessão de juros moratórios desde a data da citação, significará uma duplicação no ressarcimento, o que contraria o critério da diferença do artigo 566.º, n.º 2 do CC. 50. Nessa medida, concluiu-se que o dano não patrimonial e consequentemente, os juros que incidem sobre a indemnização fixada (in casu €210.000,00) será a partir da data da prolação da sentença e não desde a citação, o que se alega para os devidos e legais efeitos. 51. Devendo, nessa medida, ser revogada a decisão que condenou a Recorrente a pagar aos AA. a quantia de € 210.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros, desde a data da citação da Recorrente, sendo apenas devidos a partir da data da sentença recorrida. 52. Nessa medida, atendendo a tudo quanto se encontra exposto, considera a ora Recorrente que os montantes arbitrados aos Autores, a título de danos não patrimoniais, devem ser revistos e alterados, para valores mais consentâneos com a prova efetivamente produzida nos autos, e bem assim com os parâmetros e montantes atualmente seguidos pela nossa atual jurisprudência, tendo o douto Tribunal a quo interpretado e aplicado (salvo o devido respeito) incorretamente as normas legais previstas nos artigos 496.º, 503, 505.º, 562.º, 563.º, 564.º, n.ºs 1 e 2 e 566.º, 570.º e 805.º do CC, devendo ser as referidas indemnizações reduzidas para valores mais justos e equitativos. Nestes termos e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença proferida em conformidade com o exposto e, em consequência, ser a Recorrente absolvida dos pagamentos a que foi condenada nos presentes autos, só assim se fazendo JUSTIÇA!.” * Os Autores apresentaram contra-alegações, e interpuseram recurso subordinado, concluindo que: 1. Como se comprova pela análise do croquis e do relatório fotográfico junto aos autos, o veículo FZ entrou em despiste cerca de 140 metros antes do local onde se veio a imobilizar. 2. No período que mediou entre o início do despiste e a imobilização do veículo, todos os ocupantes do veículo FZ, incluindo a principal vítima, tiveram o pressentimento de perigo para a sua integridade física e para a sua vida. 3. Principalmente, nos momentos em que a viatura embateu violentamente no rail de protecção e tombou lateralmente sobre o pavimento. 4. Para além da percepção da morte, a CC não pode deixar de ter sentido dores físicas violentas, em consequência dos aludidos embates e ao ser prensada contra a estrutura da viatura e o asfalto, como o demonstram os vestígios assinalados nos referidos documentos e no relatório da autópsia. 5. Dúvidas não restam, por isso, de que a vítima não teve morte imediata, ao contrário do que a recorrente, contrariando as regras da lógica e da experiência comum, pretende fazer crer. 6. A impugnação da matéria de facto relativa à utilização do cinto de segurança é manifestamente improcedente. 7. Nesse segmento, a fundamentação do decidido é exaustiva e cristalina, pelo que a Ré/recorrente mais não faz do que tentar discutir a livre convicção do julgador, pretendendo sobrepor a sua convicção subjectiva e parcial à do Juiz da causa. 8. Acresce, ainda, que existem múltiplas causas que podem ter levado a que a vítima se soltasse da acção do cinto de segurança durante o despiste – desde logo, a circunstância do embate no pavimento ser lateral e não frontal – como pode até ter sucedido que tenha sido retirada da viatura com o cinto colocado. 9. Assim, nesta parte, a pretensão processual da recorrente resvala para o domínio da pura especulação e não possui qualquer apoio na prova produzida. 10. Era a si que incumbia a demonstração da não utilização do cinto pela vítima, bem como a prova da medida em que isso pudesse ter contribuído para as lesões corporais que sofreu. 11. Não o tendo feito, nenhuma censura merece o julgamento da matéria de facto, a esse propósito. 12. Os juros moratórios fixados na sentença recorrida devem ser contados, desde a citação, tal como, justamente, foi decidido. 13. Pois que foi a própria Ré/recorrente quem contribuiu para a falta de liquidação das compensações indemnizatórias, ao recusar-se a pagá-las, mesmo depois de interpelada judicialmente, em 19-09-2018, para o fazer. 14. Por outro lado, não se descortina na sentença recorrida que o Tribunal a quo tenha feito a actualização dos montantes arbitrados por referência à data da sua prolação. 15. Bem pelo contrário, os valores fixados, a título de danos não patrimoniais dos pais e pelo sofrimento da vítima, correspondem aos que os próprios AA./recorridos calcularam à data da propositura da acção. 16. Não pode, pois, afirmar-se – como faz a Ré/recorrente – que a sentença recorrida infringe a doutrina consagrada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/02, de 27 de Junho. 17. Não é, igualmente, verdade que a responsabilidade pela produção do sinistro incumba a terceiro, nomeadamente, à concessionária da rodovia. 18. Pois que em lado algum da matéria de facto ou da fundamentação da sentença recorrida se considerou provado ou sequer indiciado que a causa do despiste do veículo FZ foi a presença de um animal prostrado na via, junto à berma. 19. Também não corresponde à realidade que o caso sub judice seja subsumível ao regime de inversão de ónus da prova e da presunção de culpa a que a recorrente alude (art.º12.º n.º 1 da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho). 20. Pois que constitui jurisprudência pacífica que a “presunção mista de culpa e de ilicitude que em caso de acidente em autoestrada, impende sobre a concessionária (…) aplica-se a acidentes ocorridos em IP ou IC, quando esses itinerários, no local do acidente, se apresentarem dotados de perfil transversal com faixas separadas e, no mínimo, com duas vias em cada sentido” – cfr. Ac. do TCA Norte, de 18-09-2020, Proc.00048/13.5BEVIS, in www.dgsi.pt . 21. Algo que não sucede na via onde ocorreu o sinistro, que não é uma auto-estrada, nem possui perfil de auto-estrada, designadamente, no local onde os factos aconteceram. 22. Mesmo que assim não fosse – o que se admite por mera questão de patrocínio – ainda assim a responsabilidade da Ré/recorrente não estaria afastada, sem prejuízo de um eventual direito de regresso que lhe pudesse assistir contra a concessionária da via. 23. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo apenas se equivocou num ponto concreto do julgamento da matéria de facto – a determinação das causas que originaram o acidente e, por via disso, à apreciação da culpa da condutora do veículo FZ. 24. Nesse sentido, impugna-se o julgamento da seguinte matéria de facto: 13- A condutora do FZ ao aperceber-se do cão e estando muito próxima dele guinou o veículo para evitar o animal. a- A condutora do FZ seguia desatenta, sem prestar cuidado aos obstáculos que se encontravam na estrada. b- E a velocidade superior àquele que devia levar atentas as condições da via. 25. As provas que impõem a alteração do julgado são as seguintes: Croquis de fls. 10 e 17 da certidão junta como doc. 2 ao requerimento sob a ref.ª 41020418, de 17-01-2022; Relatório fotográfico de fls. 29 a 36 da identificada certidão; Relatório final do NICAV de fls. 37 a 49, ainda da identificada certidão; Depoimentos das seguintes testemunhas: - GG - registado no programa H@bilus Media Studio, n.º 00:00:00 a 00:47:48, no período das 10:39:56 horas às 11:27:45 horas; - HH - registado no programa H@bilus Media Studio, n.º 00:00:00 a 00:32:50, no período das 11:30:49 horas às 12:03:39 horas; - DD - registado no programa H@bilus Media Studio, n.º 00:00:00 a 00:19:22, no período das 12:06:27 horas às 12:25:49 horas; - II - registado no programa H@bilus Media Studio, n.º 00:00:00 a 00:16:53, no período das 15:47:01 horas às 16:03:54 horas; e - EE - registado no programa H@bilus Media Studio, n.º 00:00:00 a 00:25:59, no período das 15:20:26 horas às 15:46:24 horas. 26. Da análise dos referidos meios de prova e da fundamentação do aresto recorrido, decorre cristalinamente que o Tribunal a quo não sopesou um dos depoimentos mais claros e relevantes prestados em audiência de julgamento – o da testemunha II. 27. Trata-se da passageira que seguia ao lado direito da condutora, que tinha visibilidade de tudo quanto se passou e que declarou, em síntese: - ter visualizado, antes da condutora, a existência de um obstáculo na via; - ter identificado esse obstáculo, com segurança, como sendo um cão morto; - ter ficado à espera que a condutora tivesse visualizado também o referido obstáculo; - ter-se abstido de avisar a condutora para não interferir negativamente no exercício da condução e porque se convenceu que uma eventual falha teria apenas como consequência um mero solavanco; - ter verificado que a única reacção da condutora foi a de desviar-se bruscamente do referido cão quando, tardiamente, se apercebeu da presença do mesmo. 28. O depoimento da referida testemunha é confirmado e complementado por todos os restantes indicados depoimentos, bem como pelos demais meios de prova a que se alude no relatório do NICAV. 29. Em resumo, de todos os referidos elementos probatórios é possível concluir que: - a condutora do FZ seguia totalmente desconcentrada, a ponto da testemunha II se ter apercebido da presença do obstáculo muito antes de si; - a condutora do FZ não se apercebeu do desvio de trajectória realizado pelo veículo que seguia à sua frente, conduzido pela testemunha HH, nem dos 4 piscas que esta accionou; - a condutora do veículo FZ, no exacto momento em que se apercebeu da presença de um cão no asfalto, já estava demasiado próxima do mesmo e decidiu contorná-lo, de forma brusca, provocando o desequilíbrio do veículo por si conduzido; - nada impedia a condutora do FZ de ter avistado muito antes o referido obstáculo; - nada impedia a condutora do FZ de ter passado entre o obstáculo e o eixo da via, como o demonstram as medidas tiradas no local e a circunstância inultrapassável de ambos os veículos terem passado nesse mesmo espaço; - nada impedia a condutora do FZ, caso seguisse concentrada na condução, de ter reduzido a velocidade, detendo, se necessário, a marcha do veículo; - quando decidiu guinar para a sua esquerda para contornar o obstáculo, a condutora do veículo FZ seguia a uma velocidade que não lhe permitia evitar o desequilíbrio da viatura, o que determinou que a mesma entrasse em ziguezague e acabasse por entrar em despiste. 30. Entende-se, por isso, que a resposta à matéria de facto impugnada deveria ter sido a seguinte: 13- A condutora do FZ seguia desatenta e apenas se apercebeu do cão quando já se encontrava muito próxima dele; 13A- Acto contínuo e sem reduzir a velocidade a que circulava, guinou o veículo bruscamente para a esquerda e depois para a direita, para evitar o animal, apesar de dispor de espaço suficiente para passar entre este e o eixo da via. 31. Em consequência da referida alteração, forçoso será concluir que a conduta da condutora do veículo FZ foi manifestamente negligente e reúne todos os pressupostos da responsabilidade civil aquiliana. 32. Pelo que deverá a Ré responder, não pelo risco, mas sim nos termos das disposições conjugadas dos art.os 483.º n.º 1, 487.º n.º 2, 495.º, 496.º, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º, todos do Cód. Civil. 33. Como demonstrado pela prática jurisprudencial acima melhor descrita, as indemnizações peticionadas pelos AA., são justas, equilibradas e adequadas aos factos apurados em julgamento. 34. Ao contrário do que a Ré sustenta, a única crítica que se pode assacar à decisão recorrida é a de não ter arbitrado o valor peticionado a título de compensação pela perda do direito à vida da vítima, considerando todos os factos provados e as circunstâncias do caso, acima melhor descritas. 35. Várias são as decisões dos nossos Tribunais que fixaram valores acima do arbitrado, e não poucas são aquelas em que o montante de 100.000,00 € foi fixado por decisões proferidas entre 2018 e 2021, tudo como acima melhor discriminado. 36. Justifica-se, por isso, que o montante indemnizatório fixado pela perda do direito à vida de CC seja fixado no valor de 140.000,00 €. Nestes termos e nos mais de direito, e sempre sem esquecer o douto suprimento de V. Ex.as, Venerandos Desembargadores, deve ser negado provimento ao recurso interposto pela Ré e, consequentemente, deverá manter-se, nessa parte, o decidido, nos seus precisos termos. Ao invés, deve ser concedido provimento ao recurso subordinado interposto pelos AA., alterando-se a sentença recorrida, nos moldes supra expostos, com as legais consequências. Decidindo dessa forma, farão V. Ex.as , como confiadamente se espera, JUSTIÇA!.” * A Ré respondeu ao recurso subordinado interposto pelos Autores, pugnando pela respetiva improcedência, “sob pena de violação dos artigos 483.º, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º, n.º 3 do CC”. * II. QUESTÕES A DECIDIR. Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, e não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, importa, no caso, apreciar e decidir: - da impugnação da matéria de facto; - da responsabilidade pelo acidente; - se devem ser alterados os montantes indemnizatórios encontrados pelo Tribunal Recorrido, em conformidade com as pretensões recursivas de ambas as partes; - se os juros apenas serão devidos a partir da data da sentença e não da citação. *** III. FUNDAMENTAÇÃO. III.1. Com interesse para a boa decisão da causa, o Tribunal Recorrido considerou provados os seguintes factos: 1- CC nasceu em ... de ... de 1996, estando registada como filha de AA e de BB. 2- Faleceu no dia ... de ... de 2015 no estado de solteira, sem filhos e sem testamento. 3- No dia indicado em 3, por volta das 18h15m, CC circulava no interior do veículo de matrícula ..-FZ-.., conduzido por EE. 4- Para além dos indicados em 3 seguiam no aludido veículo mais seis pessoas. 5- CC seguia num dos bancos traseiros do referido veículo, e do lado direito do mesmo. 6- O veículo indicado em 3 circulava no ... perto do quilómetro 52,95 no concelho de ... e no sentido ..., sendo a velocidade permitida de 90 quilómetros por hora. 7- A faixa de rodagem possui, nesse local, duas vias de trânsito, com 3,60 metros de largura, cada, separadas por duas linhas longitudinais contínuas que dividem os sentidos de trânsito, complementadas por balizas flexíveis, colocadas ao longo dessas linhas. 8- Cada uma das vias de trânsito é ladeada por uma berma ou faixa de segurança com a largura de 2,40 m, cada uma. 9- Atento o sentido de marcha do ..-FZ-.., a faixa de rodagem descreve, naquele ponto, uma curva ligeira para a esquerda e possui uma inclinação descendente de 3,5%. 10- Havia luz solar e o tempo apresentava-se bom. 11- Pelo local onde circulava o FZ, e sobre o lado direito da via e junto à linha guia - que separa a berma da faixa de rodagem - estava caído no chão um cão. 12- Antes de o FZ passar pelo local onde estava o cão, uma viatura que precedia o FZ viu o obstáculo e contornou-o. 13- A condutora do FZ ao aperceber-se do cão e estando muito próxima dele guinou o veículo para evitar o animal. 14- Nessa sequência perdeu o controlo do veículo o qual atravessou a faixa de rodagem em que seguia em direção à faixa destinada ao trânsito em sentido contrário. 15- Indo embater com a frente esquerda na proteção existente no lado esquerdo da via, e tombando o veículo sobre o seu lado direito deslizando e imobilizando-se alguns metros mais adiante. 16- Por causa da posição onde seguia a CC e o tombo da viatura para o lado direito, a mesma veio a sofrer lesões crâniomeningoencefálicas que foram a causa necessária e direta da sua morte. 17- Morte essa verificada pelas 19h43m, a qual foi pressentida pela CC a qual sentiu sofrimento antes do seu decesso. 17.1. Tendo ainda sido registado na autópsia as seguintes sequelas por via do acidente, e resumidamente:
18- À data do falecimento a CC era uma pessoa alegre, bem-disposta e activa. 19- Era uma pessoa solidária que participava em voluntariado. 20- Praticava exercício físico. 21- Estudava no ensino superior e tinha o “First Certificate in English” desde Junho de 2013 emitido pela University of Cambridge ESOL Examinations. 22- E tinha participado em 2015 em escola de verão na Faculdade de Economia da Universidade de Liubliana na Eslovénia. 23- Era filha única. 24- Os AA. ficaram em choque com a perda da filha, sentindo-se perdidos e desorientados. 25- Tendo após o acidente que vitimou a filha pensado em mudar de casa por causa da dificuldade em encarar a ausência da CC. 26- A CC era parte essencial da vida dos AA. a qual ficou para sempre abalada e amputada. 27- A alegria de viver dos AA. nunca mais foi a mesma e o seu sentido de vida ficou destruído. 28- Quando viajam de carro recordam o acidente da filha. 29- O cão a que se alude em 11 e 13 estava no local - ... - há já várias horas antes do acidente melhor descrito em 12 a 15. 30- O troço do ... onde se deu o incidente acima relatado, à data do mesmo, estava subconcessionado à AELO – Auto-Estradas do Litoral Oeste S.A. 31- A responsabilidade civil automóvel relativa ao ..-FZ-.. que é um ligeiro de passageiros com capacidade para nove pessoas, à data do acidente estava transferido pela apólice nº 3410770 000001 para a R., sendo tomador do seguro o Patriarcado de Lisboa, pessoa colectiva com o nº 500920575, e com as seguintes condições especiais: Responsabilidade civil obrigatória Danos corporais 5.000.000,00 - Danos materiais 1.000.000,00 - Pessoas transportadas (todos os ocupantes) Morte ou invalidez permanente 10.000,00 - Despesas de tratamento 1.000,00 - Quebra isolada de vidros 700,00 50,00 * III.2. Pelo Tribunal Recorrido foi considerado que não se provaram os seguintes factos: a- A condutora do FZ seguia desatenta, sem prestar cuidado aos obstáculos que se encontravam na estrada. b- E a velocidade superior àquele que devia levar atentas as condições da via. c- A CC não era portadora de cinto de segurança no momento do acidente. d- Acaso a CC fosse portadora de cinto de segurança não teria falecido por virtude do acidente. * III.3. Da impugnação da decisão de facto. Da leitura das alegações de recurso retira-se que ambas as partes pretendem impugnar a decisão sobre a matéria de facto, É sabido que o objeto do conhecimento do Tribunal da Relação em matéria de facto é conformado pelas alegações e conclusões do recorrente – este tem, não só a faculdade, mas também o ónus de no requerimento de interposição de recurso e respetivas conclusões, delimitar o objeto inicial da apelação – cf. artigos 635º, 639º e 640º do Código de Processo Civil. Assim, sendo a decisão do tribunal «a quo» o resultado da valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação, desde que a parte interessada cumpra o ónus de impugnação prescrito pelo artigo 640º – indicando os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, e os meios de prova constantes do processo que determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos - a Relação, como tribunal de instância, está em posição de proceder à sua reavaliação, a fim de reparar qualquer erro na respetiva apreciação. No caso vertente, tendo os Recorrentes cumprido formalmente os ónus impostos pelo artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, nada obsta ao conhecimento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 662º do Código de Processo Civil. Tarefa que cumpre realizar tendo presente que por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for(em) insuscetível(eis) de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter(em) relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe ser inútil (artigos. 2º, n.º 1 e 130º, ambos do Código de Processo Civil). E que nos termos do artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», de forma consentânea com o disposto no Código Civil, designadamente nos seus artigos 389º (para a prova pericial), e 396º (para a prova testemunhal), sendo que a «livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» (II parte, do nº 5 do artigo 607º do Código de Processo Civil). Procedeu-se à audição integral da prova produzida em audiência de julgamento, e à conjugação da mesma com o teor da prova documental junta aos autos e igualmente analisada em audiência. E da concatenação de toda a prova assim produzida, não podemos deixar de concordar com o juízo probatório realizado pelo Tribunal Recorrido. Recordemos que a Ré entende que existe erro na apreciação da prova produzida relativamente ao ponto 17 dos factos dados como provados, e nas alíneas c) e d) dos factos dados como não provados, e que os Autores discordam da apreciação feita pela instância recorrida no que se refere à determinação das causas que originaram o acidente e, por via disso, à apreciação da conduta da condutora do veículo FZ, ou seja, da matéria constante do ponto 13 dos factos provados e das alíneas a) e b) dos factos não provados. Reproduzimos os factos em causa para facilitar a análise que se impõe realizar: 17- Morte essa verificada pelas 19h43m, a qual foi pressentida pela CC a qual sentiu sofrimento antes do seu decesso. c- A CC não era portadora de cinto de segurança no momento do acidente. d- Acaso a CC fosse portadora de cinto de segurança não teria falecido por virtude do acidente. * 13- A condutora do FZ ao aperceber-se do cão e estando muito próxima dele guinou o veículo para evitar o animal. a- A condutora do FZ seguia desatenta, sem prestar cuidado aos obstáculos que se encontravam na estrada. b- E a velocidade superior àquele que devia levar atentas as condições da via. * No que respeita à parte impugnada do provado sob o ponto 17, importa desde logo refletir que, como decorre dos depoimentos das testemunhas que seguiam na carrinha em que era transportada a infeliz CC – DD, que seguia no banco da frente ao meio, junto à condutora, EE, condutora, II, que seguia no banco da frente, junto à janela direita e FF, que seguia no banco do meio, atrás da condutora – depoimentos que são confirmados pelos prestados por HH, que conduzia o veículo que seguia à frente do acidentado, o acidente não se iniciou no momento em que o referido veículo tombou para o lado direito, mas antes no momento em que a condutora tentou desviar-se do obstáculo que existia na faixa de rodagem, desviando o veículo para a esquerda, entrando depois em despiste e indo embater no rail de proteção que separava a faixa de rodagem de sentido contrário, com a parte frontal esquerda, tombando e deslizando alguns metros até à posição em que ficou quando se imobilizou. Saliente-se que tal versão dos factos é absolutamente confirmada pelo pelo teor do croquis de fls. 10 e 17, da certidão junta como doc. 2 ao requerimento sob a ref.ª 41020418, de 17-01-2022, pelo relatório fotográfico constante de fls. 29 a 36 da mesma certidão, pelo relatório final do NICAV de fls. 37 a 49 e pelo relatório da autópsia de folhas 33 verso a 37. Não se ignorando que as referidas testemunhas que seguiam no veículo declararam que no momento em que o veículo se imobilizou, tentaram chamar uns pelos outros e que a única a não responder foi a infeliz vítima, não pode, em face do que se expôs, deixar de admitir-se que todos os que seguiam no veículo, designadamente a CC, visualizaram e sentiram a carrinha em que seguiam descontrolada pela faixa de rodagem, dirigindo-se para o lado contrário, cruzando o sentido de trânsito contrário, embatendo violentamente no rail aí existente, tombando para a sua direita e, finalmente, arrastando-se ao longo de cerca de 20 metros, pelo que todos tiveram o pressentimento de graves danos para a sua integridade física incluindo a morte, que visualizaram à sua frente, numa experiência profundamente traumática, como deixaram antever as referidas testemunhas e foi, por diversas vezes repetido pela testemunha FF (o que, de resto, é perfeitamente compreensível) ainda que se admita que o falecimento ou a perda de sentidos da CC tivesse ocorrido em algum momento próximo do final do percurso realizado pelo veículo. * Os factos vertidos nas alíneas c) e d) dos factos não provados não podem, diversamente do que entende Ré/Apelante, ter-se como provados. Relativamente à al. c) (uso de cinto de segurança pela vítima) para assim se concluir basta atentar nas declarações prestadas pela testemunha JJ, indicada pela própria Ré, e que coordenou a elaboração de relatório de averiguação do acidente a pedido da Ré ao serviço da sociedade “...”, e que foi perentório ao referir que “não pode assegurar” que a vítima não levava cinto, e que não foi conclusiva a existência ou inexistência de cinto, explicando que o embate que considera ter sido o mais forte foi o lateral, e que nestas circunstâncias o cinto de segurança não atua com a mesma resistência que se o embate for lateral, podendo até os pré tensores não ter atuado o que, torna possível a movimentação ou rotação do corpo por forma a apresentar as lesões que constam do relatório da autópsia, na sequência do tombo do veículo para o lado direito e subsequente arrastamento. Acresce que, como salientou o Tribunal Recorrido: “Ouvido em juízo GG refere ser provável que a vítima não levasse cinto, o que aliás consta do seu relatório acima já referido e está também vertido no despacho de arquivamento (mesmo documento nº4 amplamente referido). Só que ser provável, ou não, não constitui uma certeza e diga-se que no relatório sequer se explica a razão para se concluir que a vítima não levaria cinto. É certo que em audiência GG coloca como provável o não uso e não como certeza, referindo-se a alguns tipos de lesões que não adviriam se se usasse cinto. Só que, conforme se lê do relatório acima indicado a vítima ia num banco com mais pessoas o veículo tombou para o seu lado, sendo então possível ter sido embatida pelos outros ocupantes - ter levado com eles em cima de si - o que pode ter conduzido ao tipo de lesões que teve. Em suma não há prova segura e clara do não uso de cinto de segurança no momento do embate, pela infeliz vítima.” Subscrevemos integralmente tal entendimento, plenamente suportado nas declarações prestadas pelas testemunhas que seguiam no veículo, que confirmaram a posição dos ocupantes, designadamente da CC - que circulava no espaço mais à direita, ou seja, do lado onde se deu o embate contra o pavimento, quando o veículo tombou, que tinha à sua esquerda dois ocupantes - a carga do veículo, sendo que nenhuma das testemunhas ouvidas conseguiu assegurar o que quer que fosse acerca do uso ou não uso de cinto de segurança pela CC, como, de resto, por qualquer dos tripulantes do banco de trás, e que os relatórios constantes dos autos a que a Ré/Apelante faz referência dão o facto como indiciado – não como provado - e apenas com base em prova que não foi produzida nestes autos ou na presença de ambas as partes. Assim, tendo em consideração o embate lateral do veículo, a eventual ação dos ocupantes que circulavam à sua esquerda, o movimento das bagagens que se encontravam atrás de si e o arrastamento da roupa que trajava, conforme documentado na legenda do croquis elaborado pelo NICAV, a que acrescem as salientadas circunstâncias, não é possível concluir se a vítima trazia ou não o cinto colocado. Do mesmo modo, e em face das mesmas circunstâncias, impossível é concluir face à natureza do sinistro e das lesões que causaram a morte, que o uso do cinto, previsivelmente, impediria que a vítima embatesse com a cabeça ou fosse puxada por efeito do arrastamento da viatura no pavimento, ao longo de aproximadamente 20 metros e que assim não sofreria as lesões traumáticas e crâniomenigoencefálicas que, de acordo com o relatório de autópsia foram a causa da sua morte. * Os Autores entendem, como supra se referiu, que existe erro de julgamento no que concerne aos pontos 13 dos factos provados e a) e b) dos não provados, entendendo que deveria antes ter-se considerado assente que: “13- A condutora do FZ seguia desatenta e apenas se apercebeu do cão quando já se encontrava muito próxima dele; 13A- Acto contínuo e sem reduzir a velocidade a que circulava, guinou o veículo bruscamente para a esquerda e depois para a direita, para evitar o animal, apesar de dispor de espaço suficiente para passar entre este e o eixo da via. Entendemos que o conjunto da prova produzida não permite, porém, considerar assente mais do que já resulta do ponto 13 dos factos provados. Importa salientar que de todas as testemunhas ouvidas, designadamente das já mencionadas que seguiam na viatura acidentada, todas revelaram ter do desenrolar do acidente, uma memória vaga, sem recordação de vários dos pormenores, circunstância motivada, quer pelo caráter traumático do episódio, quer pelo lapso de tempo decorrido, quer ainda pelo caráter inesperado e rápido do mesmo. Nenhuma confirmou qualquer distração ou desatenção, antes tendo todas elas feito referência a uma viagem que seguia calmamente, e à condução prudente da condutora, sendo que as declarações de HH, condutora do veículo da frente, quando à circunstância de ter sinalizado o obstáculo com os quatro piscas, não foi confirmada por qualquer das demais testemunhas, tendo mesmo sido negada pela já mencionada EE e até pela testemunha II que referiu não se recordar de o carro da frente ter sinalizado qualquer obstáculo. Por outro lado, não tendo confirmado a desatenção, todas confirmaram que à frente do veículo em causa seguia um outro em que circulavam jovens do mesmo grupo, não podendo deixar de admitir-se - atentas as características da via, designadamente a inclinação de mais de 3% no sentido descendente e a curva ligeira à esquerda, bem como a distância a que se encontravam os veículos um do outro, que tornava o da frente visível para quem circulava no de trás - que o veículo da frente limitou, até certo ponto do trajeto, o campo de visão da condutora EE. E atentas as posições de EE e da testemunha II no interior do veículo, a primeira no lugar do condutor, isto é, no situado mais à esquerda dos três existentes no banco da frente, a testemunha no lugar mais à direita dos referidos três, necessariamente há que concluir que o campo de visão da condutora foi libertado mais tarde do que o da testemunha II, tendo, portanto, esta, depois da passagem do veículo da frente pelo cão, podido certamente visualizar tal obstáculo na via antes de o mesmo poder ter sido visualizado pela condutora, o que pode ter determinado a perceção da referida testemunha de que o obstáculo era visível para a condutora antes da manobra que a mesma realizou para se desviar. Acresce que, como resulta das declarações prestadas pela testemunha GG, que igualmente afastou a possibilidade de se considerar excessiva a velocidade a que seguia a carrinha, a inclinação da via existente no local no sentido descendente, aumenta o tempo de imobilização do veículo e o controle do mesmo numa situação de manobra de recurso súbita. Nestas condições não é, pois, possível, como se considerou na decisão recorrida, concluir pela desatenção da condutora do FZ nem que conduzia em velocidade superior àquela que devia atentas as condições da via. * Nada há, pois, relativamente aos pontos impugnados, a alterar, pelo que se conclui pela improcedência das pretensões recursivas das partes no que concerne à impugnação da matéria de facto. Permanecendo inalterada a matéria de facto, provada e não provada, aqui nos dispensamos de a voltar a reproduzir. * III.4. Apreciação jurídica. III.4.1. Da responsabilidade pelo acidente. Insurge-se a Ré Apelante contra a decisão recorrida por entender que em face dos factos considerados provados nos pontos 13, 14 e 15 o acidente é imputável a terceiro, a saber a AELO – Auto – Estradas do Litoral Oeste, S.A, já que o que deu causa ao despiste do veículo seguro na Ré foi a circunstância de na via onde circulava, se encontrar o corpo de um canídeo. Entendemos, porém, como se considerou na sentença recorrida, que os factos não permitem concluir que a causa do sinistro residiu na mera circunstância de se encontrar um obstáculo na via – a prová-lo está a circunstância de a carrinha que circulava à frente do FZ ter passado igualmente tal obstáculo em segurança. Por outro lado, ao caso não é aplicável o regime de inversão de ónus da prova e de presunção de culpa a que a recorrente alude (art.º 12.º n.º 1 da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho), pois o ... não é uma auto-estrada, nem possui perfil de auto-estrada, no local onde o sinistro ocorreu, sendo a via em causa é constituída por uma faixa de rodagem com duas vias de trânsito, com 3,60 metros de largura, cada, separadas por duas linhas longitudinais contínuas que dividem os sentidos de trânsito, complementadas por balizas flexíveis, colocadas ao longo dessas linhas, sendo que a presunção mista de culpa e de ilicitude que em caso de acidente em autoestrada, impende sobre a concessionária, decorrente do ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança que recai sobre aquela, estabelecido no art.º 12.º da Lei n.º 24/2007, de 18/07, aplica-se a acidentes ocorridos em IP ou IC, quando esses itinerários, no local do acidente, se apresentarem dotados de perfil transversal com faixas separadas e, no mínimo, com duas vias em cada sentido, como resulta do artigo 2º, n.º 1 de tal diploma. Acresce que não se demonstrou qualquer conduta da infeliz CC determinante para os danos por si sofridos, o que afasta o enquadramento da situação no âmbito do disposto no artigo 570º do Código Civil. * Por seu turno os Autores entendem que a responsabilidade pelo sinistro dos autos decorre de conduta flagrantemente negligente da condutora do veículo FZ e não dos riscos inerentes à utilização do aludido veículo, entendimento que ancoravam na alteração da matéria de facto que entendiam deveria ser realizada, pretensão que, como se analisou, não procede. E assim, perante os factos provados, importa concluir que na circunstância em causa, não era exigível à condutora do veículo seguro que adotasse qualquer outro comportamento, que não o de se desviar do obstáculo (cão morto) na faixa de rodagem - ao guinar o veículo, fê-lo para evitar a colisão com o cão morto existente na faixa de rodagem, para evitar um sinistro. Perante o surgimento de qualquer obstáculo repentino na hemifaixa de rodagem – e assim não pode deixar de considerar-se no caso em face da já mencionada circulação do veículo à frente da carrinha em causa - o homem médio travaria e desviar-se-ia de modo a evitar a colisão, o que, no caso em apreço, malgrado ter-se conseguido evitar, não foi o suficiente para evitar o despiste do veículo. Decidiu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.12.20132 que: “I - O caso de força maior como excludente da culpa e até da responsabilidade civil lato sensu tem ínsita uma ideia de inevitabilidade, ligada a uma acção do homem ou terceiro e, em muitos casos, a fenómenos da natureza, que por serem incontroláveis e nem sequer previsíveis pela vontade do agente, não são passíveis de imputação pelas suas consequências, configurando-se como evento contra o qual nada pôde fazer por maior que tivesse sido a sua diligência. Já ao caso fortuito se liga uma ideia de imprevisibilidade mas que se tivesse sido previsto poderia ter sido evitado. II - A frequente travessia de vias, sobretudo auto-estradas, por animais provocam reacções instintivas dos condutores, manobras defensivas, que não permitem um controle eficaz das viaturas, mesmo rodando nos limites de velocidade legalmente permitidos, pelo que o capotamento e despiste, sendo consequências reflexas de manobras de emergência, são inerentes ao risco de funcionamento e circulação do veículo e não a eventos passíveis de serem considerados casos de força maior. III - Não provada a culpa do condutor do veículo e a inevitabilidade da manobra que causou o despiste, o embate no separador e o capotamento, há que concluir pela responsabilidade objectiva, fundada no risco de circulação, sendo aplicável ao caso a norma do art. 503º, nº1, do Código Civil.(…)” Podendo cogitar-se se na realização da manobra em causa, designadamente no despiste da viatura existiu alguma imperícia, resultante da designadamente da falta de experiência na condução do concreto veículo pela condutora, com o concreto peso que levava, que é desconhecido, o certo é que os factos não permitem uma conclusão segura no sentido afirmativo. Assim, subscrevemos o que a este respeito se decidiu na sentença recorrida e que aqui reproduzimos: “(…)No que tange à responsabilidade na produção do acidente desde já adiantamos que não há prova de culpa da condutora do veículo acidentado na produção do mesmo, pelo que afastadas estão as regras da responsabilidade aquiliana. Todavia, não está afastada a responsabilidade da R. enquanto seguradora e para quem foi transferido o risco proveniente da condução de veículos automóveis. Diz-nos o artigo 503.º do CC com a epígrafe (acidentes causados por veículos) que “1. Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação. 2. As pessoas não imputáveis respondem nos termos do artigo 489.º 3. Aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte; se, porém, o conduzir fora do exercício das suas funções de comissário, responde nos termos do n.º 1.” É portanto esta a norma a seguir na situação em análise. Conforme se deixou escrito sobre tal artigo “ a responsabilidade instituída no artigo 503º configura uma responsabilidade objetiva do utilizador ou “detentor” do veículo (pelo acréscimo de perigo que este representa e como contrapartida dos benefícios auferidos por quem dele tira partido – ubi commodum ubu incommodum). Afastada, pois, a responsabilidade por facto ilícito e tratando-se de dano emergente de acidente de viação, tem que se apurar se o lesado os seus danos e danos de terceiros com ele associados, merecerá tutela, imperando a obrigação legal de indemnização do dono da viatura pelos danos causados a terceiros, numa clara afirmação da típica responsabilidade objectiva prevista no artigo acima citado, sobressaindo a natureza de actividade perigosa e geradora de riscos da circulação rodoviária. Ora a causa primordial do sinistro foi o despiste da viatura, em que seguia a vítima, sendo este facto de per si configurável como um dos riscos próprios e inerentes ao funcionamento de qualquer veículo, enquadrando assim a situação na previsão do artº503, nº1, do CC e sendo que a ocupante estava segurada por via do seguro de responsabilidade automóvel contratado com a R. visto o disposto no artigo 504º do CC. E não cremos que esteja preenchido o disposto no artigo 505º do CC que nos diz: “Sem prejuízo do disposto no artigo 570.º, a responsabilidade fixada pelo n.º 1 do artigo 503.º só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo”. Ora o acidente não é imputável ao lesado nem a terceiro, vejamos pois se resulta de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo. Voltando ao livro citado na nota de rodapé 3 aí se diz (página 418) “representam reconhecidamente causas de força maior estranhos ao funcionamento do veículo, por exemplo, certas “forças da natureza” (…) ou a colisão com animais fora de controlo que invadem a via(…)” No caso concreto não houve força da natureza, nem animal a invadir a via, já que o animal jazia já no chão. Mas mesmo neste último caso, ou seja, caso se estivesse perante hipótese de atravessamento chama-se à colação o decidido no douto acórdão do TRL de 09 de Setembro de 2008 disponível em www.dgsi.pt onde se decidiu: “O atravessamento de animais nas estradas e auto-estradas, designadamente, animais de raça canina, dada a sua frequente ocorrência, tem ocupado longamente a jurisprudência no âmbito da responsabilidade das concessionárias das autor estradas e dos respectivos deveres. Aportando-se tais decisões em querela jurídicas que não se prendem com a solução dos autos, de alguma maneira, podem lançar luz , no tocante à natureza deste evento frequente - o cão que surge à frente da viatura e é causal de acidente , constituir, ou, não um risco inerente ao funcionamento da viatura, ou, ser considerado um caso estranho ao seu funcionamento. Ora, ao longo das muitas e diversas de tais decisões, podemos concluir, que, pese embora o problema da presunção legal de culpa da concessionária, e das alterações legislativas verificadas neste domínio, a verdade, é que todas elas partem do pressuposto que o atravessamento de um cão na via, e as consequências para condução da viatura, despiste, capotamento, etc, e eclosão de acidente causador de danos, são integrados na ordem dos factos geradores de responsabilidade pelo risco[8] e, portanto, abrangendo a responsabilidade pelo risco por banda do detentor da direcção efectiva da viatura, conforme ao disposto no artº503 do CCivil. [9]” Descendo ao caso dos autos, tem assim os AA. direito a ser indemnizados na dupla vertente dos danos por si sofridos e pela perda do direito à vida da sua filha e sofrimento pré morte (cfr. artigos 495º e 496º ambos do CC) por preenchimento do disposto no artigo 503º do CC e não exclusão das hipóteses do artigo 505º do mesmo diploma.(…)” * III.4.2. Dos montantes indemnizatórios. A Ré Apelante insurge-se contra os montantes indemnizatórios fixados na sentença, por entender que são manifestamente excessivos e desadequados, quer em face da prova produzida, quer dos valores arbitrados pela jurisprudência. Também os Autores entendem que o valor relativo ao dano relativo à perda do direito à vida deve ser fixado em €140.000,00. Entendemos que não lhes assiste razão. Vejamos porquê. * No que concerne ao dano da perda do direito à vida da infeliz CC, importa referir que o montante fixado de cem mil euros surge, em face das circunstâncias de facto que se demonstraram, perfeitamente adequado e em linha com os que vêm sendo atribuídos a esse título pela jurisprudência mais recente. Independentemente da posição que se siga sobre a natureza jurídica da indemnização pela perda da vida como direito próprio da vítima que se transmite para os familiares identificados no artigo 496.º, n.º 2, do CC (posição para qual propendemos, entendendo a norma do artigo 496.º, n.º 2, do CC, no que respeita aos danos sofridos pela vítima mortal, como sendo uma norma especial de direito sucessório) ou como direito que se constitui diretamente na esfera dos familiares em consequência da morte, o legislador assumiu naquele preceito legal, de forma autónoma e fora do quadro do direito sucessório, uma determinada regra atributiva e distributiva da indemnização, decorrendo do artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil que a indemnização pelo dano morte é concedida conjuntamente e de forma sucessiva aos grupos de familiares ali identificados. Resulta do disposto no n.º 4 do artigo 496.º que o montante da indemnização por dano não patrimonial é fixado pelo julgador segundo um critério de equidade o que significa que a determinação do quantum da indemnização por danos não patrimoniais não obedece à teoria da diferença, devendo, antes, ser determinado segundo juízos de equidade, que se traduz essencialmente na busca de uma solução que atende às particularidades do caso concreto. Na fixação da indemnização, e de forma a garantir, tanto quanto possível, uma interpretação e aplicação uniforme do direito, como o exige o artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, deve-se atender aos parâmetros jurisprudenciais geralmente adotados para casos análogos, desde que seja possível identificar uma semelhança substancial que garanta uma comparabilidade material dos diversos casos. Neste ponto, cabe salientar as seguintes decisões recentes: - Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Secção Criminal – 2ª Subsecção, de 19 de maio de 2017, proc. n.º 33/12.4GTSTB.E1 «que arbitrou a título de direito à vida para um jovem de 25 anos, uma indemnização a título de uma indemnização a título de direito à vida, no montante de € 120.000,00»; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.05.2020, proferido no processo n.º 16/15.2GTCBR.C1.S1, que fixou para o dano morte de um jovem de 17 anos o montante de € 120.000,00; - Acórdão da Relação de Lisboa, de 20.06.2020, proferido no processo n.º 65/17.6GTALO-S, que fixou para indemnização do dano morte de um homem de 33 anos, a título de dano morte, o montante de € 150.000,00; - Acórdão desta Relação de 05.12.2024, proferido no processo n.º 2883/23.7T8FAR.E1, que atribuiu para aos pais de uma criança de sete anos, o valor de €100.000,00. Muitas outras decisões, de que são exemplos as citadas pela Ré Apelante, fixaram valores para indemnizações por perda do direito à vida em valores inferiores a €100.000,00 (entre €75.000,00 e €80.000,00). Como se referiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 30.06.20203, “pela perda do direito à vida, embora a dor não tenha preço, importa sobretudo que a correspondente indemnização, deva por si própria, significar algo que permita compensar a perda e minorar a dor sofrida, correspondendo em termos de equidade à gravidade do dano considerado, quer objetivamente, porque a vida é o bem maior da pessoa humana, quer relativamente”. E no Acórdão do STJ de 29.10.20134, pode ler-se no sumário que: «(…) III. A jurisprudência tem avançado no sentido de uma crescente valorização do direito à vida, atribuindo valores que geralmente oscilam entre os € 50.000,00 e os € 80.000,00, chegando mesmo a atingir os € 120.000,00 para as vítimas ainda jovens. IV. É razoável admitir que seja atribuída uma indemnização mais elevada pela perda de uma criança ou de um jovem, cujas vidas ainda não foram vividas, do que a morte de um adulto já no ocaso ou na curva descendente da sua existência terrena» Traduzindo-se o dano “morte” numa antecipação do momento da morte, a idade da vítima terá de pesar de forma significativa na fixação da respetiva indemnização pois que aquela antecipação será tanto maior quanto mais jovem for a vítima. E a par da idade outras circunstâncias relativas à vítima serão de considerar como a sua saúde, estado civil, projetos de vida e atitude perante a vida, a sua situação sócio-profissional e socio-económica. No caso concreto, tendo em consideração que - a vítima era uma jovem de 19 anos de idade, ou seja, na flor da juventude, filha única, alegre, bem-disposta e ativa, solidária, que participava habitualmente em ações de voluntariado, cujos amigos ainda hoje, decorridos anos da sua morte, celebram a sua vida, praticante, desde a infância, de exercício físico, em diversas modalidades que praticou, trabalhadora, boa aluna, universitária, com várias competências académicas e sociais adquiridas, a ausência de culpa da lesada, o montante fixado pelo Tribunal Recorrido não merece qualquer censura. * O mesmo se diga do valor atribuído a título de reparação dos danos não patrimoniais sofridos pelos Autores, como decorre da análise das decisões mais recentes na jurisprudência, designadamente as já citadas, podendo facilmente imaginar-se o choque dos pais com a perda da única filha, que se sentiram-se perdidos, desorientados e afetivamente amputados para sempre, a sua alegria de viver nunca mais foi a mesma e o seu sentido de vida ficou destruído e que como decorreu dos depoimentos prestados em julgamento, tratava-se de uma família unida - a CC vivia com os pais, em plena comunhão de vida e cumplicidade recíproca. Sufragamos, pois, integralmente o que a este respeito de escreveu na decisão recorrida: “ (…)É impossível quantificar o sofrimento da perda de um filho ainda por cima único. O que o julgador pode fazer é atribuir um valor, não de compensação por não mais os pais poderem conviver com a filha, mas um valor que sirva de conforto no sentido de os AA. o poderem usar nalgum propósito ou que perpetue a vida da infeliz vítima, ou que minore a sua angústia. Usando da equidade, juga-se justo atribuir a cada progenitor o valor de € 50.000,00 que é aquele que peticionam, pela morte trágica de uma filha com 19 anos de idade, na flor da vida, que era a única filha do casal e com quem os pais tinham boa relação(…)”. * Quanto ao valor arbitrado pelo sofrimento da vítima antes da morte, como já supra se referiu em sede de análise da impugnação da matéria de facto, dúvidas não podem validamente colocar-se, em face da descrição do acidente, das lesões provocadas, de que a mesma se apercebeu de que iria falecer e de que as lesões lhe causaram, ao menos numa fase do percurso dor, pelo que se considera adequado o valor fixado a este título, que aliás, só foi impugnado pela Ré de forma sustentada na alteração da matéria de facto que preconizava, que se considerou improcedente. Improcedem, pois, as pretensões recursivas no tocante aos valores de indemnização arbitrados. * III.4.3. Dos juros de mora. Por fim, no que concerne aos juros de mora, a sentença recorrida decidiu condenar a Ré Apelante no pagamento de juros legais sobre o montante indemnizatório desde a citação até efetivo pagamento. A Recorrente discorda do assim decidido, alegando que não está conforme com o que a este título resulta do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/02, de 9 de maio de 2002. Defende que uma indemnização de cariz pecuniário por facto ilícito ou pelo risco, objeto de cálculo atualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, só vence juros de mora, por efeito do disposto no artigo 805.º, n.º 3 (restritivamente interpretado), e 806.º, n.º 1, igualmente do Código Civil, a partir da decisão atualizadora, e não da citação, e que a sentença tem de ser sob pena de duplicação no ressarcimento em violação do disposto no artigo 566º, n.º 2 do Código Civil. Ora, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2002 do STJ, de 9.5.2002 (D.R-, I.ª, Série de 27.6.2002), fixou a seguinte jurisprudência: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do art.º 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos art.ºs 805°, n° 3 (interpretado restritivamente), e 806. °, n.º l, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”. Torna-se claro que se o juiz fizer apelo ao critério actualizador previsto no artigo 566º, nº. 2, do Código Civil, atribuindo a indemnização monetária aferida pelo valor da moeda à data da sentença da primeira instância, não podia, sem se repetir, mandar acrescer a tal montante juros de mora desde a citação por força do nº. 3 do artigo 805º daquele diploma. Isto posto, reconduzindo-nos ao caso vertente, há que atentar no teor da motivação da sentença relativa ao cálculo do valor compensatório por danos patrimoniais não patrimoniais sofridos pela recorrida e confrontá-lo com o conteúdo do referido acórdão de fixação de jurisprudência. No âmbito dessa motivação, o tribunal a quo limitou-se a declarar que considerava suficiente e equitativa a atribuição aos Autores da compensação a que se referiu, sem qualquer alusão a actualização, e condenou a Recorrente no pagamento de juros de mora desde a data da sua citação para acção. Conforme se realça no citado acórdão do STJ, (…) “Uma decisão actualizadora da indemnização, em rigor, pressupõe que sobre algo já quantificado incida algum elemento ou índice de actualização, situação que se não reconduz necessariamente ao cálculo da indemnização com base no princípio de diferença de esfera patrimonial a que se reporta o nº. 2 do artigo 566º do Código Civil.” Ora, na sentença recorrida, nada se referiu quanto a qualquer decisão actualizadora à luz do nº. 2 do artigo 566º do Código Civil, nem à consideração até à sentença em análise dos índices da inflação, ou seja, da desvalorização da moeda no período compreendido entre ela e o evento danoso. Ao invés do que a Recorrente alegou, inexiste fundamento legal para concluir que o juiz da primeira instância procedeu à atualização da compensação por danos patrimoniais e não patrimoniais em causa, a que se reporta o mencionado acórdão de uniformização de jurisprudência. Com efeito, o tribunal a quo limitou-se a calcular a compensação à Recorrida pelos danos em apreço, à luz do artigo 496º, nº. 4, do Código Civil, sem qualquer operação de actualização. Considerando que o tribunal da primeira instância, no âmbito da sentença, não procedeu ao cálculo da compensação devida pela Recorrente à Recorrida por via de qualquer operação de actualização, e tendo condenado a aquela a pagar a esta juros moratórios à taxa legal desde a data da citação, limitou-se a cumprir o disposto nos artigos 805º, nº. 3, segunda parte, e 806º, nº. 1, ambos do Código Civil, de harmonia com o sentido interpretativo que lhes foi dado pelo mencionado acórdão de uniformização de jurisprudência. Por consequência, improcedem totalmente as alegações da apelação, devendo manter-se a sentença recorrida. * IV. DECISÃO Pelo exposto, acordam em julgar totalmente improcedentes os recursos principal e subordinado e, consequentemente, confirmar a douta sentença recorrida. Custas por Autores e Ré na proporção do decaimento – artigos 527º, ns. 1 e 2 do Código de Processo Civil. Registe e notifique. * Évora, 27.03.2025 Ana Pessoa Susana Cabral Filipe Osório
_________________________________ 1. Da exclusiva responsabilidade da relatora.↩︎ 2. Proferido no âmbito do processo n.º 3186/08.2TBVCT.G1.S1↩︎ 3. Proferido no processo n.º 65/17.6GTALQ.L1-5↩︎ 4. Proferido no processo n.º 62/10.2TBVZL.C1.S1↩︎ |