| Acórdão do Tribunal da Relação de  Évora | |||
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| Relator: | PAULA DO PAÇO | ||
| Descritores: | ESTAFETA PRESUNÇAO DE LABORALIDADE ARECT | ||
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| Data do Acordão: | 10/16/2025 | ||
| Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
| Texto Integral: | S | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA PARCIALMENTE A SENTENÇA RECORRIDA | ||
| Área Temática: | SOCIAL | ||
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| Sumário: | Sumário elaborado pela relatora: I. O artigo 12.º-A do Código do Trabalho estabelece uma presunção de laboralidade. A verificação de, pelo menos, duas das características discriminadas nas alíneas a) a e), do n.º 1 deste preceito legal é condição suficiente para operar o funcionamento da presunção. Trata-se de uma presunção juris tantum (artigo 350.º do Código Civil), cabendo à parte contrária demonstrar que, não obstante a verificação das circunstâncias apuradas, existem factos e contraindícios indicadores de autonomia, que sejam quantitativa e qualitativamente significativos para permitirem a descaracterização. II. É de qualificar como contrato de trabalho a relação contratual entre a GLOVOAPP PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA. e o estafeta quando se mostrem verificados cinco índices da presunção de laboralidade (alíneas a), b), c), e) e f) do aludido artigo 12.º-A) e a plataforma digital não logrou provar factos que pela quantidade e impressividade imponham concluir que se está perante outro tipo de relação jurídica, como lhe competia. | ||
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| Decisão Texto Integral: | P. 3893/23.0T8FAR.E2 Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1 I. Relatório O Ministério Público, Autor na ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho que intentou contra Glovoapp Portugal Unipessoal, Lda, veio interpor recurso da sentença proferida pelo Juízo do Trabalho de Faro – Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, que terminou com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, decide-se, julgar a ação improcedente por não provada e, consequentemente, absolve-se a R. GLOVOAPP PORTUGAL UNIPESSOAL, LDA. de tudo o peticionado.» Na sua petição inicial o Ministério Público tinha instaurado a ação especial contra a Ré pedindo o reconhecimento da existência de contrato de trabalho celebrado entre esta e seis trabalhadores: - AA; - BB (apenso A); - CC (apenso B); - DD (apenso C); - EE (apenso D); - FF (apenso E). Alegou, em súmula, que a Ré celebrou com cada uma das pessoas identificadas uma relação contratual para estas prestarem a atividade de estafeta, a qual contém os elementos caracterizadores de um contrato de trabalho, pelo que devem qualificar-se tais contratos como sendo de trabalho sem termo. Contestou a Ré, destacando-se, para o que ora interessa, que negou a qualificação contratual peticionada e refutou a aplicação do artigo 12.º-A do Código do Trabalho às relações contratuais iniciadas antes de 1 de maio de 2023. O processo (com os apensos) seguiu a tramitação que consta dos autos e para a qual se remete. - O Ministério Público apresentou alegações que terminam com as seguintes conclusões: «1 – A Ré “GLOVOAPP PORTUGAL UNIPESSOAL, LDA” através da internet, e de uma aplicação informática, recebe os pedidos dos utilizadores inscritos e organiza a forma de satisfazer esses pedidos, encaminhando-os para estabelecimentos comerciais aderentes e atribuindo o trabalho de entrega dos produtos pedidos a estafetas que se encontram registados na aplicação, organizando e controlando (ou podendo fazê-lo) esse trabalho de recolha, transporte entrega e do valor acordado com o parceiro comerciante, assim sendo uma plataforma digital nos termos do artigo supra referido. 2 - Os estafetas, como é o caso do AA (desde 1 de Agosto de 2023), do BB (desde Junho de 2023), do DD (desde Maio de 2023) e do EE (desde 19 de Junho de 2023), prestam para a RÉ “GLOVOAPP PORTUGAL UNIPESSOAL, LDA” a sua atividade, acima descrita, sob as suas ordens, direção e fiscalização pois: - a RÉ paga quinzenalmente através de transferência bancária, diretamente aos estafetas e estabelece limites máximos e mínimos para aquele. E isto mesmo com os “multiplicadores”, porque em última análise, é sempre a RÉ que determina também o limite máximo da retribuição determinando ela os limites e as condições dos tão propalados multiplicadores, o que integra a presunção da alínea a) do nº 1 do artigo 12º -A do Código do Trabalho (que não foi ilidida pela RÉ do modo que devia ter sido, como adiante veremos). 3 - Embora a presunção da existência do Contrato de Trabalho assente na verificação de determinados indícios expressamente previstos na Lei, possa ser ilidida pelo empregador mediante prova em contrário, essa prova tem de ser sustentada na realidade fáctica desenvolvida na empresa e não em meras hipóteses ou informações genéricas. Para ilidir a presunção não basta, , a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido (Contrato de Trabalho) devendo ser sustentada na realidade fáctica desenvolvida na empresa cabendo à empresa o ónus da prova dos concretos e reais factos (contraprova muito cabal) que consubstanciam esta ilisão (neste sentido Cfr. Ac. do TRP de 26-6-2013–-processo 2562/21.0T8VNG). 4- É a Ré que determina as regras específicas quanto à prestação da atividade por parte do estafeta, pois: 5 -Os termos e condições de utilização da plataforma foram e estão pré definidos pela RÉ; 6-A plataforma digital controla e supervisiona qualidade da atividade prestada nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica; 7- Como caraterística fundamental do vínculo laboral, a subordinação jurídica implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de subordinação do trabalhador cuja conduta pessoal na execução do contrato está necessariamente dependente de ordens regras ou orientações ditadas pelo empregador dentro do contrato e as normas que o regem, não se exigindo, contudo que elas sejam efetivamente dadas, bastando apenas que o possam ser, estando o trabalhador sujeito a recebê-las e a contrariá-las. 8 - E a atuação dos estafetas é controlada (ou pode ser) em tempo real através de GPS, ou seja, a localização exata do prestador de atividade é conhecida (ou pode ser a todo o momento facilmente conhecida) pela Plataforma RÉ através do sistema de geolocalização. O que integra as presunções estabelecida nas alíneas b) e c) do artigo 12º - A do Código do trabalho, também não devidamente ilididas pela Ré. 9 - A Plataforma Digital exerce poderes laborais sobre o prestador da atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através da conta: Apesar de sentença recorrida não reconhecer a existência de qualquer poder sancionatório da parte da Ré beneficiária da atividade, basta ler os termos do Contrato entre as partes celebrado para se concluir, pelo menos, que nada obsta à faculdade de a RÉ exercer um poder sancionatório em caso de eventual incumprimento das obrigações (ou do que a Ré entender que traduza esse incumprimento) do estafeta no seio da organização em que está inserido liderada pela RÉ, pelo que conceder a esta a possibilidade de retirar o acesso do estafeta à aplicação é conceder-lhe o poder de impedir o estafeta de receber novas propostas de entrega e consequentemente, deixar de exercer aquela atividade profissional. Ou seja, também a presunção prevista na alínea e) do artigo 12º-A do Código do Trabalho se mantém incólume por não ilidida 10- Os equipamentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação. A Ré é uma sociedade que, entre outras atividades, gere uma aplicação informática on line de prestação de serviços de entregas, para o efeito detém um software (GLOVOApp) que funciona como um espaço onde comerciantes e clientes se encontram, para assim venderem e comprarem os seus produtos. Assim, é inquestionável que a RÉ administra e organiza os serviços de recolha e entrega de mercadorias solicitadas pelos clientes, recorrendo aos estafetas, que preenchem os requisitos por si determinados para cumprir tal desiderato. Para tal a Ré, através da sua aplicação presta toda a informação necessária ao estafeta para cumprir a sua prestação, comunicando-lhe a identificação dos destinatários bem como o local de entrega e recolha dos produtos. Acresce que a aplicação dispõe de um sistema de navegação (GPS) que permite, não só distribuir o serviço das entregas pelos estafetas mais próximos, como acompanha ( ou pode acompanhar) o trajeto do estafeta desde a aceitação à entrega e permite aos clientes consultarem os tempos de espera e entrega das encomendas. Deste modo, resulta que a aplicação é “realmente” o instrumento de trabalho mais importante desta atividade, sem a qual esta intermediação entre comerciantes, clientes e estafetas não seria possível. Assim a aplicação é a infraestrutura indispensável ao desenvolvimento deste modelo de negócio sendo gerida exclusivamente pela RÉ. De referir ainda que os clientes que submetem os pedidos à aplicação, não são clientes dos estafetas, na medida em que nenhum relacionamento contratual é estabelecido entre o estafeta e o comerciante/vendedor e o cliente/adquirente. A infraestrutura essencial da atividade aqui em causa é a aplicação informática gerida pela Ré, sendo a propriedade do veículo, do telemóvel e da mochila térmica acessórias. A aplicação informática é um instrumento de trabalho e é o único essencial, pois sem aplicação informática não existe sequer relação entre os “estafetas” e o a plataforma digital e é o instrumento através do qual a plataforma organiza toda a atividade, incluindo a atividade dos “estafetas”. 11 - Nesse sentido, conforme explanado, foi entendido no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito do processo nº 4306/23.2T8VX datado de 5-12-2024 e disponível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido também foi entendido em vários arestos do Tribunal da Relação de Guimarães, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt, veja-se o Acórdão datado de 31-10-24, proferido no processo nº 2781/23.4T8VRL.G1 ou o Acórdão datado de 31-10-24 proferido no processo nº 2783/23.0T8VRL.G1. 12 - A sentença recorrida nesta matéria define os instrumentos de trabalho, considera a APP da GLOVO é um verdadeiro instrumento ou meio de produção. 13- A Mma Juiz “ a quo” na sentença recorrida conclui que a plataforma digital Ré explora a aplicação informática. 14- Sucede que na factualidade não provada na sentença recorrida a Mma Juiz entendeu que resultou não provado: - que a Ré exige que o sistema de geolocalização tenha que estar ligado após a aceitação do pedido e até à entrega do mesmo; - que a Ré controla, em tempo real, a forma como a entrega é realizada; - que as quantias recebidas da Ré, são a única fonte de rendimento dos estafetas;; e que a Ré fiscaliza a qualidade da prestação da atividade do estafeta mediante gestão algorítmica das avaliações realizadas pelos demais utilizadores. 15- Perante estes factos dados como não provados a Mma juiz “ a quo” só poderia ter tirado a conclusão de estar perante uma dúvida e considerar a presunção das alíneas do nº 1 do artigo 12º-A do Código do Trabalho, como não ilidida. 16 – Com efeito, embora a presunção da existência do Contrato de Trabalho assente na verificação de determinados indícios expressamente previstos na Lei, possa ser ilidida pelo empregador mediante prova em contrário, essa prova tem de ser sustentada na realidade fáctica desenvolvida na empresa e não em meras hipóteses ou informações genéricas. 17- Para ilidir a presunção não basta, pois, a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido (Contrato de Trabalho) devendo ser sustentada na realidade fáctica desenvolvida na empresa cabendo à empresa o ónus da prova dos concretos e reais factos (contraprova muito cabal) que consubstanciam esta ilisão (neste sentido Cfr. Ac. Do TRP de 26-6-2013 –-processo 2562/21.0T8VNG). 18 - Ou seja, quem quer ser reconhecido como trabalhador - cabe alegar e fazer a prova, pelo menos de dois, dos pressupostos de base de atuação da presunção, previstos; e provados tais pressupostos, há que presumir a existência de um contrato de trabalho, com a consequente inversão do ónus da Prova. 19 - MAS por via dessa inversão, caberá então ao empregador (neste caso à Ré plataforma digital) ilidir a presunção, através da prova do contrário (artigo 350º nº 2 do Código Civil) sendo que para isso não basta a (mera) contraprova destinada a tornar duvidoso o facto (já) presumido. Não chega. Tem de existir uma contra prova forte que não cause dúvidas. (neste sentido cfr. Ac. do TR do Porto de 14-2-2022- processo nº 416/20.GT8VLG). 20 – Assim, preenchidos os factos índices da presunção enumerados nas alíneas a),b),c) e f) do artigo 12º -A do Código do Trabalho, podemos concluir que, no caso, operou, a presunção de laboralidade plasmada naquele artigo por estarem verificados cinco dos fatores indiciários nele enunciados e que presumem a existência de um Contrato de Trabalho, sendo estes factos mais do que suficientes e bastantes, ao contrário do propugnado pelo tribunal “a quo”, para que se possa concluir pela existência de subordinação jurídica. 21 – Perante esta evidência cumpre aquilatar se a Ré ilidiu a presunção de laboralidade. 22 – Tal não acontece, no nosso ponto de vista, porque indícios como o horário de trabalho, a exclusividade e a assiduidade não se adequam a analisar o trabalho prestado no âmbito de uma Plataforma Digital. 23- Sintetizando, a Ré não se limita a ser um mero intermediário na prestação de serviços entre comerciantes e estafetas. 24- A Ré tem como fim a prestação de um serviço de recolhas e entregas, sendo a Ré que fixa o preço e as condições do pagamento do serviço, assim como as condições essenciais para a prestação do referido serviço. 25 – Os estafetas não dispõem de uma organização empresarial própria e autónoma, prestando a sua atividade enxertada na organização de trabalho da Ré, submetidos a à sua direção e organização, como demonstra o modo como a Ré estabelece os preços dos serviços de entrega. 26 – Os estafetas não negoceiam preços ou condições do serviço com os proprietários dos estabelecimentos onde efetua a recolha dos produtos, nem recebe a retribuição dos clientes finais. 27 – A prestação de trabalho dos estafetas está sujeita a uma organização do trabalho que determinada pela Ré, que estabeleceu meios de controle do processo produtivo em tempo real que operam sobre a atividade e não apenas sobre o resultado final, mediante a gestão algorítmica do serviço e a possibilidade de conhecer constantemente a geolocalização dos estafetas, o que evidencia a ocorrência do requisito da dependência e subordinação jurídica própria da relação laboral. 28 - Assim entendemos, com o devido respeito, que a decisão recorrida viola normas e princípios jurídicos que regem a matéria em análise, designadamente artigo 11º e 12º-A do Código do Trabalho. PELO EXPOSTO, deve a douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo” ser revogada e substituída por outra, ou por Douto Acórdão, que declare a existência de um Contrato de Trabalho entre a Ré “GLOVOAPP PORTUGAL UNIPESSOAL, LDA” e os estafetas AA (desde 1 de Agosto de 2023), BB (desde Junho de 2023), DD (desde Maio de 2023) e EE (desde 19 de Junho de 2023).» - Contra-alegou a Ré, com ampliação do objeto do recurso interposto, tendo, a final, concluído: «A. O Autor Recorrente, nas suas alegações, não impugnando a matéria de facto provada e não provada, concluiu pelo preenchimento das alíneas a), b), c), e) e f) do referido artigo 12.º-A do Código do Trabalho, em relação apenas a 4 dos 6 estafetas objeto dos presentes autos (AA, BB, DD e EE), no que não se concede, sendo que não recorre quanto aos estafetas CC e FF. B. O Tribunal a quo embora tenha decidido pela verificação de algumas das características previstas no artigo 12.º-A n.º 1, em relação ao estafeta em questão, concluiu que a Recorrida ilidiu qualquer possível presunção de existência de contrato de trabalho. Da impugnação da matéria de facto C. Por resultarem da prova documental (registos do Instituto Segurança Social, I.P. e da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), juntos aos autos a 19.03.2025 e documentos 5, 6, 9, 10, 18, 19, 22 e 23 do requerimento junto pela Ré a 14.02.2025), que os estafetas prestam serviços com total autonomia, prestando serviços apenas quando assim entende, rejeitando livremente serviços, tendo ainda várias outras atividades, devem ser aditados à matéria de facto provada os seguintes factos, referentes aos vários estafetas: AA: 1. “AA além da atividade de estafeta através da plataforma gerida pela Recorrida, presta ainda atividade como trabalhador por conta de outrem para a empresa BRIGHTOPTIONS LDA., prestando ainda serviços como TVDE.” 2. “AA, não prestou quaisquer serviços através da plataforma gerida pela Recorrida, nomeadamente, 4 dias seguidos entre 03.06.2024 e 06.06.2024, inclusive; 5 dias seguidos entre 10.06.2024 e 14.06.2024, inclusive; 6 dias seguidos entre 16.06.2024 e 21.06.2024, inclusive; 5 dias seguidos entre 24.06.2024 e 28.06.2024, inclusive; 6 dias seguidos entre 30.06.2024 e 05.07.2024, inclusive; 1 dia a 07.07.2024; 3 dias seguidos entre 09.07.2024 e 11.07.2024, inclusive; 2 dias seguidos entre 17.07.2024 e 18.07.2024, inclusive.” 3. “AA recusou, no ano de 2023, 137 serviços antes de aceitar e 78 depois de aceitar, no mês de outubro; 43 serviços antes de aceitar e 16 depois de aceitar, no mês de novembro; 35 serviços antes de aceitar e 9 depois de aceitar, no mês de dezembro; e no ano de 2024, 20 serviços antes de aceitar e 9 depois de aceitar, no mês de janeiro; 29 serviço antes de aceitar e 14 depois de aceitar, no mês de fevereiro; 43 serviço antes de aceitar e 22 depois de aceitar, no mês de março; 27 serviços antes de aceitar e 3 depois de aceitar, no mês de abril; 5 serviço antes de aceitar e 7 depois de aceitar, no mês de maio; 17 serviço antes de aceitar e 16 depois de aceitar, no mês de junho; 59 serviço antes de aceitar e 44 depois de aceitar, no mês de julho.” BB: 4. “BB além da atividade de estafeta através da plataforma gerida pela Recorrida, presta ainda atividade como trabalhador por conta de outrem para a empresa AREAS PORTUGAL RESTAURAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO S.A., e para a empresa ALDI RETAIL, UNIPESSOAL LDA.” 5. “BB, não prestou quaisquer serviços através da plataforma gerida pela Recorrida, nomeadamente, 4 dias seguidos entre 31.01.2024 e 03.02.2024, inclusive; 21 dias seguidos entre 07.02.2024 e 27.02.2024, inclusive; 47 dias seguidos entre 05.03.2024 e 20.04.2024, inclusive; 4 dias seguidos entre 07.05.2024 e 10.05.2024, inclusive; 21 dias seguidos entre 12.05.2024 e 01.06.2024, inclusive; 47 dias seguidos entre 03.06.2024 e 19.07.2024, inclusive.” 6. “BB recusou, no ano de 2023, prestar 7 serviços antes de aceitar e 5 depois de aceitar, no mês de julho; 18 serviços antes de aceitar e 9 depois de aceitar, no mês de agosto; 6 serviços antes de aceitar e 9 depois de aceitar, no mês de setembro; 13 serviços antes de aceitar e 8 depois de aceitar, no mês de outubro; 11 serviços antes de aceitar e 4 depois de aceitar, no mês de novembro; 3 serviços antes de aceitar e 4 depois de aceitar, no mês de dezembro; e no ano de 2024, 4 serviços antes de aceitar e 1 depois de aceitar, no mês de janeiro; 1 serviço antes de aceitar e 2 depois de aceitar, no mês de fevereiro; 1 serviço antes de aceitar e 2 depois de aceitar, no mês de março; 5 serviços antes de aceitar, no mês de abril; 1 serviço antes de aceitar e 1 depois de aceitar, no mês de julho.” DD: 7. “DD além da atividade de estafeta através da plataforma gerida pela Recorrida, presta ainda atividade como trabalhador por conta de outrem para a empresa - GEPROCEA I - SERVIÇOS DE ENGENHARIA, LDA.; - A SOLUÇÃO - EMPRESA DE TRABALHO TEMPORÁRIO LDA; e para a empresa PIHU FARM, UNIPESSOAL LDA; - SUSTAINERA UNIPESSOAL LDA..” 8. “DD, não prestou quaisquer serviços através da plataforma gerida pela Recorrida, nomeadamente, 165 dias seguidos entre 09.07.2024 e 20.12.2024, inclusive.” 9. “DD recusou, no ano de 2023, 4 serviços antes de aceitar e 6 depois de aceitar, no mês de agosto; 42 serviços antes de aceitar e 17 depois de aceitar, no mês de setembro; 54 serviços antes de aceitar e 23 depois de aceitar, no mês de outubro; 21 serviços antes de aceitar e 6 depois de aceitar, no mês de novembro; 11 serviços antes de aceitar e 11 depois de aceitar, no mês de dezembro; e no ano de 2024, 16 serviços antes de aceitar e 8 depois de aceitar, no mês de janeiro; 21 serviço antes de aceitar e 4 depois de aceitar, no mês de fevereiro; 25 serviço antes de aceitar e 10 depois de aceitar, no mês de março; 26 serviços antes de aceitar e 10 depois de aceitar, no mês de abril; 27 serviços antes de aceitar e 12 depois de aceitar, no mês de maio; 68 serviços antes de aceitar e 35 depois de aceitar, no mês de junho e 14 serviços antes de aceitar e 5 depois de aceitar, no mês de julho.” EE: 10. “EE além da atividade de estafeta através da plataforma gerida pela Recorrida, prestou ainda atividade, em 2019, como trabalhador por conta de outrem para a empresa LAMISION - SOCIEDADE DE TRANSPORTES LDA; CARISMA AO RUBRO UNIPESSOAL LDA; PELOTÃO DINAMICO LDA.; BARIGUI - IMPORT & EXPORT UNIPESSOAL LDA.; Em 2020, MOVEWORLD TRANSPORTES UNIPESSOAL LDA; LAMISION - SOCIEDADE DE TRANSPORTES LDA; Em 2021, MOVEWORLD TRANSPORTES UNIPESSOAL LDA; em 2022 BRITES & BRITES - TRANSPORTES DE ALUGUER UNIPESSOAL LDA; em 2023, GENIALGRAMMAR - UNIPESSOAL, LDA; MANPOWER PORTUGAL - EMPRESA DE TRABALHO TEMPORARIO S A e J...V..., UNipessoal., prestando ainda atividade com TVDE. 11. “EE, não prestou quaisquer serviços através da plataforma gerida pela Recorrida, nomeadamente, 122 dias seguidos entre 24.02.2023 e 25.06.2023, inclusive.” 12. “EE recusou, no ano de 2023, 32 serviços antes de aceitar e 22 depois de aceitar, no mês de julho; 50 serviços antes de aceitar e 26 depois de aceitar, no mês de agosto; 5 serviços antes de aceitar e 4 depois de aceitar, no mês de setembro; 50 serviços antes de aceitar e 15 depois de aceitar, no mês de outubro.” Do não preenchimento das características para presumir a existência de contrato de trabalho – artigo 12.º-A do Código do Trabalho D. Dos pontos (K), L), CC), DD), UU), BBB), EEE), FFF), HHH), III), PPP), JJJ), MMM), NNN), OOO), PPP), QQQ), SSS), TTT), UUU), VVV) e WWW)) da matéria de facto provada da sentença e ponto C) da matéria de facto não provada, não se pode concluir que a plataforma digital fixe a retribuição para o trabalho efetuado ou estabeleça limites máximos e mínimos para aquela, porquanto o preço do serviço depende de inúmeros fatores, alguns dos quais da exclusiva eleição do prestador de atividade, não havendo mínimos nem máximos. E. Portanto, se o preço do serviço varia em função das características de cada entrega, isto é, em função, nomeadamente das distâncias e se o estafeta que tem liberdade para decidir onde é que aguarda pedidos, constata-se que o próprio tem intervenção na definição dessas distâncias. F. É o Estafeta que decide se pretende ligar-se em horas de maior procura e em que cobra mais pelos seus serviços, ou em horas que têm menor procura e em que cobra menos. G. Quanto ao tempo em que que se pretende manter ligado, tal também é definido pelo prestador da atividade, que, consequentemente, define o número de pedidos que recebe. H. O multiplicador é de uso e determinação exclusiva por parte dos estafetas que o usaram. I. Se ainda assim existir algo que não lhe agrade ou não seja do seu interesse, sem ter que justificar à Recorrida, os prestadores de atividade podem recusar, sem quaisquer penalizações e podem fazê-lo, inclusivamente, depois de, inicialmente, terem aceite prestar esse serviço, o que fizeram todos os estafetas. J. Os estafetas não têm qualquer obrigatoriedade de aceitar um mínimo, nem um máximo, de serviços a executar, podendo ignorar ou rejeitar, livremente, serviços, sem qualquer consequência, inclusive depois de os ter aceite. K. Os utilizadores estafetas recebem apenas em função do número de pedidos/entregas realizados, ou seja, pela conclusão de uma determinada tarefa, individualmente considerada, não recebendo qualquer valor por disponibilidade, ou pelo tempo que está a aguardar pela proposta de serviços. L. Pelo exposto, não se pode considerar preenchida a característica prevista no artigo 12.º-A, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho. M. Da matéria de facto provada (PP), UU), VV), XX), BBB), DDD), EEE), FFF,) HHH), III), JJJ), KKK), LLL), SSS), TTT), UUU), VVV), WWW), AAAA)) e não provada (A), B) e D)), resulta que inexistem regras de conformação da prestação da atividade, conforme dispõe o recente Acórdão do Tribunal da relação de Lisboa, processo n.º 28891/23.0T8LSB.L1, de 12.02.2025. N. Os requisitos de inscrição e utilização da plataforma não podem ser confundidos com regras quanto à prestação da atividade de estafeta. O. Qualquer aplicação digital, seja plataforma de intermediação ou não, tem as suas condições e procedimentos de utilização, o que é totalmente distinto de estabelecer regras específicas como a atividade de estafeta tem de ser exercida. P. Caso contrário, a utilização da plataforma seria, por si só, um critério indiciário, o que não tem correspondência com a Lei. Q. A Recorrente não organiza a atividade dos estafetas, pois nem sequer sabe, de antemão, quem é que vai estar ou não disposto a realizar serviços. R. Os prestadores de atividade são livres de determinar como, onde e quando exercem a sua atividade. S. Foram os prestadores de atividade que escolheram exercer serviços de estafeta numa determinada zona, podendo alterá-la, quando quiser. T. Em nenhum momento a Recorrida impôs aos estafetas qual o veículo a utilizar na atividade de estafeta. U. Um estafeta, se quiser fazer serviços de estafeta, sem ser através de ofertas apresentadas através da aplicação da Recorrida, é totalmente livre de fazê-lo. V. Os estafetas têm acesso ao estabelecimento comercial e ao nome do cliente, pelo que se não quiser efetuar essa entrega, podem recusá-la, sem qualquer consequência ou penalização. W. Além disso, os prestadores da atividade têm total liberdade para se ligar ou desligar, não tendo de cumprir qualquer horário predefinido, nem tendo de cumprir qualquer limite mínimo de tempo de disponibilidade. X. Resulta provado que a plataforma não impõe, nem sugere uma determinada rota aos prestadores da atividade e que os estafetas podem desligar a geolocalização a partir do momento em que aceite um serviço, logo, não há controlo. Y. Em suma, do acervo factual constante da sentença conclui-se que: i. A Recorrida não exerce poder de direção sobre o estafeta e fiscalização, nem dá ordens ao estafeta; ii. A Recorrida não determina regras específicas quanto à prestação da atividade por parte do estafeta; iii. A Recorrida não controla nem supervisiona a atividade do estafeta; Z. Ora, concluir que um estafeta é subordinado da Recorrida e que executa a atividade no âmbito da organização é uma conclusão impossível, pois se o estafeta pode não prestar atividade quando quer, sem necessidade de pré-aviso e sem sofrer qualquer sanção, nunca poderia a Recorrida organizar, nem determinar o exercício de atividade pelo estafeta. Em suma, o estafeta não deve qualquer obediência à Ré! AA. Fica assim claro que os estafetas são livres e autónomos na execução dos serviços que entendam prestar, não se verificando preenchida a característica prevista no artigo 12.º-A, n.º 1 al. b) do Código do Trabalho e que a plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, não se verificando preenchida a característica prevista no artigo 12.º-A, n.º 1 al. c) do Código do Trabalho. BB. Não resulta da matéria de facto provada que a plataforma exerça qualquer poder disciplinar sobre o prestador de atividade mediante a exclusão da possibilidade de realização de futuras atividades na plataforma através de suspensão ou desativação da conta. CC. Importa concluir que inexistiu qualquer facto provado que a Recorrida tivesse aplicado aos estafetas qualquer sanção ou exclusão. DD. Nem as contas dos estafetas esteve ou estava desativada / bloqueada /suspensa. EE. Aliás, nem mesmo quando os prestadores de atividade rejeitaram vários serviços e/ou não prestaram quaisquer serviços através da plataforma gerida pela Recorrida (permanecendo offline), tal resultou em qualquer penalização para nenhum dos estafetas, o que é reflexo da inexistência de controlo, supervisão e exercício de poder disciplinar por parte da Recorrida. FF. Conclui-se, assim, que também este critério (artigo 12.º-A n.º 1 al. e) do Código do Trabalho) não se verifica. GG. Os prestadores de atividade, caso pretendam efetuar os serviços, é que decidem quais os meios de transporte que vão utilizar, assim como a respetiva rota. HH. Resulta dos factos provados da sentença que o veículo, o telemóvel e a mochila para transporte dos bens tinham são da propriedade do estafeta, os quais suportam os respetivos custos de reparação. II. O Recorrente entende que a plataforma digital (ou a aplicação informática, se assim se quiser) é fundamental para prestar serviços propostos através da aplicação da Recorrida, mas também o são, o veículo, o telemóvel e a mochila de transporte dos bens. JJ. Por seu turno, resultou provado que os prestadores de atividade não são obrigados a utilizar uniforme identificativo da Recorrida. KK. Resulta do acórdão do STJ, de 11.11.2020, processo n.º 2609/19.0T8OAZ.P1.S1, relator José Feteira, com voto de conformidade dos Exmos. Conselheiros Adjuntos, António Leones Dantas e Júlio Manuel Vieira Gomes, que, apesar de uma enfermeira cumprir serviços numa unidade de cuidados continuados, com um horário determinado pela beneficiária da atividade, aos utentes dessa unidade de cuidados continuados, utilizando os instrumentos de trabalho facultados pela unidade de cuidados continuados, onde se inclui o respetivo sistema informático, usando ainda um dístico identificativo com o brasão da Misericórdia, portanto, no âmbito da organização da atividade desta e com recurso aos respetivos instrumentos de trabalho, entendeu que não se estava perante um contrato de trabalho. LL. Por seu turno, e sem prejuízo do que antecede, a plataforma digital não consubstancia um instrumento de trabalho, não podendo, simultaneamente, ser a organização, como pretende o Recorrente, e o instrumento de trabalho. MM. Assim, pelo exposto, é forçoso concluir que não está verificado este critério (artigo 12.º-A n.º 1 al. f) do Código do Trabalho). NN. Além de tal, resultou ainda provado que os estafetas, na execução da atividade, têm liberdade para:  Definir onde, quando e por quanto tempo, pretendem ligar-se à aplicação tecnológica da Recorrida, não tendo qualquer compromisso, mínimo que fosse, de regularidade, pontualidade ou assiduidade na prestação de atividade, podendo não se ligar à Plataforma durante semanas ou meses, sem que daí resulte qualquer represália ou penalização;  Quando decidir estar ligado, decide se aceita ou se rejeita pedidos de entrega solicitados por utilizadores clientes registados na plataforma da Recorrida, sendo que pode rejeitar todos os pedidos que lhe sejam oferecidos, mesmo após ter aceite os mesmos, sem que daí resulte qualquer represália ou penalização;  Escolher a área e a localidade em que presta serviços de estafeta podendo mudar de áreas e de localidade quando entender;  Desligar a geolocalização do telemóvel, após aceitar o serviço na aplicação, não recebe quaisquer instruções da Recorrida sobre a forma de efetuar a entrega, sendo livre de escolher o meio de transporte, o percurso e definir os seus critérios de eficiência e produtividade;  Escolher os instrumentos utilizados na sua atividade, que são da sua propriedade, mantidos e escolhidos por si;  Definir o preço e os rendimentos que pretende auferir pelos serviços a prestar, não apenas pelo multiplicador que escolhe, mas também pelo facto de poder rejeitar ou aceitar os serviços que não pretende ou pretende realizar;  Subcontratar terceiros para utilizar a sua conta registada na Recorrida;  Prestar atividade de estafeta, nomeadamente para outras plataformas, ou qualquer outra atividade para terceiros, sem qualquer necessidade de informação prévia ou autorização da Recorrida. OO. Em suma, do acervo factual constante da sentença conclui-se que: i. A Recorrida não exerce poder de direção sobre o estafeta e fiscalização, nem dá ordens ao estafeta ii. A Recorrida não determina regras específica quanto à prestação da atividade por parte do estafeta; iii. A Recorrida não controla nem supervisiona a atividade do estafeta; iv. A Recorrida não exerce o poder disciplinar sobre o prestador de atividade. PP. Não se pode aceitar a conclusão constante do Recorrente que os prestadores de atividade atuam na organização da Recorrida, porque se o fizessem, necessariamente que a plataforma teria que ter o poder de determinar aos estafetas, nomeadamente: i. O horário de trabalho; ii. A obrigação de realizar todas as entregas que lhes fossem apresentadas; iii. Quais as rotas a seguir; iv. Quais os veículos a utilizar; v. O tempo mínimo e máximo para realizar uma determinada entrega; vi. Objetivos mínimos de número de entregas por hora, por dia ou por mês; vii. Quem é que substituiria o estafeta; viii. Impossibilidade de prestar atividade semelhante através de plataformas concorrentes e/ou diretamente para estabelecimentos ou particulares. QQ. Caso procedesse o recurso do Recorrente, o que não se concede e por dever de patrocínio se teoriza, violaria frontalmente o acórdão do TJUE, de 22 de abril de 2020, proferido no processo Yodel Delivery Network, que apreciou a discricionariedade do prestador de atividade para efeitos de qualificação do seu contrato, sendo objeto deste processo a contabilização do tempo de trabalho dos prestadores de atividade por poderem exercer atividade ou prestar serviços simultaneamente para outras entidades. RR. Em face do exposto, deve improceder o Recurso do Recorrente, por: i. Não se verificarem preenchidas, pelo menos, duas características constantes do n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho; ii. Resultar da matéria de facto provada que a relação entre o prestador de atividade e a Recorrente consubstancia um contrato de prestação de serviços e não de contrato de trabalho. Termos em que: Deve o recurso do Recorrente ser considerado improcedente por: (a) Não se verificarem preenchidas, pelo menos, duas características constantes do n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho; (b) Resultar da matéria de facto provada que a relação entre os prestadores de atividade e a Recorrente consubstancia um contrato de prestação de serviços e não de contrato de trabalho. Em consequência, deve manter-se a douta sentença recorrida, sem prejuízo da ampliação do objeto do recurso efetuado pela Recorrida, a qual deve ser procedente.» 2 - A 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. - O processo subiu ao Tribunal da Relação e o recurso foi mantido. Não tendo o projeto de acórdão apresentado pelo Relator inicial obtido vencimento, nos termos previstos pelo n.º 3 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, foram os autos conclusos à 1.ª Adjunta para elaboração de acórdão. Cumpre apreciar e decidir. * II. Objeto do Recurso É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho). Em função destas premissas, as questões em debate são as seguintes: Recurso de apelação: - Saber se se verificam também preenchidas as alíneas e) e f) do artigo 12.º-A do Código do Trabalho e se a Ré não conseguiu ilidir a presunção de contrato de trabalho prevista neste preceito legal. No âmbito da ampliação do recurso: - Saber se há fundamento para aditar a factualidade reclamada pela recorrida na impugnação da decisão de facto deduzida. * III. Matéria de Facto A 1.ª instância julgou provados os seguintes factos: A) A Glovoapp Portugal Unipessoal, Lda., com atividade (CAE): Outras atividades relacionadas com as tecnologias da informação e informática (62090) e comércio a retalho por correspondência ou via internet (47910), presta serviços à distância através de meios eletrónicos, nomeadamente através do sítio da internet www.glovoapp.com ou da aplicação informática “GlovoApp”, a pedido de utilizadores; B) A Glovoapp Portugal Unipessoal, Lda., tem como objeto social: o desenvolvimento e exploração de uma plataforma tecnológica, comércio a retalho por via eletrónica, comércio não especializado de produtos alimentares e não alimentares, bebidas e tabaco e, de um modo geral, de todos os produtos de grande consumo, comercialização de medicamentos não sujeitos a receita médica, produtos de dermocosmética e de alimentos para animais, a importação de quaisquer produtos, o comércio de refeições prontas a levar para casa e a distribuição ao domicílio de produtos alimentares e não alimentares, entre outros, tendo como gerente GG, contribuinte nº...., residente em ...; C) Em Ação Inspetiva realizada pela ACT à requerida, no dia 27-9-2023 pelas 19 h e 10m à requerida no Centro Comercial MAR SHOPPING sito na Avenida do Algarve, Complexo Industrial IKEA, 8135-185 em Loulé (mais precisamente no restaurante McDonad´s), foi verificado que AA com o passaporte nº ..., com o NIF: ..., com o NISS: ..., nascido em ...-...-1987, com a nacionalidade Paquistanesa, residente na ..., com o correio eletrónico ... e como telemóvel nº ... se encontrava a aguardar pela atribuição e distribuição de pedidos através da APP da requerida; D) Encontrava-se a aguardar a preparação de pedido que tinha aceitado através da Aplicação “Glovoapp”; E) O AA exerce a atividade de estafeta na recolha e entrega de refeições a clientes na área de Loulé, Faro e Olhão, conforme pedidos efetuados na APP da requerida, os quais são distribuídos através de uma aplicação informática (App Glovo), na qual o portador se encontra registado com o correio eletrónico ... desde 1 de Agosto de 2023 e à qual acede através do seu telemóvel; F) Da atividade prestada pelo AA são emitidos recibos através do Portal das Finanças, tendo por emissor o próprio em nome da requerida “Glovoapp Portugal Unipessoal, Lda”; G) O trabalhador não declarou início de atividade no serviço de Finanças; H) A requerida não efetua descontos para a Segurança Social; I) Em serviço de inspeção realizado pela ACT, no passado dia 27/09/2023, no local sito no centro comercial Fórum Algarve, E.N.125 Km 103, Faro, foi identificado o prestador da atividade, BB, com o NIF ... e CC nº...., com residência na ..., que se encontrava a aguardar pela atribuição/distribuição de pedidos através da app da Glovo, para de seguida transportar e entregar na morada indicada na GlovoApp; J) O prestador de atividade BB consta registado na aplicação “GlovoApp” com o correio eletrónico ..., desde junho de 2023, à qual acede a partir do seu telemóvel; K) BB iniciou a prestação da atividade no junho 2023; L) Apresenta registo ativo como trabalhador independente, no sistema de informação da Segurança Social, com data de início em 1/06/2023; M) A requerida não efetua os competentes descontos para a Segurança Social; N) Nem o incluí na cobertura de apólice de seguro de acidentes de trabalho; O) Em serviço de inspeção realizado pela ACT, no passado dia 11/08/2023, no local denominado McDonal’s da Baixa de Faro, na Rua Conselheiro Bívar, nºs. 23 a 27, Faro, foi identificado o prestador da atividade, CC, com o NIF ... e Título de Residência nº...., nacional do Bangladeche, com residência na ..., que se encontrava a aguardar pela atribuição/distribuição de pedidos através da app da Glovo, para de seguida transportar e entregar na morada indicada na GlovoApp; P) O prestador de atividade CC consta registado na aplicação “GlovoApp” com o correio eletrónico ..., desde 20 junho de 2022, à qual acede a partir do seu telemóvel. O trabalhador CC iniciou a prestação da atividade em 20 junho 2022; Q) Apresenta registo ativo como trabalhador independente, no sistema de informação da Segurança Social, com data de início em 21/12/2021; R) A requerida não efetua os competentes descontos para a Segurança Social; S) Nem o incluí na cobertura de apólice de seguro de acidentes de trabalho; T) Em Ação Inspetiva realizada pela ACT, no dia 20-9-2023 pelas 12 h e 30 à requerida no local sito na área de restauração do centro comercial Fórum Algarve EN 125 km103, em Faro, foi verificado que o seu prestador de trabalho DD com ºPassaporte nº ...,m com o NIF: ..., nascido em ...-...-1989, de nacionalidade indiana, residente na ..., com o com o correio eletrónico ... e com o telemóvel nº..., Nessa ocasião DD , encontrava-se a aguardar pela atribuição e distribuição de pedidos através da APP da requerida; U) Encontrava-se a aguardar a preparação de pedido que tinha aceitado através da Aplicação “Glovoapp”; V) O DD exerce a atividade de estafeta na recolha e entrega de refeições a clientes na área de Faro, conforme pedidos efetuados na APP da requerida, os quais são distribuídos através de uma aplicação informática (App Glovo), na qual o portador se encontra registado com o correio eletrónico ... desde Maio de 2023 e à qual acede através do seu telemóvel; W) Da atividade prestada pelo DD são emitidos recibos através do Portal das Finanças, tendo por emissor o próprio em nome da requerida “Glovoapp Portugal Unipessoal, Lda”; X) Não foi comunicada pela demandada à Segurança Social a admissão do trabalhador nos termos legais; Y) O trabalhador não declarou início de atividade no serviço de Finanças; Z) A requerida não efetua descontos para a Segurança Social; AA) Em serviço de inspeção realizado pela ACT, nos passados dias 24/08/2023, no local sito no ponto de recolha do restaurante Mc Donald’s, Rua do Norte, 8, 8900-265 Vila Real de Sto. António, foi identificado o prestador da atividade, EE, com o NIF ... e Título de Residência ..., de nacionalidade brasileira, com residência na ..., que se encontrava a efetuar a recolha dum pedido ao balcão do restaurante “McDonald’s”, para de seguida transportar e entregar na morada indicada na GlovoApp; BB) O prestador de atividade EE consta registado na aplicação “GlovoApp” com o correio eletrónico ..., desde 19 de junho de 2023, à qual acede a partir do seu telemóvel; CC) O trabalhador EE iniciou a prestação da atividade em 19 junho 2023; DD) Apresenta registo ativo como trabalhador independente, no sistema de informação da Segurança Social, com data de início em 1/02/2023; EE) A requerida não efetua os competentes descontos para a Segurança Social; FF) Nem o incluí na cobertura de apólice de seguro de acidentes de trabalho; GG) Em serviço de inspeção realizado pela ACT, no passado dia 27.09.2023, no local sito no ponto de recolha do restaurante Mc Donald’s, Rua do Norte, 8, 8900-265 Vila Real de Sto. António, foi identificado o prestador da atividade, FF, com o NIF ... e Passaporte nº. ..., de nacionalidade brasileira, com residência na ..., que se encontrava a efetuar a recolha dum pedido ao balcão do restaurante “McDonald’s”, para de seguida transportar e entregar na morada indicada na GlovoApp; HH) O prestador de atividade FF consta registado na aplicação “GlovoApp” com o correio eletrónico ..., desde 28 de agosto de 2022, à qual acede a partir do seu telemóvel; II) O trabalhador FF iniciou a prestação da atividade em 28 agosto 2022; JJ) Apresenta registo ativo como trabalhador independente, no sistema de informação da Segurança Social, com data de início em 20/12/2021; KK) A requerida não efetua os competentes descontos para a Segurança Social; LL) Nem o incluí na cobertura de apólice de seguro de acidentes de trabalho; MM) A aplicação informática Glovoapp tem três tipos de utilizadores: os estabelecimentos comerciais aderentes, os utilizadores clientes finais aderentes e os utilizadores estafetas aderentes; NN) Os estabelecimentos comerciais aderentes, através da app, oferecem os seus produtos a clientes (utilizadores finais) finais; OO) Os utilizadores clientes finais aderentes, através da app, acedem aos produtos publicitados para venda pelos comerciantes, adquirindo-os e, quando assim o entenderem, aos serviços de entrega prestados pelos utilizadores estafetas registados na mesma; PP) Uma vez solicitada a entrega do produto adquirido pelo utilizador cliente final, caso tenha sido solicitada a entrega por estafeta, a plataforma distribui a proposta de entrega aos utilizadores estafetas registados na aplicação que, após aceitação, procedem à recolha do mesmo junto do estabelecimento comercial e realizam o transporte e a entrega do produto ao cliente final; QQ) Os estabelecimentos comerciais aderentes à plataforma podem optar por recorrer aos seus próprios serviços de entrega; RR) Os utilizadores clientes finais aderentes podem optar pela função take-away; SS) Os comerciantes e os utilizadores clientes finais aderentes pagam à R. uma taxa de acesso e utilização da plataforma; TT) Os estafetas pagam à R. uma taxa de acesso e utilização da plataforma no valor quinzenal de € 1,85 sempre que, em tal período, tenham aceitado propostas de entrega; UU) Aquando do registo na APP todos os cidadãos supra referidos escolheram a área geográfica onde pretendiam realizar a atividade; VV) Querendo alterá-la, após comunicação à R., podiam-no fazer; WW) Aquando do registo os estafetas comprometeram-se, no caso de transporte de alimentos e em conformidade com a regulamentação aplicável a este respeito, a transportá-los em meios de transporte e recipientes adequados para os mesmos; XX) Desde aquelas datas os estafetas passaram a proceder à recolha e entrega de produtos vendidos por comerciantes utilizadores da Glovoapp a clientes também utilizadores da mesma e que por essa via os tenham adquirido com solicitação de entrega, sempre na área geográfica que na “Glovoapp” tinham indicado; YY) A recolha e entrega dos produtos pelos estafetas é precedida de acesso à “Glovoapp”, instalada nos respetivos telemóveis, para o que nela e no seu perfil de conta efetuam Login e, quando pedido, reconhecimento facial; ZZ) O perfil da conta dos estafetas tem que estar atualizado com uma fotografia dos mesmos; AAA) O reconhecimento facial visa acautelar que a conta possa ser usada por quem não é o titular da mesma; BBB) Após acesso à app os estafetas recebem informação de pedidos de recolha/entrega de produtos solicitados na área geográfica escolhida, com indicação do local de recolha (estabelecimento aderente da plataforma), do local de entrega (morada do cliente final também aderente da plataforma, sem número de porta) e valor da entrega; CCC) Sem o registo e login na Glovoapp os estafetas não acedem aos pedidos dos clientes realizados através da mesma; DDD) E para poderem receber os pedidos de recolha/entrega os estafetas têm que ter a geolocalização (GPS) do respetivo telemóvel ligada; EEE) Os estafetas podem recusar, aceitar ou ignorar os pedidos apresentados, bem assim, já depois de aceitarem, cancelarem, sem que tal afete a distribuição futura de pedidos ou o preço destes; FFF) Após aceitação do pedido o estafeta, através da app, é informado do preço do serviço, do mapa com os pontos de recolha e entrega assinalados, da morada e informações de contacto do comerciante, estimativa de tempo de espera no ponto de recolha, nome e morada completa do utilizador cliente, distância estimada, detalhes do pagamento, lista de artigos do pedido e valor do mesmo; GGG) À direita da morada da entrega consta ícone, com figura de seta que se acionado direciona para o sistema de GPS do telemóvel previamente escolhido pelo estafeta através do qual o mesmo acede a sugestão de rota entre o ponto de recolha e o de entrega; HHH) O estafeta é livre de acionar o referido ícone, bem como de seguir ou não a rota sugerida pelo GPS instalado no seu telemóvel, podendo escolher o percurso que melhor lhe convier; III) Após a aceitação do pedido e até à entrega os estafetas podem desligar a geolocalização, sem quaisquer implicações na entrega; JJJ) Após as indicações referidas, a R. não transmite aos estafetas quaisquer outras a respeito da forma e modo de efetuar a entrega; KKK) O veículo, telemóvel e mochila térmica (necessária para o transporte de alimentos) usados pelos estafeta são dos mesmos; LLL) Os estafetas são livre de escolher o meio de transporte que usam para executar a entrega (carro, mota, bicicleta), bem assim a mochila térmica que usam; MMM) O preço do serviço apresentado ao estafeta é composto por um valor base, compensação pela distância entre o local de recolha e de entrega, compensação pelo tempo de espera na recolha do bem, eventuais promoções em decorrência de condições adversas ou aumento de procura (em valores determinados pela R.) e multiplicador; NNN) Uma vez por dia os estafetas podem selecionar e alterar o multiplicador para valores compreendidos entre 1.0 e 1.10; OOO) Tal alteração permite aumentar o valor total do preço a receber; PPP) O tempo de espera por distribuição de pedidos até à aceitação dos mesmos não é pago; QQQ) Quinzenalmente, por transferência bancária, a R. paga aos estafetas quantia correspondente aos valores pagos pelos comerciantes utilizadores e clientes finais utilizadores correspondentes às entregas efetuadas, bem assim eventuais gorjetas que aos mesmos possam por aqueles ter sido pagas; RRR) Mediante autorização dos estafetas a R. comunica os recibos alusivos a tais valores ao portal das finanças constando como emissor o estafeta e ela como entidade pagadora; SSS) Os estafetas podem trabalhar para terceiros, incluindo plataformas concorrentes; TTT) Os estafetas ligam-se à App quando querem, nas horas que querem e durante o tempo que querem; UUU) Os estafetas podem não se ligar à plataforma durante meses, sem consequências designadamente na distribuição futura de pedidos ou no preço destes; VVV) Os estafetas escolhem o lugar onde se pretendem ligar à app e receber pedidos de entrega; WWW) Os estafetas podem subcontratar terceiros tendo apenas que comunicar tal facto à R.; XXX) Após a realização da entrega os clientes finais, até data não apurada, se assim o entendessem, podiam dar feedback acerca do estafeta e comerciantes; YYY) Optando o cliente final por pagar em dinheiro o estafeta transporta consigo esse valor em numerário e, posteriormente, transfere-o para a plataforma; ZZZ) Consta da cláusula 5ª. ponto 2 dos termos e condições de utilização da plataforma Glovo que a R. pode desativar temporária ou permanentemente a conta do estafeta caso este utilize a plataforma para insultar, ofender, ameaçar e/ou agredir terceiros, nomeadamente utilizadores clientes, estabelecimentos comerciais, outros estafetas ou pessoal da Glovo, violar a lei ou outras disposições dos termos e condições e outras politicas da Glovo, participar em atos ou condutas violentas, violar os seus direitos na aplicação causando danos materiais e/ou imateriais a outro utilizador, tendo em vista a prevenção de fraudes, caso a identidade do utilizador não possa ser confirmada ou estiver incorreta e em caso de violação da politica de mercadorias; AAAA) A R. não impõe a utilização de qualquer uniforme; . E considerou que não se provaram os seguintes factos: A) A R. exige que o sistema de geolocalização tenha que estar ligado após a aceitação do pedido e até à entrega do mesmo; B) A R. controla, em tempo real, a forma como a entrega é realizada; C) As quantias recebidas da R. são a única fonte de rendimento dos estafetas; D) A R. fiscaliza a qualidade da prestação da atividade do estafeta mediante gestão algorítmica das avaliações realizadas pelos demais utilizadores. * IV. Conhecimento do recurso de apelação Infere-se das alegações e conclusões do recurso que o Ministério Público apenas recorre parcialmente da sentença prolatada pela 1.ª instância, pois aceitou a decisão proferida quanto aos estafetas CC (apenso B) e FF (apenso E), mas quer ver reapreciada a decisão proferida quanto aos estafetas AA, BB (apenso A), DD (apenso C) e EE (apenso D). O recurso de apelação circunscreve-se, pois, as estes quatro estafetas, tendo o recorrente alegado que se mostram preenchidas as alíneas a), b), c), e) e f) do n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho e que, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, a Ré, ora recorrida, não conseguiu ilidir a presunção de laboralidade prevista no artigo. Ora, na decisão recorrida, em relação aos quatro estafetas, considerou-se que os factos apurados preenchiam as alíneas a), b) e c) do n.º 1 do referido artigo 12.º-A, situação que, como vimos, merece o acordo do recorrente, pelo que não constitui objeto do recurso de apelação. Por conseguinte, iremos apreciar, apenas, a matéria em relação à qual existe desacordo com o decidido, ou seja, iremos apreciar se também estão preenchidas as alíneas e) e f) do artigo 12.º-A do Código do Trabalho e se a Ré não conseguiu ilidir a presunção prevista neste preceito legal. Vejamos. Dispõe o artigo 12.º-A do Código do Trabalho: «1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital se verifiquem algumas das seguintes características: a) A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela; b) A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade; c) A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica; d) A plataforma digital restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma; e) A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta; f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação. 2 - Para efeitos do número anterior, entende-se por plataforma digital a pessoa coletiva que presta ou disponibiliza serviços à distância, através de meios eletrónicos, nomeadamente sítio da Internet ou aplicação informática, a pedido de utilizadores e que envolvam, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado por indivíduos a troco de pagamento, independentemente de esse trabalho ser prestado em linha ou numa localização determinada, sob termos e condições de um modelo de negócio e uma marca próprios. 3 - O disposto no n.º 1 aplica-se independentemente da denominação que as partes tenham atribuído ao respetivo vínculo jurídico. 4 - A presunção prevista no n.º 1 pode ser ilidida nos termos gerais, nomeadamente se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata. 5 - A plataforma digital pode, igualmente, invocar que a atividade é prestada perante pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores. 6 - No caso previsto no número anterior, ou caso o prestador de atividade alegue que é trabalhador subordinado do intermediário da plataforma digital, aplica-se igualmente, com as necessárias adaptações, a presunção a que se refere o n.º 1, bem como o disposto no n.º 3, cabendo ao tribunal determinar quem é a entidade empregadora. 7 - A plataforma digital não pode estabelecer termos e condições de acesso à prestação de atividade, incluindo na gestão algorítmica, mais desfavoráveis ou de natureza discriminatória para os prestadores de atividade que estabeleçam uma relação direta com a plataforma, comparativamente com as regras e condições definidas para as pessoas singulares ou coletivas que atuem como intermediários da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores. 8 - A plataforma digital e a pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores, bem como os respetivos gerentes, administradores ou diretores, assim como as sociedades que com estas se encontrem em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, são solidariamente responsáveis pelos créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, celebrado entre o trabalhador e a pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital, pelos encargos sociais correspondentes e pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral relativos aos últimos três anos. 9 - Nos casos em que se considere a existência de contrato de trabalho, aplicam-se as normas previstas no presente Código que sejam compatíveis com a natureza da atividade desempenhada, nomeadamente o disposto em matéria de acidentes de trabalho, cessação do contrato, proibição do despedimento sem justa causa, remuneração mínima, férias, limites do período normal de trabalho, igualdade e não discriminação. 10 - Constitui contraordenação muito grave imputável ao empregador, seja ele a plataforma digital ou pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores que nela opere, a contratação da prestação de atividade, de forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado. 11 - Em caso de reincidência, são ainda aplicadas ao empregador as seguintes sanções acessórias: a) Privação do direito a apoio, subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, designadamente de natureza fiscal ou contributiva ou proveniente de fundos europeus, por período até dois anos; b) Privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos, por um período até dois anos. 12 - A presunção prevista no n.º 1 aplica-se às atividades de plataformas digitais, designadamente as que estão reguladas por legislação específica relativa a transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica.». Ora, atento o n.º 1 do artigo, presume-se a existência de um contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador da atividade e a plataforma digital, se verifiquem algumas (isto é, pelo menos duas) das características indicadas nas suas diversas alíneas. Na sentença recorrida já se declararam preenchidas as alíneas a), b) e c). Apreciemos, então, se também se mostram preenchidas as alíneas e) e f), conforme defende o recorrente. A alínea e) do n.º 1 do artigo 12.º-A prevê a seguinte característica de laboralidade: A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta. Na sentença recorrida não se considerou verificado este indício de laboralidade com apoio na seguinte fundamentação: «Quanto à alínea e), apurou-se que existe a possibilidade da R. resolver o contrato, impedindo o uso da App pelo estafeta com a respetiva desativação, em caso de obrigação legal ou regulamentar que obrigue a terminar a utilização da App ou dos serviços em prazo inferior a 30 dias, se o estafeta tiver infringido o contrato, mediante denúncia de que o estafeta agiu de forma não segura ou violou o contrato ou legislação conexa com a prestação de serviços de entrega ou teve comportamento fraudulento. Entendemos que tal não constitui exercício de poder disciplinar, na medida em que se trata de uma medida automática e não de censura corretiva, esta última própria dos procedimentos disciplinares. Por isso, não está verificado tal indício.» Apreciemos. A redação da alínea e) não é muito clara e suscita dúvidas de interpretação, sobretudo porque se fala genericamente em “poderes laborais” e, depois, menciona-se especificamente “o poder disciplinar”, integrando-se como uma expressão do exercício deste poder a situação em que a plataforma digital exclui de futuras atividades o prestador de atividade, através de desativação da conta. Ora, ainda que sejam vários os poderes característicos do empregador - poder de direção, regulamentar e disciplinar-, afigura-se-nos que devemos interpretar esta alínea no sentido restritivo de estar apenas em apreciação o poder disciplinar, adaptado à realidade da plataforma digital. Afinal, sobre o poder de direção já versa a alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º-A e, de certa forma, o poder regulamentar também aí surge aflorado pela referência à existência de regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador de serviço ou à prestação da atividade. Foquemo-nos, por conseguinte, no poder disciplinar. Como é sabido, este poder caracteriza-se como um poder punitivo do empregador, que visa atuar sobre condutas do trabalhador consideradas censuráveis no contexto da relação laboral estabelecida, e só pode ser exercido durante a pendência do contrato. Ora, em relação às situações contratuais sob análise, resultou, com relevância, demonstrado o seguinte: - Os estafetas podem não se ligar à plataforma durante meses, sem consequências, designadamente na distribuição futura de pedidos ou no preço destes – facto UUU). - Consta da cláusula 5.ª, ponto 2, dos termos e condições de utilização da plataforma Glovo que a Ré pode desativar temporária ou permanentemente a conta do estafeta caso este utilize a plataforma para insultar, ofender, ameaçar e/ou agredir terceiros, nomeadamente utilizadores clientes, estabelecimentos comerciais, outros estafetas ou pessoal da Glovo, violar a lei ou outras disposições dos termos e condições e outras politicas da Glovo, participar em atos ou condutas violentas, violar os seus direitos na aplicação causando danos materiais e/ou imateriais a outro utilizador, tendo em vista a prevenção de fraudes, caso a identidade do utilizador não possa ser confirmada ou estiver incorreta e em caso de violação da politica de mercadorias – facto ZZZ). Desta factualidade decorre que existe uma cláusula no contrato de utilização da plataforma Glovo que prevê que determinados comportamentos do estafeta, expressamente indicados na cláusula, permitem que a Glovo desative, temporária ou permanentemente, a conta do estafeta. Por outras palavras, está demonstrada a faculdade de a Glovo, durante a vigência do contrato, e mediante a ocorrência de determinados comportamentos do estafeta, que se consideram censuráveis no contexto da relação estabelecida, desativar a conta do estafeta e impedi-lo, assim, de exercer a atividade. Tal faculdade consubstancia a existência de um poder punitivo. Assim o entendeu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-05-2025 (Proc. n.º 29923/23.7T8LSB.L1.S1)3, num caso semelhante ao dos autos, deduzido também contra a ora Ré, no qual se escreveu: «Independentemente da margem de liberdade reconhecida ao estafeta no exercício da sua atividade, é indiscutível que esta é desenvolvida num quadro de regras específicas definidas pela empresa (…), a qual – nos termos que tem por adequados e consentâneos com a prossecução do seu modelo de negócio – também controla e supervisiona a atuação da contraparte (…), tal como tem a possibilidade de exercer o poder disciplinar, mediante a suspensão ou desativação da respetiva conta (cfr. ponto 5.4.2. dos “Termos e Condições de Utilização da Plataforma GLOVO para Estafetas”, citado pela decisão recorrida e transcrito em supra nº 17). Tudo a sugerir, pois, que, nesta medida, o estafeta em causa igualmente se encontrava sujeito à autoridade da R., cabendo aqui recordar que a subordinação pode ser meramente potencial, não sendo necessário que se traduza em atos de autoridade e direção efetiva, como aprofundadamente se referenciou em supra nº 11. Argumenta o TRL que a possibilidade de a R. resolver o contrato e desativar a conta não permite concluir pela existência de um poder disciplinar, em virtude de o poder de resolução, em caso de violação de cláusula contratuais, ser “permitido” a qualquer contratante. É certo que em qualquer contrato as partes gozam do direito à respetiva resolução. Mas, no âmbito do contrato de trabalho, a resolução contratual em que se traduz o despedimento por justa causa, corporiza e pressupõe, precisamente, o exercício do poder disciplinar.» Embora nesta Secção Social de Évora já tenham existido diferentes posições sobre esta matéria, afigura-se-nos, atualmente, que tendo em consideração a jurisprudência assumida pelo Supremo Tribunal de Justiça, bem como os fundamentais valores da segurança e certeza do Direito, a questão deve ser decidida nos mesmos termos. E, assim sendo, perante a existência da cláusula 5.ª, ponto 2, considera-se preenchida a alínea e) do n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho. Avancemos para a apreciação da alínea f) do artigo, que dita o seguinte: Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação. Sobre este índice de laboralidade escreveu-se na sentença recorrida: «quanto à alínea f) do artigo 12º-A, nº. 1 do Código de Trabalho, importa referir que o que se provou foi que a atividade é desenvolvida através do uso de telemóvel, veículo e mochila térmica, todos propriedade do estafeta, pelo que não se verifica este indício.» Analisemos. Com relevância sobre esta circunstância, apurou-se que, para o exercício da atividade, os quatro estafetas utilizavam veículo, telemóvel e mochila térmica próprios. Nos respetivos telemóveis tinham instalado a aplicação informática “GlovoApp”, explorada pela plataforma digital, através da qual se conectavam e desconectavam, recebiam as informações necessárias sobre os pedidos de entrega/distribuição e com a qual interagiam. Ora, no já identificado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, sumariou-se, com importância, o seguinte: «(...) também assume especial relevo a circunstância de pertencerem e serem geridas/exploradas pela R. a plataforma digital e aplicações a ela associadas (App), as quais – enquanto intermediário tecnológico no processo de transmissão dos dados relativos aos pedidos formulados pelo utilizador-cliente – são os instrumentos de trabalho essenciais do estafeta.» Mais se mencionou, na fundamentação do aresto, que toda a atividade do estafeta «está condicionada pela efetiva ligação/conexão a estas ferramentas digitais». Tudo indica que esta douta decisão parece pretender pôr fim, e traçar um rumo, sobre a divergência jurisprudencial – verificada nas 1.ª e 2.ª instâncias – a respeito de a App ser, ou não, um instrumento de trabalho essencial do estafeta. À vista disso, segue-se, atualmente, o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça. Como tal, há que concluir que, nos quatro casos concretos que nos ocupam, atenta a factualidade provada referente à utilização da App, se mostra preenchido o índice de laboralidade previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 12.º A. Resumindo, com arrimo nos factos provados pela 1.ª instância, mostram-se preenchidos os índices de laboralidade previstos nas alíneas a), b), c), e) e f) do artigo 12.º-A do Código do Trabalho. Demonstrada, pois, a base da presunção de contrato de trabalho prevista no mencionado artigo, importa analisar se a Ré/recorrida, ilidiu, ou não, a presunção. É inegável que a presunção de contrato de trabalho consagrada no artigo 12.º-A é uma presunção legal, que admite prova em contrário para a ilidir. Esta possibilidade, aliás, mostra-se expressamente prevista no n.º 4 do artigo, que estipula: «A presunção prevista no n.º 1 pode ser ilidida nos termos gerais, nomeadamente se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata.» Conforme se infere do douto acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, que vem sendo referido, a presunção pode ser afastada se a plataforma digital provar a existência de «”factos positivos excludentes da subordinação”, ou seja, da existência de trabalho autónomo ou da falta de qualquer elemento essencial do contrato de trabalho [elementos que, reafirma-se, à luz do art. 11º, do CT, são: i) obrigação de prestar uma atividade a outrem; ii) retribuição: e iii) subordinação jurídica].» No caso que nos ocupa, como já dissemos, resultaram provados 5 dos indícios constantes do n.º 1 do artigo 12.º-A. Alguns desses indícios referem-se a características fundamentais da relação laboral, como sejam a existência dos poderes de direção [alínea b)], de supervisão e controle [alínea c)] e disciplinar [alínea e)]. Vejamos, então, que factos resultaram apurados suscetíveis de contrariar a indiciada subordinação jurídica. Neste âmbito, provou-se: - da atividade prestada pelo AA são emitidos recibos através do Portal das Finanças, tendo por emissor o próprio em nome da Ré. O estafeta não declarou início de atividade no serviço de Finanças. Acresce que a Ré não efetua descontos para a Segurança Social em relação a este estafeta – factos F), G) e H). - BB apresenta registo ativo como trabalhador independente, no sistema de informação da Segurança Social, com data de início em 01-06-2023. A Ré não efetua descontos para a Segurança Social quanto a este estafeta – factos L) e M). - da atividade prestada pelo DD são emitidos recibos através do Portal das Finanças, tendo por emissor o próprio em nome da Ré. O estafeta não declarou início de atividade no serviço de Finanças. A Ré não comunicou à Segurança Social a admissão do estafeta, nem faz descontos para a Segurança Social – factos W), X), Y) e Z). - EE apresenta registo ativo como trabalhador independente, no sistema de informação da Segurança Social, com data de início em 01-02-2023. A Ré não efetua descontos para a Segurança Social quanto a este estafeta – factos DD) e EE). - os estafetas BB e EE não estão incluídos na apólice de seguros de acidente de trabalho da Ré – factos N) e FF). - os estafetas pagam à Ré uma taxa de acesso e utilização da plataforma no valor quinzenal de € 1,85 sempre que, em tal período, tenham aceitado propostas de entrega – facto TT). - aquando do registo na App, os estafetas escolheram a área geográfica onde pretendiam realizar a atividade, podendo sempre alterá-la, mediante prévia comunicação à Ré – factos UU) e VV). - os estafetas podem recusar, aceitar ou ignorar os pedidos apresentados na App, bem assim, já depois de aceitarem, cancelarem, sem que tal afete a distribuição futura de pedidos ou o preço destes – facto EEE). - os estafetas podem escolher o percurso que melhor lhes convier entre os locais de recolha e entrega do pedido, podendo, inclusive, desligar a geolocalização, sem quaisquer implicações na entrega - factos FFF), GGG), HHH) e III). - os estafetas são livres de escolher o meio de transporte que usam para executar a entrega (carro, mota, bicicleta), bem assim a mochila térmica que usam – facto LLL). - uma vez por dia os estafetas podem selecionar e alterar o multiplicador do preço do serviço para valores compreendidos entre 1.0 e 1.10, auferindo, em consequência, um valor superior ao apresentado – factos NNN) e OOO). - os estafetas podem trabalhar para terceiros, incluindo plataformas concorrentes – facto SSS). - os estafetas ligam-se à App quando querem, nas horas que querem e durante o tempo que querem, podendo não se ligar à plataforma durante meses, sem consequências designadamente na distribuição futura de pedidos ou no preço destes – factos TTT) e UUU). - os estafetas escolhem o lugar onde se pretendem ligar à App e receber pedidos de entrega – facto VVV). - os estafetas podem subcontratar terceiros tendo apenas que comunicar tal facto à Ré – facto WWW). No conjunto desta factualidade, existem alguns aspetos que, aparentemente, revelam a existência de autonomia na prestação da atividade. Referimo-nos à possibilidade de o estafeta escolher a área em que exerce a função, à faculdade de ativar ou desativar a aplicação conforme a sua conveniência, à liberdade de decidir os serviços que quer realizar, bem como ao facto de não estar sujeito a qualquer tempo de disponibilidade. Todavia, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-05-2025, que temos vindo a seguir pelas razões já explicadas, entendeu-se que tais aspetos, no âmbito de uma abordagem holística da relação contratual e tendo em consideração os fortes indícios de subordinação demonstrados - também no caso julgado neste acórdão estavam preenchidas as alíneas a), b), c) e) e f) do n.º 1 do artigo 12.º-A -, não assumem relevo decisivo para afastar que a relação estabelecida entre as partes não reveste natureza laboral. Relativamente à possibilidade de os estafetas poderem trabalhar para terceiros, incluindo plataformas concorrentes, e de subcontratarem terceiros, tendo apenas de comunicar tal facto à plataforma digital, num recente acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça4, contra uma plataforma digital concorrente da ora Ré, mas em que a questão de facto era idêntica, foi decidido que a referida possibilidade sem concretização real não assume qualquer relevância. Escreveu-se no aresto: «Quanto aos pontos 745, 756e 817 da matéria de facto, não se vê que assumam relevância, desde logo pois não se provou que o estafeta, apesar de o poder fazer, tivesse efetivamente a sua própria clientela ou que utilizasse plataformas concorrentes da ré, tal como não se provou que alguma vez se tenha feito substituir por alguém. Com efeito, quanto ao modus operandi (abstratamente) alegado pelas plataformas que se revele mais típico de trabalho autónomo, impõe-se certificar se isso realmente acontece na prática (…).». No caso dos autos, a Ré não logrou provar que os estafetas abrangidos pelo recurso trabalhavam, efetivamente, para plataformas digitais concorrentes ou que subcontrataram terceiros, pelo que a potencialidade de tais situações perde relevância com vista à demonstração da existência de trabalho autónomo. Quanto ao regime fiscal em vigor e à inexistência de descontos para a Segurança Social, entendemos que, só por si, é uma realidade pouco significativa, por ser habitual em situações em que não se pretende assumir a existência de uma relação laboral, munindo-se a relação de aspetos formais que não correspondem às reais circunstâncias em que a mesma se desenvolve.8 Em relação ao pagamento de uma taxa de acesso e utilização da plataforma, embora se trate de uma realidade que não se coaduna com a natureza de uma relação de trabalho subordinado, o certo é que o Supremo Tribunal de Justiça desvalorizou este aspeto como representativo de autonomia. No acórdão de 28-05-2025, escreveu-se: « Não pode deixar de reconhecer-se que o facto de o estafeta pagar à R. uma taxa pela utilização da plataforma (nº 53 da factualidade assente) contrasta especialmente com a matriz típica de uma relação de trabalho subordinado. Todavia, de forma alguma se pode conferir a este elemento, só por si, relevância decisiva, tanto mais que, como se sabe, o recurso a cláusulas contratuais com características de autonomia se encontra com frequência associado ao abuso do estatuto de trabalhador independente e às relações de trabalho encobertas, flagelo que com a presunção de laboralidade em apreço se visou, precisamente, combater.» No que diz respeito à liberdade de escolha dos percursos e à possibilidade de o estafeta desligar a geolocalização, sem quaisquer implicações na entrega, tratam-se de aspetos que, segundo o Supremo Tribunal de Justiça, embora confiram alguma margem de liberdade ao estafeta no exercício da sua atividade, «é indiscutível que esta é desenvolvida num quadro de regras específicas definidas pela empresa (…), a qual – nos termos que tem por adequados e consentâneos com a prossecução do seu modelo de negócio – também controla e supervisiona a atuação da contraparte (…), tal como tem a possibilidade de exercer o poder disciplinar, mediante a suspensão ou desativação da respetiva conta (…)»9 No que concerne à demonstrada liberdade de escolha do estafeta quanto ao meio de transporte e à mochila térmica que usa, afigura-se-nos que tal margem de liberdade, por coerência de raciocínio, não pode deixar de ser apreciada da mesma forma. Relativamente à aplicação de um multiplicador ao valor base dos serviços, assim se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 28-05-2025: «Também não é de valorizar a circunstância de o estafeta poder alterar o valor base dos serviços mediante a aplicação de um multiplicador, uma vez que esta ferramenta era disponibilizada pela própria ré e dentro dos limites por esta fixados.» Diversamente do caso apreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça, verifica-se que os estafetas BB e EE não estão incluídos na apólice de seguros de acidente de trabalho da Ré. Todavia, numa abordagem holística da relação contratual, não se nos afigura que este seja um elemento determinante para reconhecer que a atividade do estafeta era exercida com autonomia. Enfim, considerando todo o exposto, entendemos que a Ré não logrou provar factos que pela quantidade e impressividade imponham concluir que o trabalho do estafeta era prestado com efetiva autonomia. Por conseguinte, não se considera ilidida a presunção de laboralidade. Destarte, há que concluir pela existência de contratos de trabalho entre a Ré e os estafetas abrangidos pelo recurso. Na sequência, o recurso deve proceder, e, assim sendo, há que apreciar a deduzida ampliação do recurso. * V. Ampliação do recurso Juntamente com as suas contra-alegações, a Ré veio ampliar o objeto do recurso, tendo para o efeito impugnado a decisão da matéria de facto. Pugna para que sejam aditados os seguintes factos ao elenco dos factos provados: AA: 1. “AA além da atividade de estafeta através da plataforma gerida pela Recorrida, presta ainda atividade como trabalhador por conta de outrem para a empresa BRIGHTOPTIONS LDA., prestando ainda serviços como TVDE.” 2. “AA, não prestou quaisquer serviços através da plataforma gerida pela Recorrida, nomeadamente, 4 dias seguidos entre 03.06.2024 e 06.06.2024, inclusive; 5 dias seguidos entre 10.06.2024 e 14.06.2024, inclusive; 6 dias seguidos entre 16.06.2024 e 21.06.2024, inclusive; 5 dias seguidos entre 24.06.2024 e 28.06.2024, inclusive; 6 dias seguidos entre 30.06.2024 e 05.07.2024, inclusive; 1 dia a 07.07.2024; 3 dias seguidos entre 09.07.2024 e 11.07.2024, inclusive; 2 dias seguidos entre 17.07.2024 e 18.07.2024, inclusive.” 3. “AA recusou, no ano de 2023, 137 serviços antes de aceitar e 78 depois de aceitar, no mês de outubro; 43 serviços antes de aceitar e 16 depois de aceitar, no mês de novembro; 35 serviços antes de aceitar e 9 depois de aceitar, no mês de dezembro; e no ano de 2024, 20 serviços antes de aceitar e 9 depois de aceitar, no mês de janeiro; 29 serviço antes de aceitar e 14 depois de aceitar, no mês de fevereiro; 43 serviço antes de aceitar e 22 depois de aceitar, no mês de março; 27 serviços antes de aceitar e 3 depois de aceitar, no mês de abril; 5 serviço antes de aceitar e 7 depois de aceitar, no mês de maio; 17 serviço antes de aceitar e 16 depois de aceitar, no mês de junho; 59 serviço antes de aceitar e 44 depois de aceitar, no mês de julho.” BB: 4. “BB além da atividade de estafeta através da plataforma gerida pela Recorrida, presta ainda atividade como trabalhador por conta de outrem para a empresa AREAS PORTUGAL RESTAURAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO S.A., e para a empresa ALDI RETAIL, UNIPESSOAL LDA.” 5. “BB, não prestou quaisquer serviços através da plataforma gerida pela Recorrida, nomeadamente, 4 dias seguidos entre 31.01.2024 e 03.02.2024, inclusive; 21 dias seguidos entre 07.02.2024 e 27.02.2024, inclusive; 47 dias seguidos entre 05.03.2024 e 20.04.2024, inclusive; 4 dias seguidos entre 07.05.2024 e 10.05.2024, inclusive; 21 dias seguidos entre 12.05.2024 e 01.06.2024, inclusive; 47 dias seguidos entre 03.06.2024 e 19.07.2024, inclusive.” 6. “BB recusou, no ano de 2023, prestar 7 serviços antes de aceitar e 5 depois de aceitar, no mês de julho; 18 serviços antes de aceitar e 9 depois de aceitar, no mês de agosto; 6 serviços antes de aceitar e 9 depois de aceitar, no mês de setembro; 13 serviços antes de aceitar e 8 depois de aceitar, no mês de outubro; 11 serviços antes de aceitar e 4 depois de aceitar, no mês de novembro; 3 serviços antes de aceitar e 4 depois de aceitar, no mês de dezembro; e no ano de 2024, 4 serviços antes de aceitar e 1 depois de aceitar, no mês de janeiro; 1 serviço antes de aceitar e 2 depois de aceitar, no mês de fevereiro; 1 serviço antes de aceitar e 2 depois de aceitar, no mês de março; 5 serviços antes de aceitar, no mês de abril; 1 serviço antes de aceitar e 1 depois de aceitar, no mês de julho.” DD: 7. “DD além da atividade de estafeta através da plataforma gerida pela Recorrida, presta ainda atividade como trabalhador por conta de outrem para a empresa - GEPROCEA I - SERVIÇOS DE ENGENHARIA, LDA.; - A SOLUÇÃO - EMPRESA DE TRABALHO TEMPORÁRIO LDA; e para a empresa PIHU FARM, UNIPESSOAL LDA; - SUSTAINERA UNIPESSOAL LDA..” 8. “DD, não prestou quaisquer serviços através da plataforma gerida pela Recorrida, nomeadamente, 165 dias seguidos entre 09.07.2024 e 20.12.2024, inclusive.” 9. “DD recusou, no ano de 2023, 4 serviços antes de aceitar e 6 depois de aceitar, no mês de agosto; 42 serviços antes de aceitar e 17 depois de aceitar, no mês de setembro; 54 serviços antes de aceitar e 23 depois de aceitar, no mês de outubro; 21 serviços antes de aceitar e 6 depois de aceitar, no mês de novembro; 11 serviços antes de aceitar e 11 depois de aceitar, no mês de dezembro; e no ano de 2024, 16 serviços antes de aceitar e 8 depois de aceitar, no mês de janeiro; 21 serviço antes de aceitar e 4 depois de aceitar, no mês de fevereiro; 25 serviço antes de aceitar e 10 depois de aceitar, no mês de março; 26 serviços antes de aceitar e 10 depois de aceitar, no mês de abril; 27 serviços antes de aceitar e 12 depois de aceitar, no mês de maio; 68 serviços antes de aceitar e 35 depois de aceitar, no mês de junho e 14 serviços antes de aceitar e 5 depois de aceitar, no mês de julho.” EE: 10. “EE além da atividade de estafeta através da plataforma gerida pela Recorrida, prestou ainda atividade, em 2019, como trabalhador por conta de outrem para a empresa LAMISION - SOCIEDADE DE TRANSPORTES LDA; CARISMA AO RUBRO UNIPESSOAL LDA; PELOTÃO DINAMICO LDA.; BARIGUI - IMPORT & EXPORT UNIPESSOAL LDA.; Em 2020, MOVEWORLD TRANSPORTES UNIPESSOAL LDA; LAMISION - SOCIEDADE DE TRANSPORTES LDA; Em 2021, MOVEWORLD TRANSPORTES UNIPESSOAL LDA; em 2022 BRITES & BRITES - TRANSPORTES DE ALUGUER UNIPESSOAL LDA; em 2023, GENIALGRAMMAR - UNIPESSOAL, LDA; MANPOWER PORTUGAL - EMPRESA DE TRABALHO TEMPORARIO S A e J...V..., UNipessoal., prestando ainda atividade com TVDE. 11. “EE, não prestou quaisquer serviços através da plataforma gerida pela Recorrida, nomeadamente, 122 dias seguidos entre 24.02.2023 e 25.06.2023, inclusive.” 12. “EE recusou, no ano de 2023, 32 serviços antes de aceitar e 22 depois de aceitar, no mês de julho; 50 serviços antes de aceitar e 26 depois de aceitar, no mês de agosto; 5 serviços antes de aceitar e 4 depois de aceitar, no mês de setembro; 50 serviços antes de aceitar e 15 depois de aceitar, no mês de outubro.” Após leitura dos articulados das partes (processo principal e apensos A, C e D) constata-se que a factualidade indicada nos pontos 1, 2, 4 a 8, 10, 11 não foi alegada. É certo que artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho permite a consideração de factos essenciais não articulados, desde que os mesmos sejam relevantes para a boa decisão da causa e sobre eles tenha incidindo discussão. Todavia, os poderes conferidos pelo aludido artigo são exclusivos do julgamento em 1.ª instância, não competindo à Relação ampliar o elenco dos factos provados com outros, que não tendo sido alegados, adquira por força da reapreciação da prova, nem pode ordenar à 1.º instância que o faça, na medida em que o poder de reenviar o processo à 1.ª instância para ampliação da matéria de facto está reservado para as situações em que os factos foram alegados10. Em face do exposto, inexiste fundamento para aditar a materialidade não alegada que se reclama. No que concerne aos pontos 3, 9 e 12 cujo aditamento se pretende, os mesmos são suscetíveis de se enquadrar no alegado, respetivamente, nos artigos 201.º da contestação do processo principal11, 207.º da contestação do Apenso C12 e 199.º da contestação do Apenso D13. A matéria alegada relaciona-se com as recusas de serviço, livremente assumidas pelo estafeta. Ora, já apreciámos supra que a liberdade do estafeta decidir quando presta a atividade e a possibilidade de recusa de pedidos, no âmbito de uma abordagem holística da relação contratual e tendo em consideração os fortes indícios de subordinação demonstrados, não assumem relevo decisivo para afastar natureza laboral da relação. Como tal, a apreciação da impugnação quanto à referida factualidade constituiria um ato inútil, dado que não permitiria concluir de forma diferente da que já se conclui. E o artigo 130.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável, proíbe a prática de atos inúteis. Na sequência, não se conhecerá da impugnação, nesta parte. Em suma, improcede a deduzida ampliação do recurso. - Concluindo, o recurso de apelação procede na totalidade. As custas do recurso deverão ser suportadas pela recorrida, nos termos previstos pelo artigo 527.º do Código de Processo Civil. * VI. Decisão Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente e a ampliação do recurso improcedente e, em consequência, revoga-se parcialmente a sentença recorrida, reconhecendo-se a existência de contrato de trabalho entre a Ré e os estafetas: - AA, desde 01-08-2023; - BB (apenso A), desde junho de 2023; DD (apenso C), desde maio de 2023; e - EE (apenso D), desde 19-06-2023. Custas do recurso a suportar pela recorrida. Notifique. ------------------------------------------------------------------------------- Évora, 16 de outubro de 2025 Paula do Paço (relatora, por vencimento) Emília Ramos Costa Filipe Aveiro Marques (votou vencido) Declaração de voto de vencido: Votei no sentido da confirmação da sentença recorrida pelas seguintes razões: A) Continuo a não encontrar argumentos suficientes para considerar que a aplicação informática, depois de instalada no telemóvel do estafeta, possa ser considerada um instrumento ou equipamento para os efeitos de funcionamento da presunção. Não parece que seja um elemento físico, como será o telemóvel e, sobretudo, sem esta aplicação (que é apenas um meio de comunicação avançado) o estafeta poderá continuar a prestar a sua actividade, designadamente para outras plataformas (ao contrário do que acontece com os verdadeiros equipamentos – mochila e veículo –, que são dos estafetas, sem os quais não é possível prestar qualquer actividade). Entendo, por isso, que a aplicação informática (que, de todo o modo, não resulta dos factos que tenha sido desenvolvida pela ré ou, sequer, de que a esta cabe o direito de autoria ou de produção da mesma), não cabe na letra da lei. Por isso, com o muito respeito devido ao entendimento que fez vencimento, continuo a considerar que, no caso, apenas estão preenchidas as características previstas nas alíneas a), b) e e), do n.º 1 do artigo 12.º-A CT. B) Apesar do preenchimento dessas três características, sopesando toda a factualidade provada nos autos, continuo a entender que, no caso, se mostra ilidida a presunção de laboralidade. Não se podem deixar de se salientar as importantes diferenças do caso destes autos para aquele que foi apreciado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/05/2025 (processo n.º 29923/23.7T8LSB.L1.S1): - enquanto nesse caso do Acórdão do Supremo se provou que a geolocalização permite à Ré controlar o tempo de entrega e o percurso efetuado pelo estafeta (apesar de o estafeta ter liberdade de decisão quanto ao itinerário); no caso destes autos provou-se que, após a aceitação do pedido, os estafetas podem desligar a geolocalização, sem quaisquer implicações na entrega (não se provando, por isso, a existência de controlo ou supervisão durante a recolha e entrega dos bens); - no caso apreciado pelo STJ a ré tem um contrato de seguro para protecção do estafeta; o que não se provou no caso dos autos; - e, decisivamente, no caso julgado pelo STJ existia uma dependência económica do estafeta relativamente à ré, trabalhando aquele regularmente para esta; no caso agora em apreciação, não se provou essa dependência económica, sendo que não resultou provado que as quantias recebidas da ré sejam a única fonte de rendimento dos estafetas. E também não se pode desconhecer, em sentido contrário (e, sobretudo, com plena pertinência por aplicar legislação que integra o nosso ordenamento jurídico) a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 22/04/2020 no caso Yodel Delivery Network (C-692/19 - ECLI:EU:C:2020:288, acessível em https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=225922&pageIndex=0&doclang=EN&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=8531687). Dir-se-á (numa abordagem global ou holística) que a favor da existência de uma relação de trabalho subordinado apenas se encontra a possibilidade de ser a ré a fixar a retribuição (mas que existe em muitos outros casos em que, verdadeiramente, não existe um poder de negociação por parte do contraente mais fraco e, ainda assim, não se fala de subordinação jurídica) e a possibilidade de a ré desactivar a conta dos estafetas (o que, de todo o modo, não distingue especialmente os estafetas dos outros utilizadores das plataformas – clientes e comerciantes – que, igualmente, poderão ver as suas contas desactivadas e nem por isso podem ser considerados trabalhadores). Já no sentido de se afastar a existência de trabalho subordinado existem outros e importantes factores: - o pagamento pelos prestadores de uma taxa pela utilização da plataforma (ponto TT) dos factos provados), que contrasta com a matriz típica de uma relação de trabalho subordinado; - a remuneração não atender à disponibilidade dos estafetas que aguardam pela distribuição do serviço (pontos MMM) e PPP) dos factos provados), mas apenas pelo resultado (recolha e entrega das encomendas), o que é típico de uma simples prestação de serviços; - a ausência de exclusividade, com especial enfoque na possibilidade de os estafetas prestarem o mesmo serviço para as empresas que directamente concorrem no mercado com a ré (ponto SSS) dos factos provados) que, normalmente, não tem uma normal associação à existência de subordinação; - a possibilidade de total liberdade de desenvolver a actividade em horário e local definidos pelos estafetas e, até, dos dias em que pretendem prestar, ou não, a actividade (pontos TTT) e VVV) dos factos provados), que normalmente não se encontra numa relação subordinada e que permitem concluir que são os estafetas que organizam o seu tempo e são eles que, com total liberdade, gerem a sua ligação à ré consoante a sua total conveniência pessoal; - a possibilidade de os estafetas poderem designar outras pessoas para sua substituição no exercício da actividade (ponto WWW) dos factos provados), bem demonstrativa de que o que interessa à ré não é a actividade em si mesma, elemento inerente a um contrato de trabalho que é celebrado intuitu personae, mas antes o resultado da sua actividade, característica do contrato de prestação de serviço; - sobretudo e decisivamente, ficou provada a possibilidade de os estafetas recusarem qualquer serviço proposto e sem qualquer consequência (ponto EEE) dos factos provados) o que é, naturalmente, prova de um facto muito relevante que aponta para a inexistência de qualquer subordinação: não se vislumbra que relação laboral pode resistir baseada na possibilidade de o prestador da actividade se poder recusar a prestá‑la e, ainda assim, esperar remuneração (sem olvidar, naturalmente, o regime do artigo 273.º do Código do Trabalho e não se podendo falar, no caso, de trabalho intermitente previsto nos artigos 157.º e 158.º do Código do Trabalho por lhe faltar o mais relevante requisito formal); no limite, o entendimento que obteve vencimento pode levar ao reconhecimento de um contrato de trabalho a quem não faça um minuto de trabalho efectivo, bastando estar “disponível” com o telemóvel ligado à aplicação. Entendo, por isso e apesar do brilhantismo dos argumentos que fizeram vencimento, que no caso dos autos a independência dos estafetas não parece fictícia, mas é real. Évora, 16 de Outubro de 2025 Filipe Aveiro Marques 
 __________________________________________ 1. Relatora, por vencimento: Paula do Paço; Adjuntos: Emília Ramos Costa e Filipe Aveiro Marques↩︎ 2. A transcrição das conclusões não contém as notas de rodapé que foram apresentadas.↩︎ 3. Consultável em www.dgsi.pt.↩︎ 4. Acórdão proferido em 17-09-2025 (Proc. n.º 1914/23.5T8TMR.E2.S1), publicado em www.dgsi.pt.↩︎ 5. O ponto 74 tem a seguinte redação: «Os estafetas podem ter a sua própria clientela e atendê-la com liberdade e sem necessidade de comunicar isso à Ré.»↩︎ 6. O ponto 75 tem a seguinte redação: «Também podem utilizar outras plataformas concorrentes, incluindo ao mesmo tempo que estão a prestar a sua atividade na Plataforma.»↩︎ 7. O ponto 81 tem a seguinte redação: «Os estafetas podem substituir-se por outro estafeta inscrito na app no exercício da sua atividade.»↩︎ 8. Cf. Acórdãos desta Secção Social de 22-05-2025 (Proc. n.º 1223/24.2T8TMR.E1), de 13-02-2025 (Proc. n.º 219/24.9T8SNS.E1) e de 12-01-2023 (Proc. n.º 2560/21.3T8FAR.E1), todos acessíveis em www.dgsi.pt.↩︎ 9. Cf. Acórdão de 28-05-2025. Este entendimento foi reiterado no Acórdão de 17-09-2025, referido supra.↩︎ 10. Hermínia Oliveira e Susana Silveira no “VI Colóquio sobre Direito do Trabalho”, realizado no Supremo Tribunal de Justiça em 22-10-2014, in “Colóquios”, disponível em www.stj.pt.↩︎ 11. O artigo 201.º da contestação do processo principal dita o seguinte: ««Veja-se, por exemplo, que o estafeta, em apenas cerca de 4 meses, recusou 119 pedidos, sem que alguma vez tenha sido penalizado.»↩︎ 12. O artigo 207.º da contestação do Apenso C tem o seguinte teor: «Veja-se, por exemplo, que o estafeta, em apenas cerca de 3 meses, recusou 15 pedidos, sem que alguma vez tenha sido penalizado.»↩︎ 13. O artigo 199.º da contestação do Apenso D tem o seguinte teor: «Veja-se, por exemplo, que o estafeta, em apenas cerca de 5 meses, recusou 60 pedidos, sem que alguma vez tenha sido penalizado.»↩︎ |