Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
871/23.2T8STR.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: FACTO CONCLUSIVO
DIREITO A FÉRIAS
CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Data do Acordão: 01/30/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Área Temática: SOCIAL
Sumário: Sumário:
1. O tribunal tem o dever de discriminar os factos que julga provados e os que julga não provados, e após interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
2. Daí que a enunciação da matéria de facto deva ser expurgada de valorações jurídicas, de locuções metafóricas ou de excessos de adjectivação.
3. Deve, pois, evitar-se a inclusão na matéria de facto de afirmações de direito, em matéria jurídica controvertida nos autos, contendo em si mesmos a decisão da própria causa.
4. Não pode, assim, declarar-se como facto provado, uma conclusão jurídica, ainda por cima afrontadora do preceito legal aplicável.
5. No caso, não pode declarar-se provado que o trabalhador gozou as férias referentes ao trabalho prestado no próprio ano, contrariando o que a esse respeito se dispõe no art. 237.º n.º 2 do Código do Trabalho.
6. Se o trabalhador foi admitido a 10 de Setembro de certo ano, a circunstância de ter gozado no ano seguinte 22+7 dias úteis de férias representa apenas a aplicação do disposto no art. 237.º n.º 2 e no art. 239.º n.ºs 1, 2 e 3, do Código do Trabalho.
7. Chegando ao ano de cessação do contrato de trabalho, não subsequente ao de admissão, o trabalhador tem direito aos proporcionais do tempo de serviço prestado nesse ano, e às correspondentes férias vencidas e não gozadas.
8. Do art. 134.º do Código do Trabalho decorre que, em caso de cessação do contrato de trabalho, em que haja horas de formação profissional que não tenham sido ministradas pelo empregador, este deve liquidar quer as horas que já se transformaram em crédito, quer as que se venceram nos últimos dois anos de execução do contrato e que ainda não se converteram em crédito de horas.
9. Como se trata de facto extintivo do direito invocado pelo trabalhador, compete ao empregador, contra quem a invocação é feita, demonstrar o cumprimento dessa obrigação – art. 342.º n.º 2 do Código Civil.
Decisão Texto Integral:
30


Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Santarém, AA demandou CLO, Lda., pedindo o pagamento da quantia global de € 15.629,83, acrescida de juros, relativa aos seguintes parciais:
- € 1.882,22, a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho;
- € 4.000,00, a título de aviso prévio de cessação do contrato não cumprido;
- € 2.000,00, a título de férias vencidas em 01.01.2023, não gozadas e não pagas;
- € 2.000,00, a título subsídio de férias não pago;
- € 263,00, a título proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal não pagos;
- € 1.084,61, a título de formação profissional não ministrada;
- € 1.400,00, a título de trabalho suplementar;
- € 3.000,00, a título de danos não patrimoniais.
Na contestação, a Ré reconhece estar em dívida a compensação pela cessação do contrato de comissão de serviço celebrado e a indemnização pela falta de cumprimento do prazo do aviso prévio, mas invoca direito de retenção em relação a essas quantias, ao abrigo de direito de indemnização sobre o A. cujo reconhecimento peticionou noutra acção. Quanto aos demais créditos, afirma não serem devidos.
Após julgamento, a sentença julgou o pedido apenas parcialmente procedente, condenando a Ré no pagamento das quantias, acrescidas de juros, de € 1.882,22, a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho; de € 4.000,00, a título de indemnização pelo incumprimento do prazo do aviso prévio para a cessação do contrato; e a retribuição devida pelo trabalho suplementar prestado pelo Autor em três fins-de-semana (sábado e domingo), a liquidar em execução de sentença.

Interpõe o A. recurso da sentença e conclui:
(…)

A resposta sustenta a manutenção do julgado.
Já nesta Relação, a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu o seu parecer, propondo que ao recurso seja concedido provimento parcial.
Cumpre-nos decidir.

Da impugnação da matéria de facto:
Garantindo o sistema processual civil um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, como previsto no art. 640.º do Código de Processo Civil, continua a vigorar o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz – art. 607.º n.º 5 do mesmo diploma, ao dispor que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.”
Deste modo, a reapreciação da prova passa pela averiguação do modo de formação dessa “prudente convicção”, devendo aferir-se da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova Cfr. o Acórdão da Relação de Guimarães de 04.02.2016 (Proc. 283/08.8TBCHV-A.G1), e do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016 (Proc. 1572/12.2TBABT.E1.S1), ambos publicados em www.dgsi.pt..
Será à luz destes princípios que se analisará a impugnação deduzida.
*
Começa o trabalhador por impugnar o ponto 5 do elenco de factos provados, afirmando que é conclusivo e contraria o disposto nos arts. 237.º, 238.º, 239.º e 245.º do Código do Trabalho.
Depois de ter considerado provado no ponto 4 que: “No ano de 2021, o A. gozou 22 dias, acrescidos dos 7 dias referentes ao ano de 2020”; no ponto 5 a sentença decidiu declarar provado que: “Desde então, o A. gozou as férias referentes ao trabalho prestado no próprio ano.”
A justificação para esta decisão não surge na motivação da matéria de facto, mas na fundamentação de Direito: “No caso dos autos, tendo o Autor sido admitido em 10/09/2020, no ano de 2021, teria direito ao gozo de 7 dias de férias. Contudo, provou-se que o A. gozou 22 dias, acrescidos dos 7 referentes ao ano transacto. Por esse motivo, os 22 dias gozados e pagos no ano de 2021 correspondem ao trabalho que foi prestado no ano de 2021, e, por consequência, sucessivamente, o trabalhador não tem gozado férias que se reportam ao trabalho prestado no ano anterior, mas ao trabalho prestado no próprio ano. Motivo pelo qual, no ano de 2023 (da cessação do contrato de trabalho), tem apenas direito a receber os proporcionais do trabalho prestado neste mesmo ano, o que foi pago, juntamente com os proporcionais do subsídio de Natal.”
É patente que a sentença fixou o ponto 5 com base numa conclusão jurídica, e não com base na análise da prova produzida.
A sentença reconheceu que no ano de 2021 o trabalhador gozou 22+7 dias úteis de férias, e daí concluiu que esses 22 dias não podiam ser reportados ao trabalho prestado no ano civil anterior – como se o disposto no art. 237.º n.º 2 do Código do Trabalho fosse absolutamente irrelevante nesta matéria – e depois declarou que, “por consequência, sucessivamente, o trabalhador não tem gozado férias que se reportam ao trabalho prestado no ano anterior, mas ao trabalho prestado no próprio ano.”
Sobre em quais datas o trabalhador gozou férias, nos anos de 2021 e de 2022, nada temos, apenas uma conclusão jurídica: as férias que o A. gozava não se reportavam ao trabalho prestado no ano civil anterior, mas ao trabalho prestado no próprio ano.
Já o temos dito várias vezes Vide, por todos, o Acórdão desta Relação de Évora de 09.05.2024, com o mesmo Relator do presente, no Proc. 68/21.6T8STR.E1 e publicado em www.dgsi.pt., e teremos de o dizer mais uma vez:
- o tribunal tem o dever de discriminar os factos que julga provados e os que julga não provados, e após interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final;
- daí que a enunciação da matéria de facto deva ser expurgada de valorações jurídicas, de locuções metafóricas ou de excessos de adjectivação; e,
- deve evitar-se a inclusão na matéria de facto de afirmações de direito, em matéria jurídica controvertida nos autos, contendo em si mesmos a decisão da própria causa.
Não pode, pois, o ponto 5 subsistir: contém uma conclusão jurídica, ainda por cima afrontadora de um preceito legal (o art. 237.º n.º 2 do Código do Trabalho) e como tal deve ser eliminado.
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No ponto 7, a sentença declarou provado que: “Desde pelo menos o mês de Outubro de 2022 e até finais de Novembro de 2022, o A. trabalhou em três fins de semana (sábado e domingo)”; e na al. a) dos factos não provados, declarou não provado o seguinte: “a. Que o A. exercia funções para além das 40 horas semanais contratualmente estipuladas, aos fins de semana (para além da factualidade provada em 6.) e feriados e até durante o gozo de férias (para ligar e desligar o alarme), a pedido da ré.”
O A. pretende que a decisão quanto a estes pontos seja alterada, pois terá trabalhado aos fins-de-semana de Junho e Dezembro de 2022, e também nos feriados e durante o gozo de férias.
Porém, não indica em que datas e horas prestou a sua actividade por conta e sob a direcção da Ré, fica por uma mera alegação genérica, que não nos permite qualquer concretização.
Concordamos, pois, com a decisão da sentença quanto a estes pontos, tanto mais que era efectivamente ónus do A. alegar e provar as datas e horas do trabalho suplementar por si prestado.
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No ponto 9, a sentença declarou provado o seguinte: “No ano de 2022, o A. recebeu 38 horas de formação profissional”, decisão que o A. impugna, pretendendo que se declare provado que “A Ré não ministrou ao A. nos últimos três anos de vigência de contrato pelo menos 82 horas de formação profissional.”
A pretensão do A. padece do mesmo demérito que apontámos ao ponto 5: pretende transformar uma questão jurídica numa questão de facto.
Está provado que no ano de 2022, o A. recebeu 38 horas de formação profissional – isto é um facto concreto, nesse ano recebeu um certo número de horas a esse título.
Que horas seriam devidas durante a totalidade da prestação laboral (se 82 horas, ou menos), é uma questão jurídica que será analisada a partir dos preceitos legais aplicáveis e subsequente determinação dos direitos do A. e do que lhe é devido a este título.
Nesta parte a impugnação não será atendida.
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Finalmente, a sentença declarou não provado, na al. f) dos factos não provados, que os factos apurados tenham provocado “no A. um enorme sentimento de injustiça, revolta e insónia, sentindo-se humilhado e injustiçado, para além de ter alterado a vida de toda a família de um momento para outro.”
O A. impugna esta decisão, afirmando apenas que este facto foi corroborado pela testemunha …, a sua cônjuge, mas não descreve em qualquer momento das suas alegações qual a parte deste depoimento de onde se pode concluir que essa matéria está provada.
De todo o modo, concordamos com a sentença recorrida quando afirma que “o alegado sentimento do Autor não pode ser entendido de outro modo que não seja o que acontece em situações similares de termo de uma relação laboral por iniciativa da contraparte”.
Os autos não revelam nada mais que a cessação de uma relação contratual, em termos que nada têm de excepcional, e que não justificam os sentimentos de humilhação, de revolta, e de injustiça, para além das insónias, que o A. alega.
Nesta parte a impugnação fáctica também improcede.
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Em resumo, julga-se apenas parcialmente procedente a impugnação fáctica, com eliminação do ponto 5 do elenco de factos provados.

Em consequência, a matéria de facto provada fica assim estabelecida:
1. A R. é uma sociedade que tem como actividade comercial a criação, compra e venda e compra para revenda de cavalos e quaisquer actividades turísticas relacionadas, bem como a exploração, gestão e administração de empreendimentos turísticos, de estabelecimentos de alojamento local e estabelecimentos de animação turística e actividades e prestação de serviços conexas.
2. No desenvolvimento da sua actividade, a R. contratou o A., em 10/09/2020, para, nas instalações da R. sitas em …, desempenhar as funções de gestor da propriedade em geral, gestão da coudelaria, gestão e administração e cultivo dos terrenos agrícolas e gestão e direcção dos trabalhadores e funcionários da R., contra o pagamento da retribuição mensal de 2.000,00 euros brutos.
3. O horário de trabalho do A. era de 40 horas semanais, correspondente a 8 horas diárias.
4. No ano de 2021, o A. gozou 22 dias, acrescidos dos 7 dias referentes ao ano de 2020.
5. (eliminado).
6. A R. pagou ao A. os proporcionais das férias, subsídio de férias e subsídio de Natal pelo tempo de trabalho prestado no ano de 2023.
7. Desde pelo menos o mês de Outubro de 2022 e até finais de Novembro de 2022, o A. trabalhou em três fins de semana (sábado e domingo).
8. O A. foi buscar os sócios-gerentes da R. ao aeroporto, pelo menos numa ocasião, por sua livre e espontânea vontade, tendo o A. gozado um dia de folga na semana seguinte.
9. No ano de 2022, o A. recebeu 38 horas de formação profissional.
10. Por carta datada de 4/01/2023, o A. solicitou à R. que retirasse o seu contacto de telemóvel junto de entidades como a Leroy Merlin, Meo, etc.
11. A R. respondeu à missiva, em 13/01/2023, invocando, para além do mais, que a cedência do contacto do A. junto de entidades terceiras nunca foi realizada sem o seu consentimento, tendo o próprio tomado iniciativa de o ceder em algumas situações.
12. Em 16.01.2023 a R. comunicou ao A. a cessação do contrato com efeitos imediatos.
13. A R. pagou ao A. os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal relativos ao trabalho prestado no ano de 2023.
14. A R. reteve a quantia devida ao A. referente à compensação por efeito da cessação do contrato de comissão de serviço e à indemnização pela falta de aviso prévio até que o A. procedesse à entrega dos cavalos Alfama e Queen.
15. A R. elaborou certificado de trabalho datado de 23/01/2023, fazendo constar no mesmo que o contrato de comissão de serviço celebrado com o A. cessou em 16/01/2023.
16. E remeteu-o ao A., juntamente com o modelo 5044 e a declaração anual de rendimentos, por carta datada de 26/01/2023, recebida por ele em 31/01/2023.
17. Do texto do contrato referido em 2., na sua cláusula décima segunda, resulta o seguinte:
“1. As partes podem, nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do Código do Trabalho, livremente fazer cessar o presente contrato, mediante comunicação escrita à contraparte, com uma antecedência mínima de 30 ou 60 dias, consoante o mesmo tenha durado até dois anos ou período superior.
2. O incumprimento com o prazo do pré-aviso estabelecido no número anterior constitui a parte faltosa na obrigação do pagamento de indemnização correspondente à retribuição base e diuturnidades correspondente ao período em falta, sem prejuízo da responsabilidade civil pelos danos causados em virtude da inobservância do prazo de aviso prévio.”.

APLICANDO O DIREITO
Das férias e respectivo subsídio
A sentença julgou improcedente o pedido relativo às férias vencidas em 01.01.2023 e ao respectivo subsídio, argumentando que as férias que o A. estava a gozar não eram relativas ao ano civil anterior, mas ao ano em que eram gozadas.
Porém, para além do art. 237.º n.º 2 do Código do Trabalho dispor que o direito a férias, em regra, reporta-se ao trabalho prestado no ano civil anterior, não estando condicionado à assiduidade ou efectividade de serviço, também decorre do art. 239.º n.ºs 1, 2 e 3, o direito a dois dias úteis de férias por cada mês de duração do contrato no ano da admissão, até 20 dias, a gozar após seis meses completos de execução do contrato, não podendo resultar o gozo, no mesmo ano civil, de mais de 30 dias úteis de férias, sem prejuízo do disposto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
Daí que, tal como se decidiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 25.10.2023 (proferido no Proc. 117/23.3T8TVD.L1-4 e publicado em DGSI), “Sendo o trabalhador admitido em Agosto de um determinado ano, tem o mesmo direito a 2 dias úteis de férias por cada mês do trabalho prestado nesse ano e no dia 1 de Janeiro do ano subsequente ao da admissão, adquire o direito a 22 dias úteis de férias, o qual se vence após seis meses de execução do contrato, sendo coincidente o momento do vencimento de ambos os direitos a férias.”
No caso, o facto do trabalhador ter gozado no ano de 2021, 22+7 dias úteis de férias, nada tem de anormal, representa apenas a aplicação das regras supra mencionadas – que apenas poderiam ser afastadas pelo contrato individual de trabalho se este estabelecesse condições mais favoráveis para o trabalhador (art. 3.º n.º 4 do Código do Trabalho).
Chegando ao ano de cessação do contrato de trabalho, a norma a aplicar é a do art. 245.º n.º 1 do Código do Trabalho: tem o trabalhador direito aos proporcionais do tempo de serviço prestado no ano de cessação (no caso, já pago e esta questão não está em discussão no recurso), e às correspondentes férias vencidas e não gozadas.
No caso, não sendo aplicável a excepção do n.º 3 do art. 245.º, pois o contrato não findou no ano subsequente ao da admissão, o trabalhador tem direito à retribuição das férias vencidas em 01.01.2023, acrescida do respectivo subsídio – arts. 237.º n.º 1 e 264.º n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho.
O recurso procede, pois, quanto aos pedidos de € 2.000,00, a título de férias vencidas em 01.01.2023, e de € 2.000,00, pelo correspondente subsídio.

Do ónus de alegação e prova da prestação de trabalho suplementar
A propósito deste tema, já se decidiu no Supremo Tribunal de Justiça que “não tendo sido prévia e expressamente determinada, não é de considerar como realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador a prestação de trabalho suplementar realizada a título espontâneo, prolongada para além do contratado período (de mais uma hora) de isenção de horário de trabalho, se o trabalhador não alegou/demonstrou que trabalho prestou suplementarmente, concretizando-o e justificando a sua necessidade.” Em Acórdão de 17.12.2014 (Proc. 1364/11.6TTCBR.C1.S1), publicado em www.dgsi.pt.
Podemos afirmar que o trabalhador que invoca a prestação de trabalho suplementar deve alegar – e provar – não apenas quais os horários de trabalho praticados ao longo da relação laboral, mas ainda quais os dias e horas em que prestou trabalho para além desses horários e que o mesmo foi prévia e expressamente determinado, ou realizado de modo a não ser previsível a oposição do empregador. Apenas assim se poderá apurar a regularidade e periodicidade dessa prestação laboral para além do horário definido e determinar qual o montante que corresponde ao efectivo pagamento desse trabalho.
Maria do Rosário Palma Ramalho ensina que a determinação da realização do trabalho suplementar “cabe ao empregador, uma vez que se funda em motivos de gestão ou de força maior que só a ele cabe avaliar”, não sendo de “qualificar como trabalho suplementar o prestado pelo trabalhador fora do seu horário de trabalho, a título espontâneo e sem para tal ter sido solicitado pelo empregador”, tanto mais que a norma que admite a prestação de trabalho suplementar espontâneo – art. 268.º n.º 2, in fine, do Código do Trabalho – deve ser interpretada de modo restritivo, “sob pena de permitir que a gestão do trabalho suplementar passe a caber ao trabalhador, o que contraria frontalmente a razão de ser da figura”. In Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 6.ª ed., 2016, págs. 425-426.
Ainda de acordo com a mesma autora, “só é reclamável o pagamento de trabalho suplementar determinado expressamente pelo empregador, devendo o trabalho suplementar espontâneo ser justificado pelo trabalhador nos mesmos termos objectivos de indispensabilidade de gestão ou de força maior que fundamentam o recurso à figura, de acordo com o art. 227.º n.ºs 1 e 2, para que possa reclamar o respectivo pagamento.” Idem, pág. 426.
Ora, como correctamente se observa na sentença recorrida, para além do trabalho em três fins-de-semana dos meses Outubro e Novembro de 2022, nada mais está provado.
Mesmo nesses fins-de-semana, desconhece-se qual o número de horas de trabalho prestadas, que a sentença remeteu para liquidação.
Mas certo é que não está provado que tenha sido determinada ao A. a prestação de trabalho suplementar noutros períodos, como igualmente não está provado que o eventual trabalho suplementar espontâneo prestado se justificasse em termos objectivos de indispensabilidade de gestão ou de força maior, enquadrável nos n.ºs 1 e 2 do art. 227.º do Código do Trabalho.
Não tendo cumprido o ónus de prova que lhe assistia, apenas resta concluir que o recurso do A., nesta parte, não merece atendimento.

Da formação profissional
A sentença decidiu não reconhecer o crédito reclamado pelo trabalhador a este título, argumentando que era seu ónus de prova demonstrar que não recebeu as horas de formação que peticiona, e como não demonstrou esse facto negativo, a sua pretensão deveria improceder.
Decorre do art. 134.º do Código do Trabalho que em caso de cessação do contrato de trabalho, em que haja horas de formação profissional que não tenham sido ministradas pelo empregador, este deve liquidar quer as horas que já se transformaram em crédito, quer as que se venceram nos últimos dois anos de execução do contrato e que ainda não se converteram em crédito de horas. Neste sentido, vide o Acórdão da Relação do Porto de 03.06.2019 (Proc. 1418/18.8T8VNG.P1) e os Acórdãos da Relação de Coimbra de 09.11.2022 (Proc. 3147/19.6T8VIS.C1) e de 13.01.2023 (Proc. 5265/21.1T8CBR.C1), todos publicados em www.dgsi.pt.
Como se trata de facto extintivo do direito invocado pelo trabalhador, compete ao empregador, contra quem a invocação é feita, demonstrar o cumprimento dessa obrigação – art. 342.º n.º 2 do Código Civil.
No caso, a empregadora apenas demonstrou que ministrou ao trabalhador, no ano de 2022, 38 horas de formação profissional, pelo que não cumpriu o seu ónus de prova quanto às demais horas, que assim são devidas.
Tais horas, calculadas nos termos dos arts. 131.º n.º 2 e 132.º n.ºs e 6 do Código do Trabalho, ascendem a um total de 94,13 horas O cálculo é o seguinte: (113/365 x 40) = 12,38 horas proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano de admissão, 80 horas pelos anos de 2021 e 2022, e (16/365 x 40) = 1,75 horas proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano de cessação do contrato., ao qual há a deduzir as 38 horas já concedidas.
Como tal, o crédito do trabalhador, devido pelas 56,13 horas de formação profissional não ministrada, utilizando a fórmula contida no art. 271.º n.º 1 do Código do Trabalho, ascende a € 647,65. O cálculo é o seguinte: (€ 2.000,00 x 12) : (52 x 40) x 56,13 = € 647,65.

Da indemnização por danos não patrimoniais
Nesta parte, concordamos com a sentença, pois o A. não demonstrou danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Os factos apurados não demonstram qualquer comportamento da empregadora atentatório da honra e dignidade do trabalhador, ou que constituam violação do seu dever de respeito e de urbanidade, inscrito no art. 127.º n.º 1 al. a) do Código do Trabalho.
Como tal, nesta parte o recurso não deve proceder.

DECISÃO
Destarte, concede-se parcial provimento ao recurso, indo a Ré condenada, para além das quantias já definidas na sentença, ainda no pagamento dos seguintes valores:
a) a título de férias vencidas a 01.01.2023 e respectivo subsídio, a quantia de € 4.000,00;
b) a título de formação profissional não ministrada, a quantia de € 647,65;
c) valores estes acrescidos de juros, à taxa legal, desde a data de cessação do contrato e até integral pagamento.
Custas na proporção do decaimento.

Évora, 30 de Janeiro de 2025

Mário Branco Coelho (relator)
Emília Ramos Costa
Paula do Paço