Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1162/07.1GDLLE.E1
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
NULIDADE DA SENTENÇA
Data do Acordão: 03/11/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
A sentença enferma do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada por não terem sido apurados factos quanto à vivência do arguido, de ordem pessoal, económica e familiar, indispensáveis à escolha fundamentada entre as penas principais de prisão e multa estabelecidas em alternativa no tipo legal, mas também à quantificação da pena principal e, ainda, à ponderação e eventual aplicação de pena de substituição aplicável, sobretudo no caso de vir a optar – como fez – pela pena principal de prisão.
Decisão Texto Integral:
Em conferência, acordam os na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório

1. Nos presentes autos que correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Loulé, o MP deduziu acusação contra B., solteiro, servente de pedreiro, residente…, em Quarteira, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de roubo, previsto e punido no artigo 210°, n° 1, do Código Penal.

2. - Realizada a Audiência de discussão e julgamento foi o arguido condenado pela prática de um crime de furto p. e p., p. e p. pelo artigo 203.º, n.º1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão.

3. – Inconformado, recorreu o arguido, formulando as seguintes

«Conclusões:

a) Decorre da decisão recorrida, que o arguido vai condenado a uma pena prisão efectiva, de 1 ano e 4 meses, por factos cuja ilicitude: (mão é particularmente grave, atento o bem que o arguido furtou: um telemóvel. entretanto recuperado, no valor de €89,91.

b) No que respeita às penas de prisão com curto duração, o legislador tomou uma concreta opção, relegando-as para ultima ratio, e simultaneamente obrigando o tribunal a equacionar cabalmente a possibilidade de suspensão da execução da pena.

c) Ora, para que tal desiderato seja cumprido, o Tribunal terá de assentar tal juízo de prognose, seja favorável ou desfavorável, em bases de facto capazes de o suportarem com alguma firmeza, capazes de fundamentar especificamente a denegação da suspensão da execução da pena de prisão.

Porém,

d) Nos presentes autos, o Tribunal omitiu o dever de pronúncia sustentada sobre a desfavorável prognose, no caso concreto, dos efeitos da aplicação de outra pena que não a de prisão efectiva, ou seja, a possibilidade de reintegrar o agente na sociedade através daquela que é a medida extrema, com os inerentes riscos ao nível da estigmatização que Impedirá definitivamente a reintegração, pelo que só aqui alegar-se a nulidade, nos termos do art. 379.°, n." 1, 01. c), do CPP.

e) Nos caso dos autos, o Tribunal aplicou uma pena de prisão não superior a 3 anos, sem tratar o caso concreto, razão pela qual não indagou quaisquer factos que lhe permitam concluir por uma ou outra opção, não se munindo sequer de um relatório social capazes de induzir a esse juízo de prognose, conforme deveria oficiosamente fazer na esteira do dever de perseguir a verdade e a justiça, a que está vinculado.

f) Consequentemente a tal falta de indagação, aliás, ocorre a absoluta ausência de qualquer referência ao contexto em que o ilícito foi praticado pelo Arguido, ao seu enquadramento sócio-económico e familiar, a inexistência de um relatório social, e consequente? Inexistência de assento fáctico necessário à discussão da necessidade de aplicar ao arguido uma pena de reclusão, com a consequente insuficiência da matéria de facto apurada, com a nulidade daí decorrente, nos termos do artigo 410°, n° 2, alínea a), do CPP.

g) Foi exactamente nesta esteira, que o tribunal o quo decidiu que «a pena de multa não é suficiente para afastar o arguido da prática delituoso, nem sequer uma pena de prisão que fosse suspensa na sua execução», sem que se compreenda concretamente porquê, ou como lhe sobreveio essa conclusão.

h) E é por isso, que a decisão recorrida vem sustentada com recurso a expressões vazias de conteúdo, socorrendo-se de generalidades, abstracções e argumentos vazios de conteúdos, plasmados em fórmulas tabelares, temores sociais, considerações subjectivas e ecuménicas, sem nenhuma relação directa ao caso dos autos, limitando-se fazer uma referência vaga, perfunctória e superficial sobre as condições legalmente estabelecidas, sem lhes subsumir o caso concreto e sem efectivamente as sopesar, contrabalançando os interesses em jogo.

i) Efectivamente, «atender à gravidade do ilícito praticado», após mais acima no texto da mesma decisão considerar que. (a ilicitude não é particularmente grave», ultrapassa a contradição entre os fundamentos e a decisão, consubstanciando completa falta especificar os motivos de facto e de direito da decisão, a que obriga o artigo 205.°, n. ° 1, da CRP. que constitui nulidade de conhecimento oficioso nos termos dos artigos 379°, n. Os " 01. a), e 2, e 374.°, n. ° 2, do CPP.

E sem conceder,

j) É objectivamente chocante desrazoável. desproporcional e ilegal a pena de prisão de um ano e quatro meses aplicada ao jovem arguido, por furto simples de um telemóvel, entretanto recuperado, no valor de 90 euros, pois se a não suspensão da pena, no caso dos autos, resulta na violação do art." 50°, do Código Penal, a própria medida da pena violou todos os princípios que lhe são ínsitos, no art. 40° e 71°, do Código Penal.

k) Tudo na decisão recorrida indica que o Arguido foi condenado pelos crimes que anteriormente praticou, e não pelo crime julgado nos autos, conclusão que deve ser retirada, desde logo - mas não só - do facto de o arguido ser punido com uma pena de prisão de 1 ano e quatro meses, por furto simples, durante o período de suspensão de uma pena de prisão de 7 meses, que lhe foi aplicada por um crime de furto qualificado.

I) Tal decisão, é redutora da função dos Tribunais, limitando-se a punir o arguido como um exemplar que tem de ser afastado da sociedade, e não como uma pessoa humana que terá que ser nela integrado, chegando a ser ofensiva do princípio da dignidade da pessoa humana, violadora dos artigos 1 ° e 20°, da nossa Constituição.

m) A determinação da medida está sujeita aos limites definidos na lei, ou seja: a necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto - tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada [prevenção geral positiva ou de reintegração) temperada pela necessidade de reintegração social do agente e tendo com o limite inultrapassável da medida da culpa.

n) Portanto, tutela dos bens jurídicos e reinserção do agente são as finalidades da aplicação de uma pena que não poderá nunca ultrapassar a medida da culpa e que não visa apenas punir, e muito menos obstaculizar à reintegração do agente, ou sequer, afastá-lo da sociedade, para sossegar esta da frequência estatística do crime cometido!

o) Debalde, a decisão recorrida limita-se a constatar que ao arguido já anteriormente foi aplicada uma pena de prisão suspensa na respectiva execução, sem porém se ater ao facto de o consumo de estupefacientes, pelo qual o arguido foi condenado por sentenças de 25/11 /1997 e 10/03/1997 (aliás descriminalizados), indiciar claramente uma situação de desenquadramento pessoal, que impõe, para que possa ocorrer a ressocialização, que a pena de prisão a aplicar seja suspensa na respectiva execução, com sujeição a regime de prova.

p) E, sem conceder, será sempre desadequada, exagerada e desproporcional à protecção dos bens jurídicos protegidos, a aplicação de uma pena de prisão de 1 ano e 4 meses, pelo furto de um telemóvel, devendo a mesma ser substituída por pena de trabalho, prisão por dias livres, semidetenção, previstas nos artigos 43°, nº l, 450, 46°, ou subsidiariamente, ser reduzida, para nunca mais do que 6 meses de prisão, sob pena de ocorrer probabilidade séria de ser posta em crise a reinserção do agente na sociedade.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, e em consequência deverá a sentença recorrida ser anulada, ou, caso assim não se entenda, revogada e substituída por Acórdão que determine a aplicação de uma pena de prisão, suspensa na respectiva execução e acompanhada de regime de prova, assim se fazendo a almejada JUSTIÇA. »

4. – Notificado para o efeito, o MP junto do tribunal a quo apresentou a sua resposta, pugnando aí pela total improcedência do recurso.

5. - Nesta Relação, a senhora magistrada do MP emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.

6. – Notificado da junção daquele parecer, o arguido nada veio acrescentar.

7. – Transcrição (parcial) da sentença recorrida.

« - Factos provados

Discutida a causa, consideram-se provados os seguintes factos:

1. No dia 6 de Outubro de 2007, pelas 08h 10, o arguido encontrava-se na Avenida Carlos Mota Pinto, em Quarteira, junto ao Bar "Tropix", quando se apercebeu que por ali caminhava, sozinho, A..

2. De imediato, com o propósito de se apoderar do que de valor aquele tivesse em seu poder, o arguido decidiu abordá-lo.

3. Na sequência disso, aproximou-se de André Câmara e, num tom de voz alto e intimidatório solicitou-lhe que lhe entregasse o telemóvel que trazia consigo.

4. Sentindo-se intimidado, A. entregou-lhe o seu telemóvel de marca "NOKIA", modelo 6070 no valor de € 89,91 (oitenta e nove euros e noventa e um cêntimos).

5. Tal telemóvel foi, porém, recuperado, nesse mesmo dia, por militares da Guarda Nacional Republicana e entregue ao seu proprietário.

6. Ao actuar da forma descrita, o arguido fê-lo com o propósito concretizado de se apoderar do que de valor encontrasse na posse de A.

7. Agiu de forma voluntária, livre e consciente.

Mais se provou que:

8. O arguido foi condenado no âmbito dos seguintes processos

I. Processo Comum Singular n.º ---/97 7 GOLLE. do 10 Juízo de Loulé, na pena de 6000$00 de multa, por sentença datada de 25-11-1997, pela prática, em 29-03-1997, de um crime de consumo de droga;

II.Processo Comum Singular n° ---/97.0 GOLLE, do 1 ° Juízo de Loulé, na pena de 22.000$00 de multa, por sentença datada de 04-03-1998, pela prática, em 10-03-1997, de um crime de ofensas à integridade física simples e de um crime de consumo de estupefacientes;

III. Processo Comum Singular n° ---/98.4 GBLLE, do 1 ° Juízo de Loulé, na pena de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, por sentença transitada em julgado em 11-05-2002, pela prática, em 12-04-1998, de um crime de ofensa à integridade física qualificada;

IV Processo Comum Colectivo n.º---/04.8 GDLLE, do 1 ° Juizo Criminal de Loulé, na pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução por 3 anos, por acórdão transitado em julgado em 22-06-2006, pela prática, em 06-06-2004, de um crime de furto qualificado; e

V - Processo Comum Colectivo n.º---/050 GDLLE, do 1 ° Juizo Criminal de Loulé, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, por acórdão transitado em julgado em 04-03-2009, pela prática, em 04-06- 2005, de um crime de furto qualificado.

IV – Factos não provados

Não se provaram quaisquer outros factos relevantes para a decisão da causa.
Designadamente, não se provou que:

1. O arguido disse ao ofendido, em tom intimidatório, "dá-me
tudo o que tens nos bolsos senão levas porrada"
2. Temendo pela sua integridade física e até pela própria vida.
3. O arguido procurou apropriar-se do telemóvel aludido mediante ameaça de perigo iminente para a integridade física.

(…)
VII – Medida da Pena

Preceitua o art 40° do Código Penal que "a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade" (n.? 1), sendo que "em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa" (n." 2).

O art. 71 ° do mesmo diploma estipula, por outro lado, que "a determinação da medida da pena, dentro dos limites definídos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção" (n.º1 ).

O limite máximo da pena fixar-se-á - em salvaguarda da dignidade humana do agente - em função da medida da culpa, que a delimitará por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir.
O seu limite mínimo é dado pelo "quantum" da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos penalmente protegidos,

Dentro destes dois limites, encontrar-se-á o espaço possível de resposta às necessidades de reintegração social do agente.

Numa concepção moderna, a finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral, o que significa "que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto, (. . .) alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada" (ANABELA MIRANDA RODRIGUES, in A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra Editora, p 570).

"Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração - entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos -, podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena Esta deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia óptima de protecção dos bens jurídicos" (neste sentido, FIGUEIREDO DIAS, in As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, pp. 230 e 231).

Para concretização destes enunciados o tribunal deverá atender "a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele" (art. 71°, n.º 2, do Cód. Penal).

O crime de furto, previsto no artigo 203.o,no 1, do Código Penal, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

Nos presentes autos, a ilicitude não é particularmente grave atenta a quantidade de bens que o arguido furtou - um telemóvel - e o valor do mesmo - € 89,91.

Acresce que, ainda que para isso não tenha contribuído o arguido, o certo é que o telemóvel em causa foi recuperado.

O dolo é directo, assumindo a sua forma mais gravosa.

No que concerne às exigências de prevenção de futuros crimes, estas são prementes, atendendo, principalmente ao elevado número de crimes contra o património que são diariamente cometidos neste país e em particular, nesta comarca de forma crescente.

As necessidades de prevenção especial são elevadas na medida em que o arguido já tem antecedentes criminais por crimes de consumo de estupefacientes, ofensas à integridade física, nomeadamente qualificadas, e dois crimes de furto qualificado, praticados estes há menos de cinco anos, mais concretamente, o primeiro pelo qual foi condenado praticado em 2004, o segundo praticado menos de um ano depois, ou seja, em 2005, sendo que dois anos depois volta a delinquir praticando novo crime de furto que está em causa nestes autos. Importa ainda atender a um percurso criminoso que se arrasta desde 1997 e ao qual o arguido não colocou cobro.

Face a todo o circunstancialismo descrito, entende-se que a pena de multa não é suficiente para afastar o arguido da prática delituosa, nem sequer uma pena de prisão que fosse suspensa na sua execução.

Efectivamente, importa atender a que os factos praticados pelo arguido nestes autos o foram no período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe fora aplicada no processo comum colectivo n° 775/04.8 GOLLE, não tendo esta pena sido suficiente para que não voltasse a delinquir. Importa ainda atender à gravidade do ilícito praticado, à incontestável danosidade social que o mesmo implica e os sentimentos de intranquilidade, insegurança e agitação que lhe estão associados.

Assim só uma pena de prisão efectiva se afigura suficiente para acautelar as necessidades de prevenção que no caso se fazem sentir,

Bem como só esta se mostra ajustada à culpa do arguido, devendo fixar-se a mesma em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso.

É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios elencados no n.º 2, do art. 410°, do Código de Processo Penal.

No caso concreto o recorrente invoca:

- O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada prevista no art. 410º nº 2 a) do CPP, por falta de apuramento de factos determinantes para a escolha e medida da pena;

- A nulidade da sentença recorrida com fundamento em:

- Omissão de pronúncia, nos termos do art. 379º nº 1 al. c) do CPP, por não se ter pronunciado sustentadamente sobre a possibilidade de aplicar ao arguido pena não privativa da liberdade;

- Falta de fundamentação, nos termos do art. 379º nº1 al. a) e 2 e 374º nº2, do CPP, por não indicar os motivos de facto e de direito que fundamentem a determinação concreta da pena em 1 ano e 4 meses de prisão;

Subsidiariamente, o arguido invoca ser aquela pena concreta desadequada, exagerada e desproporcional à protecção dos bens jurídicos protegidos, devendo a mesma ser substituída por pena de trabalho, prisão por dias livres, semidetenção, previstas nos artigos 43°, nº 1, 45º, 46°, ou subsidiariamente, ser reduzida, para nunca mais do que 6 meses de prisão, sob pena de ocorrer probabilidade séria de ser posta em crise a reinserção do agente na sociedade.

2. Decidindo.

2.1.- Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

a) Resulta da simples leitura da decisão recorrida que, efectivamente, o tribunal a quo apenas apurou factos relativos aos elementos do crime e aos antecedentes criminais do arguido, ignorando a relevância dos factos relativos às condições pessoais do agente e à sua situação económica, bem como os deveres oficiosos do tribunal relativamente ao apuramento de tais factos.

Na verdade, o art. 71º do C. Penal expressamente refere os factos daquela natureza entre os factores determinantes da medida concreta da pena, tal como o artº 371º do CPP se refere à personalidade e às condições de vida do arguido a propósito da determinação da sanção e o nº1 do art. 369º nº1 do mesmo Diploma Legal reporta-se à perícia sobre a personalidade e ao relatório social, instrumento este que, tal como a informação dos serviços do IRS (cfr art. 370º do CPP), é um meio de a actual DGRS levar ao processo factos relevantes sobre a inserção familiar e sócio-profissional do arguido, a sua situação pessoal, familiar, escolar, laboral ou social, tendo em vista auxiliar o tribunal ou o juiz no conhecimento da personalidade do arguido, nomeadamente para efeitos de escolha e determinação da pena, como aludido (cfr art. 1º g) e h), do CPP).

A relevância que o C. Penal e o C.P.P. atribuem ao conhecimento dos factos relativos à personalidade do arguido, às suas condições pessoais e situação económica, resulta, em larga medida, da consideração de que “… é indispensável o conhecimento completo da personalidade dos delinquentes, com vista à correcta determinação da pena, conforme aos postulados da prevenção especial e da ressocialização dos criminosos. “. [1] Esta concepção sobre as finalidades das penas, embora subsidiária das sugestões do pensamento positivista e neo-positivista e potenciada pelos contributos da teoria da defesa social, enforma o pensamento ressocializador bem presente no C. Penal de 1982 e esteve na origem da revisão do ”… estatuto epistemológico do processo penal que, de actividade orientada apenas para o conhecimento dos elementos constitutivos da infracção criminal [se orientou] para a análise, não só das condicionantes morfológicas, funcionais e psíquicas que, na prática, funcionam como elementos de predisposição para o crime, mas também dos factores exógenos e ambientais propiciadores da actividade delituosa.” [2]
Daí, que o actual C.P.P. atribua maior autonomia ao momento da escolha e determinação da pena (arts. 369º a 371º, do C.P.P.), face à questão da culpa (art. 368º do C.P.P.) e conceda amplos poderes de decisão ao juiz e de impulso ao MP, prevendo e regulando mesmo a prestação de assessoria qualificada, por parte da actual GDRS, fundamental em toda esta matéria.

b) No caso sub judice, nada se diz sobre os factos daquela natureza e não resulta dos autos que o tribunal tenha feito qualquer diligência com vista ao apuramento desses mesmos factos, nomeadamente solicitando à DGRS algum dos instrumentos processualmente previstos.

É verdade que não resulta igualmente dos autos que a defesa ou o MP tenham requerido ou promovido algo nesse sentido. Todavia, o nosso processo penal não é um processo de partes, de puro acusatório, antes a estrutura acusatória do processo é temperada pelo princípio da investigação ou da verdade material, como é por demais sabido, pelo que, não obstante a falta de iniciativa do arguido, impõe-se ao tribunal que procure as bases factuais da sua decisão, desde que tenha a informação mínima necessária sobre os factos pertinentes e respectivas provas não só quanto à questão da culpabilidade, mas também quanto à questão da determinação da sanção, sendo certo que no caso presente nada se fez nesse sentido, nomeadamente junto da DGRS, o que era tão mais importante quanto os antecedentes criminais do arguido suscitavam a hipótese de o tribunal vir a optar pela pena de prisão em detrimento da pena principal de multa (cfr art. 70º do C. Penal).

Impunha-se, pois, o apuramento de factos de ordem pessoal e familiar indispensáveis à escolha fundamentada entre as penas principais de prisão e multa estabelecidas em alternativa no tipo legal, mas também à quantificação da pena principal e, ainda, à ponderação e eventual aplicação de pena de substituição aplicável, sobretudo no caso de vir a optar – como fez – pela pena principal de prisão.

Por último, no domínio das penas curtas de prisão sempre poderá vir a colocar-se a hipótese de substituição de pena de prisão até um ano pelo regime de permanência na habitação, o regime de semidetenção, se o arguido nisso consentir, ou a prisão por dias livres para penas até 1 ano mesmo sem consentimento do arguido – cfr.arts 44º, 45º e 46º, do C. Penal.

Concluímos, pois, que a matéria de facto considerada pelo tribunal a quo é manifestamente insuficiente para a cabal e fundamentada decisão sobre a escolha e determinação da pena, por não se terem apurado factos relativos à personalidade, às condições pessoais e económicas do arguido.

Resultando a insuficiência de factos do texto da decisão recorrida, como sucede manifestamente no caso sub judice, verifica-se o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410º nº 2 a) do C.P.P.. Na verdade, como, por todos, se escreveu no Ac STJ de 4.10.06 [3]É um dado adquirido em termos dogmáticos que o conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem - absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. - e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, visto a sua importância para a decisão, por exemplo para a escolha ou determinação da pena.»

2.2. – Das invocadas nulidade de sentença.

2.2.1. - Quanto à invocada falta de fundamentação, nos termos do art. 379º nº1 al. a) e 2 e 374º nº2, do CPP, em virtude de o tribunal a quo não indicar os motivos de facto e de direito que fundamentem a determinação concreta da pena em 1 ano a 4 meses de prisão, afigura-se-nos que tem o arguido razão quanto à insuficiência da fundamentação exposta, embora tal resulte, em boa parte, do vício de insuficiência anteriormente praticado, pois ao não ter apurados factos de ordem pessoal (grosso modo) sempre a fundamentação seria insatisfatória.

Em todo o caso, impunha-se que o tribunal tivesse ponderado em concreto sobre as circunstâncias relativas ao facto que, não fazendo parte do tipo legal, relevem para a determinação concreta da pena (cfr art. 71º nº2 C.Penal), para que possa compreender-se a medida em que o maior ou menor desvalor da acção ou resultado (ilicitude) contribuem efectivamente para a quantidade de pena necessária, do mesmo modo que deve indicar-se se aquelas e outras circunstâncias (v.g. as consequências do crime), depõem a favor ou contra o arguido, tanto mais que na sua maioria, os factores abstractamente referidos no citado art. 71º do C.Penal, são ambivalentes.

Impõe-se, pois, que o tribunal a quo fundamente concretamente a medida da pena concreta que vier a aplicar depois de pesada a relevância da nova factualidade a apurar, pelo menos através do competente relatório a solicitar à DGRS, tanto mais que a medida concreta antes fixada só por 4 meses não permitia um leque bem mais alargado de alternativas à pena de prisão, visto que actualmente as penas de prisão até um ano podem ser substituídas por multa de substituição (que é compatível com a opção prévia pela pena de prisão em detrimento da pena principal de multa) ou pelas formas alternativas de cumprimento da pena de prisão supra referidas.

2.2.2. – No que respeita à falta de ponderação pelo tribunal a quo sobre a possibilidade de aplicar ao arguido pena não privativa da liberdade, entendemos que também este vício é de assacar à sentença recorrida, não só porque a pretendida inadequação da suspensão da pena é insuficientemente fundamentada em concreto, mas também porque sempre se impunha ao tribunal a quo ponderar sobre a adequação de outra pena não privativa da liberdade em substituição da pena de prisão, por ser claro e repetidamente reafirmado desde o inicio de vigência do C.Penal de 1982 o carácter residual da pena de prisão, sobretudo no domínio da pequena criminalidade.

Assim, porque se mostrava preenchido o respectivo pressuposto formal (pena concreta até 2 anos), teria o tribunal a quo que ponderar sobre a eventual adequação da pena de PTFC, para além da pena suspensa, em qualquer das diversas modalidades que ambas as penas podem assumir.

Ambas são penas de substituição cujos pressupostos formais se mostravam cumpridos, pelo que devia o tribunal a quo ponderar sobre a escolha de cada uma delas, nos mesmos termos.

Em todo o caso, sempre cumpre ter presente que o procedimento legal para escolha e determinação concreta da pena dita que só depois de proceder-se à determinação concreta da pena se procede à operação de escolha de pena substituição da pena concretamente fixada, quer se trate de pena de substituição em sentido estrito (multa de substituição, pena de proibição (art. 43º nº3 C.Penal), PTFC ou pena suspensa), quer em sentido amplo (Regime de PH, regime de semidetenção ou prisão por dias livres), pois o legislador faz depender a aplicabilidade de todas elas de uma determinada medida concreta da prisão aplicada.

Este momento de ponderação sobre a escolha de pena de substituição não se confunde com a operação de escolha da pena principal a que se reporta o art. 70º do C.Penal, em que se opta apenas por um dos tipos de penas previstas no tipo legal, pelo que não devia a sentença recorrida ter-se pronunciado sobre a inadequação da suspensão da pena antes de ter determinado a sua medida concreta, precisamente porque desta pode resultar – como resultava no caso concreto – a necessidade de ponderar também sobre a eventual aplicação de outras medidas de substituição, ou seja, naquele caso, a pena de PTFC.

2.3. – Julgado procedente o recurso por se verificarem os vícios apontados à decisão recorrida, fica prejudicado o conhecimento da última questão suscitada, ou seja, a da alegada desadequação e exagero da pena concretamente aplicada, desde logo porque bem pode suceder que da correcção dos vícios apontados resulte medida concreta mais curta que a anteriormente aplicada.

2.4. - Uma vez que o apontado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada implica o apuramento de factos relativos à personalidade e às condições pessoais e económicas do arguido, com vista a fundamentar nova decisão em matéria de escolha e determinação da pena tendo em conta, nomeadamente, o disposto nos arts. 370º, 369º e 371º, do C.P.P. -, impõe-se o reenvio do processo para novo julgamento (cfr art. 426º do C.P.P.), restrito à matéria da escolha e determinação da pena, a realizar pelo tribunal a que se refere o art. 426º - A do C.P.P., sem prejuízo da consideração do supra decidido em matéria de nulidades de sentença na que vier a proferir-se.

III. Dispositivo

Nesta conformidade, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o presente recurso, determinando o reenvio do processo para o tribunal a que se reporta o art. 426º-A do C.P.P. – sem prejuízo do disposto no art. 40º do CPP -, para que em novo julgamento se apurem factos relativos à personalidade, condições pessoais do arguido e sua situação económica e, subsequentemente, se lavre nova sentença em que se proceda, fundamentadamente, à escolha e determinação da pena, sem prejuízo dos limites impostos pelo respeito do caso julgado quanto à questão da culpabilidade e pela proibição da reformatio in pejus.

Sem custas.

Évora, 11.03.2010
(Processado em computador. Revisto pelo relator.)

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(António João Latas)


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(Carlos Jorge Viana Berguete Coelho)




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[1] A. M. Almeida Costa, O Registo Criminal, Separata do vol XXVII do Suplemento do BFDUC, p. 324.
[2] Cfr J. A. Barreiros, A Ressocialização e o Processo Penal in Cidadão Delinquente. Reinserção Social? IRS-1983, p. 111.
[3] Proferido no proc. nº 2678/06 – 3ª secção criminal e acessível em www.stj.pt (Sumários Boletim Interno nº 106-06)