Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
241/19.7PBSTR.E1
Relator: BERGUETE COLEHO
Descritores: ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
Data do Acordão: 10/20/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1 - A atenuação especial da pena tem que ver com circunstâncias excepcionais, que funcionam como “válvula de segurança” perante a multiplicidade e a diversidade de situações que a vida real revela e a que o legislador, apesar da preocupação de abarcá-las quanto possível, não consegue dar resposta suficientemente justa mediante a previsão abstracta das medidas das penas.

2 - O seu carácter eminentemente excepcional não pode ser esquecido, sob pena das finalidades da punição se verem postergadas, pelo que não é suficiente um quadro em que as atenuantes sejam importantes, mas sim que estas sejam de molde a concluir-se que, só através da “correcção” à medida da pena, se obtém uma solução justa, sempre, contudo, sujeita à acentuada diminuição da ilicitude do facto e da culpa e das necessidades punitivas.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em conferência, na Secção Criminal
do Tribunal da Relação de Évora
*

1. RELATÓRIO

Nos autos em referência, de processo comum, perante tribunal singular, que correu termos no Juízo Local Criminal de Santarém do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, realizado o julgamento e proferida sentença, decidiu-se:
- julgar procedente, por provada, a acusação do Ministério Público e, em consequência,
- condenar o arguido (...), pela prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º, n.ºs 1 e 2, 26.º, 73.º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal (CP), na pena de 180 (cento e oitenta) dias de prisão substituídos, nos termos do art. 44.º, n.º 1, do CP, por igual período de multa à razão diária de sete euros, perfazendo o montante de 1260 euros.

Inconformado com tal decisão, o arguido interpôs recurso, formulando as conclusões:
1. Não se vislumbram no caso em apreço, necessidades de prevenção especial que justifiquem a aplicação de uma pena de prisão de 180 dias, ainda que substituídos por igual tempo de multa à taxa diária de sete euros.
2. Quer as condições pessoais, quer as sociais do agente, não foram devidamente consideradas pelo douto Tribunal recorrido.
3. O tribunal deu como provado os factos constantes nos pontos 21 e 22 da sentença, contudo não considerou tais factos como circunstâncias atenuantes que diminuem a ilicitude do facto e a culpa do agente.
4. A sentença considera relevante a confissão do arguido para a descoberta da verdade, mas acaba por não dar relevo a tal confissão na determinação da medida da pena.
5. O arguido (...) tem vinte e três anos de idade, está integrado familiar e socialmente e não tem antecedentes criminais, factos que não foram suficientemente valorados.
6. Assim, revelam-se violadas as disposições legais constantes dos artigos 71º, nºs 1 e 2, bem como do artigo 40º, nºs 1 e 2, do CP, na medida em que as circunstâncias que depõem a favor do agente não foram devidamente valoradas, conduzindo à aplicação de uma PENA DESAJUSTADA, POR EXCESSIVA.
7. Foi ainda violada a norma incita no artigo 72º, n.º 1 e n.º 2, b), do CP, por nos termos destas disposições e atentas as circunstâncias concretas, haver condições para a aplicação de uma ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA, o que não se verificou.
8. Todas as considerações que supra se teceram relativamente ao crime de Furto Qualificado na forma tentada, pelo qual o ora recorrente foi condenado, não podem deixar de determinar uma redução da medida da pena.

Termos em que revogando a sentença recorrida por outra, que determine a redução da medida da pena
Se fará justiça!

O recurso foi admitido.

O Ministério Público apresentou resposta, concluindo:
1.ª
Vem o arguido recorrer da douta sentença de fls…, que o condenou, pela prática, em autoria material de um crime de furto qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22º, 23º, n.º 1 e 2, 26º, 73º, 203º, n.º 1 e 204, n.º 2 al. e) do Código Penal, na pena de 180 dias de prisão, substituídos por 180 dias de multa à taxa diária de €7,00, no total de €1260,00.
2.ª
Entende o arguido ser excessiva a medida da pena aplicada.
3.ª
A determinação concreta da pena é feita com recurso aos critérios gerais da fixação da medida da pena enunciados no art. 71º do Código Penal.
4.ª
In casu, o crime imputado ao arguido apenas é punido com pena de prisão de 1 mês a cinco anos e quatro meses de prisão. E partindo da referida moldura penal, considerou o tribunal, as fortes exigências de prevenção geral, uma vez que os crimes contra a propriedade têm cada vez mais expressão a nível nacional e as exigências de prevenção especial, que se revelam de pouca intensidade.
5.ª
E considerou ainda os elementos constantes do artigo 71º do Código Penal, e em especial:
- o grau de insegurança gerada pela conduta do arguido,
- o dolo que é directo
. o grau de culpa do arguido – não elevado
- a situação pessoal do arguido, que se encontra socialmente inserido
- a ausência de antecedentes criminais registados.
6.ª
Não se entende, ao contrário do Recorrente, que o tribunal não tivesse em conta na medida da pena o facto de o arguido ser primário, a sua confissão e a sua condição pessoal. Pelo contrário, o tribunal ponderou devidamente tais circunstâncias, situando-se a pena abaixo de 1/3 da pena máxima aplicável.
7.ª
Não poderia o tribunal atenuar a pena nos termos do artigo 72º, n.º 2 al. b) do CP como pretende o Recorrente, pois que dos autos e da sentença não resultam provados factos que integrem a circunstância atenuante aí vertida.
8.ª
O tribunal não pôde ignorar e ponderar o grau de violação do bem jurídico protegido e as consequências (materiais) da conduta do arguido, o modo de execução dos factos, o dolo do arguido, as fortes exigências de prevenção geral. Do mesmo modo, o tribunal também não ignorou todas as circunstâncias que favorecem o arguido (ausência de antecedentes criminais, idade do arguido, culpa não elevada, a sua inserção social e familiar. E desta ponderação de circunstâncias entendemos ser acertada e ajustada a pena aplicada ao arguido.
9.ª
Pelo exposto, entendemos não haver, pois, qualquer fundamento para revogar a douta sentença proferida, devendo ser julgado totalmente improcedente o recurso ora interposto pelo recorrente.
Termos em que, decidindo pela improcedência do recurso, farão V. Exas., como sempre, JUSTIÇA!

Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, louvando-se na referida resposta e no sentido que o recurso deva ser julgado improcedente.

Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), o arguido nada acrescentou.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam, as previstas nos arts. 379.º, n.º 1, e 410, n.ºs 2 e 3, do mesmo diploma.
Assim, reconduz-se a apreciar:
A) - da atenuação especial da medida da pena;
B) - da redução da medida concreta da pena.
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No que ora releva perante o definido objecto, consta da sentença recorrida:
Factos provados:
1.- No dia 21-03-2019, pelas 04h15m, o arguido, com o intuito de se apoderar de bens e de numerário que aí se encontrassem, dirigiu-se ao estabelecimento comercial denominado de (…), da propriedade de (…).
2.- Aí chegado, utilizando uma pedra, o arguido partiu o vidro da porta da entrada e introduziu-se no interior desse estabelecimento comercial.
3.- De seguida, o arguido percorreu e vasculhou tal espaço em busca de bens que lhe interessassem, bem como de numerário, pelo que se aproximou da máquina de tabaco aí existente, e, de imediato, com o propósito de ter acesso ao seu moedeiro, usando as mãos e a força física, empurrou a referida máquina fazendo com que esta caísse no chão.
4.- No entanto, por motivos alheios à sua vontade, o arguido não logrou conseguir a abertura do moedeiro, pelo que veio a abandonar o local pelas 05h22m após ter consumido artigos alimentares que aí se encontravam.
5.- O arguido, ao praticar os factos acima descritos, agiu com o intuito de fazer seus bens e numerário que estivessem no interior do referido estabelecimento, bem sabendo que estes não eram seus e que atuava sem o conhecimento, contra a vontade e em prejuízo do seu legítimo proprietário, e só não logrou conseguir os seus intentos por motivos alheios à sua vontade, designadamente por não ter conseguido aceder ao moedeiro da máquina de tabaco.
6.- De igual forma, o arguido quis e conseguiu danificar o vidro da porta da entrada para, por essa via, entrar em estabelecimento comercial que sabia encontrar-se fechado, bem conhecendo que atuava sem o consentimento, contra a vontade e em prejuízo do seu proprietário.
7.- O arguido bem sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei.
8.- O certificado de registo criminal do Arguido junto aos autos com a referencia não insere qualquer condenação sua.
9- O Arguido (…) é natural de (…), onde viveu com a mãe, pois o pai faleceu por ter sido atingido por arma de fogo, vítima de assalto, pouco depois de o arguido nascer.
10- A infância do arguido decorreu sob uma dinâmica familiar descrita como estruturada, caraterizada pela transmissão de regras, valores e afeto, contando o arguido e a sua mãe com o apoio da família alargada.
11- Aos dois anos de idade do arguido a sua mãe refez a sua vida tendo (...) sido, vítima de maus tratos, por parte do padrasto.
12- A separação do casal ocorreu quando o arguido tinha seis anos de idade, tendo a sua mãe imigrado para Portugal.
13- O Arguido (...) no Brasil com os avós até aos treze anos, altura em que se juntou à progenitora, empregada de limpeza, em Sintra.
14- Relativamente ao percurso escolar o arguido (...) fez um percurso normal no Brasil, tendo em Portugal integrado uma turma de 8.º ano de escolaridade.
15- O Arguido (...) não conseguiu adaptar-se ao sistema de ensino português, tendo muitas dificuldades em integrar-se.
16- Desde a sua chegada a Portugal o percurso escolar do arguido foi marcado por desinteresse, registando elevados níveis de absentismo e retenções, acompanhando um grupo de pares onde seria desvalorizado a promoção de competências formativas.
17- O Arguido (...) Abandonou a escola sem concluir o 9.º ano de escolaridade.
18- O Arguido (...) com dezoito anos iniciou atividade profissional num aviário em (…), e aluga um quarto na mesma localidade, pretendendo ter uma vida autónoma.
19- O Arguido (...) passa então a consumir diariamente haxixe, comportamento que virá a desencadear episódios vários de perda consciência e alheamento da realidade.
20- O Arguido (...) na sequência dos consumos excessivos de estupefacientes, começa a viver na rua.
21- O Arguido (...) nessa altura não comia, consumindo conjuntamente com outros jovens na mesma situação, sendo neste contexto que o arguido pratica os factos supraferidos em 1- a 8-.
22- É neste contexto também que o arguido é internado no serviço de psiquiatria do Hospital Distrital de (…), onde permanece internado durante algumas semanas, estabilizando entretanto o seu estado de saúde.
23- O Arguido (...) integrou até há pouco tempo o agregado familiar da mãe, doméstica, e do seu atual marido, reformado.
24- A referida família vive numa quinta própria, situada em (…), e tem uma situação económica confortável, com rendimentos provenientes de rendas de imóveis (1500€/mês), não tendo despesas fixas significativas para além da alimentação e saúde.
25- O Arguido (...) é acompanhado no serviço de psiquiatria e está medicado com injetável mensal e deixou de consumir.
26- O Arguido (...) voltou a trabalhar no antigo aviário sendo readmitido pelo seu ex e actual patrão, auferindo mensalmente cerca de 800 euros.
27- O Arguido (...) vive actualmente com um amigo em casa arrendada ascendendo a renda a cerca de 300 euros mensais pagando cada um deles 150 euros mensais.

Natureza e medida da pena:
Relativamente ao crime de furto qualificado cometido na forma tentada o crime praticado pelo Arguido (...) é punido com uma moldura penal abstracta de um mês a cinco anos e quatro meses de prisão, (artigo 73.º n.º 1, alíneas a) e b) do código penal.).
Ter-se-á em conta na determinação da pena a aplicar ao Arguido (...) o grau de intensidade do ilícito, considerando a respectiva natureza, não elevado, o dolo do Arguido, na modalidade de dolo directo, (art.º 14º, n.º1, do C.P. ), as consequências não muito gravosas resultantes da prática do ilícito, a ausência de antecedentes criminais do Arguido e a sua inserção social.
Atentos os mencionados elementos de ilicitude e culpabilidade entende-se adequado punir o arguido pelo crime praticou com uma pena de 180 de prisão, substituída por igual período de multa nos termos do artigo 44.º, do Código Penal.
No que respeita a taxa diária da multa a cominar ao Arguido prevista no artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal atenta a situação económica do arguido que se provou esta deverá ser graduada em sete euros diários.
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Apreciando:

A) - da atenuação especial da medida da pena:
O recorrente preconiza dever beneficiar da atenuação especial da medida da pena, por referência aos arts. 72.º e 73.º do CP, alegando que confessou integralmente e sem reservas a prática do crime pelo qual vinha acusado e foi julgado, se tratou de uma confissão relevante para a descoberta da verdade e, ainda, o tribunal não ter valorado essa confissão, bem como o provado nos pontos 21 e 22, respetivamente “O Arguido (...) nessa altura não comia, consumindo conjuntamente com outros jovens na mesma situação, sendo neste contexto que o arguido pratica os factos suprarreferidos em 1 a 8.” e “É neste contexto também que o arguido é internado no Hospital Distrital de Santarém, onde permanece internado durante algumas semanas, estabilizando entretanto o seu estado de saúde”, que são circunstâncias que diminuem por forma acentuada a ilicitude do facto e a culpa.
Ora, dispõe o n.º 1 do referido art. 72.º que «O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena», exemplificando-se, no seu n.º 2, circunstâncias que são susceptíveis de relevar para esse efeito.
Conforme Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, pág. 305, princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção.
Trata-se, assim, da consagração de circunstâncias excepcionais, que funcionam como “válvula de segurança” perante a multiplicidade e a diversidade de situações que a vida real revela e a que o legislador, apesar da preocupação de abarcá-las quanto possível, não consegue dar resposta suficientemente justa mediante a previsão abstracta das medidas das penas.
Visa, então, casos que revestem uma fisionomia particularmente pouco acentuada em termos de gravidade da infracção, seja por via da culpa/ilicitude, seja por via da necessidade da pena e, como se lê no acórdão do STJ de 29.04.1998, respectivo sumário, in CJ Acs. STJ, ano VI, tomo II, a pág. 191, A atenuação especial da pena deverá ter lugar quando, na imagem global do facto e de todas as circunstâncias envolventes, a culpa do arguido e a necessidade da pena se apresentam especialmente diminuídos. Ou, por outras palavras, quando o caso não é o “caso normal” suposto pelo legislador, quando estatuiu os limites da moldura correspondente ao tipo de facto descrito na lei e antes, reclama, manifestamente, uma pena inferior, o que se impõe em nome dos valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade.
O seu carácter eminentemente excepcional não pode ser esquecido, sob pena das finalidades da punição se verem postergadas, pelo que não é suficiente um quadro em que as atenuantes sejam importantes, mas sim que estas sejam de molde a concluir-se que, só através da “correcção” à medida da pena, se obtém uma solução justa, sempre, contudo, sujeita à acentuada diminuição da ilicitude do facto e da culpa e das necessidades punitivas.
Ponderados tais aspectos, é manifesto que é de rejeitar que o recorrente usufrua dessa atenuação especial, uma vez que não se mostra preenchida condição alguma que se apresente como tendente a diminuição, e acentuada como seria necessário, da ilicitude e/ou culpa, prevista no n.º 2 do art. 72.º ou outra qualquer.
Embora o Tribunal tivesse considerado que o grau de intensidade do ilícito não foi elevado, o que se aceita, não é bastante para perspectivar a adequação da excepcionalidade de que a atenuação especial se reveste.
Bem como os factores apontados pelo recorrente não servem, também, esse desiderato.

B) - da redução da medida concreta da pena:
Valendo-se dos mesmos argumentos, a que alia, como refere, que tem vinte e três anos de idade, está integrado familiar e socialmente e não tem antecedentes criminais, factos que não foram suficientemente valorados, o recorrente entende que a pena é desajusta e excessiva.
Vejamos.
Como emerge do art. 40.º, n.º 1, do CP, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, elementos decisivos para a determinação da pena concreta, pois constituem as finalidades a que a punição se subordina.
Na protecção de bens jurídicos, vai ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afectem bens e valores, ou seja, de prevenção geral. A previsão, a aplicação ou a execução da pena devem prosseguir igualmente a realização de finalidades preventivas, que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes, isto é, uma finalidade de prevenção especial.
As finalidades das penas - de prevenção geral positiva e de integração e de prevenção especial de socialização - conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.
No actual modelo penal, culpa e prevenção são (…) os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena. (Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 214,
Por seu lado, a medida da culpa funciona como pressuposto axiológico-normativo de qualquer pena, nos termos do n.º 2 daquele art. 40.º, o que significa que não pode exceder, na sua medida, o grau de culpa que se apresente.
Este, no essencial, reconduz-se a um juízo de valor, de apreciação, que enuncia o que a situação em análise, em todos os seus elementos - factuais, do agente, da sociedade -, vale aos olhos da consciência e do que deve ser do ponto de vista da sua validade lógica, ética e do direito (acórdão do STJ de 10.04.1996, in CJ Acs. STJ ano IV, tomo II, pág. 168).
A medida da pena corresponderá, então, a um quantum que varia entre um ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se até atingir o limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.
Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva - entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável -, podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.
Assim, no caso vertente, será a finalidade de tutela e protecção do bem jurídico em causa - a propriedade - que há-de constituir o motivo fundamento da pena; de tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade da norma, que a prevenção geral impõe, sendo de destacar, em concreto, as relevantes exigências de prevenção geral, atenta a frequência de delitos da natureza daquele que o recorrente cometeu, potenciando sentimentos de insegurança na sociedade.
Por seu lado, as exigências de prevenção especial são mais reduzidas - se bem que o recorrente revelasse, à data dos factos, a situação retratada nos referidos factos 21 e 22, suscitando certas reservas -, uma vez que denota estar inserido e sem antecedentes criminais.
Apesar da muito sucinta fundamentação do Tribunal, resulta inteligível, não só pela medida fixada, como pela substituição da prisão por multa a que se procedeu, que atentou nos factores reputados como favoráveis ao recorrente, isto é, à sua confissão, às suas condições pessoais e à ausência de antecedentes criminais.
Na verdade, a medida da prisão em 180 dias situou-se bem distante, quer da média dos limites legais, quer da que corresponderia ao terço do limite máximo, e apenas em 5 meses acima do mínimo legal, o que não consente, de modo algum, que ainda viesse a ser mais reduzida.
E foi substituída por multa (art. 44.º, n.º 1, do CP), em razão da implícita aferição das exigências preventivas e que confluem para que a prisão fosse, efectivamente, desnecessária.
Como tal, tem-se por proporcional, à luz da avaliação de todas as circunstâncias (art. 71.º do CP), sem que represente qualquer excesso relativamente à culpa revelada.
Mediante a correcta ponderação da pena aplicada, mostram-se respeitados os legais critérios.
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3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se:
- negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, em consequência,
- manter a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 3 UC.
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Processado e revisto pelo relator.

20.Outubro.2020
Carlos Jorge Berguete
João Gomes de Sousa