Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | CARLOS DE CAMPOS LOBO | ||
Descritores: | TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES FALTA DE PROMOÇÃO DO PROCESSO BUSCA DOMICILIÁRIA DOMICÍLIO CONCEITO JURÍDICO FORMALIDADES FLAGRANTE DELITO | ||
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Data do Acordão: | 11/22/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I – A nulidade fixada na alínea b) do artigo 119º do CPPenal, na vertente, falta de promoção do processo pelo Mº Pº e face à literalidade ali expressa, encerra um conceito muito mais amplo que a mera referência ao exercício da ação penal, alargando-se, por isso, a toda a atividade que tem a ver com a administração da justiça penal, começando logo pela instauração do procedimento, continuando com a investigação que for devida e com a introdução do feito em juízo (havendo razão para tal) e, mais tarde, com a participação em julgamento e sustentação nele da respetiva acusação (se a prova o consentir) e, finalmente, com a impugnação da decisão tirada. II - Tendo dado entrada, nos serviços do Mº Pº, o expediente percursor dos autos remetido pela Polícia Judiciária, recebido e numerado por funcionário e, nessa mesma data apreciado e verificado por Magistrado do Mº Pº que determinou o seu registo e autuação como inquérito relativo a tráfico de estupefacientes, parece cumprida a exigência legal fixada quanto à promoção do processo pelo Mº Pº. III – Por seu turno, fazendo uma leitura conjugada e integrada dos normativos que se assumem como os artigos 53º, 248º, 249º do CPPenal, 1º, 2º , 7º, n.º 3, alínea i) da Lei nº 48/2008, de 29 de agosto - Lei de Organização de Investigação Criminal (LOIC) e 57º, nº 1 do DL nº 15/93, de 22 de janeiro, é patente que perante dados / indicações que podem apontar para a eventual verificação de um crime, torna-se premente a necessidade de estar alerta e, nessa sequência, que se tome um caminho de prevenção e atenção, devendo a Polícia Judiciária, como lhe incumbe, desencadear e tomar uma série de medidas cautelares e prevenir os riscos que a espera pela intervenção prévia da autoridade judiciária competente possa acarretar para a prova. IV - Equacionar que os inspetores da PJ estão impedidos de agir por forma a que pratiquem os atos necessários e urgentes para assegurar a realização dos meios de obtenção de prova e, nessa medida, impedir que se descobrisse o que se veio a descobrir, sendo porventura o resultado querido pelos arguidos recorrentes, não é seguramente o que os mecanismos previstos na lei pretendem obviar. V – A alegação de que um funcionário, por algumas vezes, durante a noite permanecia num armazém onde fazia trabalho de vigilante e naquele espaço desenvolvia atos atinentes à sua vida íntima e privada, como cozinhar e ali tratar da sua higiene pessoal, não tem o mais pequeno recorte passível de integrar conceito de domicílio. VI -Um vigilante noturno, movendo-se no armazém no exercício da sua atividade profissional, naturalmente, como acontece em muitas situações do tipo, usa uma cozinha e uma casa de banho ali existentes fazendo-o, obviamente, nos tempos de trabalho. VII – Por outro lado, inexistindo o menor dado que elucide que o dito vigilante, recebesse no armazém os seus amigos e familiares, ali proporcionasse jantares / convívios / encontros com amigos e familiares, ali tivesse um despenseiro com os alimentos necessários para certo período de tempo, ali guardasse as suas roupas e outros objetos pessoais, ali recebesse correspondência, ali desenvolvesse a sua vida mais íntima, enfim, ali desenrolasse todo um leque de ações típicas de um “estar em casa”, mostra com clareza que não está retratada a ideia centro da vida pessoal, familiar e social reservada ou privada, inerente à ideia de domicílio, ainda que a coberto de um entendimento amplíssimo. VIII – Havendo buscas, ainda que domiciliárias, às quais os arguidos presenciaram, e perante uma eventual nulidade cometida, deveria a mesma ter sido suscitada ainda antes de ter terminado a busca, o que não aconteceu ou, quando muito, não estando na altura, ao que parece, os arguidos recorrentes acompanhados de advogado, até cinco dias após a notificação do despacho que encerrou o inquérito. IX – Mostra-se cristalino que a realização de uma busca a um armazém, alegadamente em desrespeito das formalidades legais prescritas, não configurando nulidade insanável por não se enquadrar no taxativo enunciado nas diversas alíneas que compõem o artigo 119º do CPPenal, pende a mesma para o que encerra a disciplina inserta no artigo 120º do CPPenal – nulidade dependente de arguição. X – Deste modo, não tendo sido aduzida tempestivamente, essa eventual mácula, nos termos do que rezam os nºs 2 e 3 alínea a) do artigo 120º do CPPenal, está a mesma sanada. Com efeito, (a)s nulidades do artigo 120º, nº 2 alíneas a) a d) (e outras previstas no mesmo regime) ficam sanadas se não forem arguidas nos termos e nas condições processuais referidas no nº 3 do artigo 120º. XI - O flagrante delito, cuja noção legal se mostra denunciada no artigo 256º do CPPenal, exibe três variantes – o flagrante propriamente dito, o quase flagrante delito, presunção de flagrante delito -, e pode em termos gerais considerar-se como a atualidade aparente, visível, do crime (permitindo) surpreender a execução do crime. XII - O flagrante delito, abrangendo todo o processo executivo e até os atos preparatórios no caso destes serem puníveis, mantém-se entre as diversas ações praticadas pelo agente e, nessa medida, existe, verifica-se e vai perdurando, em ilícitos que comportem ações sucessivas, como é o caso do crime de tráfico de estupefacientes. XIII – Nessa senda, havendo indícios – apenas indícios e não fortes indícios e / ou suficientes indícios – como o reclama o artigo 174º, nº 2 do CPPenal, de que objetos relacionados com um crime se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, pode ter lugar a busca. XIV - Esta literalidade escolhida pelo legislador aponta para a ideia de que é o bastante que hajam razões que suportem e revelem uma convicção sobre a probabilidade, ainda que mínima, de existência de um facto por forma a que o dado / sinal indiciador e o facto a provar assumam a possibilidade de uma inferência lógica assente numa máxima de regras da experiência ou numa lei científica. XV – Ante todos e vários movimentos / etapas / diligências tidas pelos arguidos ao longo do tempo que antecedeu o transporte de contentores desde o porto de desembarque ao armazém aliado, aos dados demonstrativos de que nos contentores era disfarçadamente transportada grande quantidade de droga, ao facto de que os arguidos passaram a ter no seu domínio os contentores, ou seja, desde a sua saída do porto até à chegada ao armazém patenteia-se decididamente uma situação de flagrante delito. XVI - Todos os sinais exibidos conduziam e conduziram à perceção clara / evidente / translúcida de que os arguidos estavam a cometer um delito, detendo na sua posse e ao seu total alcance produto estupefaciente face à movimentação que precedeu as buscas, a circunstância de os arguidos estarem diretamente ligados à carga suspeita e a mesma terem sempre controlado desde a sua chegada ao porto de desembarque até ser levada para o armazém. XVII – Defender que por força do estatuído no artigo 9º, nº 1, alínea b) do Decreto-Lei nº 137/2019, de 13 de setembro, não tem a Polícia Judiciária competência para, no âmbito de despacho de delegação genérica de competência de investigação criminal, ordenar a realização das revistas e buscas da competência do Ministério Público significa esvaziar completamente de conteúdo o aludido preceito, ficando por saber quando e em que circunstâncias poderia aquela realizar buscas no âmbito de despacho de delegação genérica de competência de investigação criminal. XVIII – Sufragar esta linha de pensamento seria eliminar toda a ideia / filosofia por detrás do diploma em referência que, aliás, no seguimento do já constante do artigo 11º-A do Decreto-Lei nº 275-A/200, de 9 de novembro (aditamento decorrente da Lei nº 103/2001, de 25 de agosto), ou seja, seria apagar a vontade legislativa no sentido de dotar esta polícia de meios, capacitação e competências para incrementar a prevenção e o controlo da criminalidade grave, violenta e altamente organizada (…) com vista ao esclarecimento célere daquela criminalidade, assente na sua missão primordial de coadjuvação às magistraturas, em especial à Magistratura do Ministério Público, no âmbito da investigação da criminalidade, conferindo uma mais evidente responsabilização daquela por via do reforço das condições de eficiência / eficácia / prontidão no exercício das investigações. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência na Secção Criminal (2ª subsecção) I – Relatório 1.No processo n.º 128/20.0JELSB da Comarca de Setúbal – Juízo Central Criminal – Juiz 3, e na sequência de acusação deduzida pelo Digno Mº Pº, foi proferido Acórdão, condenando os arguidos, A) Os arguidos AA e GG, concluindo: (transcrição) 1. A Polícia Judiciária desde 9 de março de 2020 até 8 de abril do mesmo ano levou a cabo um conjunto de diligências processuais à revelia do Ministério Público; 1.1. A verdadeira questão a dirimir prende-se em saber se um fax enviado pela Polícia Judiciaria para a secretaria dos serviços do Ministério Público (fls.39) foi ou não entregue ao respetivo Magistrado e se este proferiu despacho a pronunciar-se sobre o expediente que recebeu; 1.2. A comunicação é enviada via fax, proveniente do número ...40 e destinou-se ao número ...78. Consultando estes números, através das fontes abertas – ao dispor de todos os cidadãos –, o último dos números pertence à secretaria dos serviços do Ministério Público do .... Ou seja, como é do conhecimento comum, este número é o local para onde todos os intervenientes processuais enviam o expediente processual para se comunicarem com o Ministério Público; 1.3. De fato o expediente é recebido na secretaria do DIAP, mas não há sinal de que tenha sido levado ao conhecimento do Ministério Público; 1.4. A expressão utilizada pelo tribunal, “...que determinou a sua consideração pelo Ministério Público...” à luz de uma linguagem jurídica, diríamos, é completamente impercetível! 1.5. Na verdade, tendo o expediente sido rececionado na secretaria do Ministério Público, como é possível dar o salto para o mesmo ter sido concluso ao respetivo Magistrado e, ainda, que o Ministério Público tenha proferido despacho no sentido de se compreender que tomou conhecimento da existência das referidas diligências e ainda que ordenou o prosseguimento das mesmas; 1.6. Não se diga que o ministério Público podia ter proferido decisão verbal, pois, para além de não existir nos autos qualquer sinal nesse sentido, a mesma teria de ser consignada no auto sob pena da sua inexistência; 1.7. Ao invés, dos autos resulta que o Ministério Público não teve nenhuma intervenção. Assim de fls.1 constam duas assinaturas da Sra. funcionária que recebeu o expediente proveniente da Polícia Judiciária. Com efeito, é esta funcionária – ao que parece de nome JJ – que procede à catalogação do ilícito investigado como de “tráfico de estupefacientes”; 1.8. Como resulta claríssimo, das duas primeiras folhas dos autos pode constatar-se a identificação das Magistradas a quem foi distribuído o processo: Dra. KK e Dra. LL e ainda o Juiz de instrução Dr. MM; 1.9. Se duvidas existissem a data de autuação dos autos ocorreu no dia 7.4.2020 tendo os autos sido distribuídos à Magistrada do MP Dra. LL, conforme resulta das referidas duas primeiras folhas (capas) dos autos; 1.10. Uma interpretação das normas constantes dos artigos 48º, 55º, 96º, 99º, 100º, 118º, 119º, 241º, 248º a 253º e 262º, todos do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que a comunicação dos órgãos de polícia criminal ao Ministério Público, para os efeitos constantes do artigo 248º do mesmo diploma legal, não carece de despacho escrito donde resulte que o MP recebeu, ponderou e tomou uma decisão sobre o expediente enviado inquina de inconstitucionalidade material as referidas normas por violação dos artigos 32º e 219º da Constituição da República Portuguesa. 2. A busca realizada às instalações da firma R..., Lda. sita em ... deve ser considerada domiciliária; 2.1. Contrariamente ao defendido no acórdão, o conceito de domicílio, para efeitos processuais penais, é mais abrangente que o conceito de domicílio civil; 2.2. É indiscutível que, pelo menos, um indivíduo – NN – durante a noite permanecia naquele espaço onde desenvolvia atos atinentes à sua vida íntima e privada; 2.3. O local onde praticava estes atos repartia-os pelas instalações onde se localizava o armazém e o contentor, que faziam parte do mesmo espaço e nesse sentido, tal como se exarou no acórdão, esse indivíduo praticava atos da sua vida íntima e privada naqueles dois locais; 2.4. A circunstância de este indivíduo ter a sua morada no ... não obsta a que não possa ocasionalmente, por períodos temporais, praticar os mesmos atos noutro local, no caso concreto, naquelas instalações; 2.5. Se alguma dúvida existisse o próprio tribunal decidiu que a busca às referidas instalações foi realizada ao abrigo do disposto do artigo 177º do CPP, ou seja, considerou esta busca como domiciliária! Assim, decidiu o tribunal a fls.306 dos autos: “As buscas foram realizadas ao abrigo do disposto no artigo 174, nº5, al. a) e c), e 177º, nº2, al. a) e c), e 3 do CPP, e comunicados em conformidade com o nº6 do referido artigo 174º.” 2.6.O tribunal interpretou as normas constantes dos artigos10º, 12º, 14º, 174º e 177º do CPP com o sentido de que tendo o tribunal em sede de 1º interrogatório classificado uma busca como domiciliaria, volvidos vários meses, sem que houvesse impugnação dessa decisão, o tribunal de julgamento venha a decidir que essa busca não era domiciliaria e por isso não sujeita aos requisitos impostos no referido preceito. Este entendimento viola o estatuído nos artigos 32º e 34º da Constituição da República Portuguesa; 3. Contrariamente ao propendido pelo tribunal a arguição da nulidade da busca não é extemporânea; 3.1. Apesar de o tribunal não fundamentar essa invocada extemporaneidade, sempre se dirá que a entrada num domicílio de forma ilegal, ou seja, não estando verificados os pressupostos elencados no artigo 177º do CPP: autorização judicial, a verificação de alguma das situações constantes das alíneas previstas no nº2 do mesmo preceito, inquina de nulidade insanável a busca a esse local; 3.2. Uma interpretação das normas constantes dos artigos 118º, 119º, 126º, 174º e 177º do Código de Processo Penal segundo a qual a apreciação da legalidade da entrada pelo órgão de polícia criminal numa habitação não possa ser suscitada em sede de julgamento inquina de inconstitucionalidade as referidas normas jurídicas por violação dos artigos 18º, 32º e 34º da Constituição da República Portuguesa. 4. No momento em que a Polícia Judiciária entrou nas instalações da empresa não existia uma situação de flagrante delito; 4.1. De resto é o próprio acórdão a exarar que no momento em que a Polícia Judiciaria detetou os movimentos dos arguidos bem assim como ao conteúdo do contentor, não ultrapassavam as suspeitas, conforme fls. fls.55: “Quanto ao contentor ..., após abertura do mesmo, foi efetuada uma busca sumária à carga bem como à estrutura física do contentor, nomeadamente aparelho de refrigeração, paredes teto e chão, não tendo sido detetado qualquer elemento suspeito (neste aspecto, a prova assenta no Auto de Abertura de Contentor a fls.46). (...) Confirmou o depoente que não sendo possível proceder à confirmação das suspeitas sem afetar a integridade do contentor e da carga e por este motivo procedeu-se ao encerramento do contentor, com vista ao desenvolvimento de novas diligências, não tendo havido qualquer contato com a droga.” E a fls.63 prossegue o acórdão: “Foi confrontado com o auto de fls.72. Referiu que no dia, as condições climatéricas eram de chuva. A equipa externa que fazia a vigilância estaria a cerca de 50 metros e era possível ver o local onde a carga estava a ser descarregada. À distância não conseguiam ver com certeza quais as paletes que traziam o estupefaciente, o qual só foi possível pela abordagem.” 4.2. É fora de dúvida que existiam suspeitas de que alguns dos referidos contentores traziam produto estupefaciente e que só após a abordagem dos arguidos verificaram e confirmaram essas suspeitas. Na sequência, os arguidos foram detidos em flagrante delito, conforme conjugação de fls. 72 e seguintes; 4.3. A fls.72 consta a cronologia da intervenção da Polícia Judiciária. No dia da operação policial a Polícia Judiciária iniciou diligências cerca das 9H11 (fls.72) seguiu o contentor até às instalações da empresa e quando se apercebem de movimentos no interior do armazém procedem à abordagem dos arguidos cerda das 17H20 (fls74). Conforme resulta de fls.100 e seguintes após a abordagem dos arguidos e de terem detetado produto estupefaciente ordenaram a detenção dos mesmos em flagrante delito; 4.4. O flagrante delito ocorre no momento em que os elementos da Polícia Judiciária presenciam (confirmam) que o contentor transportava produto estupefaciente enquadrável na tabela anexa do DL 15/93 de 15/1. E por isso a Polícia Judiciária apenas ordenou a detenção dos arguidos após ter conhecimento de que os contentores transportavam produto estupefaciente; 4.5. O tribunal, com todo o respeito, não interpretou corretamente os ensinamentos de Cavaleiro de Ferreira. O seu grande discípulo – Germano Marques da Silva10 – citando aquele Mestre, de uma forma clara, ensina o que se deve entender por flagrante delito: “É costume distinguir-se na análise de definição legal, o flagrante delito, o quase flagrante delito e a presunção de flagrante delito. Flagrante delito é a actualidade do crime; o agente é surpreendido a cometer um crime. No quase flagrante o agente já não está a cometer, mas é surpreendido logo no momento em que findou a execução, mas sempre ainda no lugar da infração em momento no qual a evidência da infração e do seu autor deriva diretamente da própria surpresa... Nesta noção de flagrante valoriza-se a circunstância de o agente ser surpreendido na prática do crime ou com sinais que evidenciam a sua participação nele. (...) A actualidade e a presença de testemunhas na execução do crime é que caracterizam o flagrante delito.” 4.6. No caso concreto, a Polícia Judiciaria entrou nas instalações da empresa e só depois é que ocorreu o flagrante delito: no momento em que os elementos da PJ detetaram o produto estupefaciente; 4.7. De forma impressiva decidiu o Tribunal ...11, conhecendo de uma situação muito semelhante: “Refira-se ainda, por último, não ter cabimento a tese defendida pelo MP no sentido de a busca haver sido realizada em flagrante delito nos termos da citada alínea c) do citado artigo 174º. É que dimanando dos autos que a primeira tentativa de encontrar droga foi efetuada no camião e fracassou e que foi a busca efectuada no armazém que permitiu encontrar droga e originou o flagrante. O que não é manifestamente o pressuposto configurado na alínea c) do nº4 do artigo 174º do CPP.” 4.8. Uma interpretação das disposições conjugadas dos artigos 174º, 177º e 256º do CPP no sentido de que as suspeitas do cometimento de um crime – por exemplo o transporte de um contentor com suspeitas de no seu interior ser transportado produto estupefaciente – configuram uma situação de flagrante delito legitimando a realização de uma busca no local onde o referido contentor se encontrava, inquina de inconstitucionalidade as referidas normas por violarem os artigos 32º e 34º da Constituição da República Portuguesa; 5. A realização das buscas – previstas no artigo 174º do CPP – não podem ser objeto de delegação de poderes, como defende o acórdão; 5.1. Partilhamos a argumentação de Maia e Costa, Paulo Pinto de Albuquerque e dos Magistrados do Distrito do Porto, opinando “O nº4 prevê que o poder de direcção pode ser exercido por via de despacho de natureza genérica, com ressalva do dever de comunicação da notícia do crime ao MP e da validação da constituição de arguido pelo MP, além dos actos da competência reservada do MP. A directiva nº1/2002, do procurador-geral da República (in DR, II Série, de 4.4.2002) rege os termos da delegação genérica do MP nos OPC. Ela não legitima os órgãos de polícia criminal a praticar actos que não tenham natureza cautelar e urgente antes do despacho de abertura do inquérito proferido pelo MP, como reulta explicitamente da ressalva do artigo 248º, nº1, do CPP e do próprio teor dos pontos II.3 e V.1 da referida directiva.” 5.2. Em face do disposto no n.º 1, o n.º 2 do artigo 270.º do CPP tem o sentido de afirmar e repor a regra da direção do inquérito por parte do Ministério Público (artigo 263.º do CPP) e afirmando-a e repondo-a, a parte final da alínea d) do n.º 2 do artigo 270.º do CPP significa que são atos da competência reservada do Ministério Público, insuscetíveis de delegação, ordenar ou autorizar revistas e buscas, nos termos do n.º 3 do artigo 174.º CPP, isto é, as revistas e buscas para as quais é competente, na medida em que há outras que são da competência reservada do juiz. A parte final da alínea d) do n.º 2 do artigo 270.º do CPP significa ainda que são atos da competência reservada do Ministério Público, insuscetíveis de delegação, ordenar ou autorizar essas revistas e buscas, com respeito pelos limites do n.º 5 do artigo 174.º, isto é as buscas e as revistas para as quais é competente, sem prejuízo das que podem ser efetuadas por órgão de polícia criminal, nos casos previstos no n.º 5 do artigo 174.º; 5.3. A interpretação do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 137/2019 no sentido de que as autoridades de polícia criminal da Polícia Judiciária têm competência, no âmbito de despacho de delegação genérica de competência de investigação criminal, para ordenar a realização das revistas e buscas da competência do Ministério Público nos termos do n.º 3 do artigo 174.º do CPP, viola o artigo 219.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, na parte em que defere ao Ministério Público competência para exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade. Como muito bem se destacou na Exposição de Motivos anteriormente referida, “com efeito, cabendo a direção do processo às autoridades judiciárias, as competências das autoridades de polícia no processo são sempre competências funcionalmente subordinadas, que são exercidas se e quando aquelas o permitirem. A consagração legal destas competências processuais na Lei Orgânica da Polícia Judiciária sublinha por isso esta relação, decorrente do modelo constitucional do processo penal”. O que resulta daquele segmento do artigo 219.º da Constituição é que há matérias de competência reservada do Ministério Público que não podem ser partilhadas com as polícias, tal como há matérias da competência reservada do juiz que não podem ser de todo partilhadas; 5.4. Contrariamente ao propugnado na decisão recorrida o acórdão do Tribunal Constitucional nela citado propugna o entendimento perfilhado pelos recorrentes, pois nele se diz que, “As buscas não domiciliarias são da reserva de competência do Ministério Público, por só assim se garantir que a prova será obtida sem abusiva intromissão na vida privada.” 5.5. Uma interpretação da norma constante do artigo 270º, nº2 e 4 do CPP com o sentido de que o Ministério Público pode delegar genericamente competências aos órgãos de polícia criminal, designadamente à Polícia Judiciária, para a realização de buscas previstas no artigo 174º, nº3do CPP, inquina estas normas de inconstitucionalidade por violarem o estatuído no artigo 219º da CRP; 5.6. A interpretação defendida pelos recorrentes, do artigo 12.º, n.º 1, da Lei n.º 37/2008 é, de resto, a única que é conforme à Constituição; 5.8. O artigo 12.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 37/2008, de 6 de agosto, na interpretação de que as autoridades de polícia criminal referidas no n.º 1 do artigo 11.º têm ainda especial competência para, no âmbito de despacho de delegação genérica de competência de investigação criminal, ordenar as buscas previstas no artigo 174.º do Código de Processo Penal, é inconstitucional por violação do artigo 219.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, na parte em que defere ao Ministério Público competência para exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade; 5.9. Com efeito, a CRP defere expressamente ao Ministério Público as tarefas processuais de investigar e acusar, o que tem como consequência que meios de obtenção da prova como as revistas e as buscas sejam ordenados ou autorizados por quem dirige o inquérito e que o sejam de forma reservada; 5.10. Como a realização de ambas pode contender com direitos fundamentais como os da integridade pessoal (artigo 25.º da CRP) ou da reserva da intimidade da vida privada (artigo 26.º da CRP), interferindo com a pessoa e com os espaços onde desenvolve a sua vida12, só a competência reservada da magistratura do Ministério Público garante a legitimidade constitucional de tais meios de prova. A CRP defere ao Ministério Público a competência para exercer a ação penal, porque a ação penal é orientada pelo princípio da legalidade e porque o Ministério Público é uma magistratura que goza de estatuto próprio e de autonomia (artigo 219.º, n.ºs 1 e 2). Quando a revista ou a busca é ordenada ou autorizada por quem seja autoridade judiciária há a garantia de que a prova não é obtida mediante intromissão abusiva na vida privada que a tornariam nula, segundo o artigo 32.º, n.º 8, da CRP. No Acórdão n.º 7/87, o Tribunal Constitucional entendeu que sendo as buscas não domiciliárias autorizadas ou ordenadas pelo Ministério Público, que é uma autoridade judiciária, fica arredada a possibilidade de considerar que a prova foi obtida mediante abusiva intromissão na vida privada; 6. O acórdão não procedeu a adequado exame critico das provas e ainda incorreu em erro notório na apreciação da prova; 6.1. Os arguidos encetaram um conjunto de diligências no sentido de constituírem uma empresa, contratar empregados para exercerem especificas funções, arrendamento do armazém e encomendar a mercadoria licita; 6.2. Todas estas diligências decorreram segundo as regras da normalidade. Anote-se que um dos arguidos vendeu vários imóveis no ... e trouxe o dinheiro para investir em ... tal como esclareceu a contabilista OO, “O dinheiro para o capital social resultou da venda de propriedades do arguido GG no .... Pensa que as contas refletiam os saldos resultantes das vendas. Chegou a ver escrituras de venda de imobiliário.” 6.3. Importa também considerar que em vários contextos semelhantes – diria com crescimento desse modo de atuação – são cada vez mais os traficantes que introduzem droga na mercadoria licita sem que os transportadores tenham disso conhecimento. São vários os processos já transitados e a decorrer em que esse modus operandi sucedeu; 6.4. No caso concreto, existe um elemento acrescido que se prende com o período em que os factos ocorreram. O contentor foi enviado antes do início da pandemia e chegou a ... no pico da pandemia, em que quase tudo estava confinado; 6.5. Neste contexto, o exame critico do tribunal é, quanto a nós, manifestamente insuficiente; 6.7. Por outro lado, da conjugação dos factos dados como provados e do, ainda que deficiente exame crítico, resulta um erro notório na apreciação da prova; 6.8. Conforme se diz no acórdão (fls.55) à vista desarmada e mesmo após a verificação física do contentor, pelas autoridades competentes, não foi detetado qualquer elemento suspeito; 6.9. No “exame crítico do acórdão” (fls.79) argumenta-se que, “Com base também no depoimento prestado pelas testemunhas PP e QQ foi possível confirmar toda a movimentação dos arguidos aquando da descarga mostrando o arguido AA um particular cuidado na observação da mesma, que documentou retirando fotografias ao exterior e ao interior do contentor, o que nos conduz claramente à conclusão que os arguidos sabiam que os fardos de cocaína se mostravam acondicionados com a polpa de fruta importada.” 6.10. Esta conclusão do tribunal é a todos os títulos inadmissível e contrária às mais elementares regras da vida. Então se alguém tira uma fotografia a uma viatura que transporta algo ilícito presume-se que sabia do conteúdo desse transporte? Que elemento – atentas as regras da vida – fazem presumir tal coisa? Chegando uma carga não é plausível que se tirem fotografias para demonstrar que a carga licita chegou! Olvidou-se o tribunal de referir que os inspetores esclareceram que não perceberam se o arguido tirou uma fotografia aos contentores que não transportavam nada de ilícito. Sim, porque num transporte de mercadorias parece decorrer da normalidade da vida que se tirem fotografias para demonstrar que a carga esta em boas ou más condições. O que não se percebe – nem o tribunal o diz – é qual o motivo que levou o arguido AA a tirar essas fotografias. E muito menos explica qual o elemento lógico que permite retirara ilação “clara” – segundo as palavras do tribunal – para concluir que do tirar essas fotografias se conclui “...os arguidos sabiam que os fardos de cocaína se mostravam acondicionados com a polpa de fruta importada.” O tribunal ainda consegue chegar mais longe: da fotografia tirada pelo arguido AA consegue concluir que, então, todos os arguidos sabiam que os fardos de cocaína se mostravam acondicionados; 6.11. Logo de seguida o acórdão continua com presunções sobre presunções, pois, a fls.80 diz, “Entendemos, bem assim, que o comportamento dos arguidos à descarga da carga mostra claramente que o arguido AA providenciou e contratou a aquisição da carga (...) procurando através dessa ação encobrir o transporta internacional de mais de duas toneladas de cocaína.” 6.12. Mas, que comportamento? O tirar fotografias de um dos arguidos revela que esse arguido e também os outros – que não tiveram nenhuma intervenção na obtenção dessas fotografias –também encobriram a carga de cocaína? É inacreditável o corrupio de presunções sem o mínimo de sustentação probatória e atentando contra as regras da experiência comum; 6.13. A fls.81 o acórdão diz que, “a nossa convicção assentando nos prestados depoimentos e no documento em apreço e na busca documentada a fls.76 e ss. permite relacionar os arguidos aos 60 fardos...” 6.14. Mais uma vez o tribunal não esclarece como do documento de fls. 72 – auto de vigilância completamente inócuo – retira a ilação de que os arguidos tinham conhecimento do teor da carga ilícita; 6.15. O tribunal agarra num outro argumento para tentar demonstrar o conhecimento da carga ilícita por banda dos arguidos. Assim, o acórdão a fls.81 diz, “Por outro lado, a maior energia despendida pelo arguido AA encontra-se ainda nas imagens de fls.90 e ss, através da quais se verifica que o produto estupefaciente se encontrava embalado em sacos brancos com o logotipo da empresa ECOFOODS, acondicionado (como referiu PP) com mesma forma e mesma quantidade que os sacos que continham a carga de blocos de 1Kg de polpa de fruta congelada, como resulta das conversas trocadas entre o arguido AA e o fornecedor de nome RR...” 6.16. Quer com isto o tribunal insinuar que os arguidos encomendaram e transportaram sacos de “polpa de fruta” – que afinal eram cocaína – com o peso de 1 Kg de cada um. Sabemos que é habitual a medição da cocaína – em grande quantidade – através de 1 Kg; 6.17. Acontece que, os factos e a prova desmentem completamente esta afirmação do tribunal e, obviamente, a conclusão do tribunal errada está. Desde logo o bilhete de identidade da carga (Bill of Lading de fls. 50/51) diz-nos precisamente o contrário. A esmagadora maioria dos sacos têm outra medição que não 1Kg. Conforme resulta das conversas entre o arguido AA e o tal RR discutem a forma das embalagens e tanto se fala em 1Kg como noutros pesos não se podendo afirmar que tinham em mente o embalamento de droga; 6.18. O tribunal tenta retirar ilações das contas bancarias e, sobretudo dos seus movimentos. Contudo é o próprio tribunal a ordenar a devolução de todas as quantias monetárias; 6.19. Não se compreende – nem o tribunal esclarece – como este meio de prova pode ter a virtualidade de apelar ao conhecimento do conteúdo ilícito da carga; 6.20. O tribunal socorre-se do argumento segundo o qual ... não tinha escoamento para a venda da mercadoria acabada de chagar. Como é evidente a mercadoria não se destinava – na sua grande maioria – ao mercado português, mas sim ao estrangeiro; 6.21. Este fato ficou bem claro com as declarações do arguido DD e, sobretudo, com o depoimento das testemunhas. Com efeito esclareceu a contabilista da empresa OO (fls.74 do acórdão) que, “Que foram feitas 4 encomendas e que por elas a firma teria despendido os 350.000/400.000 euros. Esse produto era para ser vendido depois; tinham contratos com empresas em ... e por isso estavam a fazer stock de mercadorias.” 6.22. Os arguidos já tinham enviado várias cargas, conforme melhor resulta dos autos. Tinham conhecimento de que as cargas eram rigorosamente fiscalizadas na alfandega a fim de verificarem se transportavam mercadoria ilícita. O acórdão referiu isto mesmo a fls.68, a propósito do depoimento da testemunha SS, despachante da alfandega, “Chegou a alertar os arguidos que os contentores que vem da América do Sul são todos vistos e controlados na Alfandega. Que os procedimentos de fiscalização pelas Alfandegas são exigentes (vão aos scanners) e que o desalfandegamento é demorado, ainda que as mercadorias sejam perecíveis.” 6.23. O tribunal a fls.80 do acórdão exarou que os arguidos já esperavam a mercadoria desde sexta-feira. Ora, tudo isto nos leva a concluir que os arguidos a saberem que a carga trazia droga teriam comportamento diverso. Porém, de todas as vigilâncias e outros meios de prova não resulta qualquer elemento capaz de trazer algum sinal de que os arguidos tomaram precauções nos movimentos que faziam e/ou desenvolveram diligências no sentido de evidenciarem que tinham conhecimento de que estaria a chegar droga. Ao invés, todo o comportamento dos arguidos foi perfeitamente normal; 6.24. Mais uma razão para o tribunal proceder a um exigente exame critico das provas a fim de explicitar em que meio de prova e o raciocínio que permitiu dar como provados os factos; 6.25. Por outra via, não deixa de verificar-se erro notório na apreciação da prova uma vez que os meios de prova constantes do acórdão não permitem retirar a conclusão a que o acórdão chegou; 7. Sempre se dirá que a pena aplicada aos arguidos GG e AA se revela exagerada. Na verdade, o tribunal não valorou adequadamente os factos relativos aos arguidos; 7.1. São primários; 7.2. Trabalham desde muito novos (o arguido GG desde os 17 anos e o arguido AA desde os 15 anos de idade); 7.3. Os arguidos mantêm bom comportamento prisional; 7.4. O produto estupefaciente não foi disseminado; 7.5. A pena de 9 anos de prisão excede o meio da moldura penal excedendo em muito a culpa dos arguidos; 7.6. Invocamos um caso muito semelhante em que o tribunal fixou uma pena de 7 anos e 6 meses de prisão ao aí arguido TT (processo 308/10...., da ... secção, de 13/12/2018); 7.7. Caso o arguido não venha a ser absolvido – o que só por mero raciocínio académico se admite – deve o mesmo ser condenado numa pena mais próxima do mínimo legal. Violaram-se as disposições que foram mencionadas ao longo da motivação de recurso. Nestes termos e demais de direito deverá o presente recurso obter provimento e, a) Julgarem-se procedentes as suscitadas nulidades absolvendo-se os arguidos; b) Anular-se o julgamento; c) Condenarem-se numa pena próxima do mínimo legal. V. EXAS. FARÃO CONTUDO MELHOR JUSTIÇA!
1. A Polícia Judiciária desde 9 de março de 2020 até 8 de abril do mesmo ano levou a cabo um conjunto de diligências processuais à revelia do Ministério Público; a. A verdadeira questão a dirimir prende-se em saber se um fax enviado pela Polícia Judiciaria para a secretaria dos serviços do Ministério Público (fls.39) foi ou não entregue ao respetivo Magistrado e se este proferiu despacho a pronunciar-se sobre o expediente que recebeu; b. A comunicação é enviada via fax, proveniente do número ...40 e destinou-se ao número ...78. Consultando estes números, através das fontes abertas – ao dispor de todos os cidadãos –, o último dos números pertence à secretaria dos serviços do Ministério Público do .... Ou seja, como é do conhecimento comum, este número é o local para onde todos os intervenientes processuais enviam o expediente processual para se comunicarem com o Ministério Público; c. De fato o expediente é recebido na secretaria do DIAP, mas não há sinal de que tenha sido levado ao conhecimento do Ministério Público; d. A expressão utilizada pelo tribunal, “...que determinou a sua consideração pelo Ministério Público...” à luz de uma linguagem jurídica, diríamos, é completamente impercetível! e. Na verdade, tendo o expediente sido rececionado na secretaria do Ministério Público, como é possível dar o salto para o mesmo ter sido concluso ao respetivo Magistrado e, ainda, que o Ministério Público tenha proferido despacho no sentido de se compreender que tomou conhecimento da existência das referidas diligências e ainda que ordenou o prosseguimento das mesmas; f. Não se diga que o ministério Público podia ter proferido decisão verbal, pois, para além de não existir nos autos qualquer sinal nesse sentido, a mesma teria de ser consignada no auto sob pena da sua inexistência; g. Ao invés, dos autos resulta que o Ministério Público não teve nenhuma intervenção. Assim de fls.1 constam duas assinaturas da Sra. funcionária que recebeu o expediente proveniente da Polícia Judiciária. Com efeito, é esta funcionária – ao que parece de nome JJ– que procede à catalogação do ilícito investigado como de “tráfico de estupefacientes”; h. Como resulta claríssimo, das duas primeiras folhas dos autos pode constatar-se a identificação das Magistradas a quem foi distribuído o processo: Dra. KK e Dra. LL e ainda o Juiz de instrução Dr. MM; i. Se duvidas existissem a data de autuação dos autos ocorreu no dia 7.4.2020 tendo os autos sido distribuídos à Magistrada do MP Dra. LL, conforme resulta das referidas duas primeiras folhas (capas) dos autos; j. Uma interpretação das normas constantes dos artigos 48º, 55º, 96º, 99º, 100º, 118º, 119º, 241º, 248º a 253º e 262º, todos do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que a comunicação dos órgãos de polícia criminal ao Ministério Público, para os efeitos constantes do artigo 248º do mesmo diploma legal, não carece de despacho escrito donde resulte que o MP recebeu, ponderou e tomou uma decisão sobre o expediente enviado inquina de inconstitucionalidade material as referidas normas por violação dos artigos 32º e 219º da Constituição da República Portuguesa. 2. A busca realizada às instalações da firma R..., Lda. sita em ... deve ser considerada domiciliária; a. Contrariamente ao defendido no acórdão, o conceito de domicílio, para efeitos processuais penais, é mais abrangente que o conceito de domicílio civil; b. É indiscutível que, pelo menos, um indivíduo – NN – durante a noite permanecia naquele espaço onde desenvolvia atos atinentes à sua vida íntima e privada; c. O local onde praticava estes atos repartia-os pelas instalações onde se localizava o armazém e o contentor, que faziam parte do mesmo espaço e nesse sentido, tal como se exarou no acórdão, esse indivíduo praticava atos da sua vida íntima e privada naqueles dois locais; d. A circunstância de este indivíduo ter a sua morada no ... não obsta a que não possa ocasionalmente, por períodos temporais, praticar os mesmos atos noutro local, no caso concreto, naquelas instalações; e. Se alguma dúvida existisse o próprio tribunal decidiu que a busca às referidas instalações foi realizada ao abrigo do disposto do artigo 177º do CPP, ou seja, considerou esta busca como domiciliária! Assim, decidiu o tribunal a fls.306 dos autos:“As buscas foram realizadas ao abrigo do disposto no artigo 174, nº5, al. a) e c), e 177º, nº2, al. a) e c), e 3 do CPP, e comunicados em conformidade com o nº6 do referido artigo 174º.” f. O tribunal interpretou as normas constantes dos artigos 10º, 12º, 14º, 174º e 177º do CPP com o sentido de que tendo o tribunal em sede de 1º interrogatório classificado uma busca como domiciliaria, volvidos vários meses, sem que houvesse impugnação dessa decisão, o tribunal de julgamento venha a decidir que essa busca não era domiciliaria e por isso não sujeita aos requisitos impostos no referido preceito. Este entendimento viola o estatuído nos artigos 32º e 34º da Constituição da República Portuguesa; 3. Contrariamente ao propendido pelo tribunal a arguição da nulidade da busca não é extemporânea; a. Apesar de o tribunal não fundamentar essa invocada extemporaneidade, sempre se dirá que a entrada num domicílio de forma ilegal, ou seja, não estando verificados os pressupostos elencados no artigo 177º do CPP: autorização judicial, a verificação de alguma das situações constantes das alíneas previstas no nº2 do mesmo preceito, inquina de nulidade insanável a busca a esse local; b. Uma interpretação das normas constantes dos artigos 118º, 119º, 126º, 174º e 177º do Código de Processo Penal segundo a qual a apreciação da legalidade da entrada pelo órgão de polícia criminal numa habitação não possa ser suscitada em sede de julgamento inquina de inconstitucionalidade as referidas normas jurídicas por violação dos artigos 18º, 32º e 34º da Constituição da República Portuguesa. c. No momento em que a Polícia Judiciária entrou nas instalações da empresa não existia uma situação de flagrante delito; d. De resto é o próprio acórdão a exarar que no momento em que a Polícia Judiciaria detetou os movimentos dos arguidos bem assim como ao conteúdo do contentor, não ultrapassavam as suspeitas, conforme fls. fls.55: “Quanto ao contentor ..., após abertura do mesmo, foi efetuada uma busca sumária à carga bem como à estrutura física do contentor, nomeadamente aparelho de refrigeração, paredes teto e chão, não tendo sido detetado qualquer elemento suspeito (neste aspecto, a prova assenta no Auto de Abertura de Contentor a fls.46).(...)Confirmou o depoente que não sendo possível proceder à confirmação das suspeitas sem afetar a integridade do contentor e da carga e por este motivo procedeu-se ao encerramento do contentor, com vista ao desenvolvimento de novas diligências, não tendo havido qualquer contato com a droga.”E a fls.63 prossegue o acórdão:“Foi confrontado com o auto de fls.72. Referiu que no dia, as condições climatéricas eram de chuva. A equipa externa que fazia a vigilância estaria a cerca de 50 metros e era possível ver o local onde a carga estava a ser descarregada. À distância não conseguiam ver com certeza quais as paletes que traziam o estupefaciente, o qual só foi possível pela abordagem.” e. É fora de dúvida que existiam suspeitas de que alguns dos referidos contentores traziam produto estupefaciente e que só após a abordagem dos arguidos verificaram e confirmaram essas suspeitas. Na sequência, os arguidos foram detidos em flagrante delito, conforme conjugação de fls. 72 e seguintes; f. A fls.72 consta a cronologia da intervenção da Polícia Judiciária. No dia da operação policial a Polícia Judiciária iniciou diligências cerca das 9H11 (fls.72) seguiu o contentor até às instalações da empresa e quando se apercebem de movimentos no interior do armazém procedem à abordagem dos arguidos cerda das 17H20 (fls74). Conforme resulta de fls.100 e seguintes após a abordagem dos arguidos e de terem detetado produto estupefaciente ordenaram a detenção dos mesmos em flagrante delito; g. O flagrante delito ocorre no momento em que os elementos da Polícia Judiciária presenciam(confirmam) que o contentor transportava produto estupefaciente enquadrável na tabela anexa do DL 15/93 de 15/1. E por isso a Polícia Judiciária apenas ordenou a detenção dos arguidos após ter conhecimento de que os contentores transportavam produto estupefaciente; h. O tribunal, com todo o respeito, não interpretou corretamente os ensinamentos de Cavaleiro de Ferreira. O seu grande discípulo – Germano Marques da Silva10 – citando aquele Mestre, de uma forma clara, ensina o que se deve entender por flagrante delito: i. “É costume distinguir-se na análise de definição legal, o flagrante delito, o quase flagrante delito e a presunção de flagrante delito. Flagrante delito é a actualidade do crime; o agente é surpreendido a cometer um crime. No quase flagrante o agente já não está a cometer, mas é surpreendido logo no momento em que findou a execução, mas sempre ainda no lugar da infração em momento no qual a evidência da infração e do seu autor deriva diretamente da própria surpresa...Nesta noção de flagrante valoriza-se a circunstância de o agente ser surpreendido na prática do crime ou com sinais que evidenciam a sua participação nele. (...) A actualidade e a presença de testemunhas na execução do crime é que caracterizam o flagrante delito.” ii. No caso concreto, a Polícia Judiciaria entrou nas instalações da empresa e só depois é que ocorreu o flagrante delito: no momento em que os elementos da PJ detetaram o produto estupefaciente; iii. De forma impressiva decidiu o Tribunal da Relação de Évora, conhecendo de uma situação muito semelhante iv. “Refira-se ainda, por último, não ter cabimento a tese defendida pelo MP no sentido de a busca haver sido realizada em flagrante delito nos termos da citada alínea c) do citado artigo 174º.É que dimanando dos autos que a primeira tentativa de encontrar droga foi efetuada no camião e fracassou e que foi a busca efectuada no armazém que permitiu encontrar droga e originou o flagrante. O que não é manifestamente o pressuposto configurado na alínea c) do nº4 do artigo 174º do CPP.” v. Uma interpretação das disposições conjugadas dos artigos 174º, 177º e 256º do CPP no sentido de que as suspeitas do cometimento de um crime – por exemplo o transporte de um contentor com suspeitas de no seu interior ser transportado produto estupefaciente – configuram uma situação de flagrante delito legitimando a realização de uma busca no local onde o referido contentor se encontrava, inquina de inconstitucionalidade as referidas normas por violarem os artigos 32º e 34º da Constituição da República Portuguesa; 4. A realização das buscas – previstas no artigo 174º do CPP – não podem ser objeto de delegação de poderes, como defende o acórdão; a. Partilhamos a argumentação de Maia e Costa, Paulo Pinto de Albuquerque e dos Magistrados do Distrito do Porto, opinando “O nº4 prevê que o poder de direcção pode ser exercido por via de despacho de natureza genérica, com ressalva do dever de comunicação da notícia do crime ao MP e da validação da constituição de arguido pelo MP, além dos actos da competência reservada do MP. A directiva nº1/2002, do procurador-geral da República (in DR, II Série, de 4.4.2002) rege os termos da delegação genérica do MP nos OPC. Ela não legitima os órgãos de polícia criminal a praticar actos que não tenham natureza cautelar e urgente antes do despacho de abertura do inquérito proferido pelo MP, como reulta explicitamente da ressalva do artigo 248º, nº1, do CPP e do próprio teor dos pontos II.3 e V.1 da referida directiva.” b. Em face do disposto no n.º 1, o n.º 2 do artigo 270.º do CPP tem o sentido de afirmar e repor a regra da direção do inquérito por parte do Ministério Público (artigo 263.º do CPP) e afirmando-a e repondo-a, a parte final da alínea d) do n.º 2 do artigo 270.º do CPP significa que são atos da competência reservada do Ministério Público, insuscetíveis de delegação, ordenar ou autorizar revistas e buscas, nos termos do n.º 3 do artigo 174.º CPP, isto é, as revistas e buscas para as quais é competente, na medida em que há outras que são da competência reservada do juiz. A parte final da alínea d) do n.º 2 do artigo 270.º do CPP significa ainda que são atos da competência reservada do Ministério Público, insuscetíveis de delegação, ordenar ou autorizar essas revistas e buscas, com respeito pelos limites do n.º 5 do artigo 174.º, isto é as buscas e as revistas para as quais é competente, sem prejuízo das que podem ser efetuadas por órgão de polícia criminal, nos casos previstos no n.º 5 do artigo 174.º; c. A interpretação do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 137/2019 no sentido de que as autoridades de polícia criminal da Polícia Judiciária têm competência, no âmbito de despacho de delegação genérica de competência de investigação criminal, para ordenar a realização das revistas e buscas da competência do Ministério Público nos termos do n.º 3 do artigo 174.º do CPP, viola o artigo 219.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, na parte em que defere ao Ministério Público competência para exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade. Como muito bem se destacou na Exposição de Motivos anteriormente referida, “com efeito, cabendo a direção do processo às autoridades judiciárias, as competências das autoridades de polícia no processo são sempre competências funcionalmente subordinadas, que são exercidas se e quando aquelas o permitirem. A consagração legal destas competências processuais na Lei Orgânica da Polícia Judiciária sublinha por isso esta relação, decorrente do modelo constitucional do processo penal”. O que resulta daquele segmento do artigo 219.º da Constituição é que há matérias de competência reservada do Ministério Público que não podem ser partilhadas com as polícias, tal como há matérias da competência reservada do juiz que não podem ser de todo partilhadas; d. Contrariamente ao propugnado na decisão recorrida o acórdão do Tribunal Constitucional nela citado propugna o entendimento perfilhado pelos arguidos, pois nele se diz que, “As buscas não domiciliarias são da reserva de competência do Ministério Público, por só assim se garantir que a prova será obtida sem abusiva intromissão na vida privada.” e. Uma interpretação da norma constante do artigo 270º, nº2 e 4 do CPP com o sentido de que o Ministério Público pode delegar genericamente competências aos órgãos de polícia criminal, designadamente à Polícia Judiciária, para a realização de buscas previstas no artigo 174º, nº3 do CPP, inquina estas normas de inconstitucionalidade por violarem o estatuído no artigo 219º da CRP; f. A interpretação defendida pelo recorrente, do artigo 12.º, n.º 1, da Lei n.º 37/2008 é, de resto, a única que é conforme à Constituição; g. O artigo 12.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 37/2008, de 6 de agosto, na interpretação de que as autoridades de polícia criminal referidas no n.º 1 do artigo 11.º têm ainda especial competência para, no âmbito de despacho de delegação genérica de competência de investigação criminal, ordenar as buscas previstas no artigo 174.º do Código de Processo Penal, é inconstitucional por violação do artigo 219.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, na parte em que defere ao Ministério Público competência para exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade; h. Com efeito, a CRP defere expressamente ao Ministério Público as tarefas processuais de investigar e acusar, o que tem como consequência que meios de obtenção da prova como as revistas e as buscas sejam ordenados ou autorizados por quem dirige o inquérito e que o sejam de forma reservada; i. Como a realização de ambas pode contender com direitos fundamentais como os da integridade pessoal (artigo 25.º da CRP) ou da reserva da intimidade da vida privada (artigo 26.º da CRP), interferindo com a pessoa e com os espaços onde desenvolve a sua vida12, só a competência reservada da magistratura do Ministério Público garante a legitimidade constitucional de tais meios de prova. A CRP defere ao Ministério Público a competência para exercer a ação penal, porque a ação penal é orientada pelo princípio da legalidade e porque o Ministério Público é uma magistratura que goza de estatuto próprio e de autonomia (artigo 219.º, n.ºs 1 e 2). Quando a revista ou a busca é ordenada ou autorizada por quem seja autoridade judiciária há a garantia de que a prova não é obtida mediante intromissão abusiva na vida privada que a tornariam nula, segundo o artigo 32.º, n.º 8, da CRP. No Acórdão n.º 7/87,o Tribunal Constitucional entendeu que sendo as buscas não domiciliárias autorizadas ou ordenadas pelo Ministério Público, que é uma autoridade judiciária, fica arredada a possibilidade de considerar que a prova foi obtida mediante abusiva intromissão na vida privada; 5. O acórdão incorreu em erro notório na apreciação da prova; a. Na verdade, para além do convencimento a que chegou o tribunal de que o DD comparticipou na aquisição de cocaína, é igualmente possível um outro de que o DD desconhecesse o conteúdo de alguns sacos descarregados. b. A prova resumida pelo tribunal, nomeadamente a testemunhal – PP, QQ, SS, UU e declarações do arguido DD c. Toda a operação decorreu normalmente. d. O descarregamento foi feito por referências, dentro do habitual, sem ordem diversas dadas pelo DD. e. A empresa já trabalhava há bastante tempo, distribuindo todos os dias produtos. f. Nesse dia, em comparação com outros contentores chegados, nada de diferente se notou, muito menos em relação ao DD que cumpria as suas funções. g. Salvo o devido respeito, analisando toda a fundamentação de facto do acórdão recorrido, não é possível, para além de toda a dúvida razoável, dizer-se que o DD – de acordo com o provado em 3 – colaborou na aquisição de cocaína. h. A condenação do DD é injusta e afronta a verdade material. i. Face ao notório erro notório na apreciação da prova, o recorrente DD deve ser absolvido. 6. Sempre se dirá que a pena aplicada DD se revela exagerada; a. É primário; b. Nasceu numa família de estrato social médio-baixo; c. Trabalha desde os 13 anos; d. Veio para ... por questões de segurança depois da sua família ter sido alvo de um assalto; e. Desde que chegou a ... sempre trabalhou; f. Tem bom suporte familiar e uma família estável; g. O arguido tem bom comportamento prisional; h. Caso o arguido não venha a ser absolvido –o que só por mero raciocínio académico se admite – deve o mesmo ser condenado numa pena mais próxima do mínimo legal. Violaram-se as disposições que foram mencionadas ao longo da motivação de recurso. Nestes termos e demais de direito deverá o presente recurso obter provimento e, a) Julgarem-se procedentes as suscitadas nulidades absolvendo-se os arguidos; b) Anular-se o julgamento; c) Condenarem-se numa pena próxima do mínimo legal. V. EXAS. FARÃO CONTUDO MELHOR JUSTIÇA! 3.O Digno Mº Pº, respondendo a ambos os recursos, veio defender a improcedência dos mesmos, apresentado em conclusões: (transcrição) A - Recurso dos arguidos AA e GG 1. Interpuseram os arguidos GG e AA recurso do douto acórdão prolatado a fls. 1396-1507 dos autos supra epigrafados, que os condenou pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I-B anexa ao mesmo diploma legal, nas penas de 9 (nove) e 10 (dez) anos de prisão, respectivamente, pugnando os primeiros, a final (sem prejuízo das questões em concreto suscitadas), no sentido de serem absolvidos ou, no limite, condenados em penas próximas do mínimo legal; 2.Estará aqui em causa, no essencial e no que ora interessa relativamente ao douto acórdão recorrido, aquilatar das seguintes questões: da aquisição da notícia do crime pelo Ministério Público; da consideração da busca às instalações da sociedade R..., Lda., sitas em ..., como domiciliária; da extemporaneidade da arguição da nulidade da busca; do flagrante delito; da possibilidade legal da determinação por parte da Polícia Judiciária da realização de busca àquelas instalações; do exame crítico das provas e do erro notório na apreciação da prova; e da medida da pena; 3.Relativamente à questão da aquisição da notícia do crime pelo Ministério Público, entendem os ora recorrentes que «[a] verdadeira questão a dirimir prende-se em saber se um fax enviado pela Polícia Judiciaria para a secretaria dos serviços do Ministério Público (fls.39) foi ou não entregue ao respetivo Magistrado e se este proferiu despacho a pronunciar-se sobre o expediente que recebeu», sendo que os primeiros alegam que «de fls.1 constam duas assinaturas da Sra. funcionária que recebeu o expediente proveniente da Polícia Judiciária. Com efeito, é esta funcionária – ao que parece de nome JJ – que procede à catalogação do ilícito investigado como de “tráfico de estupefacientes”», concluindo, assim, que «dos autos resulta que o Ministério Público não teve nenhuma intervenção»; 4.Sendo inquestionável que sempre teria de ser um funcionário, e não um magistrado, a receber e registar um expediente entrado no tribunal – MP/DIAP ... (todos os operadores judiciários sabem tal), conforme fls. 1 supra, entendeu a defesa fazer alicerçar a alegação de que nenhum magistrado do Ministério Público tomou então conhecimento da comunicação efectuada pela Polícia Judiciária no (pretenso) facto de que teria sido a mesma funcionária (supostamente de nome JJ) a assinar (também) o que é, verdadeiramente, o despacho constante de fls. 1 infra, que considerou o expediente aqui em apreço; 5.Ora, temos como notório, isso sendo evidente para qualquer leitor, mesmo que deveras desatento, designadamente, atentas as discrepâncias existentes entre os dois escritos observáveis a fls. 1, não corresponder à verdade a supra referenciada alegação alusiva à pretensa intervenção “da Sra. funcionária”, sendo que (para além do que já é, de algum modo, perceptível no que tange à diferença entre os números apostos) é absolutamente gritante a dissemelhança entre a rúbrica constante supra e a assinatura aposta infra; 6.Efectivamente, foi o expediente aqui em apreço, após o correspondente registo efectuado por um(a) Sr(a). oficial de justiça, então apresentado a magistrado do Ministério Público, que tomou conhecimento do mesmo, mais tendo proferindo, nessa sequência – desde logo, em observância da Ordem de Serviço n.º ...15, de ..., da Exma. Sra. Procuradora-Geral da República –, considerando o constante desse expediente, o despacho tido como devido, sendo que nada mais para além do ali exarado foi entendido ser de consignar ou determinar (tanto podendo suceder tal como o seu inverso). Fontes abertas, disponíveis ao público em geral (designadamente, em matéria de colocação de magistrados e listas de antiguidade), permitem confirmar que aquele expediente foi apresentado à Exma. colega VV, a exercer funções no ..., cuja assinatura (VV, estando o S e o P sobrepostos) se mostra aposta no despacho prolatado; 7.No que tange à questão da consideração da busca às instalações da sociedade R..., Lda., sitas em ..., como domiciliária, entendem os ora recorrentes dever, efectivamente, tal busca «ser considerada domiciliária», pois que «o conceito de domicílio, para efeitos processuais penais, é mais abrangente que o conceito de domicílio civil» e «pelo menos, um indivíduo – NN – durante a noite permanecia naquele espaço onde desenvolvia atos atinentes à sua vida íntima e privada», não obstando ao sustentado pela defesa «[a] circunstância de este indivíduo ter a sua morada no ...», sucedendo que «o próprio tribunal decidiu que a busca às referidas instalações foi realizada ao abrigo do disposto do artigo 177º do CPP, ou seja, considerou esta busca como domiciliária (…) a fls.306 dos autos», não sendo de aceitar que depois de semelhante consideração «em sede de 1º interrogatório (…), o tribunal de julgamento venha a decidir que essa busca não era domiciliaria»; 8.Ora, discordamos, em absoluto, da alegação de estar em causa na concreta situação supra aludida um “domicílio”, sendo que, conforme, a título meramente exemplificativo, se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.09.2006, Processo n.º 06P2321, Relator: Armindo Monteiro, acessível in www.dgsi.pt, «o regime tutelar consagrado em relação a casa habitada ou sua dependência , na hipótese de busca , se mostra exigível como forma de acautelar o direito à inviolabilidade do domicílio , prevista no art.º 34.º n.º 1 , da CRP , exprimindo tal conceito , na óptica , sempre uniforme , do TC , aquela área que tem por objecto a habitação humana , aquele espaço fechado e vedado a estranhos , onde recatada e livremente se desenvolve toda uma série de condutas e procedimentos característicos da vida privada e familiar , como se escreveu no AC. n.º 452 /89 , in DR , I Série , de 22/7 , ou seja um núcleo restrito sob o signo da intimidade , de protecção da vida privada , da liberdade e da segurança individual , onde se desenrola a vivência essencial , no aspecto existencial , da pessoa», sucedendo ainda que, como se retira do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 364/2006, de 08.06.2006, Processo n.º 289/06, Relatora: Maria Helena Brito, igualmente acessível in www.dgsi.pt, não «corresponder[á] o conceito constitucional de domicílio ao de qualquer local onde se praticam actos que pertencem à esfera da intimidade ou da vida privada do cidadão»; 9.Por outro lado, também se discorda do argumento de que foi a busca aqui controvertida inicialmente considerada pelo próprio tribunal «como domiciliária (…) a fls.306 dos autos», tendo em conta, designadamente, a indicação, aí constante, de que aquela teria sido «realizada ao abrigo do disposto do artigo 177º do CPP», sendo certo que, ao invés, entendemos ter existido manifesto lapso na dita referência (no despacho então proferido) ao disposto no art.º «177.º, n.º 2, al. a) e c), e n.º 3, do Código de Processo Penal», pois que desde logo se constata reportar-se aquele n.º 2 aos casos de realização de busca domiciliária «[e]ntre as 21 e as 7 horas», sucedendo, todavia, ter inexistido, in casu, em absoluto, qualquer busca durante semelhante espaço temporal, tão pouco (igualmente) se mostrando explicitado qual a alínea respeitante à invocação do citado n.º 3; 10.Dir-se-á, mesmo, que, agarrando-se tamanhamente a defesa àquilo que foi objecto de consideração a fls. 306 dos autos em matéria de buscas, não é possível deixar de valorizar exponencialmente o facto de ter sido então decidido validar as buscas realizadas, sendo que, muito mais do que a mera literalidade de semelhante menção, não se concebe, de todo, que o correspondente juízo de aferição a tal subjacente não tenha exigido uma análise completa dos elementos constantes do processado em ordem ao acerto de tal decisão; 11.Quanto à questão da extemporaneidade da arguição da nulidade da busca, entendem os ora recorrentes que «a entrada num domicílio de forma ilegal, ou seja, não estando verificados os pressupostos elencados no artigo 177º do CPP: autorização judicial, a verificação de alguma das situações constantes das alíneas previstas no nº2 do mesmo preceito, inquina de nulidade insanável a busca a esse local», bem assim que «a apreciação da legalidade da entrada pelo órgão de polícia criminal numa habitação (…) possa ser suscitada em sede de julgamento»; 12.Reportando-se a questão aqui controvertida à busca realizada às mencionadas instalações da sociedade R..., Lda., e cumprindo, antes de mais, reiterar que entendemos não dever aquela ser considerada domiciliária, sempre se refira, sem conceder, que, na hipótese de se estar em face de um “domicílio”, não estaria então em causa senão, no limite, a verificação de (mera) nulidade sanável; 13.Ora, conforme, a título meramente exemplificativo, se refere no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 17.09.2009, Processo n.º 549/08.7PBBJA-A.E1, Relator: Martinho Cardoso, acessível in www.dgsi.pt, «[t]endo sido buscado, sem prévia autorização da autoridade competente, o quarto onde o arguido vinha pernoitando, e não tendo aquele, enquanto visado pela diligência em causa, dado o consentimento à realização da busca, foi cometida uma nulidade (art. 177.º n.º1 e 6 do CPP). Trata-se, contudo, de nulidade sanável e que só pode ser conhecida mediante arguição do sujeito processual interessado, nos termos do art. 120.º n.º3 do CPP», sendo, assim, manifesto que a (eventual) correspondente arguição (da nulidade da busca) em sede de julgamento será extemporânea; 14.No que respeita à questão do flagrante delito, entendem os ora recorrentes que «[o] flagrante delito ocorre no momento em que os elementos da Polícia Judiciária presenciam (confirmam) que o contentor transportava produto estupefaciente» e que, «[n]o caso concreto, a Polícia Judiciaria entrou nas instalações da empresa e só depois é que ocorreu o flagrante delito: no momento em que os elementos da PJ detetaram o produto estupefaciente», sendo que não aceitam que «as suspeitas do cometimento de um crime – por exemplo o transporte de um contentor com suspeitas de no seu interior ser transportado produto estupefaciente – configuram uma situação de flagrante delito legitimando a realização de uma busca no local onde o referido contentor se encontrava»; 15.Ora, concordamos com o entendimento nessa matéria sustentado pelo tribunal a quo, designadamente, quando é mencionado que, «se por mero raciocínio, o que não se concede – se admitisse que o local, no armazém, onde se encontravam os fardos de cocaína fosse efetivamente o domicílio do mencionado vigilante noturno, funcionário da empresa, o artigo 177.º admitiria, na conjugação dos seus n.º 3, alínea a) e artigo. 174.º, n.º 5, al. a) do Código de Processo Penal, a realização de busca domiciliária levada a cabo por órgão de polícia criminal, no período compreendido entre as 7 e as 21 horas (o que ocorreu, tendo a busca tido lugar entre as 17h20 e as 19h00, conforme auto de fls. 76), perante uma situação de flagrante delito no tráfico de estupefacientes, situação de exceção ao regime jurídico da autorização judicial prévia ou do consentimento do visado, dada a gravidade e celeridade dos interesses a proteger, com o consequente perigo social e coletivo que se não compadecem com a demora de obtenção da autorização ou consentimento»; 16.Conforme, com interesse, a título meramente exemplificativo e a propósito de semelhante questão, se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04.04.2022, Processo n.º 55/21.4PEBRG-A.G1, Relatora: Cândida Martinho, acessível in www.dgsi.pt, «não definindo a lei o que deve entender-se como “indícios” para os efeitos de ser determinada uma busca, temos para nós que os mesmos deverão ser entendidos como suspeitas, indicações, sinais ou quaisquer outros elementos que apontem para a existência dos objetos naquele lugar. Como se referiu no Acórdão da Relação de Coimbra de 23/5/2007, proferido no âmbito do processo 3/07.4GBCNT-A.C1, em que foi Relator Belmiro Andrade, “Como meio de obtenção de provas que é, a busca não pode depender da prévia existência das provas que visa, precisamente, obter. Sob pena de se retirar qualquer efeito útil relevante ao referido meio ou instrumento de obtenção de prova. Ao longo do seu percurso o processo penal desenvolve-se através de um “iter” que tem o seu ponto de partida na suspeita, passa pela recolha do material probatório, crivado pelo juízo de probabilidade, até terminar na certeza prática da realização do ilícito que apenas será alcançada a final, em julgamento, após discussão e debate público das provas reunidas. Não definindo a lei o conceito de “indícios” nesta fase inicial do processo, movimentando-se o inquérito preliminar em juízos de mera probabilidade, deve tal conceito ser interpretado num sentido próximo do atribuído pelo senso comum – uma indicação, um sinal ou vestígio de algo relacionado com um crime. E o que se pretende com a busca é precisamente a recolha de elementos de prova que confirmem ou infirmem os factos participados. Para ser ordenada a busca e a apreensão não é necessário, pois, que os indícios da prática do crime sejam suficientes ou fortes - nesse caso já existiria prova suficiente para deduzir a acusação, esvaziando-se de sentido o meio de obtenção de prova em questão”»; 17.No tocante à questão da possibilidade legal da determinação por parte da Polícia Judiciária da realização de busca às supra aludidas instalações da sociedade RW -Foods, Lda., entendem os ora recorrentes que «[a] realização das buscas – previstas no artigo 174º do CPP – não podem ser objeto de delegação de poderes, como defende o acórdão», sustentando, nessa parte, que «[a] interpretação do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 137/2019 no sentido de que as autoridades de polícia criminal da Polícia Judiciária têm competência, no âmbito de despacho de delegação genérica de competência de investigação criminal, para ordenar a realização das revistas e buscas da competência do Ministério Público nos termos do n.º 3 do artigo 174.º do CPP, viola o artigo 219.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, na parte em que defere ao Ministério Público competência para exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade»; 18.Ora, entendemos revestir o ora controvertido art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 137/2019, de 13 de Setembro (que aprovou a nova estrutura organizacional da Polícia Judiciária), norma especial; 19.Efectivamente, logo sendo afirmado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro (que aprovou a anterior Lei Orgânica da Polícia Judiciária), que “a Polícia Judiciária constitui um corpo superior de polícia criminal com estatuto próprio, que a distingue das demais forças policiais e de segurança”, resulta da invocada “Exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 76/VIII, que esteve na origem do artigo 11.º-A, aditado ao Decreto-Lei n.º 275- A/2000, de 9 de novembro”, ter fundamentado tal aditamento o facto de estarem então “criadas condições para uma maior responsabilização destas autoridades de polícia criminal no quadro dos processos cuja investigação lhes tenha sido confiada”, sendo que essa “maior responsabilização das autoridades de polícia criminal da Polícia Judiciária reforça as condições de eficiência das investigações, sem prejuízo das garantias de direcção e controlo judiciário”; 20.Dispondo o art.º 11.º (autoridades de polícia criminal), n.º 1, do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro, que “[s]ão autoridades de polícia criminal, nos termos e para os efeitos do Código de Processo Penal, os seguintes funcionários da Polícia Judiciária: (…) g) Coordenadores de investigação criminal”, veio tal art.º 11.º-A (competências processuais), aditado pela Lei n.º 103/2001, de 25 de Agosto, prever, no que aqui mais relevará, no seu n.º 1, que “[a]s autoridades de polícia criminal referidas no n.º 1 do artigo anterior têm ainda especial competência para, no âmbito de despacho de delegação genérica de competência de investigação criminal, ordenar: (…) b) A realização de revistas e buscas, com excepção das domiciliárias e das realizadas em escritório de advogado, em consultório médico ou em estabelecimento hospitalar ou bancário; c) Apreensões, excepto de correspondência, ou as que tenham lugar em escritório de advogado, em consultório médico ou em estabelecimento hospitalar ou bancário” [importando salientar ser similar a formulação legal dos preceitos correspondentemente feitos constar do Decreto-Lei n.º 137/2019, de 13 de Setembro, a saber, nos art.ºs 8.º, n.º 1, al. h), e 9.º, n.º 1, als. b) e c), respectivamente]; 21.Não podendo aqui deixar de se lançar mão dos critérios de interpretação da lei mencionados no art.º 9.º do Código Civil, resulta do aí constante que (n.º 1) “[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo (…)”, (n.º 2) “[n]ão pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” e (n.º 3) “[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”; 22.Não se vê como não tenha o supra aludido art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 137/2019, de 13 de Setembro, a natureza de norma especial ao dizer de modo absolutamente expresso, claro e inequívoco que autoridades de polícia criminal da Polícia Judiciária como os coordenadores de investigação criminal “têm ainda especial competência para, no âmbito de despacho de delegação genérica de competência de investigação criminal, ordenar” “[a] realização de revistas e buscas”, bem assim de “[a]preensões”; 23.Entender de modo diverso levaria à conclusão de que, em termos práticos e efectivos, em nada de minimamente relevante ou inovatório se teria traduzido a iniciativa legislativa entretanto concretizada na vigência de norma legal prevendo a especial competência de determinadas autoridades de polícia criminal da Polícia Judiciária para, no âmbito de despacho de delegação genérica de competência de investigação criminal, ordenar a realização de revistas e buscas, bem assim de apreensões – sendo que, atentando (meramente) no preceituado nas disposições conjugadas dos art.ºs 174.º, n.ºs 3 e 5, e 270.º, n.ºs 1 e 2, al. d), do Código de Processo Penal, sempre estariam em causa actos não delegáveis pelo Ministério Público em quaisquer órgãos de polícia criminal e, como tal, a ordenar ou autorizar pelo mesmo M.P.; 24.No que concerne às questões do exame crítico das provas e do erro notório na apreciação da prova, entendem os ora recorrentes que «o exame crítico do tribunal é, quanto a nós, manifestamente insuficiente» e que, «[p]or outro lado, da conjugação dos factos dados como provados e do, ainda que deficiente exame crítico, resulta um erro notório na apreciação da prova»; 25.Ora, constata-se que o tribunal a quo procedeu ao devido exame crítico da prova produzida, em ordem à consideração dos factos como provados ou não provados, no mais, conforme impositivo legal, recorrendo às regras de experiência comum, sendo que temos como acertado todo o processo de formação da convicção relativamente à matéria de facto, sucedendo que esta se formou no que respeita à factualidade considerada como demonstrada, no confronto com a não apurada, na apreciação conjugada, e de acordo com as mencionadas regras, dos elementos probatórios referenciados pelo mesmo tribunal; 26.Lança-se o tribunal, nessa tarefa, à procura do “realmente acontecido”, conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o “agarrar” e, por outro lado, os limites que a ordem jurídica lhe marca, derivados da(s) finalidade(s) do processo (Cristina Líbano Monteiro, in “Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo”, Coimbra, 1997, pág. 13), bem se sabendo que, neste âmbito, teremos sempre de ter presentes os princípios fundamentais da prova em processo penal, designadamente, aquele ínsito no art.º 127.º do Código de Processo Penal, segundo o qual a prova, salvo diferente disposição da lei, é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador; 27.A livre apreciação da prova não significa uma apreciação imotivável e incontrolável, fruto do arbítrio do julgador, mas antes uma avaliação feita com recurso a critérios objectivos e visando alcançar a verdade material, tendo-se, na concretização de semelhante desiderato, como perfeitamente legítima a prova por presunção, sem que o funcionamento desta colida com o princípio in dubio pro reo, até porque nem sempre é possível a recolha de prova directa, impondo-se, não raro, fazer uso dos indícios, antes que se gere impunidade, a tudo isto acrescendo que a verdade objecto do processo não é uma verdade ontológica ou científica, sendo, antes, uma convicção firmada em dados objectivos que, directa ou indirectamente, permitem a formulação de um juízo de facto; 28.Desde já se frise que, efectivamente, o tribunal não olvida as virtualidades decorrentes do uso de processos lógico-indutivos, baseados, por sua vez, em métodos intelectuais assentes nas presunções decorrentes das regras de experiência comum e da normalidade da vida, designando-se tal método por prova indiciária ou por presunção no domínio do processo penal, temática esta que assume ainda uma maior preponderância mormente em manifestações criminosas sofisticadas, podendo, assim, por outra banda, afirmar-se ainda que nem só quando o arguido faz uma confissão integral e sem reservas dos factos ou quando ocorrem situações de flagrante delito ou em que há testemunhas presenciais ou outras fontes de prova directa pode (e deve) haver condenações, como parece linear; 29.Com efeito, são muito variadas e frequentes as situações em que não há prova directa, porque os agentes do crime (abundando cada vez mais manifestações criminais sofisticadas, sem testemunhas) procuram cometê-lo sem ser notados, às escondidas, dissimuladamente, sorrateiramente, e nem por isso podem deixar de, como é óbvio, ser punidos, através das regras legalmente estabelecidas, sendo que se o julgador não tivesse em consideração estas premissas, estar-se-ia a abrir caminho à criação de amplos (e intoleráveis) espaços de impunidade, manifestamente não desejados pela efectiva realização da justiça em nome do povo, critério, limite e fundamento da actuação dos tribunais; 30.Por isso que a «prova indirecta ou indiciária» tem (cada vez mais) um papel fundamental e, destarte, já ninguém lhe nega virtualidade incriminatória para afastar (artificiais) situações de in dubio pro reo, sucedendo que, com efeito, apesar das reservas e objecções que ainda lhe são opostas, está (cada vez mais) consolidado o entendimento de que, para a prova dos factos em processo penal, é perfeitamente legítimo o recurso à prova indirecta, também chamada prova indiciária, por presunções ou circunstancial; 31.Quer a prova directa quer a prova indirecta são modos, igualmente legítimos, de chegar ao conhecimento da realidade (ou verdade) do factum probandum: pela primeira via ou método, «a percepção dá imediatamente um juízo sobre um facto principal», ao passo que na segunda «a percepção é racionalizada numa proposição, prosseguindo silogisticamente para outra proposição, à base de regras gerais que servem de premissas maiores do silogismo, e que podem ser regras jurídicas ou máximas da experiência. A esta sequência de proposição em proposição chama-se presunção» - [cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. II, 1993, p. 79]; 32.Uma vez que em processo penal são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (art.º 125.º do Código de Processo Penal), delas (das provas admissíveis) não pode ser excluída a prova por presunções (prevista, como noção geral, no art.º 349.º do Código Civil, mas prestável e válida como definição do meio ou processo lógico de aquisição de factos no processo penal), em que se parte de um facto conhecido (o facto base ou facto indiciante, que funciona como indício) para afirmar um facto desconhecido (o factum probandum) recorrendo a um juízo de normalidade (de probabilidade) alicerçado em regras de experiência comum, o que permite chegar, sem necessidade de uma averiguação casuística, a um resultado verdadeiro; 33.Neste âmbito, importam as presunções simples, naturais ou hominis, simples meios de convicção, que se encontram na base de qualquer juízo probatório. São meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção, que cedem por simples contraprova, ou seja, prova que origine a dúvida sobre a sua exactidão no caso concreto. O sistema probatório alicerça-se em grande parte neste tipo de raciocínio (indutivo) e, não havendo confissão, a prova dos elementos subjectivos do tipo (doloso ou negligente) não poderá fazer-se senão por meio de prova indirecta; 34.Não há, pois, razão para os complexos e pruridos que (ainda) subsistem quanto à prova indiciária. Aliás, em abono da verdade, o tribunal tem usado destes processos lógico-indutivos, baseados, por sua vez, em métodos intelectuais assentes nas presunções decorrentes das regras de experiência comum e da normalidade da vida, sendo, porém, certo que o uso destes processos lógico-indutivos terá um limite, qual seja: quando o princípio in dubio pro reo se faz sentir, perante a fragilidade e incerteza da prova produzida (o que não sucede in casu); 35.Concordando-se, pois, com a análise da prova a que o tribunal a quo procedeu em ordem a concluir pela sua aptidão para a demonstração (ou não) dos factos, nesta parte se remetendo, por meras razões de economia processual, para o que a esse propósito se exarou no douto acórdão aqui posto em crise, temos que não colherá, manifestamente, toda a argumentação expendida pelos ora recorrentes em sede de valoração da prova, a saber, no sentido da sua não responsabilização criminal, pois que sempre geraria intolerável impunidade; 36.No que alude ao invocado (vício do) erro notório na apreciação da prova, previsto na al. c) do n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal, cumpre começar por referir que em qualquer das hipóteses previstas nas diversas alíneas daquele n.º 2 o vício tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos estranhos àquela para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10.ª edição, pág. 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Volume III, Verbo, 2.ª edição, pág. 339, e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª edição, págs. 77 e seguintes); os vícios previstos no n.º 2 daquele art.º 410.º são vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei, sendo que, nesse caso, o objecto da apreciação é apenas a própria peça processual recorrida; 37.Verifica-se o vício do erro notório na apreciação da prova quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios; o apontado vício é aquele que é evidente, que não escapa ao homem comum, de que um observador médio se apercebe com facilidade, que é patente, só podendo relevar se for ostensivo, inquestionável e perceptível pelo comum dos observadores ou pelas faculdades de apreciação do “homem médio”; 38.Tal vício existe quando se dão por provados factos que, face às regras de experiência comum e à lógica corrente (do “homem médio”), não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos; trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental; as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial; 39.Os vícios previstos no n.º 2 do mesmo art.º 410.º não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questão do âmbito da livre apreciação da prova, princípio ínsito no citado normativo; neste aspecto, o que releva, necessariamente, é essa convicção formada pelo tribunal, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função de controlo ínsita na identificação dos vícios previstos no referenciado art.º 410.º, n.º 2, a convicção pessoalmente alcançada pelo recorrente sobre os factos; 40.Ora, do texto do acórdão recorrido, por si só ou conjugado com os ditames da experiência comum, não resulta a verificação do apontado vício posto que naquele não se detecta qualquer equívoco ostensivo contrário a facto do conhecimento geral ou ofensivo das leis da física, da mecânica, da lógica ou de conhecimentos científicos criminológicos e vitimológicos; de facto, é patente que os ora recorrentes não poderão senão questionar, sendo essa questão, porém, estranha ao disposto no art.º 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a suficiência, ou não, da prova para a matéria de facto provada, ou que como tal deveria ter sido considerada; efectivamente, estará aqui em causa, no fundo, a supra aludida situação de mera “divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questão do âmbito da livre apreciação da prova, princípio ínsito no citado normativo”, divergência essa que, atentas as razões já sobejamente expostas acima, não encontra, porém, tutela naquele preceituado legal, sendo, pois, certo que a decisão recorrida não se encontra afectada pelo vício aqui controvertido, previsto na al. c) do referenciado n.º 2, a saber, do erro notório na apreciação da prova; 41.No que se reporta à questão da medida da pena, entendem os ora recorrentes que «a pena aplicada (…) se revela exagerada», sendo que «o tribunal não valorou adequadamente os factos relativos aos arguidos», pelo que «[c]aso (…) não venha[m] a ser absolvido[s] – o que só por mero raciocínio académico se admite – deve[m] o[s] mesmo[s] ser condenado[s] numa pena mais próxima do mínimo legal»; 42.Ora, conforme referenciado no douto acórdão recorrido em sede de determinação da medida das penas a aplicar in casu [interessando agora, com particular acuidade e com reporte à motivação do recurso de que aqui se conhece, aquilatar dos factores atinentes à responsabilidade criminal dos ditos GG e AA], o grau de ilicitude do facto é exponenciado, ao nível do desvalor da acção, atendendo à quantidade de cocaína em estado puro, todavia, apreendida (acima de duas toneladas) [substância considerada droga “dura”, com elevado grau de danosidade social], demonstrando, assim, os arguidos uma total indiferença para os correspondentes malefícios que causariam, o que não abona em favor da sua personalidade, o dolo foi directo e intenso (relevando atender ao papel desempenhado por todos no quadro da co-autoria, sendo equivalente o que se surpreende no domínio da acção quanto ao DD e ao GG), o grau de culpa é também exponenciado, ao nível do desvalor da acção, atendendo ao modo de execução do crime em apreço [tendo o arguido AA um papel preponderante, com a colaboração, mais de perto, do arguido GG], as exigências de prevenção geral são, como é sobejamente consabido, muito elevadas e as exigências de prevenção especial (não obstante a ausência de antecedentes criminais) também de expressão já bastante considerável (sucedendo que a particular ilicitude dos factos e a personalidade manifestada na sua prática evidenciam a necessidade de um acentuado juízo de censura), importando ainda considerar o percurso de vida dos referidos co-autores; 43.Entendemos, assim, estando aqui em causa uma moldura penal abstractamente aplicável de 4 a 12 anos de prisão, serem justas, porquanto proporcionais à gravidade dos factos, correspondentes à medida da culpa e adequadas à personalidade desses sujeitos processuais, a condenação dos arguidos GG e AA, pela prática do aludido crime de tráfico de estupefacientes, nas penas de 9 (nove) e 10 (dez) anos de prisão, respectivamente, as quais não se nos afigura que pequem por qualquer excesso de severidade; 44.Relativamente à valoração de todos os factores a atender em sede de determinação da medida da pena, em conformidade com o disposto no art.º 71.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, entendemos, diversamente da visão que os arguidos GG e AA parecem ter sobre semelhante questão, terem sido devidamente sopesadas as circunstâncias passíveis de conduzir à atenuação ou agravação do juízo de censura a dirigir aos mesmos sujeitos processuais. Face a todo o exposto, e sufragando, in totum, o constante do douto acórdão prolatado a fls. 1396-1507 dos autos supra epigrafados, somos de entendimento de que deverá o recurso improceder. V. Exas., porém, farão como fôr de JUSTIÇA B – Recurso do arguido DD 1.Interpôs o arguido DD recurso do douto acórdão prolatado a fls. 1396-1507 dos autos supra epigrafados, que o condenou pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I-B anexa ao mesmo diploma legal, na pena de 9 (nove) anos de prisão, pugnando o primeiro, a final (sem prejuízo das questões em concreto suscitadas), no sentido de ser absolvido ou, no limite, condenado em pena próxima do mínimo legal; 2.Estará aqui em causa, no essencial e no que ora interessa relativamente ao douto acórdão recorrido, aquilatar das seguintes questões: da aquisição da notícia do crime pelo Ministério Público; da consideração da busca às instalações da sociedade R..., Lda., sitas em ..., como domiciliária; da extemporaneidade da arguição da nulidade da busca; do flagrante delito; da possibilidade legal da determinação por parte da Polícia Judiciária da realização de busca àquelas instalações; do exame crítico das provas e do erro notório na apreciação da prova; e da medida da pena; 3.Relativamente à questão da aquisição da notícia do crime pelo Ministério Público, entendem os ora recorrentes que «[a] verdadeira questão a dirimir prende-se em saber se um fax enviado pela Polícia Judiciaria para a secretaria dos serviços do Ministério Público (fls.39) foi ou não entregue ao respetivo Magistrado e se este proferiu despacho a pronunciar-se sobre o expediente que recebeu», sendo que os primeiros alegam que «de fls.1 constam duas assinaturas da Sra. funcionária que recebeu o expediente proveniente da Polícia Judiciária. Com efeito, é esta funcionária – ao que parece de nome JJ – que procede à catalogação do ilícito investigado como de “tráfico de estupefacientes”», concluindo, assim, que «dos autos resulta que o Ministério Público não teve nenhuma intervenção»; 4.Sendo inquestionável que sempre teria de ser um funcionário, e não um magistrado, a receber e registar um expediente entrado no tribunal – MP/DIAP ... (todos os operadores judiciários sabem tal), conforme fls. 1 supra, entendeu a defesa fazer alicerçar a alegação de que nenhum magistrado do Ministério Público tomou então conhecimento da comunicação efectuada pela Polícia Judiciária no (pretenso) facto de que teria sido a mesma funcionária (supostamente de nome JJ) a assinar (também) o que é, verdadeiramente, o despacho constante de fls. 1 infra, que considerou o expediente aqui em apreço; 5.Ora, temos como notório, isso sendo evidente para qualquer leitor, mesmo que deveras desatento, designadamente, atentas as discrepâncias existentes entre os dois escritos observáveis a fls. 1, não corresponder à verdade a supra referenciada alegação alusiva à pretensa intervenção “da Sra. funcionária”, sendo que (para além do que já é, de algum modo, perceptível no que tange à diferença entre os números apostos) é absolutamente gritante a dissemelhança entre a rúbrica constante supra e a assinatura aposta infra; 6.Efectivamente, foi o expediente aqui em apreço, após o correspondente registo efectuado por um(a) Sr(a). oficial de justiça, então apresentado a magistrado do Ministério Público, que tomou conhecimento do mesmo, mais tendo proferindo, nessa sequência – desde logo, em observância da Ordem de Serviço n.º ...15, de ..., da Exma. Sra. Procuradora-Geral da República –, considerando o constante desse expediente, o despacho tido como devido, sendo que nada mais para além do ali exarado foi entendido ser de consignar ou determinar (tanto podendo suceder tal como o seu inverso). Fontes abertas, disponíveis ao público em geral (designadamente, em matéria de colocação de magistrados e listas de antiguidade), permitem confirmar que aquele expediente foi apresentado à Exma. colega VV, a exercer funções no ..., cuja assinatura (VV, estando o S e o P sobrepostos) se mostra aposta no despacho prolatado; 7.No que tange à questão da consideração da busca às instalações da sociedade R..., Lda., sitas em ..., como domiciliária, entendem os ora recorrentes dever, efectivamente, tal busca «ser considerada domiciliária», pois que «o conceito de domicílio, para efeitos processuais penais, é mais abrangente que o conceito de domicílio civil» e «pelo menos, um indivíduo – NN – durante a noite permanecia naquele espaço onde desenvolvia atos atinentes à sua vida íntima e privada», não obstando ao sustentado pela defesa «[a] circunstância de este indivíduo ter a sua morada no ...», sucedendo que «o próprio tribunal decidiu que a busca às referidas instalações foi realizada ao abrigo do disposto do artigo 177º do CPP, ou seja, considerou esta busca como domiciliária (…) a fls.306 dos autos», não sendo de aceitar que depois de semelhante consideração «em sede de 1º interrogatório (…), o tribunal de julgamento venha a decidir que essa busca não era domiciliaria»; 8.Ora, discordamos, em absoluto, da alegação de estar em causa na concreta situação supra aludida um “domicílio”, sendo que, conforme, a título meramente exemplificativo, se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.09.2006, Processo n.º 06P2321, Relator: Armindo Monteiro, acessível in www.dgsi.pt, «o regime tutelar consagrado em relação a casa habitada ou sua dependência , na hipótese de busca , se mostra exigível como forma de acautelar o direito à inviolabilidade do domicílio , prevista no art.º 34.º n.º 1 , da CRP , exprimindo tal conceito , na óptica , sempre uniforme , do TC , aquela área que tem por objecto a habitação humana , aquele espaço fechado e vedado a estranhos , onde recatada e livremente se desenvolve toda uma série de condutas e procedimentos característicos da vida privada e familiar , como se escreveu no AC. n.º 452 /89 , in DR , I Série , de 22/7 , ou seja um núcleo restrito sob o signo da intimidade , de protecção da vida privada , da liberdade e da segurança individual , onde se desenrola a vivência essencial , no aspecto existencial , da pessoa», sucedendo ainda que, como se retira do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 364/2006, de 08.06.2006, Processo n.º 289/06, Relatora: Maria Helena Brito, igualmente acessível in www.dgsi.pt, não «corresponder[á] o conceito constitucional de domicílio ao de qualquer local onde se praticam actos que pertencem à esfera da intimidade ou da vida privada do cidadão»; 9.Por outro lado, também se discorda do argumento de que foi a busca aqui controvertida inicialmente considerada pelo próprio tribunal «como domiciliária (…) a fls.306 dos autos», tendo em conta, designadamente, a indicação, aí constante, de que aquela teria sido «realizada ao abrigo do disposto do artigo 177º do CPP», sendo certo que, ao invés, entendemos ter existido manifesto lapso na dita referência (no despacho então proferido) ao disposto no art.º «177.º, n.º 2, al. a) e c), e n.º 3, do Código de Processo Penal», pois que desde logo se constata reportar-se aquele n.º 2 aos casos de realização de busca domiciliária «[e]ntre as 21 e as 7 horas», sucedendo, todavia, ter inexistido, in casu, em absoluto, qualquer busca durante semelhante espaço temporal, tão pouco (igualmente) se mostrando explicitado qual a alínea respeitante à invocação do citado n.º 3; 10.Dir-se-á, mesmo, que, agarrando-se tamanhamente a defesa àquilo que foi objecto de consideração a fls. 306 dos autos em matéria de buscas, não é possível deixar de valorizar exponencialmente o facto de ter sido então decidido validar as buscas realizadas, sendo que, muito mais do que a mera literalidade de semelhante menção, não se concebe, de todo, que o correspondente juízo de aferição a tal subjacente não tenha exigido uma análise completa dos elementos constantes do processado em ordem ao acerto de tal decisão; 11.Quanto à questão da extemporaneidade da arguição da nulidade da busca, entendem os ora recorrentes que «a entrada num domicílio de forma ilegal, ou seja, não estando verificados os pressupostos elencados no artigo 177º do CPP: autorização judicial, a verificação de alguma das situações constantes das alíneas previstas no nº2 do mesmo preceito, inquina de nulidade insanável a busca a esse local», bem assim que «a apreciação da legalidade da entrada pelo órgão de polícia criminal numa habitação (…) possa ser suscitada em sede de julgamento»; 12.Reportando-se a questão aqui controvertida à busca realizada às mencionadas instalações da sociedade R..., Lda., e cumprindo, antes de mais, reiterar que entendemos não dever aquela ser considerada domiciliária, sempre se refira, sem conceder, que, na hipótese de se estar em face de um “domicílio”, não estaria então em causa senão, no limite, a verificação de (mera) nulidade sanável; 13.Ora, conforme, a título meramente exemplificativo, se refere no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 17.09.2009, Processo n.º 549/08.7PBBJA-A.E1, Relator: Martinho Cardoso, acessível in www.dgsi.pt, «[t]endo sido buscado, sem prévia autorização da autoridade competente, o quarto onde o arguido vinha pernoitando, e não tendo aquele, enquanto visado pela diligência em causa, dado o consentimento à realização da busca, foi cometida uma nulidade (art. 177.º n.º1 e 6 do CPP). Trata-se, contudo, de nulidade sanável e que só pode ser conhecida mediante arguição do sujeito processual interessado, nos termos do art. 120.º n.º3 do CPP», sendo, assim, manifesto que a (eventual) correspondente arguição (da nulidade da busca) em sede de julgamento será extemporânea; 14.No que respeita à questão do flagrante delito, entendem os ora recorrentes que «[o] flagrante delito ocorre no momento em que os elementos da Polícia Judiciária presenciam (confirmam) que o contentor transportava produto estupefaciente» e que, «[n]o caso concreto, a Polícia Judiciaria entrou nas instalações da empresa e só depois é que ocorreu o flagrante delito: no momento em que os elementos da PJ detetaram o produto estupefaciente», sendo que não aceitam que «as suspeitas do cometimento de um crime – por exemplo o transporte de um contentor com suspeitas de no seu interior ser transportado produto estupefaciente – configuram uma situação de flagrante delito legitimando a realização de uma busca no local onde o referido contentor se encontrava»; 15.Ora, concordamos com o entendimento nessa matéria sustentado pelo tribunal a quo, designadamente, quando é mencionado que, «se por mero raciocínio, o que não se concede – se admitisse que o local, no armazém, onde se encontravam os fardos de cocaína fosse efetivamente o domicílio do mencionado vigilante noturno, funcionário da empresa, o artigo 177.º admitiria, na conjugação dos seus n.º 3, alínea a) e artigo. 174.º, n.º 5, al. a) do Código de Processo Penal, a realização de busca domiciliária levada a cabo por órgão de polícia criminal, no período compreendido entre as 7 e as 21 horas (o que ocorreu, tendo a busca tido lugar entre as 17h20 e as 19h00, conforme auto de fls. 76), perante uma situação de flagrante delito no tráfico de estupefacientes, situação de exceção ao regime jurídico da autorização judicial prévia ou do consentimento do visado, dada a gravidade e celeridade dos interesses a proteger, com o consequente perigo social e coletivo que se não compadecem com a demora de obtenção da autorização ou consentimento»; 16.Conforme, com interesse, a título meramente exemplificativo e a propósito de semelhante questão, se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04.04.2022, Processo n.º 55/21.4PEBRG-A.G1, Relatora: Cândida Martinho, acessível in www.dgsi.pt, «não definindo a lei o que deve entender-se como “indícios” para os efeitos de ser determinada uma busca, temos para nós que os mesmos deverão ser entendidos como suspeitas, indicações, sinais ou quaisquer outros elementos que apontem para a existência dos objetos naquele lugar. Como se referiu no Acórdão da Relação de Coimbra de 23/5/2007, proferido no âmbito do processo 3/07.4GBCNT-A.C1, em que foi Relator Belmiro Andrade, “Como meio de obtenção de provas que é, a busca não pode depender da prévia existência das provas que visa, precisamente, obter. Sob pena de se retirar qualquer efeito útil relevante ao referido meio ou instrumento de obtenção de prova. Ao longo do seu percurso o processo penal desenvolve-se através de um “iter” que tem o seu ponto de partida na suspeita, passa pela recolha do material probatório, crivado pelo juízo de probabilidade, até terminar na certeza prática da realização do ilícito que apenas será alcançada a final, em julgamento, após discussão e debate público das provas reunidas. Não definindo a lei o conceito de “indícios” nesta fase inicial do processo, movimentando-se o inquérito preliminar em juízos de mera probabilidade, deve tal conceito ser interpretado num sentido próximo do atribuído pelo senso comum – uma indicação, um sinal ou vestígio de algo relacionado com um crime. E o que se pretende com a busca é precisamente a recolha de elementos de prova que confirmem ou infirmem os factos participados. Para ser ordenada a busca e a apreensão não é necessário, pois, que os indícios da prática do crime sejam suficientes ou fortes - nesse caso já existiria prova suficiente para deduzir a acusação, esvaziando-se de sentido o meio de obtenção de prova em questão”»; 17.No tocante à questão da possibilidade legal da determinação por parte da Polícia Judiciária da realização de busca às supra aludidas instalações da sociedade RW -Foods, Lda., entendem os ora recorrentes que «[a] realização das buscas – previstas no artigo 174º do CPP – não podem ser objeto de delegação de poderes, como defende o acórdão», sustentando, nessa parte, que «[a] interpretação do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 137/2019 no sentido de que as autoridades de polícia criminal da Polícia Judiciária têm competência, no âmbito de despacho de delegação genérica de competência de investigação criminal, para ordenar a realização das revistas e buscas da competência do Ministério Público nos termos do n.º 3 do artigo 174.º do CPP, viola o artigo 219.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, na parte em que defere ao Ministério Público competência para exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade»; 18.Ora, entendemos revestir o ora controvertido art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 137/2019, de 13 de Setembro (que aprovou a nova estrutura organizacional da Polícia Judiciária), norma especial; 19.Efectivamente, logo sendo afirmado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro (que aprovou a anterior Lei Orgânica da Polícia Judiciária), que “a Polícia Judiciária constitui um corpo superior de polícia criminal com estatuto próprio, que a distingue das demais forças policiais e de segurança”, resulta da invocada “Exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 76/VIII, que esteve na origem do artigo 11.º-A, aditado ao Decreto-Lei n.º 275- A/2000, de 9 de novembro”, ter fundamentado tal aditamento o facto de estarem então “criadas condições para uma maior responsabilização destas autoridades de polícia criminal no quadro dos processos cuja investigação lhes tenha sido confiada”, sendo que essa “maior responsabilização das autoridades de polícia criminal da Polícia Judiciária reforça as condições de eficiência das investigações, sem prejuízo das garantias de direcção e controlo judiciário”; 20.Dispondo o art.º 11.º (autoridades de polícia criminal), n.º 1, do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro, que “[s]ão autoridades de polícia criminal, nos termos e para os efeitos do Código de Processo Penal, os seguintes funcionários da Polícia Judiciária: (…) g) Coordenadores de investigação criminal”, veio tal art.º 11.º-A (competências processuais), aditado pela Lei n.º 103/2001, de 25 de Agosto, prever, no que aqui mais relevará, no seu n.º 1, que “[a]s autoridades de polícia criminal referidas no n.º 1 do artigo anterior têm ainda especial competência para, no âmbito de despacho de delegação genérica de competência de investigação criminal, ordenar: (…) b) A realização de revistas e buscas, com excepção das domiciliárias e das realizadas em escritório de advogado, em consultório médico ou em estabelecimento hospitalar ou bancário; c) Apreensões, excepto de correspondência, ou as que tenham lugar em escritório de advogado, em consultório médico ou em estabelecimento hospitalar ou bancário” [importando salientar ser similar a formulação legal dos preceitos correspondentemente feitos constar do Decreto-Lei n.º 137/2019, de 13 de Setembro, a saber, nos art.ºs 8.º, n.º 1, al. h), e 9.º, n.º 1, als. b) e c), respectivamente]; 21.Não podendo aqui deixar de se lançar mão dos critérios de interpretação da lei mencionados no art.º 9.º do Código Civil, resulta do aí constante que (n.º 1) “[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo (…)”, (n.º 2) “[n]ão pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” e (n.º 3) “[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”; 22.Não se vê como não tenha o supra aludido art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 137/2019, de 13 de Setembro, a natureza de norma especial ao dizer de modo absolutamente expresso, claro e inequívoco que autoridades de polícia criminal da Polícia Judiciária como os coordenadores de investigação criminal “têm ainda especial competência para, no âmbito de despacho de delegação genérica de competência de investigação criminal, ordenar” “[a] realização de revistas e buscas”, bem assim de “[a]preensões”; 23.Entender de modo diverso levaria à conclusão de que, em termos práticos e efectivos, em nada de minimamente relevante ou inovatório se teria traduzido a iniciativa legislativa entretanto concretizada na vigência de norma legal prevendo a especial competência de determinadas autoridades de polícia criminal da Polícia Judiciária para, no âmbito de despacho de delegação genérica de competência de investigação criminal, ordenar a realização de revistas e buscas, bem assim de apreensões – sendo que, atentando (meramente) no preceituado nas disposições conjugadas dos art.ºs 174.º, n.ºs 3 e 5, e 270.º, n.ºs 1 e 2, al. d), do Código de Processo Penal, sempre estariam em causa actos não delegáveis pelo Ministério Público em quaisquer órgãos de polícia criminal e, como tal, a ordenar ou autorizar pelo mesmo M.P.; 24.No que concerne às questões do exame crítico das provas e do erro notório na apreciação da prova, entendem os ora recorrentes que «o exame crítico do tribunal é, quanto a nós, manifestamente insuficiente» e que, «[p]or outro lado, da conjugação dos factos dados como provados e do, ainda que deficiente exame crítico, resulta um erro notório na apreciação da prova»; 25.Ora, constata-se que o tribunal a quo procedeu ao devido exame crítico da prova produzida, em ordem à consideração dos factos como provados ou não provados, no mais, conforme impositivo legal, recorrendo às regras de experiência comum, sendo que temos como acertado todo o processo de formação da convicção relativamente à matéria de facto, sucedendo que esta se formou no que respeita à factualidade considerada como demonstrada, no confronto com a não apurada, na apreciação conjugada, e de acordo com as mencionadas regras, dos elementos probatórios referenciados pelo mesmo tribunal; 26.Lança-se o tribunal, nessa tarefa, à procura do “realmente acontecido”, conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o “agarrar” e, por outro lado, os limites que a ordem jurídica lhe marca, derivados da(s) finalidade(s) do processo (Cristina Líbano Monteiro, in “Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo”, Coimbra, 1997, pág. 13), bem se sabendo que, neste âmbito, teremos sempre de ter presentes os princípios fundamentais da prova em processo penal, designadamente, aquele ínsito no art.º 127.º do Código de Processo Penal, segundo o qual a prova, salvo diferente disposição da lei, é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador; 27.A livre apreciação da prova não significa uma apreciação imotivável e incontrolável, fruto do arbítrio do julgador, mas antes uma avaliação feita com recurso a critérios objectivos e visando alcançar a verdade material, tendo-se, na concretização de semelhante desiderato, como perfeitamente legítima a prova por presunção, sem que o funcionamento desta colida com o princípio in dubio pro reo, até porque nem sempre é possível a recolha de prova directa, impondo-se, não raro, fazer uso dos indícios, antes que se gere impunidade, a tudo isto acrescendo que a verdade objecto do processo não é uma verdade ontológica ou científica, sendo, antes, uma convicção firmada em dados objectivos que, directa ou indirectamente, permitem a formulação de um juízo de facto; 28.Desde já se frise que, efectivamente, o tribunal não olvida as virtualidades decorrentes do uso de processos lógico-indutivos, baseados, por sua vez, em métodos intelectuais assentes nas presunções decorrentes das regras de experiência comum e da normalidade da vida, designando-se tal método por prova indiciária ou por presunção no domínio do processo penal, temática esta que assume ainda uma maior preponderância mormente em manifestações criminosas sofisticadas, podendo, assim, por outra banda, afirmar-se ainda que nem só quando o arguido faz uma confissão integral e sem reservas dos factos ou quando ocorrem situações de flagrante delito ou em que há testemunhas presenciais ou outras fontes de prova directa pode (e deve) haver condenações, como parece linear; 29.Com efeito, são muito variadas e frequentes as situações em que não há prova directa, porque os agentes do crime (abundando cada vez mais manifestações criminais sofisticadas, sem testemunhas) procuram cometê-lo sem ser notados, às escondidas, dissimuladamente, sorrateiramente, e nem por isso podem deixar de, como é óbvio, ser punidos, através das regras legalmente estabelecidas, sendo que se o julgador não tivesse em consideração estas premissas, estar-se-ia a abrir caminho à criação de amplos (e intoleráveis) espaços de impunidade, manifestamente não desejados pela efectiva realização da justiça em nome do povo, critério, limite e fundamento da actuação dos tribunais; 30.Por isso que a «prova indirecta ou indiciária» tem (cada vez mais) um papel fundamental e, destarte, já ninguém lhe nega virtualidade incriminatória para afastar (artificiais) situações de in dubio pro reo, sucedendo que, com efeito, apesar das reservas e objecções que ainda lhe são opostas, está (cada vez mais) consolidado o entendimento de que, para a prova dos factos em processo penal, é perfeitamente legítimo o recurso à prova indirecta, também chamada prova indiciária, por presunções ou circunstancial; 31.Quer a prova directa quer a prova indirecta são modos, igualmente legítimos, de chegar ao conhecimento da realidade (ou verdade) do factum probandum: pela primeira via ou método, «a percepção dá imediatamente um juízo sobre um facto principal», ao passo que na segunda «a percepção é racionalizada numa proposição, prosseguindo silogisticamente para outra proposição, à base de regras gerais que servem de premissas maiores do silogismo, e que podem ser regras jurídicas ou máximas da experiência. A esta sequência de proposição em proposição chama-se presunção» - [cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. II, 1993, p. 79]; 32.Uma vez que em processo penal são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (art.º 125.º do Código de Processo Penal), delas (das provas admissíveis) não pode ser excluída a prova por presunções (prevista, como noção geral, no art.º 349.º do Código Civil, mas prestável e válida como definição do meio ou processo lógico de aquisição de factos no processo penal), em que se parte de um facto conhecido (o facto base ou facto indiciante, que funciona como indício) para afirmar um facto desconhecido (o factum probandum) recorrendo a um juízo de normalidade (de probabilidade) alicerçado em regras de experiência comum, o que permite chegar, sem necessidade de uma averiguação casuística, a um resultado verdadeiro; 33.Neste âmbito, importam as presunções simples, naturais ou hominis, simples meios de convicção, que se encontram na base de qualquer juízo probatório. São meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção, que cedem por simples contraprova, ou seja, prova que origine a dúvida sobre a sua exactidão no caso concreto. O sistema probatório alicerça-se em grande parte neste tipo de raciocínio (indutivo) e, não havendo confissão, a prova dos elementos subjectivos do tipo (doloso ou negligente) não poderá fazer-se senão por meio de prova indirecta; 34.Não há, pois, razão para os complexos e pruridos que (ainda) subsistem quanto à prova indiciária. Aliás, em abono da verdade, o tribunal tem usado destes processos lógico-indutivos, baseados, por sua vez, em métodos intelectuais assentes nas presunções decorrentes das regras de experiência comum e da normalidade da vida, sendo, porém, certo que o uso destes processos lógico-indutivos terá um limite, qual seja: quando o princípio in dubio pro reo se faz sentir, perante a fragilidade e incerteza da prova produzida (o que não sucede in casu); 35.Concordando-se, pois, com a análise da prova a que o tribunal a quo procedeu em ordem a concluir pela sua aptidão para a demonstração (ou não) dos factos, nesta parte se remetendo, por meras razões de economia processual, para o que a esse propósito se exarou no douto acórdão aqui posto em crise, temos que não colherá, manifestamente, toda a argumentação expendida pelos ora recorrentes em sede de valoração da prova, a saber, no sentido da sua não responsabilização criminal, pois que sempre geraria intolerável impunidade; 36.No que alude ao invocado (vício do) erro notório na apreciação da prova, previsto na al. c) do n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal, cumpre começar por referir que em qualquer das hipóteses previstas nas diversas alíneas daquele n.º 2 o vício tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos estranhos àquela para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10.ª edição, pág. 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Volume III, Verbo, 2.ª edição, pág. 339, e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª edição, págs. 77 e seguintes); os vícios previstos no n.º 2 daquele art.º 410.º são vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei, sendo que, nesse caso, o objecto da apreciação é apenas a própria peça processual recorrida; 37.Verifica-se o vício do erro notório na apreciação da prova quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios; o apontado vício é aquele que é evidente, que não escapa ao homem comum, de que um observador médio se apercebe com facilidade, que é patente, só podendo relevar se for ostensivo, inquestionável e perceptível pelo comum dos observadores ou pelas faculdades de apreciação do “homem médio”; 38.Tal vício existe quando se dão por provados factos que, face às regras de experiência comum e à lógica corrente (do “homem médio”), não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos; trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental; as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial; 39.Os vícios previstos no n.º 2 do mesmo art.º 410.º não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questão do âmbito da livre apreciação da prova, princípio ínsito no citado normativo; neste aspecto, o que releva, necessariamente, é essa convicção formada pelo tribunal, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função de controlo ínsita na identificação dos vícios previstos no referenciado art.º 410.º, n.º 2, a convicção pessoalmente alcançada pelo recorrente sobre os factos; 40.Ora, do texto do acórdão recorrido, por si só ou conjugado com os ditames da experiência comum, não resulta a verificação do apontado vício posto que naquele não se detecta qualquer equívoco ostensivo contrário a facto do conhecimento geral ou ofensivo das leis da física, da mecânica, da lógica ou de conhecimentos científicos criminológicos e vitimológicos; de facto, é patente que os ora recorrentes não poderão senão questionar, sendo essa questão, porém, estranha ao disposto no art.º 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a suficiência, ou não, da prova para a matéria de facto provada, ou que como tal deveria ter sido considerada; efectivamente, estará aqui em causa, no fundo, a supra aludida situação de mera “divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questão do âmbito da livre apreciação da prova, princípio ínsito no citado normativo”, divergência essa que, atentas as razões já sobejamente expostas acima, não encontra, porém, tutela naquele preceituado legal, sendo, pois, certo que a decisão recorrida não se encontra afectada pelo vício aqui controvertido, previsto na al. c) do referenciado n.º 2, a saber, do erro notório na apreciação da prova; 41.No que se reporta à questão da medida da pena, entendem os ora recorrentes que «a pena aplicada (…) se revela exagerada», sendo que «o tribunal não valorou adequadamente os factos relativos aos arguidos», pelo que «[c]aso (…) não venha[m] a ser absolvido[s] – o que só por mero raciocínio académico se admite – deve[m] o[s] mesmo[s] ser condenado[s] numa pena mais próxima do mínimo legal»; 42.Ora, conforme referenciado no douto acórdão recorrido em sede de determinação da medida das penas a aplicar in casu [interessando agora, com particular acuidade e com reporte à motivação do recurso de que aqui se conhece, aquilatar dos factores atinentes à responsabilidade criminal dos ditos GG e AA], o grau de ilicitude do facto é exponenciado, ao nível do desvalor da acção, atendendo à quantidade de cocaína em estado puro, todavia, apreendida (acima de duas toneladas) [substância considerada droga “dura”, com elevado grau de danosidade social], demonstrando, assim, os arguidos uma total indiferença para os correspondentes malefícios que causariam, o que não abona em favor da sua personalidade, o dolo foi directo e intenso (relevando atender ao papel desempenhado por todos no quadro da co-autoria, sendo equivalente o que se surpreende no domínio da acção quanto ao DD e ao GG), o grau de culpa é também exponenciado, ao nível do desvalor da acção, atendendo ao modo de execução do crime em apreço [tendo o arguido AA um papel preponderante, com a colaboração, mais de perto, do arguido GG], as exigências de prevenção geral são, como é sobejamente consabido, muito elevadas e as exigências de prevenção especial (não obstante a ausência de antecedentes criminais) também de expressão já bastante considerável (sucedendo que a particular ilicitude dos factos e a personalidade manifestada na sua prática evidenciam a necessidade de um acentuado juízo de censura), importando ainda considerar o percurso de vida dos referidos co-autores; 43.Entendemos, assim, estando aqui em causa uma moldura penal abstractamente aplicável de 4 a 12 anos de prisão, serem justas, porquanto proporcionais à gravidade dos factos, correspondentes à medida da culpa e adequadas à personalidade desses sujeitos processuais, a condenação dos arguidos GG e AA, pela prática do aludido crime de tráfico de estupefacientes, nas penas de 9 (nove) e 10 (dez) anos de prisão, respectivamente, as quais não se nos afigura que pequem por qualquer excesso de severidade; 44.Relativamente à valoração de todos os factores a atender em sede de determinação da medida da pena, em conformidade com o disposto no art.º 71.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, entendemos, diversamente da visão que os arguidos GG e AA parecem ter sobre semelhante questão, terem sido devidamente sopesadas as circunstâncias passíveis de conduzir à atenuação ou agravação do juízo de censura a dirigir aos mesmos sujeitos processuais. Face a todo o exposto, e sufragando, in totum, o constante do douto acórdão prolatado a fls. 1396-1507 dos autos supra epigrafados, somos de entendimento de que deverá o recurso improceder. V. Exas., porém, farão como fôr de JUSTIÇA
5. Efetuado exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir. II – Fundamentação 1.A decidir Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência, ou não, dos vícios indicados no artigo 410°, n° 2 do CPPenal, o âmbito do recurso é dado, nos termos do artigo 412º, nº 1 do citado complexo legal, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, nas quais sintetiza as razões do pedido - jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95. 2. Apreciação 2.1. O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos: (transcrição) A - Factos Provados Com relevo para a questão da culpabilidade 1)Em data não concretamente apurada, o arguido AA decidiu expedir cocaína do ... para a Europa, introduzindo-a em ... por via marítima através do porto de ...; * Factos com relevo para a determinação da sanção 28)O arguido DD é natural do ... (...), tem dois irmãos mais novos e é originário de uma família de estrato social médio-baixo, tendo o pai a profissão de telefonista e a mãe doméstica. * 47)O arguido GG é natural do ... (...), tem quatro irmãos e é originário de uma família de estrato social médio-baixo, tendo o pai a profissão de eletricista e a mãe era doméstica, vivendo a família com condições económicas e financeiras satisfatórias. 48)Os pais do arguido ter-se-ão separado quando o mesmo tinha 18 anos de idade. 49)O arguido GG estudou na idade normal e concluiu o ensino secundário aos 17 anos e não lhe deu continuidade porque casou. Passou então a trabalhar como mecânico de automóveis. 50)GG começou a coabitar com a primeira esposa aos 17 anos de idade e tiveram dois filhos que têm presentemente 26 e 24 anos de idade que se encontram a residir no .... 51)Cerca dos 23 anos de idade estabeleceu novo relacionamento, com a atual esposa, ZZ, com quem tem dois filhos de 19 e 13 anos de idade, estando todos a viver em ..., no .... 52)Do ponto de vista laboral, o arguido trabalhou como mecânico de automóveis, depois trabalhou como corretor imobiliário, começou a supervisionar obras e, subsequentemente, criou uma empresa para fazer estes trabalhos e também passou a dedicar-se à construção de casas novas. 53)O arguido manteve negócios na ... e na ... que não correram como previa e por isso deles desistiu. 54)Em abril de 2020, o arguido vivia com a esposa e filhos na morada indicada nos autos, pagando uma renda de €700,00. 55)O arguido auferia um vencimento de €2500,00. 56)A esposa era doméstica e assumia a responsabilidade de cuidar e educar os filhos. Estes são estudantes. 57)Presentemente, na sequência da reclusão do arguido, a esposa depois de num curto período ter vendido alguns produtos armazenados na empresa (polpa de fruta) deixou de o poder fazer porque o armazém foi selado pelo proprietário, pelo que deixou de ter condições económicas. 58)Reside atualmente no apartamento que estava arrendado a um familiar seu, onde passou a pagar a renda de €300,00. 59)A esposa do arguido passou a trabalhar como auxiliar no Centro Hospitalar ..., auferindo o vencimento de €698,00. 60)Os filhos do casal continuam a estudar, mas a reclusão do pai afetou o seu equilíbrio psicológico. 61)No Estabelecimento Prisional o arguido mantém um comportamento conforme as normas institucionais, não havendo registo de infrações disciplinares. 62)O arguido não regista antecedentes criminais. * 63)O arguido AA é natural do ... (...), tem dois irmãos mais velhos. O pai era chefe de manobras e a mãe era administrativa no Serviço Social da Indústria. 64)O arguido estudou e concluiu o ensino secundário aos 18 anos tendo, posteriormente, feito estudos profissionais na área da importação e exportação de bens. Começou a trabalhar aos 15 anos, num escritório que fazia trabalhos portuários. 65)Aos 22 anos o arguido emigrou para o ... para trabalhar numa empresa de nome SRG – em cofragens e estruturas de betão. Esteve neste país 15 anos, casou e teve um filho que tem presentemente 32 anos de idade. 66)Separado, regressou ao ... com 37 anos de idade. No seu país criou uma empresa, de nome B... que se dedicava à procura de produtos para exportação para os mercados asiático e europeu. 67)Quando regressou ao ... o arguido estabeleceu novo relacionamento afetivo e casou com a atual esposa com quem tem dois filhos, que têm atualmente 18 e 15 anos de idade, todos residentes no .... 68)O arguido possui casa própria no ..., herdada de família, onde vive a esposa e filhos. A esposa continua a trabalhar no ..., no porto ... e os filhos estudam. O arguido mantém contactos diários com a esposa e filhos via telefone. 69)Em abril de 2020, o arguido encontrava-se em ..., hospedado numa casa arrendada pela sua empresa, localizada em Campo ... – AA. 70)No Estabelecimento Prisional o arguido mantém um comportamento conforme as normas institucionais. 71)O arguido não regista antecedentes criminais. * B - Factos Não provados: Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, constantes da acusação deduzida pelo Ministério Público, designadamente os seguintes: * C - Matéria não respondida Consigna-se que não se dará resposta aos pontos 8, 9 e 12 da acusação por se tratar de expressões conclusivas irrespondíveis. 2.2. Motivação da Decisão de Facto (transcrição): Como princípio reitor para a formação da convicção do Tribunal, deve ter-se presente que a reconstituição da verdade dos factos não se elabora a partir de uma consideração individualizada das suficiências ou insuficiências de cada um dos meios de prova produzidos na audiência, mas antes, deve ter por base uma ponderação e valoração global de toda a prova produzida em sede de julgamento. 2.3. Da matéria a decidir Em primeiro e imediato momento, desponta o segmento recursivo dos arguidos, quanto à verificação da nulidade prevenida no artigo 119º, alínea b) do CPPenal – falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48º (…), aspeto este que apenas e só foi inicialmente suscitado no decurso da audiência de discussão e julgamento. Como limpidamente flui do preceito invocado, tenciona-se anunciar o desenho de uma eventual nulidade insanável, ou seja, a mais grave forma de invalidade de atos que a lei considera de tal forma fulminante que torna inadmissível e contrário à essência do processo e, nessa medida, não permite a sua subsistência. Trata-se de situações que fatalmente contaminam parte ou até mesmo todo o processo[1]. * Prosseguindo, cabe avaliar a alegação relativa à (in)validade da busca efetuada às instalações da sociedade R..., Lda.Argumentam os arguidos recorrentes que (…) A busca realizada às instalações da firma R..., Lda. sita em ... deve ser considerada domiciliária (…) o conceito de domicílio, para efeitos processuais penais, é mais abrangente que o conceito de domicílio civil (…) É indiscutível que, pelo menos, um indivíduo – NN – durante a noite permanecia naquele espaço onde desenvolvia atos atinentes à sua vida íntima e privada (…) local onde praticava estes atos repartia-os pelas instalações onde se localizava o armazém e o contentor, que faziam parte do mesmo espaço e nesse sentido, tal como se exarou no acórdão, esse indivíduo praticava atos da sua vida íntima e privada naqueles dois locais (…) A circunstância de este indivíduo ter a sua morada no ... não obsta a que não possa ocasionalmente, por períodos temporais, praticar os mesmos atos noutro local, no caso concreto, naquelas instalações (…) Se alguma dúvida existisse o próprio tribunal decidiu que a busca às referidas instalações foi realizada ao abrigo do disposto do artigo 177º do CPP, ou seja, considerou esta busca como domiciliária! Assim, decidiu o tribunal a fls.306 dos autos. Num pronto e rápido debruce, tal como exulta do decidido em primeira instância, há que afirmar não ter qualquer suporte esta linha de defesa dos arguidos. * Cumprirá, desta feita, analisar como tudo aconteceu e sobre que égide legal decorreu a busca em dissídio - busca ocorrida no espaço de armazém da sociedade R..., Lda. - e a consequente apreensão do produto estupefaciente, ou seja, a vertente - flagrante delito.Questionam os arguidos recorrentes, também, a possibilidade de se considerar válida a busca efetivada no armazém – reitera-se armazém e nada mais do que isso -, a coberto do regime inserto no artigo 174º, nºs 3 e 5, al. c) do CPPenal – busca realizada no âmbito de detenção em flagrante delito por crime a que corresponda pena de prisão pois, conforme seu entendimento, não se pode aqui falar em flagrante delito. Na linha de todo o argumentário erigido pelo tribunal ad quo, entende-se que também nesta vertente, não tem o menor amparo o que se pretende. O flagrante delito, cuja noção legal se mostra denunciada no artigo 256º do CPPenal, exibe três variantes – o flagrante propriamente dito, o quase flagrante delito, presunção de flagrante delito -, podendo em termos gerais considerar-se como a actualidade aparente, visível, do crime (permitindo) surpreender a execução do crime[28], sendo que o flagrante delito, abrangendo todo o processo executivo e até os atos preparatórios no caso destes serem puníveis, se mantém entre as diversas ações praticadas pelo agente e, nessa medida, existe e se verifica em ilícitos que comportem ações sucessivas, como é o caso do crime de tráfico de estupefacientes[29]. Impõe-se também sublinhar que de acordo com o plasmado no artigo 174º, nº 2 do CPPenal a busca tem lugar quando houver indícios de que objetos relacionados com um crime se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público. Esta literalidade escolhida pelo legislador – indícios e não fortes ou suficientes indícios – aponta para a ideia de que é o bastante que hajam razões que suportem e revelam uma convicção sobre a probabilidade, ainda que mínima, de existência de um facto por forma a que o dado / sinal indiciador e o facto a provar assumam a possibilidade de uma inferência lógica assente numa máxima de regras da experiência ou numa lei científica[30]. Ora, parece ser aqui ocaso. Na verdade, atentando em todos os passos constantes do processado, nomeadamente de fls. 1 a 75, centrando toda a atenção na descrição da diligência de 6 de abril de 2020 e retratada no auto de fls, 72 a 75, onde é claro que a dado ponto se refere (…) 16h47 – O empilhador mecânico começa a retirar a primeira palete da carga do interior do contentor para dentro do armazém (…) 17h06 – É percetível que agora começam a tirar do contentor, paletas de carga mais altas, paletas estas nas quais recaem fortes suspeitas de conter o produto estupefaciente dissimulado na carga (…)[31] , conjugado com outros traços factuais anteriormente coligidos, (…) com recurso a um scanner de Raio-X, procedeu-se à verificação dos contentores com os números ...72, ...81 e ...14, provenientes do porto ... (..., ...) e transportados (…) imagens captadas pelo scanner (…) os contentores com os números ...72 e ...81 apresentavam uma inconformidade na imagem da carga pelo que se procedeu à sua verificação física (…) A existência de paletes com um formato diferente das restantes levantou sérias suspeitas de se encontrar produto estupefaciente dissimulado na carga[32], a todos e vários movimentos / etapas / diligências tidas pelos arguidos ao longo do tempo que antecedeu o transporte dos contentores desde o porto de ... ao armazém, e bem assim com todo o espetro informativo que se desenvolveu logo com a denúncia e os detalhes da mesma, entende-se como o concluído na decisão em confrontação, ou seja, patenteia-se decididamente uma situação de flagrante delito. Com efeito, todos os sinais exibidos conduziam e conduziram à perceção clara / evidente / translúcida de que os arguidos estavam a cometer um delito, detendo na sua posse e ao seu total alcance produto estupefaciente, o que ocorreu a partir do momento em que passaram a ter no seu domínio os contentores, ou seja, desde a sua saída do porto de ... e, por conseguinte, ainda antes da entrada no armazém onde se concretizou a busca. Toda a movimentação que precedeu as buscas, a circunstância de os arguidos estarem diretamente ligados à carga suspeita e a mesma terem sempre controlado desde a sua chegada ao porto de ... até ser levada para o armazém, mostrando-se solidamente desenhado que nos contentores era disfarçadamente transportada grande quantidade de droga – o que se veio cristalinamente a confirmar -, parece óbvio um retrato de flagrante delito[33]. De outra banda, tendo sido todo este procedimento devidamente validado pela autoridade judiciária competente, validação esta que nunca foi questionada pelos arguidos recorrentes, como se afirmou, a não ser no decurso da audiência, ou seja, completamente fora de tempo, decai toda esta linha recursiva. E, nesta senda, sequentemente cai por terra todo o repetido e generalizado excurso dos arguidos recorrentes, de se verificar uma inconstitucionalidade. * Por alguma forma relacionado com os dois anteriores pontos objeto de análise, desponta a questão da competência do Coordenador da Polícia Judiciária.Desde logo, ante todo o supra decidido, mostrar-se-ia despiciendo ponderar sobre este pedaço recursivo. Concluindo-se que existiu uma busca não domiciliária, ancorada na previsão do artigo 174º, nºs 2, 3 à contrario sensu e 5, alínea c) do CPPenal, a qual se consolidou como válida, desnecessário seria abordar esta questão. No entanto, ainda que sucintamente se procede ao seu exame. Pretendem os arguidos recorrentes, por esta via, contaminar todos os atos praticados pela Polícia Judiciária que conduziram à apreensão do produto estupefaciente, sustentando toda esta parcela revidenda que (…) A interpretação do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 137/2019 no sentido de que as autoridades de polícia criminal da Polícia Judiciária têm competência, no âmbito de despacho de delegação genérica de competência de investigação criminal, para ordenar a realização das revistas e buscas da competência do Ministério Público nos termos do n.º 3 do artigo 174.º do CPP, viola o artigo 219.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (…) Uma interpretação da norma constante do artigo 270º, nº2 e 4 do CPP com o sentido de que o Ministério Público pode delegar genericamente competências aos órgãos de polícia criminal, designadamente à Polícia Judiciária, para a realização de buscas previstas no artigo 174º, nº3 do CPP, inquina estas normas de inconstitucionalidade por violarem o estatuído no artigo 219º da CRP. Também aqui, ao que se pensa, não têm os arguidos razão na linha seguida. Crê-se que não se suscitam quaisquer dúvidas a respeito da literalidade constante do artigo 9º do Decreto-Lei nº 137/2019, de 13 de setembro, aletrado em último pela Lei nº 79/2021, de 24 de novembro[34] – diploma que regula a Nova Estrutura Organizacional da Polícia Judiciária – onde, exulta claro que as autoridades de polícia criminal têm especial competência para, no âmbito de despacho de delegação genérica de competência de investigação criminal, ordenar, entre outros, a realização de buscas, que não as domiciliárias ou escritório de advogado, em consultório médico ou em estabelecimento hospitalar ou bancário, sendo que nestas práticas, míster é que todo o agir obedeça à tramitação do Código de Processo Penal e que haja imediata comunicação à autoridade judiciária titular da direção do processo para os efeitos e sob as cominações da lei processual penal. Olhando a todo o processado é por demais evidente que estas exigências foram escrupulosamente respeitadas, face ao despacho emitido a fls. 69 e 70 pelo Coordenador de Investigação Criminal ordenando a realização de busca ao armazém para onde foi transportado o produto estupefaciente, o qual se mostra devidamente fundamentado, ao mandado constante de fls.71, onde se fixou um prazo imediato para a realização da busca, o qual foi respeitado, à entrega do duplicado do mandado atestada a fls.76, e à comunicação feita ao Digno Mº Pº em momento seguido à realização das diligências investigatórias, ainda no dia 6 de abril de 2020 às 20h10 como se extrai de fls. 168 e 169. Por seu turno, e na esteira do pensamento vertido pelo Digno Mº Pº na resposta aos recursos, já o anterior diploma regulador da Orgânica da Polícia Judiciária – Decreto-Lei nº 275-A/200, de 9 de novembro -, enunciava no seu artigo 11º-A (aditamento decorrente da Lei nº 103/2001, de 25 de agosto) uma literalidade em tudo muito semelhante à acima dita, sendo que ambos os complexos reguladores da orgânica da Polícia Judiciária, anunciam uma vontade legislativa no sentido de dotar esta polícia de meios, capacitação e competências para incrementar a prevenção e o controlo da criminalidade grave, violenta e altamente organizada (…) com vista ao esclarecimento célere daquela criminalidade, assente na sua missão primordial de coadjuvação às magistraturas, em especial à Magistratura do Ministério Público, no âmbito da investigação da criminalidade, conferindo uma mais evidente responsabilização daquela por via do reforço das condições de eficiência / eficácia / prontidão no exercício das investigações. Neste seguimento, parece claro que foi intento do legislador que, em situações devidamente circunscritas, fundadas e enquadradas na tessitura legal é efetivamente possível agir como no caso em apreço. Aliás, seguir a onda navegada pelos arguidos recorrentes, tornaria praticamente letra morta o consagrado no artigo 9º, nº 1, alínea b) do Decreto-Lei nº 137/2019, de 13 de setembro, ficando assim por saber quando e em que circunstâncias poderia a Polícia Judiciária realizar buscas no âmbito de despacho de delegação genérica de competência de investigação criminal. Face ao expendido e renovando-se todo o anteriormente referido quanto ao modo / forma como decorreu a busca ao armazém, conclui-se pela falência deste contorno recursório, na sua totalidade. * Erguem, ainda, os arguidos recorrentes, a existência de erro notório na apreciação da prova, apelando assim ao que plasma o artigo 410.º, nº 2 alínea c) do CPPenal.Perante tal posicionamento, parece claro que se tenciona que se proceda, em sede de recurso, à sindicância da matéria de facto dada como provada, por via mais restrita – e não pela via mais ampla expressa nos normativos combinados dos artigos 412.º, n.º 3 e 431.º do CPPenal -, ou seja, pela verificação dos vícios prevenidos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, no que se convencionou chamar de “revista alargada”. Como exubera do último inciso salientado, está-se face a vícios decisórios cuja indagação, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento[35]. Aqui não se cuida de levar a cabo um segundo julgamento sobre a matéria em sindicância, assumindo-se antes como um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. Na verdade, o que está em causa é uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa[36]. Tem-se entendido que constitui tal, o erro sobre facto notório incluindo os factos históricos de conhecimento geral; a ofensa às leis da natureza (vg. considerar provado um facto física ou mecanicamente impossível); a ofensa às leis da lógica (vg. incompatibilidade entre o meio de prova invocado na fundamentação e os factos dados como provados com base nesse meio de prova); ofensa dos conhecimentos científicos criminológicos e vitimológicos[37]. Mostram-se aqui incluídas todas as situações que se assumam como casos de erro “(…) evidente, escancarado, escandaloso, de que qualquer homem médio se dá conta (…) também todas as situações de erro clamoroso, e que, numa visão consequente e rigorosa da decisão no seu todo, seja possível, ainda que só ao jurista, e, naturalmente ao tribunal de recurso, assegurar, sem margem para dúvidas, comprovar que, nelas, a prova foi erroneamente apreciada”[38]. Jurisprudencialmente, tem-se entendido que configura tal, tudo o “(…) que não pode ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, sendo o erro de interpretação detectável por qualquer pessoa” (…) aquele erro de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta”[39]. Divisando toda a decisão recorrida, ainda que de soslaio, não emerge a mancha sugerida, entendida como aquilo que se mostre evidente para qualquer indivíduo de médio discernimento e resulte do texto do Acórdão, conjugado com as regras da experiência comum. Alicerçam os arguidos recorrentes esta sua linha de discórdia invocando excertos, alguns deles descontextualizados, da decisão recorrida e, a partir daí, fazerem a sua própria leitura, não só da prova, mas também da fundamentação exercitada pelo tribunal ad quo. Esta a linha de pensamento / interpretação / leitura da prova produzida que este arguido faz. Os arguidos AA e GG referem Todas estas diligências decorreram segundo as regras da normalidade (…) são cada vez mais os traficantes que introduzem droga na mercadoria licita sem que os transportadores tenham disso conhecimento. São vários os processos já transitados e a decorrer em que esse modus operandi sucedeu (…) Por outro lado, da conjugação dos factos dados como provados e do, ainda que deficiente exame crítico, resulta um erro notório na apreciação da prova (…) Conforme se diz no acórdão (fls.55) à vista desarmada e mesmo após a verificação física do contentor, pelas autoridades competentes, não foi detetado qualquer elemento suspeito (…) argumenta-se que, “Com base também no depoimento prestado pelas testemunhas PP e QQ foi possível confirmar toda a movimentação dos arguidos aquando da descarga mostrando o arguido AA um particular cuidado na observação da mesma, que documentou retirando fotografias ao exterior e ao interior do contentor, o que nos conduz claramente à conclusão que os arguidos sabiam que os fardos de cocaína se mostravam acondicionados com a polpa de fruta importada (…) Esta conclusão do tribunal é a todos os títulos inadmissível e contrária às mais elementares regras da vida. Então se alguém tira uma fotografia a uma viatura que transporta algo ilícito presume-se que sabia do conteúdo desse transporte? Que elemento – atentas as regras da vida – fazem presumir tal coisa? Chegando uma carga não é plausível que se tirem fotografias para demonstrar que a carga licita chegou (…) o comportamento dos arguidos à descarga da carga mostra claramente que o arguido AA providenciou e contratou a aquisição da carga (...) procurando através dessa ação encobrir o transporta internacional de mais de duas toneladas de cocaína (…) Mas, que comportamento? O tirar fotografias de um dos arguidos revela que esse arguido e também os outros – que não tiveram nenhuma intervenção na obtenção dessas fotografias –também encobriram a carga de cocaína? (…) O tribunal socorre-se do argumento segundo o qual ... não tinha escoamento para a venda da mercadoria acabada de chagar. Como é evidente a mercadoria não se destinava – na sua grande maioria – ao mercado português, mas sim ao estrangeiro (…) Ao invés, todo o comportamento dos arguidos foi perfeitamente normal;
Conquanto, o tribunal recorrido de forma lógica, consistente, robusta e bastante detalhada, destrói por completo o aludido caminho, referindo em pormenor e passo a passo, todos os elementos probatórios considerados, escalpelizando todos os aspetos dos mesmos emergentes - a investigação se iniciou a partir da Comunicação de Informação - a fls. 2 e 3 dos presentes autos - a qual sugeria a possibilidade de se encontrarem a bordo do porta-contentores ..., com destino ao porto de ... e proveniente do porto ... (..., ...), 03 (três) contentores contendo produto estupefaciente no seu interior (…) foi possível estabelecer relação com os contentores ..., ... e ..., sendo o exportador da mercadoria a empresa E..., Lda. - Inda e Com. de alimentos, Ltda., sediada em ..., ..., e o importador a empresa R..., Lda., Lda., NIPC ..., com sede no ... e cujos sócios gerentes, à data da constituição, eram WW e GG (…) foi possível identificar que WW, sócia, era casada com DD (…) bem como todos os veículos que se encontravam associados aos mencionados indivíduos e à empresa R..., Lda., Lda (…) Com base também no depoimento prestado pelas testemunhas PP e QQ foi possível confirmar toda a movimentação dos arguidos aquando da descarga mostrando o arguido AA um particular cuidado na observação da mesma, que documentou retirando fotografias ao exterior e interior do contentor, o que nos conduz claramente à conclusão que os arguidos sabiam que os fardos de cocaína se mostravam acondicionados com a polpa de fruta importada (…) (…) o comportamento dos arguidos à descarga da carga mostra claramente que o arguido AA que providenciou e contratou a aquisição da carga, com conhecimentos na expedição portuária em que trabalhou e atualmente o fazendo, nessa área, a sua esposa, veio a tratar da sua expedição para ..., procurando através dessa ação encobrir o transporte internacional de mais de duas toneladas de cocaína. Não só se evidencia a sua preponderância nessa organização no momento da descarga – que DD reconhece confirmando que esse negócio – referindo-se à polpa de fruta - era da responsabilidade desse arguido e o mesmo vinha a ... para se certificar que tudo corria bem, sem deixar de referir que este queria a carga bem organizada, quando GGG nos referiu que era sua a competência de organizar a carga (para o que tinha conhecimentos) e que não era determinado pelos arguidos DD ou GG, nesse sentido (…) a maior energia despendida pelo arguido AA encontra-se ainda nas imagens de fls. 90 e ss, através das quais se verifica que o produto estupefaciente se encontrava embalado em sacos brancos com o logótipo da empresa ECOFOODS, acondicionado (como referiu PP) com mesma forma e na mesma quantidade que os sacos que continham a carga de blocos de 1 kg de polpa de fruta congelada, como resulta das conversas trocadas entre o arguido AA e o fornecedor de nome RR que tal formatação e pesagem foi pelo primeiro procurada, confirmando-se as suspeitas levantadas aquando da verificação efetuada através do scanner de Raio-X, concretamente relativa à localização da inconformidade na imagem, que apontava para o conjunto de cinco paletes mais ao fundo do contentor (conforme Auto de Diligência a fls. 42-43 e imagem a fls. 45) (…) Na formação da nossa convicção não pode o tribunal desprezar o apreendido na busca à viatura com matrícula ..-OQ-.., propriedade de DD (Auto de Apreensão de Veículo a fls. 133-134), designadamente o um recibo de um pagamento ao Despachante Oficial III de 27.000,00 € (vinte e sete mil euros) efetuado em numerário, em nome da empresa R... & W..., Lda, mostrando claramente que este não era um mero fiel de armazém (…)Com efeito, em nada neste sentido (e no que foi dito com o sentido de aligeirar o seu papel no grupo ou no afastamento por referência a AA) nos convenceram as declarações de DD e, pese embora, constar como ultima remuneração – fls. 1343 – a recebida em Abril de 2020 - €583,33 – o papel de DD no grupo ultrapassava em muito as meras funções de fiel de armazém, pois que tratava de assuntos bancários, auxiliou no desenvolvimento e na criação da imagem da RWFoods – inicialmente também detida pela sua mulher – procedia a pagamentos ao despachante oficial, contratava trabalhadores, estabelecia contactos com o proprietários vindo a intermediar a celebração do contrato do arrendamento (galpão) do armazém, sem cuidar que, nos extratos constantes a fls. 31-36 e 6770 do Apenso C, se encontram referencias manuscritas a "Eb" [DD], "W" [DD] e "Mello" [AA]) o que evidencia claramente a movimentação de dinheiros. Por outro lado, o Tribunal examinou criticamente o achado na busca à viatura com matrícula ..-SC-.., cujo utilizador era o arguido GG (Auto de Apreensão de Veículo a fls. 144-146), sendo particularmente o conteúdo da documentação que constituiu o Apenso C, atentando-se no Auto de Análise de Informação Bancária a fls. 840-847. Desses elementos apreendidos resulta que: (…) Nas contas bancárias que se encontram tituladas pela empresa R..., Lda. e por GG, contas estas sediadas nas entidades bancárias Millennium BCP e Santander Totta, entre maio de 2019 e fevereiro de 2020, foram depositadas, pelo menos, 441.700,00€ (quatrocentos e quarenta e um mil e setecentos euros) em numerário (…) As contas bancárias tituladas pelos suspeitos e pela empresa, estão também associadas, pelo menos, duas contas poupança aforro, por onde passaram, pelo menos, 72.000,00€ (setenta e dois mil euros). É de salientar dessa documentação que no período de dois meses, a conta poupança associada à conta corrente de GG foi constituída e liquidada na sua totalidade, tendo por esta passado 12.000,00€ (doze mil euros) (…) A conta bancária da empresa R..., Lda., sediada na entidade bancária Santander Totta, recebeu 372.500,00€ (trezentos e setenta e dois mil e quinhentos euros) provenientes da conta da mesma empresa sediada no Banco Millennium BCP e 86.000,00€ (oitenta e seis mil euros) provenientes da conta bancária titulada por GG (…) Por sua vez, esta mesma conta, sediada no banco Santander Totta, entre os meses de junho de 2019 e fevereiro de 2020 enviou para duas empresas ... 615.207,66€ (seiscentos e quinze mil, duzentos e sete euros e sessenta e seis euros), a saber B... Lda. e E..., Lda., associadas a AA (…) Este contágio de entradas e saídas de valores, sobretudo se levarmos em consideração a atividade da empresa R..., Lda. (concedendo que a análise transmitida pela Inspetora JJJ nos surja naturalmente prejudicada pela aferição dos documentos apreendidos na empresa, sem recurso a avaliação de outros elementos contabilísticos) (…) demonstram claramente que a intenção dos arguidos teve sempre que ver com o negócio de cocaína e não diretamente com a meteria declarada à importação, esta especificamente transportada para esconder a mercadoria estupefaciente. * Finalmente, cabe pronunciamento sobre a alegada excessiva dosimetria das penas encontrada para os arguidos recorrentes, os quais, em sintonia, reclamam (…) Sempre se dirá que a pena aplicada aos arguidos GG e AA se revela exagerada (…) Sempre se dirá que a pena aplicada DD se revela exagerada. Visando suportar esta alegação, aduzem os arguidos recorrentes diversos factos considerados como assentes pelo tribunal recorrido que, no seu entender, não foram devidamente ponderados. Cumpre, num imediato passo, referir que o recurso não é uma oportunidade para o tribunal ad quem fazer um novo juízo sobre a decisão de primeira instância ou a este se substituir, sendo antes um meio de corrigir o que de menos próprio foi decidido pelo tribunal a quo. Deste modo, e sempre que se visa esta dimensão, tem-se entendido que se impõe ao recorrente o ónus de demonstrar perante o tribunal de recurso que algo de visivelmente errado / inaceitável ocorreu na decisão de primeira instância na matéria relativa à ou às penas impostas. Perseguindo esta questão, importa primeiramente revisitar a decisão em litígio e olhar ao que ali se cuidou relativamente à determinação concreta da medida da pena - o exponenciado grau ilicitude do facto, ao nível do desvalor da ação, atendendo à quantidade de cocaína em estado puro (acima de duas toneladas) a relevar na pena, tendo em conta a medida abstrata da norma violada e o juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais (…) os arguidos decidiram transportar cocaína dissimulada em produtos alimentares que importaram do ... para ..., substância (…) que é considerada droga dura, com elevado grau de danosidade social (…) embora os arguidos sejam meros agentes de transporte de estupefacientes, por conta de outrem, não são vítimas do sistema criminoso, antes assumindo uma função preponderante na violação do bem jurídico, permitindo e incrementando o negócio do tráfico, uma vez que, de forma consciente e intencional, se predispuseram a transportar a droga representando um papel fundamental na cadeia de comercialização do tráfico de estupefacientes, fazendo-o à escala mundial (…) os arguidos aceitaram ser uma peça na cadeia, ultrapassando continentes, deste modo participando na globalização do ilícito demonstrando, ao assim procederem, uma total indiferença para os malefícios que do produto adviriam para a vida e saúde dos futuros consumidores, suas famílias e sociedade em geral, o que não abona em favor da sua personalidade. (…) dolo dos arguidos, o qual foi direto e intenso e o papel desempenhado por todos no quadro da co-autoria, sendo equivalente o que se surpreende no domínio da ação a DD e a GG (…) Na estrutura da culpa, diremos que se surpreende também esta exponenciada, ao nível do desvalor de ação atendendo ao modo de execução do crime em apreço, o envolvimento do arguido AA, referido nos autos como aquele que tem (como efetivamente se demonstra) um papel preponderante (…) As razões de prevenção geral são muito elevadas, uma vez que o tráfico de produto estupefaciente é um crime frequente, sendo, nos dias de hoje, a necessidade de combate ao tráfico de droga, em particular o tráfico internacional, indiscutivelmente, uma exigência da comunidade internacional, interiorizada na consciência da generalidade das pessoas, a que os tribunais não podem ficar indiferentes ao administrar a justiça (…) as exigências de prevenção especial, decorrentes, desde logo, da quantidade elevadíssima de cocaína transportada pelos arguidos, o que denuncia, como o referimos, uma particular ilicitude e insinua um acentuado juízo de censura (…) o produto apreendido não chegou a entrar no “giro” comercial, por ter sido apreendido na fase da sua descarga, antes de qualquer distribuição, circunstância que não pode subvalorizar-se (…) nenhum dos arguidos tem antecedentes criminais e atendendo aos respetivos percursos de vida, marcados pela estabilidade financeira e pela integração familiar e social (…) havendo que ter em atenção a postura dos adentro do Estabelecimento Prisional, assim como o facto de aí terem visitas dos familiares os arguidos residentes em território nacional. Fazendo um apelo a JAKOBS, a finalidade primária da pena reside na “(…) função preventiva (…) para exercitar a confiança na norma (…) aumentando a probabilidade que esse comportamento seja apreendido pela comunidade de forma a considera-lo que não se deve ter”[40] sendo que, em termos de prevenção especial a pena deve estar “(…) orientada no sentido de desenvolver uma influência inibitória do delito no próprio autor, subdividindo-se em três fins: intimidação (preventivo-individual), ressocialização (correcção) e segurança[41]. Atentando ao que consagra o artigo 71º do CPenal, fixando os parâmetros a que o tribunal deve atender na determinação da medida concreta da pena, consigna-se que este exercício é feito em função da culpa do agente e das necessidades de prevenção. Conjugando estas linhas gerais orientadoras, com todo o referido pelo tribunal recorrido neste patamar, com os factos dados como assentes em relação a cada um dos arguidos no ponto Factos relevantes para a determinação da sanção, e à moldura abstrata correspondente ao ilícito apontado aos arguidos recorrentes – 4 a 12 anos de prisão -, a imposição das penas de 10 e 9 anos de prisão, algo acima do meio da baliza punitiva, in casu, parece efetivamente excessiva. Não se questiona a gravidade do quadro patenteado, as rigorosas exigências em matéria de prevenção geral bem salientadas na decisão recorrida e, bem assim, todo o posicionamento tido pelos arguidos recorrentes no todo sucedido. Todavia, considerando as linhas atenuativas elencadas pelo tribunal - o produto apreendido não chegou a entrar no “giro” comercial (…) nenhum dos arguidos tem antecedentes criminais (…) respetivos percursos de vida, marcados pela estabilidade financeira e pela integração familiar e social (…) havendo que ter em atenção a postura dos adentro do Estabelecimento Prisional, assim como o facto de aí terem visitas dos familiares os arguidos residentes em território nacional –, as quais embora referidas não parecem transpostas em ponderação, crê-se que penas mais próximas da mediania da moldura fixada, se mostram mais avisadas, adequadas e suficientes. Com efeito, sendo os arguidos primários, exibindo uma estrutura familiar equilibrada e consistente, beneficiando de apoio da família e, tanto quanto se deu por demonstrado, terem até estes factos seguido uma vida de trabalho de acordo com as normas e desde jovens, há um quadro que parece apontar para a necessidade de uma censura, ainda que severa, menos pesada, na expetativa de uma mais eficaz posterior reintegração e um retorno à vida em comunidade em respeito aos valores vigentes. Por seu turno, tendo até em atenção todo o referido pelo tribunal em termos de envolvência dos arguidos recorrentes na matéria que aqui se ocupa, reconhecendo alguma preponderância do arguido AA em relação aos restantes, pensa-se que estes não deixaram de ter papeis relevantes, em muito quase similar àquele, apenas com outras tarefas assumidas. Face a tal, havendo que denotar alguma diferença nas penas em concreto, entende-se não se justificar um marco tão nítido como o encontrado. Assim, crê-se ser de aplicar ao arguido AA a pena de 8 anos de prisão e aos arguidos DD e GG, a pena de 7 anos e 6 meses de prisão a cada um. III – Dispositivo Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal – 2ª Subsecção - desta Relação de Évora em conceder parcial provimento aos recursos interpostos pelos arguidos e, em consequência, decidem condenar: a) AA, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1, por referencia à tabela I-B anexa ao citado decreto-lei, na pena de 8 (oito) anos de prisão; b) DD, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1, por referencia à tabela I-B anexa ao citado decreto-lei, na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão; c) GG, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1, por referencia à tabela I-B anexa ao citado decreto-lei, na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão. Sem custas – artigo 513º, nº 1, à contrario sensu, do CPPenal. Évora, 22 de novembro de 2022 (o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94.º, nº 2, do CPPenal) Carlos de Campos Lobo - Relator Ana Bacelar- 1.ª Adjunta Renato Barroso – 2.º Adjunto __________________________________________ [1] Neste sentido, GASPAR, António Henriques, SANTOS CABRAL, José António Henriques dois Santos, COSTA, Eduardo Maia, OLIVEIRA MENDES, António Jorge de, MADEIRA, António Pereira, GRAÇA, António Pires Henriques da, Código de Processo Penal, Comentado, 2016, 2ª edição revista. Almedina, p. 349. [2] Ver neste sentido SILVA, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, II, Verbo, Nova Edição Revista 2008, pg. 93 - “A designação legal de nulidade insanável não é correcta (…) a nulidade não pode ser declarada após a formação do caso julgado da decisão final que, neste aspecto, actua como meio de sanação”, e também RIBEIRO, Vinício A. P. , Código de Processo Penal, Notas e Comentários, 2020, Quid Juris, 3ª Edição, pg. 261 –“ O conhecimento das nulidades insanáveis não pode ter lugar a todo o tempo, mas apenas enquanto durar o procedimento, ou seja, enquanto permanecer a relação processual, não podendo ser declaradas uma vez transitada em julgado a decisão final”. [3] ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3ª edição actualizada, Universidade Católica Editora p. 301. [4] LEAL-HENRIQUES, Manuel, Anotação e Comentário ao Código de Processo Penal de Macau, Vol. I (Artigos 1º a 175º), 2013, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, p. 711. [5] Neste sentido, GASPAR, António Henriques, SANTOS CABRAL, José António Henriques dois Santos, COSTA, Eduardo Maia, OLIVEIRA MENDES, António Jorge de, MADEIRA, António Pereira, GRAÇA, António Pires Henriques da, ibidem, p. 349. [6] SIMAS SANTOS, Manuel, LEAL-HENRIQUES, Manuel, Código de Processo Penal Anotado, do 1º ao 240º artigos, volume I, 3ª edição, 2008, Rei dos Livros, p.742. [7] ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, ibidem, p.301. [8] Neste sentido, SILVA, Germano Marques da, ibidem, p. 94. [9] LEAL-HENRIQUES, Manuel, Anotação e Comentário ao Código de Processo Penal de Macau, Volume I, (Artigos 1º a 175º), 2013, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, p. 713. Neste mesmo sentido, SILVA, Germano Marques da, ibidem, (…) compete em especial ao Ministério Público (…) receber as denúncias, as queixas e as participações e apreciar o seguimento a dar-lhes (…). [10] Não se pretenda agora defender que o expediente que dá entrada nos tribunais seja diretamente recebido pelos Senhores Magistrados [11] Carimbo existente a fls. 1, aposto abaixo de carimbo respeitante ao registo do expediente. [12] Neste sentido, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, ibidem, p.647. [13] Neste sentido o Acórdão do Tribunal Constitucional, nº 334/94, de 20/04/1994, proferido no Processo nº 111/94, disponível em www.dgsi.pt. [14] Registe-se que por lapso a decisão recorrida refere Lei nº 48/2007, de 29/08, em vez de Lei nº 48/2008, de 29/08. [15] Cfr. fls. 2 – No decurso do dia de hoje, 09 de março de 2020, foi veiculada a esta Unidade Nacional informação dando conta da possibilidade de se encontrarem a bordo de uma embarcação, com destino ao Porto ... de ..., três contentores com produto estupefaciente no seu interior (…) navio “...” (…) prevendo-se a sua chegada a 31 de março de 2020. [16] GAMA, António, LATAS, António, CORREIA, João Conde, LOPES, José Mouraz, TRIUNFANTE, Luís Lemos, SILVA DIAS; Maria do Carmo, MESQUITA, Paulo Dá, ALBERGARIA, Pedro Soares de e MILHEIRO, Tiago Caiado, Comentário Judiciário de Código de Processo Penal, Tomo III Artigos 191º a 310º, 2ª Edição, 2022, Almedina, p. 824. [17] Artigo 177º Busca domiciliária (…) (…) As buscas domiciliárias podem também ser ordenadas pelo Ministério Público ou ser efectuadas por órgão de polícia criminal: Nos casos referidos no nº5 do artigo 174º, entre as 7 e as 21 horas; (…) (…) (…) (…) [18] Artigo 174º Pressupostos (…) (…) (…) (…) Ressalvam-se das exigências contidas no nº 3 as revistas e as buscas efectuadas por órgão de polícia criminal nos casos: De terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa, Em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado; ou Aquando da detenção em flagrante delito por crime a que corresponda pena de prisão. (…) (…). [19] Neste sentido GASPAR, António da Silva Henriques, SANTOS CABRAL, José António Henriques dos, COSTA, Eduardo Maia, MENDES, António Jorge de Oliveira, MADEIRA, António Pereira e GRAÇA, António Pires Henriques da, ibidem, p. 699. [20] O TC tem entendido que a constituição densifica um direito fundamental que garante à pessoa um espaço de dignidade ética, um elementar espaço de vida, direito este que deve ser dimensionado e moldado partindo do respeito pela dignidade e integridade da pessoa humana, na sua vertente de intimidade da vida privada, o que se concretiza mediante a utilização de um conceito de domicílio suficientemente flexível de forma a dar proteção ao espaço privado onde cada um se move e orienta a sua esfera de ida intima – neste sentido, MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I- 2ª Edição, Introdução Geral Preâmbulo, Artigos 1º a 79º, 2010, Coimbra Editora, p. 758. [21] Acórdão nº 452/89 do TC. [22] Neste sentido, GASPAR, António da Silva Henriques, SANTOS CABRAL, José António Henriques dos, COSTA, Eduardo Maia, MENDES, António Jorge de Oliveira, MADEIRA, António Pereira e GRAÇA, António Pires Henriques da, ibidem, p. 693, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, ibidem, p. 481. [23] ANDRADE, Manuel da Costa, “Domicílio, intimidade e Constituição” (anotação ao Acórdão do TC 364/2006, in RLJ, 138, 2008, p. 111. [24] Por certo, por totalmente indefensável, não querem os arguidos dizer que nos mais variados locais de trabalho onde existem copas, espaços com utensílios de cozinha, casas de banho e afins, como acontece com o edifício do Tribunal da Relação de Évora, não são de considerar domicílios. [25] Acórdão do tribunal da Relação de Évora, de 10/5/2022, proferido no Processo 21/21.0GTSTB-B.E1, disponível em www.dgsi.pt onde questão semelhante se colocou, aqui em relação a transporte de produto estupefaciente num veículo de longo curso. [26] Neste sentido, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, ibidem, p.307. No mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26/02/2014, proferido no Processo nº 9585/11.5TDPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt - (…) Não havendo lugar a instrução, como não houve, a nulidade invocada, porque de nulidade sanável se trata, deveria ter sido arguida, até cinco dias após o encerramento do inquérito (art. 120º, nº 3, c), do C. Processo Penal), disponível em www.dgsi.pt. Ainda o Acórdão do STJ, de 5/10/2019, proferido no Processo nº 1941/05-3, citado por SIMAS SANTOS, Manuel, LEAL-HENRIQUES, Manuel, ibidem, p.785 – As nulidades de actos respeitantes ao inquérito ou à instrução só podem ser arguidas até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até 5 dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito, nos tramos do art.º 120º, n.os 1, 2, al. d) e 3), al. c) do CPP, pelo que sendo a eventual nulidade arguida em julgamento o é intempestivamente, mostrando-se sanada. [27] GASPAR, António da Silva Henriques, SANTOS CABRAL, José António Henriques dos, COSTA, Eduardo Maia, MENDES, António Jorge de Oliveira, MADEIRA, António Pereira e GRAÇA, António Pires Henriques da, ibidem, p. 363. [28] FERREIRA, Manuel Cavaleiro, Curso de Processo Penal, Vol. II, 1981, Reimp., UCE, p. 389. [29] Neste sentido, GAMA, António, LATAS, António, CORREIA, João Conde, LOPES, José Mouraz, TRIUNFANTE, Luís Lemos, SILVA DIAS; Maria do Carmo, MESQUITA, Paulo Dá, ALBERGARIA, Pedro Soares de e MILHEIRO, Tiago Caiado, ibidem, p. 885. [30] Neste sentido, TONINI, Paolo, Manual Breve Diritto Processuale Penale, 2007, Giuffré, p. 176. [31] Cfr. fls. 74 [32] Cfr. fls. 42. [33] Ver nesta linha de pensamento o Acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa, de 26/10/2022, proferido no Processo nº 23/21.6PJAMD-D.L1-3, disponível em www.dgsi.pt. [34] Artigo 9.º Competências processuais 1 - As autoridades de polícia criminal referidas no n.º 1 do artigo anterior têm ainda especial competência para, no âmbito de despacho de delegação genérica de competência de investigação criminal, ordenar: a) A realização de perícias a efetuar por organismos oficiais, salvaguardadas as perícias relativas a questões psiquiátricas, sobre a personalidade e de autópsia médico-legal; b) A realização de revistas e buscas, com exceção das domiciliárias e das realizadas em escritório de advogado, em consultório médico ou em estabelecimento hospitalar ou bancário; c) Apreensões, exceto de correspondência ou as que tenham lugar em escritório de advogado, em consultório médico, em estabelecimento hospitalar ou bancário; d) A detenção fora do flagrante delito, nos termos da lei processual penal; e) A condução de pessoa com anomalia psíquica a serviço oficial de saúde mental, nos termos previstos na Lei de Saúde Mental, sempre que exista perigo iminente para bens jurídicos, de relevante valor, próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial, nomeadamente por deterioração aguda do seu estado de saúde, sempre que não seja possível, dada a situação de urgência e perigo na demora, aguardar pela decisão judicial; e f) A pesquisa em sistema informático, como definido no artigo 2.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, sempre que não seja possível, dada a situação de urgência e perigo na demora, aguardar pela decisão de autoridade judiciária. 2 - A realização de qualquer dos atos previstos no número anterior obedece à tramitação do Código de Processo Penal e tem de ser de imediato comunicada à autoridade judiciária titular da direção do processo para os efeitos e sob as cominações da lei processual penal. 3 - A todo o tempo, a autoridade judiciária titular da direção do processo criminal pode condicionar o exercício ou avocar as competências previstas no n.º 1, nos termos da Lei de Organização da Investigação Criminal. [35] Neste sentido GONÇALVES, Maia, Código de Processo Penal Anotado, 16. ª ed., p. 873; SILVA, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª ed., p. 339; SANTOS, Simas, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, pp. 77 e ss.; Maria João Antunes, RPCC, Janeiro-Março de 1994, p. 121). [36] Neste sentido ver Acórdãos do S.T.J., de 14 de março de 2007, Processo 07P21, de 23 de maio de 2007, Processo 07P1498, de 3 de julho de 2008, Processo 08P1312, disponíveis em dgsi.pt. [37] ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, ibidem, p. 1095. [38] GASPAR, António da Silva Henriques, CABRAL, José António Henriques dos Santos, COSTA, Eduardo Maia, MENDES, António Jorge de Oliveira, MADEIRA, António Pereira, GRAÇA, António Pires Henriques da, ibidem, p.1275. [39] Ver os Acórdãos do STJ de 12.11.98, BMJ 481, p. .325 e de 9.12.98, BMJ 482, p.68. [40] JAKOBS, Gunter – Derecho Penal, Marcial Pons, 2ª Edição, Parte General, p.11 e ss. [41] Acórdão do STJ de 13/01/2010 in Coletânea de Jurisprudência (CJ), Acórdãos do STJ, Ano XVIII, Tomo I, p. 181. |