Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
78/24.1GDETZ.E1
Relator: MOREIRA DAS NEVES
Descritores: PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR
DETERMINAÇÃO CONCRETA DA MEDIDA DA PENA
PRINCÍPIOS
REGRAS E CRITÉRIO
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. A pena acessória de proibição de conduzir constitui uma sanção (uma pena) adicional à pena principal, que prossegue especiais finalidades de prevenção geral essencialmente negativa - de intimidação (visando aportar um contributo significativo «para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano»).
II. A determinação concreta da medida das penas acessórias obedece às regras gerais, previstas nos artigos 40.º e 71.º, nos termos das quais a medida concreta da pena (seja principal ou acessória) é limitada pela culpa do arguido (revelada nos factos provados) e terá de ser adequada para assegurar as exigências de prevenção geral e especial.

III. À pena acessória de proibição de conduzir associa-se igualmente «um sentido e um conteúdo não apenas de intimidação da generalidade, mas de defesa contra a perigosidade individual». O que não tem em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa.

IV. São desajustados quaisquer critérios de cariz aritmético ou algorítmico que tenham por exclusiva ou preponderante referência a Taxa de Álcool no Sangue (TAS), na exata medida em que desatendem aos princípios normativos, únicos legítimos para intervir nesta matéria, os quais pressupõem e exigem uma ponderação fina (equilibrada) de todos os pressupostos de facto.

Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I – Relatório

a. No Juízo Local de Competência Genérica de …, do Tribunal Judicial da comarca de …, procedeu-se a julgamento em processo abreviado de AA, nascido a …/…/1985, com os demais sinais dos autos, a quem foi imputada a autoria, na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto nos artigos 292.º, § 1.º do Código Penal (CP), com referência ao artigo 69.º, § 1.º al. a) do mesmo código.

Teve lugar a audiência e a final o Tribunal proferiu sentença, na qual condenou o arguido como autor de um crime de cond

ução de veículo em estado de embriaguez, previsto nos artigos 292.º, § 1.º e 69.º, § 1.º al. a) CP, na pena de 60 dias de multa, à razão diária de 5,50€ e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 14 meses e 25 dias.

b. Inconformado com a medida da pena acessória, o arguido apresenta-se a recorrer, alegando ser a mesma desproporcionada às circunstâncias do caso, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões:

- a medida da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados é excessiva, por desproporcionada às circunstâncias do facto, à atitude de colaboração do arguido e à ausência de antecedentes criminais.

- sendo desajustada do previsto no artigo 71.º, al. a), b), c) e d) do Código Penal;

- devendo quedar-se próxima do mínimo legal, até para que mais rapidamente se possa integrar profissionalmente na atividade laboral.

c. Admitido o recurso o Ministério Público respondeu, considerando que:

- a pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados aplicada ao arguido mostra-se adequada à intensidade da culpa e ao grau de ilicitude demonstrado, cumprindo as finalidades de prevenção geral e especial;

- esta tem função preventiva adjuvante da pena principal;

- o grau de culpa afigura-se elevadíssimo atenta a TAS apurada;

- e as exigências de prevenção geral são também elevadíssimas, atenta a elevada taxa de sinistralidade rodoviária e a elevada frequência com que este tipo de ilícito é praticado.

d. O Ministério Público junto deste Tribunal da Relação considerou serem fundadas as razões já alinhavadas pelo Ministério Público junto do Juízo de primeira instância.

e. Efetuado exame preliminar e nada obstando ao prosseguimento do recurso foram os autos à conferência.

Cumprindo agora apreciar e decidir.

II – Fundamentação

A. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 412.º, § 1.º CPP).1

Suscita-se apenas uma questão ao conhecimento desta instância de recurso: i) Erro de julgamento da questão de direito (proporcionalidade da medida das penas acessória de proibição de conduzir).

B. Da matéria de facto constante da sentença recorrida

O Tribunal recorrido considerou essencialmente provados os seguintes factos:

«1. No dia 25 de agosto de 2024, pelas 03h45, o arguido conduziu o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula …, junto ao Largo …, em …, ….

2. Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido conduzia o veículo mencionado com uma taxa de álcool no sangue (TAS) de, pelo menos, 2,375 g/l (…)

3. A taxa de álcool no sangue que o arguido apresentava resultou da ingestão voluntária de bebidas alcoólicas.

4. O arguido previu e quis conduzir o mencionado veículo na via pública, bem sabendo que a quantidade de bebidas alcoólicas ingeridas em momento anterior ao exercício da condução do referido veículo, lhe poderia determinar uma TAS de valor igual ou superior a 1,20 g/l, o que representou e aceitou.

5. E agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

6. O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos de que foi acusado.

7. Encontra-se desempregado desde há 3 anos, mas com perspetivas de reiniciar a atividade profissional de serralheiro civil;

8. Vive em casa da sua mãe.

9. Tem uma filha com 16 anos de idade que é estudante e vive com a respetiva mãe.

10. O arguido contribui para o sustento da sua filha quando lhe é possível.

11. Mostrou-se arrependido.

12.. E não regista antecedentes criminais.

C. Apreciando

C.1 Do erro de julgamento relativamente à medida da pena acessória

O recorrente considera que a medida da pena acessória é desproporcionada face às circunstâncias da prática do ilícito e às concretas necessidades de prevenção geral e especial. Procura alicerçar esta posição na sua atitude de colaboração com o tribunal, na ausência de antecedentes criminais e nas suas próprias condições pessoais, nesta parte aduzindo que a proibição de conduzir por tanto tempo comprometerá as suas possibilidades de reentrar no mercado de trabalho.

O Ministério Público, por seu turno, considera a medida da pena ajustada à concreta taxa de álcool no sangue (TAS) que o arguido registou quando da fiscalização rodoviária a que foi sujeito, sublinhando o nível de perigosidade que daquela advém para todos os outros condutores e seus veículos, bem assim para com todos demais utentes da via pública. Pois bem. Neste contexto da circulação rodoviária, a pena acessória de proibição de conduzir constitui uma sanção (uma pena) adicional à pena principal, a qual prossegue especiais finalidades de prevenção geral essencialmente negativa - de intimidação (visando aportar um contributo significativo «para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano»).2

A sua graduação obedece às regras gerais, previstas nos artigos 40.º, § 1.º e 2.º e 71.º, § 1.º CP, nos termos das quais a medida concreta da pena (seja principal ou acessória) é limitada pela culpa do arguido (revelada nos factos provados) e terá de ser adequada para assegurar as exigências de prevenção geral e especial. Levando-se em consideração que a pena acessória de proibição de conduzir tem também «um sentido e um conteúdo não apenas de intimidação da generalidade, mas de defesa contra a perigosidade individual».3 O que não tem em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa.4

Conforme decorre dos citados princípios, a função primordial da pena é a proteção dos bens jurídicos, prevenindo os comportamentos humanos que lhes causem dano, sem prejuízo da prevenção geral positiva, sendo aquela também limitada pela culpa do agente (que do mesmo passo também constitui pressuposto-fundamento da validade da pena).

A lei atribui larga margem ao julgador para eleger os fatores relevantes (cf. corpo do artigo 71.º, § 2.º CP), devendo atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, modo de execução deste, gravidade das suas consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência;

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando esta deva ser censurada através da aplicação da pena.

E daqui logo resulta serem desajustados quaisquer critérios de cariz aritmético ou algorítmico, cujo determinante assente exclusiva ou preponderantemente na TAS, na exata medida em que desatendem aos referidos princípios normativos, únicos legítimos para intervir nesta matéria, os quais pressupõem e exigem uma ponderação fina dos pressupostos de facto.

É, pois, dentro do binómio culpa e prevenção (geral e especial) que se determina a medida concreta da pena (incluindo, claro, a pena acessória). Traduzindo-se a culpa jurídico-penal no juízo de censura à conduta ilícita, a qual (a culpa) funciona do mesmo passo não apenas como fundamento, mas também como limite inultrapassável da medida da pena5 (§ 2.º do artigo 40.º CP).

A prevenção geral procura dar satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se de igual modo em consideração a premência da tutela dos respetivos bens jurídicos. E a vertente da prevenção especial almeja responder às exigências de socialização do agente, com vista à sua integração na comunidade.

Conforme evidencia a sentença recorrida, no processo de determinação concreta da pena acessória aplicada ao arguido/recorrente não se pesaram (efetivamente) todas as circunstâncias, de molde a - com plena legitimidade (id est de acordo com o direito constituído) - se lograr uma pena concreta que corresponda às exigências da lei.

Há disso dois sinais evidentes:

- a notória severidade da pena concreta perante um arguido de 39 anos de idade, que é primário (não regista antecedentes criminais), está desempregado há cerca de 3 anos, sobrevive em precárias condições de vida (mas com expectativas de brevemente retomar a sua atividade profissional), que confessou os factos integralmente e sem reservas, tendo dado efetiva mostra de sério arrependimento - conforme denotam as suas declarações na audiência;

- e o detalhe dos 25 dias a acrescer aos 14 meses de proibição de conduzir. Que detalhe justificará esta medida tão precisa? 25 dias porquê? A sentença não esclarece.

Certo é que em casos similares (arguido primário, que confessou e mostrou arrependimento, relativamente a TAS próxima dos 2 g/l) não encontramos na jurisprudência medida tão severa desta pena acessória.6

Razões de proporcionalidade – de proibição do excesso – e exigências de adequação ou idoneidade (necessidade ou indispensabilidade e ponderação), que acautelam resultados injustos, evidenciam que a medida da pena acessória aplicada na sentença recorrida é mesmo excessiva, desproporcionada, conforme alega o recorrente. Pelo que deverá ser alterada para os níveis que vêm sendo seguidos na jurisprudência – só desse modo sendo proporcionada - fixando-a nos 6 meses.

Mostrando-se, pois, o recurso ser integralmente merecedor de provimento.

III – Dispositivo Destarte e por todo o exposto, acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

a)em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido e, em consequência, reduzir a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, para 6 meses.

b) Sem custas (artigo 513.º, 4 1.º CPP).

c) Notifique-se.

Évora, 10 de julho de 2025

Francisco Moreira das Neves (relator)

Edgar Valente

Carla Oliveira

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1 Em conformidade com o entendimento fixado pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28dez1995.

2 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, pp. 165.

3 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime, 1993, Editorial Noticias, p. 97.

4 Neste sentido cf. acórdão de 1fev2011 do Tribunal Constitucional, proferido no proc. 528/10.

5 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crimes, 1993, Editorial de Notícias, p. 215.

6 Vejam-se, exemplificativamente, a jurisprudência dos casos deste Tribunal da Relação de Évora nos últimos 3 anos (sem preocupações de ser exaustivo).: TRÉvora, de 25out2022, proc. 138/22.3PBBJA.E16, rel. Beatriz Marques Borges (para uma TAS de 2,134 g/l, pena acessória 6 meses); TRÉvora, de 28fev2023, proc. 122/22.7GBVVC.E107, rel. Laura Goulart Maurício (para uma TAS de 2,23 g/l, pena acessória de 5 meses); TRÉvora, de 9mai2023, proc. 388/22.2GBTNV.E1, rel. Ana Bacelar (para uma TAS de 2,20 g/l, pena acessória de 7 meses; TRÉvora, de 12jul2023, proc. 22/20.5GCABT.E1, rel. Carlos de Campos Lobo (para uma TAS de 2,79 g/l, pena acessória de 6 meses); TRÉvora, de 10out2023, proc. 1802/22.2GBABF.E1, rel. João Carrola (para uma TAS de 2,89 g/l + condenações anteriores, pena acessória de 12 meses; TRÉvora, de 14jan2025, proc. 36/22.0GEALR.E1, rel. Moreira das Neves (para uma TAS de 2,35/l, pena acessória 6 meses; TRÉvora, de 28jan2025, proc. 595/21.5GELLE.E2, rel. Moreira das Neves (para uma TAS de 2,35 g/l, pena acessória 6 meses); TRÉvora, de 11mar2025, proc. 58/24.7PFEVR.E1, rel. Renata Whytton da Terra (para uma TAS de 1,877 g/l, pena acessória 6 meses); TRÉvora, de 9abr2025, proc. 203/24.2GDSTR.E1, rel. Artur Vargues, (para uma TAS de 2,30 g/l, pena acessória de 5 meses e 20 dias).