Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
903/21.9T8MMN-A.E1
Relator: ANABELA RAIMUNDO FIALHO
Descritores: ATRIBUIÇÃO DA CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
PRAZO
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
Data do Acordão: 10/02/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. O artigo 3.º do Código de Processo Civil consagra o princípio do contraditório, também na vertente proibitiva da decisão-surpresa.
II. O artigo 1793.º, n.º 2, do Código Civil impõe ao tribunal que oiça as partes quanto à definição das condições do contrato de arrendamento resultante da atribuição da casa de morada de família.
III. A pronúncia quanto a tais condições pelos senhores advogados, representantes das partes, em sede de alegações orais no julgamento, supre a necessidade de notificação expressa daquelas para que se pronunciem quanto às mesmas.
IV. Também nos processos de jurisdição voluntária incumbe à parte que impugna a matéria de facto o ónus de indicar os meios probatórios que, no seu entender, impunham decisão diversa quanto a cada um dos pontos de divergência.
V. A casa de morada de família pode ser dada de arrendamento a qualquer dos cônjuges, ainda que constitua bem próprio do outro cônjuge e prescindindo do seu consentimento, nos termos previstos no artigo 1793.º, n.º 1, do Código Civil, cabendo ao tribunal definir as cláusulas desse contrato, nomeadamente, quanto à sua duração e valor da renda.
VI. O lapso de tempo que decorrerá até à maioridade do filho que ficará a residir naquela casa com o arrendatário constitui circunstância a atender para a fixação do prazo do contrato de arrendamento.
VII. Para a fixação do montante da renda deverá ter-se em conta a situação económica e os interesses de ambas as partes, o valor locativo do imóvel e outras circunstâncias relevantes, como os interesses dos filhos menores de idade, não devendo o mesmo constituir um sacrifício desproporcionado para o proprietário do imóvel, que fica privado do seu uso.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 903/21.9T8MMN-A.E1 - Recurso de Apelação
Tribunal Recorrido - Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo de Competência Genérica de Montemor-o-Novo, Juiz 1
Recorrente – (…)
Recorrido – (…)
*
Sumário: (…)
*
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. RELATÓRIO
Por apenso à ação de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges instaurada por (…) contra (…), convolada em divórcio por mútuo consentimento e no âmbito da qual foi decretado o divórcio entre ambos, intentou aquela a presente ação de atribuição de casa de morada de família contra o ex-cônjuge, requerendo que essa casa lhe seja atribuída em regime de arrendamento “fixando-se a renda em valor determinado segundo critérios de equidade”.

Realizada tentativa de conciliação, não foi obtido acordo entre os ex-cônjuges.

O Requerido contestou, opondo-se ao peticionado pela Requerente e pedindo, do mesmo modo, que lhe seja atribuída a casa de morada de família, por dela também carecer e por ser o seu único proprietário.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento.

Foi proferida sentença, que, na parte decisória, prevê o seguinte:
Pelo exposto, o Tribunal julga a presente ação procedente por provada e em consequência, decide:
a) Atribuir, a título de arrendamento, à autora (…) a casa de morada de família sita na Rua (…), 3, rés do chão esquerdo, Montemor-o-Novo;

b) Fixar em € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros) o valor de renda mensal a suportar pela autora e a pagar ao réu (…), até ao dia 8 do mês a que disser respeito;

c) Fixar o prazo de três anos para duração do arrendamento, a contar da data do trânsito em julgado da presente decisão, sem prejuízo do disposto no artigo 1793.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil.
Custas a cargo do réu.
Registe e notifique”.

Inconformada, a Requerente interpôs recurso desta sentença, pedindo que lhe seja atribuída a casa de morada de família mas por prazo indeterminado e mediante o pagamento de uma renda de valor “que não exceda 20% da remuneração mensal bruta”.
Terminou as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
1- A sentença padece de nulidade por ter decidido as condições do contrato do arrendamento sem ouvir as partes, em violação do disposto no artigo 1793.º Código Civil.
2- Resulta do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil que o tribunal deve assegurar a longo do processo o contraditório entre as partes, não lhe sendo lícito decidir questões sem que a parte tenha tido oportunidade de se pronunciar sobre o tema.
3- Termos em que padece a mesma de nulidade nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
4- Nulidade que expressamente se argui e que determina que a revogação da sentença, devendo as partes ser notificadas para se pronunciar sobre os termos e condições do contrato de arrendamento subjacente à atribuição da casa de morada de família.
Caso assim não se entenda, o que se admite sem conceder, o tribunal fez uma errada apreciação dos factos e subsunção ao Direito.
5- Entendeu o tribunal que a Recorrente não provou os valores de custos com a sua habitação, e com alimentação e vestuário, seu, e da menor.
6- Ora, tais valores, ainda que indeterminados, por inexistirem documentos ou serem ilegíveis, não impõem no âmbito da jurisdição voluntária que se dêem, sem mais, os mesmos por não provados.
7- A Recorrente alimenta-se, veste e calça sendo certo que o custo da sua vida não será inferior ao custo com a vida da sua filha, ou seja 300,00 euros, por mês, considerando o montante de pensão de alimentos fixado.
8- No processo de jurisdição voluntária aplica-se a equidade e a justiça do caso concreto e não de pura legalidade.
9- Por outro lado, a verdade é que o rendimento mensal bruto da Recorrente em 2023 foi de € 1.203,89 (€ 16.854,58/14), estando estabelecido que o valor de renda mensal para ser suportável, não deve exceder 20% do rendimento mensal, ou seja € 240,77.
10- A renda fixada nos autos é desproporcional ao rendimento da Recorrente, fixada por recurso, não a critérios de equidade, mas economicistas e como tal legalmente inadmissível.
11- O tribunal na fixação do prazo e do valor da renda do arrendamento não teve em conta,
a. o grau de incerteza dos rendimentos da autora, que resultam exclusivamente da exploração de um café de uma associação no interior do Alentejo, cujo contrato é precário,
b. nem o facto de sendo baixos os rendimentos da Recorrente e de a mesma padecer de diabetes e ser insulino-dependente a impede de ter outras ou mais atividades profissionais.
c. Nem, que a filha de Recorrente e Recorrido sendo menor é adolescente e com o crescimento aumentam as despesas e as necessidades financeiras diárias.
12- Na sentença teve-se, na fixação da renda, em conta os valores médios das rendas em Montemor o Novo e não as circunstâncias concretas da vida da Recorrente.
13- Acresce que a sentença proferida determina, sem que se perceba porquê um prazo para o arrendamento, de três anos.
14- A decisão ora proferida, não é definitiva, é provisória e a prazo, o que está fora do regime estatuído no artigo 1793.º do Código Civil.
15- A maioridade não faz cessar as obrigações alimentares dos progenitores, que se mantém, tal como reguladas na menoridade, e até que o filho cesse a sua formação e/ou atinja os 25 anos (artigo 1905.º, n.º 2, do CPC) ou ainda que a menor, prosseguindo os seus estudos, continuará a viver com a mãe.
16- A realidade da vida é dinâmica mas uma decisão sobre atribuição da casa de morada de família a quem, vivendo de rendimentos incertos, doente e com uma filha a estudar não é nem pode ser dinâmica, tem que ser estável.
17- A decisão proferida nos autos, viola o princípio da equidade, fonte de direito nos termos do artigo 4.º do Código Civil, mas, igualmente viola os princípios da proporcionalidade, igualdade e razoabilidade.
18- O Recorrido tem rendimentos de militar e o ordenado de uma profissão que arranjou, em valor duas vezes superior ao da Recorrida.
19- A Recorrente não tem idade para mudar a sua vida e arranjar um emprego compatível com as necessidades financeiras do seu agregado familiar e que lhe permitam custear a despesa da sua atividade profissional, e pessoal e a renda fixada nos autos.
20- Termos que por violar o disposto no artigo 1793.º do Código Civil deve ser revogada a douta sentença recorrida e atribuída a casa de morada de família à Recorrente com um contrato com prazo indeterminado e em que o valor da renda não excede 20% da remuneração mensal bruta de recorrente”.

O Requerido apresentou contra-alegações, pronunciando-se no sentido da manutenção do decidido.

O recurso foi admitido.

1.1. Questões a decidir
Considerando as conclusões do recurso, as quais delimitam o seu objeto nos termos do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC (doravante, CPC) e sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, há que decidir quanto às seguintes questões:
a) A sentença está ferida de nulidade, por violação de contraditório prévio?
b) Deve ser dado como provado facto que, no essencial, o tribunal a quo julgou como não provado?
c) Devem alterar-se as condições do arrendamento fixadas na sentença, quanto ao prazo e ao valor da renda?

*
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Fundamentos de facto
2.1.1. O Tribunal a quo julgou provados os factos seguintes:
1. No dia 07-12-2009, a autora (…) e o réu (…) declararam celebrar de livre vontade o seu casamento, sem convenção antenupcial perante a sra. Conservadora de Registo Civil de Évora. 2. Em 12-01-2010, nasceu (…), filha da autora e do réu.

3. Após a celebração do casamento, a autora e o réu passaram a residir na Rua (…), n.º 3, rés-do-chão, Esq., Montemor-o-Novo.

4. Onde vieram também a residir (…), nascido em 03-09-1997, filho do réu e (…), filha da autora e do réu.

5. No dia 17-07-2020, o réu saiu de casa, com o seu filho, (…), não tendo mais regressado.

6. Por sentença transitada em julgado em 09-05-2022, nos autos principais, foi decretado o divórcio por mútuo consentimento, dissolvendo-se o casamento celebrado entre autora e réu, com efeitos patrimoniais, produzidos a partir do dia 17-07-2020, data da separação de facto.

7. Foi ainda atribuída provisoriamente a título de arrendamento, a casa de morada de família sita na Rua (…), 3, Montemor-o-Novo, à autora, contra o pagamento ao réu de uma renda mensal no valor de € 300,00, a pagar até ao dia 8 de cada mês, extinguindo-se o contrato logo que transite em julgado a decisão proferida na ação de atribuição da casa de morada de família a intentar.

8. Por sentença transitada em julgado em 29-09-2021, proferida no processo n.º 701/21.0T8MMN, foi homologado o acordo de regulação das responsabilidades parentais da (…), cujo teor é o seguinte:
«1. Exercício das responsabilidades parentais
As responsabilidades parentais nas questões de particular importância da vida da criança serão exercidas em comum, por ambos os progenitores, ficando os atos da vida corrente sob responsabilidade do progenitor com quem a criança se encontrar em cada momento.
2. Residência habitual.
A criança residirá habitualmente com a mãe.
3. Convívios com o progenitor não residente
O pai da criança conviverá com a criança em fins-de-semana alternados, indo buscar a (...) à sexta-feira, cerca das 20:00 horas, a casa da mãe e, indo levá-la pelas 18:00 horas de domingo, a casa da mãe.
4. Férias e dias festivos
a) as ferias escolares da criança serão passadas com cada um dos progenitores, na proporção de metade, tendencialmente em períodos semanais, alternados, sem prejuízo do regime estabelecido para as férias de verão;
b) nas férias de verão, a criança passará períodos de pelos menos 15 dias, consecutivos, com cada um dos progenitores, a combinar entre ambos.
c) Relativamente ao Natal, a criança passará a véspera de natal, dia 24 de dezembro e o dia 1 de janeiro com o progenitor e, o dia 25 de dezembro e o dia 31 de dezembro com a progenitora, alternando sucessivamente em cada ano, iniciando este ano com o pai, indo buscar a criança cerca das 18:00 horas e indo levá-la cerca das 10:00 horas;
d) No aniversário da criança, esta fará uma refeição com cada um dos progenitores, sem prejuízo das responsabilidades escolares da criança;
e) No aniversário dos progenitores a criança fará uma refeição com o progenitor aniversariante, sem prejuízo das responsabilidades escolares da criança;
f) No dia do pai e no dia da mãe, a criança fará uma refeição com o progenitor em causa, sem prejuízo das responsabilidades escolares da criança.
5. Pensão de alimentos e outras despesas
a) A título de pensão de alimentos o pai pagará mensalmente a quantia de € 150,00 (cento e cinquenta euros), relativamente à criança (…) a transferir para a conta bancária titulada pela progenitora (IBAN …), até ao dia 20 de cada mês, iniciando-se este mês de setembro de 2021.
b) O valor da pensão acima referido será atualizado anualmente, em janeiro, à razão de € 2,00 (dois euros) e com início em janeiro de 2022;
c) As despesas de saúde, medico-medicamentosas (após recurso ao subsistema IASFA do exercício) e escolares extraordinárias serão pagas na proporção de metade por cada um dos progenitores, devendo as mesmas ser comunicadas ao outro progenitor, e serem pagas até ao dia 20 do mês seguinte ao da respetiva apresentação.
d) Até ao final do mês de janeiro, a mãe entrega ao pai uma declaração, para efeitos de IRS, com declaração de todas as quantias a título de pensão de alimentos recebidas do pai no anterior».
9. O prédio urbano sito na Rua (…), 3, rés do chão, esquerdo, Montemor-o-Novo, encontra-se descrito na Conservatória de Registo Predial de Registo Predial de Montemor-o-Novo sob o n.º (…), da freguesia de (…) e encontra-se constituído em propriedade horizontal.

10. A fração designada pela letra A, onde a autora e o réu residiram, foi adquirida pelo réu com (…), com quem foi casado, tendo sido constituídas em 20-10-2005, duas hipotecas voluntárias, registadas pelas apresentações n.º (…) e (…), na referida data, sobre a referida fração a favor do Banco (…), S.A., para garantia de um empréstimo do qual, o réu e (…) eram devedores.

11. Pela apresentação n.º (…), de 23-11-2007, encontra-se registada a aquisição da referida fração, pelo réu, tendo como causa partilha subsequente a divórcio, figurando como sujeito passivo (…).

12. Em 15-07-2008, a autora e o réu outorgaram, ambos na qualidade de divorciados, uma escritura pública de mútuo com hipoteca no Cartório Notarial de Évora, perante a Notária, (…), através da qual, a Caixa Geral de Depósitos concedeu a ambos um empréstimo no montante de € 80.792,05, e o réu (…) declarou constituir hipoteca sobre a fração autónoma identificada pela letra A, correspondente ao rés do chão, esquerdo, destinado a habitação, com logradouro e garagem, na cave identificada pela letra A, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua (…), n.º 9, na freguesia de (…), concelho de Montemor-o-Novo, inscrito na matriz predial urbana dessa freguesia sob o artigo (…).
13. Consta da referida escritura, entre o mais: «O imóvel hipotecado já se encontra registado a favor do hipotecante pela inscrição G, Ap. (…), de vinte e três de Novembro de dois mil e sete. (…) // Esta escritura foi lida aos outorgantes e explicado o seu conteúdo».

14. Do documento complementar consta o seguinte: «Documento complementar elaborado nos termos do número dois do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado, que constitui parte integrante do contrato de empréstimo com hipoteca em que são: // parte credora: Caixa Geral de Depósitos, S.A. // parte devedora e hipotecante: (…), divorciado, (…) // parte devedora (…), divorciada, (…)».

15. A fração autónoma é composta por três quartos, uma casa-de-banho, uma sala, um corredor, uma cozinha e uma garagem.

16. O prédio foi construído em 2002, e encontra-se em bom estado de conservação interior e exterior.

17. O apartamento possui 130,80 m2 de área bruta privativa e 40,25 m2 de área bruta dependente (garagem).

18. Pelas apresentações 8 e 9 de 23-05-2008 encontram-se averbadas a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A., sobre o prédio referido, duas hipotecas voluntária para garantia de empréstimos concedidos ao réu e à autora, no valor, respetivamente, de € 81.290,21 e de € 28.000,00.

19. A autora explora o estabelecimento de restauração da Sociedade (…) Montemorense, pela qual paga mensalmente a quantia de € 260,00.
20. Pelo menos, a partir de fevereiro de 2024, a renda passou a ser de € 310,00.

21. Nos anos de 2018, 2019 e 2020 a autora auferiu, como rendimento bruto da categoria B, respetivamente, os montantes de € 40.351,05, € 37.300,81 e € 18.499,91.

22. Nos anos de 2021 e 2022, a autora auferiu, como rendimento bruto da categoria B, respetivamente, os montantes de € 13.388,99 e € 16.854,58.

23. A autora suporta as seguintes despesas mensais:

a. € 45,88 respeitante a fornecimento de água do estabelecimento de restauração que explora;

b. € 22,32 respeitantes a fornecimento de gás;

c. € 70,47 respeitantes a contribuições à Segurança Social;

d. € 100,00 respeitantes a serviços de contabilidade;

e. € 69,49 respeitante a serviços de telecomunicações;

f. € 10,23 respeitante a fornecimento de água da habitação onde reside;

g. € 35,28 respeitante a fornecimento de eletricidade.

24. A autora sofre de diabetes melitus, encontrando-se medicada com insulina.

25. O réu é militar, encontrando-se na reserva, auferindo mensalmente e em média uma remuneração líquida no valor de € 1.471,84.

26. O réu aufere ainda a quantia mensal de € 938,67 a título de vencimento por trabalho prestado à empresa (…), Unipessoal, Lda., incluindo subsídios de férias e de Natal pagos em duodécimos. 27. O réu suporta as seguintes despesas mensais:

a. € 143,22 com o lar onde a sua mãe se encontra;

b. € 512,00 com renda para habitação e condomínio;

c. € 535,17 com o crédito à habitação, crédito multiusos, incluindo o valor do seguro e proporcional de IMI (sendo € 513,33 relativos aos créditos e seguros e € 21,84 referente a duodécimo do IMI);

d. € 269,10 com crédito pessoal da Caixa Crédito Agrícola Mútuo para aquisição de computador e crédito automóvel junto da CGD;

e. € 120,00 com medicamentos;

f. € 6,32 com abastecimento de água e serviço de saneamento;
g. € 68,15 respeitante a fornecimento de eletricidade;

h. € 70,49 com serviços de telecomunicações;

i. € 35,50 com gás;

j. € 150,00 para aquisição de móveis;

k. € 62,08 com plano de pagamento de IRS às finanças.

28. O réu desloca-se diariamente pelos seus meios a Arraiolos para prestar trabalho e regressa a Montemor-o-Novo.

29. A autora e o réu despendem mensalmente, em benefício da jovem (…), a quantia de € 65,00 cada, para pagamento de explicações e ATL.

30. O réu reside em imóvel arrendado, na Rua (…), n.º 17, 1.º direito, em Montemor-o-Novo, com o filho (…).

31. O réu rececionou uma carta do senhorio a opor-se à renovação do contrato, com término para o dia 31-12-2023.

32. O réu procede ao pagamento da quantia de € 150,00 a título de pensão de alimentos em benefício de (…).

33. O réu auferiu, no ano de 2020, a quantia de € 25.019,68 a título de rendimento de categoria A.

34. A autora não consegue obter crédito para compra de uma casa junto de instituição bancária.

35. O réu pretende vender a casa de morada de família, para fazer face às despesas.

36. Em 11-12-2023, o Ministério Público instaurou ação de promoção e proteção relativamente à criança (…), alegando, entre o mais, que corre termos o inquérito n.º 269/23.2T9MMN, e que desde que o ex-casal se divorciou a criança continua a ser exposta a discussões entre os progenitores, agora em relação à habitação em que a criança e a progenitora residem.

37. A referida ação foi instruída, entre o mais, com o relatório de avaliação diagnóstica elaborado pela EMAT que identifica «como fatores de risco a grande instabilidade de conflitualidade entre os progenitores, surgindo a suspeita que possa existir alienação parental de ambas as partes, o que tem criado sentimentos de ansiedade e tristeza na menor.»
38. Alguns dos móveis que constituíam o recheio da casa de morada de família eram pré-existentes e outros foram adquiridos na constância do matrimónio foram-no escolhidos em conjunto com o réu.

39. Outros móveis foram adquiridos pela autora.

40. O réu requereu a desoneração da autora em relação aos créditos associados à habitação.

41. O contrato de trabalho que através do qual o réu aufere rendimentos foi celebrado com termo, não se tendo apurado a data de início e data de termo.

42. Os valores médios atualmente cobrados no âmbito do mercado de arrendamento na cidade de Montemor-o-Novo, para apartamentos de tipologia T1, T2 e T3 correspondem a € 350,00, € 400,00 e € 500,00, respetivamente, variando em função da área, localização e características.

43. Os imóveis na cidade de Montemor-o-Novo frequentemente são arrendados sem serem colocados no mercado de arrendamento e muitas vezes nem são sequer divulgados.

44. A autora recebe € 75,00 de abono de família.

2.1.2. O Tribunal a quo julgou não provados os factos seguintes:
A. A autora esteve convencida, até à separação, que houvera adquirido com o réu a propriedade do imóvel.

B. A autora suporta € 153,00 de um empréstimo que foi feito para pagar o carro, entre outras despesas, e que ficou sua posse.

C. A autora suporta € 400,00 com alimentação e vestuário seus e da (…).

D. O réu vive na casa da mãe sita na Rua da (…), n.º 17, r/c, em Montemor o novo onde não paga renda.

E. O contrato de trabalho do réu tem duração inicial de seis meses com término previsto para em 28-02-2024.

F. O réu suporta € 100,00 mensais com as deslocações para o local de trabalho”.

2.2. Apreciação do objeto do recurso
2.2.1. A nulidade da sentença
Alega a Recorrente que a sentença padece de nulidade por ter decidido as condições do contrato do arrendamento sem ouvir as partes, em violação do disposto no artigo 1793.º Código Civil (doravante CC), já que resulta do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (doravante CPC) que o tribunal deve assegurar ao longo do processo o contraditório entre as partes, não lhe sendo lícito decidir questões sem que a parte tenha tido oportunidade de se pronunciar sobre o tema. Conclui, por isso, que a sentença padece de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, pedindo, em consequência, a revogação da mesma e que as partes sejam notificadas para se pronunciar sobre os termos e condições do contrato de arrendamento subjacente à atribuição da casa de morada de família.
Vejamos.
Prevê o artigo 3.º, n.º 3, do CPC que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

Esta norma resulta “de uma imposição constitucional, conferindo às partes num processo o direito de se pronunciarem previamente sobre as questões – suscitadas pela parte contrária ou de conhecimento oficioso – que o tribunal vier a decidir” (cfr. Acórdão do TC n.º 259/2000, publicado no DR n.º 257/2000, Série II, de 7 de novembro).
A este propósito escrevem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (in Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, Almedina, pág. 7) que este preceito legal consagra o princípio do contraditório, na vertente proibitiva da decisão-surpresa, acrescentando que «não se trata já apenas de, formulado um pedido ou tomada uma posição por uma parte, ser dada à contraparte a oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão e de, oferecida uma prova por uma parte, ter a parte contrária o direito de se pronunciar sobre a sua admissão ou de controlar a sua produção. Este direito de fiscalização recíproca das partes ao longo do processo é hoje entendido como corolário duma conceção mais geral da contraditoriedade, como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão».
O princípio do contraditório – enquanto decorrência do princípio do processo equitativo consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição – exige, assim, que antes da apreciação final do pedido, o tribunal permita às partes que se pronunciem sobre os fundamentos de facto provados e não provados e de exporem os últimos argumentos de direito convocáveis para fundamentar as suas pretensões. Esta vertente do contraditório, que surgiu no nosso direito processual como uma inovação, revela grandes potencialidades práticas em termos de cooperação, de lealdade recíproca dos vários intervenientes processuais e de eficácia das decisões judiciais que passam, assim, a ser previstas pelas partes.
E, na medida em que garante a igualdade das partes – pela possibilidade de pronúncia e resposta – conduz a que, mais fácil e frequentemente, se obtenha a verdade material e que a solução do litígio seja a mais adequada e justa, logrando-se atingir num maior número de casos a realização dos verdadeiros objetivos finais de que o processo é um mero instrumento para alcançar. Como ensinam os citados autores (in Ob. Cit.), o princípio do contraditório materializa-se, pois, em todas as fases do processo – quer ao nível dos factos, quer ao nível da prova, quer ao nível do direito propriamente dito – tendo as partes, em todos estes níveis, direito a, de modo participante e ativo, influenciar a decisão, tentando convencer, em cada momento e ao longo de todo o processo, o julgador do acerto da sua posição. Ao nível do direito, o princípio do contraditório impõe que, antes de ser proferida a decisão final, seja facultada às partes a discussão de todos os fundamentos de direito em que a mesma irá assentar, sendo aquele princípio o instrumento destinado a evitar as decisões surpresa.
No que diz respeito à decisão de mérito, dispõe o n.º 3 do artigo 3.º que é, também, uma decorrência do princípio do contraditório a proibição da decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento não previamente considerado pelas partes, podendo entender-se “decisão-surpresa” como a solução dada a uma questão que, embora pudesse ser previsível, não tenha sido configurada pela parte ou que esta não tivesse obrigação (ou, pelo menos, a possibilidade) de prever fosse proferida.
Como refere Carlos Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., vol. I., pág. 32, a regra do contraditório passou, assim, a abarcar a própria decisão de uma questão de direito, decisiva para a sorte do pleito, inovatória, inesperada e não perspetivada pelas partes, tendo de ser dada a estas a possibilidade de, previamente, a discutirem sendo que tal “entendimento amplo da regra do contraditório, afirmado pelo nº 3, do artigo 3.º, não limita obviamente a liberdade subsuntiva ou de qualificação jurídica dos factos pelo juiz – tarefa em que continua a não estar sujeito às alegações das partes relativas à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 664.º); trata-se apenas e tão somente, de, previamente ao exercício de tal “liberdade subsuntiva” do julgador, dever este facultar às partes a dedução das razões que considerem pertinentes, perante um possível enquadramento ou qualificação jurídica do pleito, ou uma eventual ocorrência de exceções dilatórias, com que elas não tinham razoavelmente podido contar”.
Como se escreveu ainda a este propósito no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2/12/2019 (Relatora Eugénia Cunha, processo n.º 14227/19.T8PRT.P1, in www.dgsi.pt): “A lei não quis excluir da decisão as subsunções que juridicamente são possíveis embora não tenham sido pedidas, antes estabeleceu que a concreta decisão a tomar tem de, previamente, ser prevista pelas partes, tendo, por isso, de lhes ser dada “a priori” possibilidade de se pronunciarem sobre o novo e possível enquadramento jurídico. O princípio processual segundo o qual “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação do direito” tem, presentemente, de ser compatibilizado com a proibição das decisões surpresa tendo, desse modo, antes da prolação da decisão, de ser facultado às partes o exercício do contraditório sempre que a qualificação jurídica a dar não corresponda ao previsto pelas partes e plasmado no processo”.
Também a propósito desta questão escreveu Miguel Teixeira de Sousa que “uma decisão-surpresa constitui um vício próprio e autónomo que determina a nulidade dessa decisão por excesso de pronúncia (artigos 615.º, n.º 1, alínea d), 666.º, n.º 1 e 685.º do CPC)”. O excesso de pronúncia está justamente em apreciar o que ainda não estava em termos de poder ser apreciado (in Acórdão do TRP, de 21/05/2024, relatado por Fernando Vilares Ferreira, in dgsi).

*
No caso dos autos, está em causa a eventual violação pelo tribunal a quo do disposto no n.º 2 do artigo 1793.º do CC, no segmento em que prevê a necessidade de audição das partes quanto à definição das condições do contrato de arrendamento.
Assim, dispõe a citada norma legal o seguinte:
1- Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.
2- O arrendamento previsto no número anterior fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, mas o tribunal pode definir as condições do contrato, ouvidos os cônjuges, e fazer caducar o arrendamento, a requerimento do senhorio, quando circunstâncias supervenientes o justifiquem.
3- (…)”.
Ora, compulsados os autos na sua totalidade (através do citius), verifica-se que, efetivamente, o tribunal a quo não notificou expressamente as partes para se pronunciarem quanto às concretas condições do contrato de arrendamento nascido por via da atribuição da casa de morada de família à Recorrente, o que, à primeira vista, poderia levar-nos a concluir pela nulidade da decisão recorrida, com fundamento no disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 2ª parte, do CPC, o que implicaria, como consequência e como aquela pretende, a revogação da sentença e o prosseguimento dos termos do processo, permitindo-se às partes que se pronunciassem acerca de tais questões.
Porém, logo na petição inicial, a Requerente e aqui Recorrente concluiu, pedindo que lhe seja “atribuído em definitivo (…) o uso da casa de morada de família sita na Rua (…), n.º 3, em Montemor-o-Novo, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 990.º CPC e 1793.º do CC em regime de arrendamento, fixando-se a renda em valor determinado segundo critérios de equidade atendendo à situação económica da Autora”. E, em sede de alegações orais, na audiência de julgamento (cuja gravação se ouviu), a sra. Mandatária da Recorrente pronunciou-se, efetivamente, sobre as questões concretas da caducidade do contrato de arrendamento e do valor da renda, que pede seja fixado em termos definitivos no mesmo valor fixado a título provisório na ação de divórcio, com fundamento nas suas condições pessoais e nas da filha menor de idade, que descreveu. Do mesmo modo, o sr. Mandatário do Requerido/Recorrido pronunciou-se quanto a tais questões, aludindo aos resultados da perícia realizada nos autos para sustentar a sua posição quanto ao valor da renda, pedindo que, caso o tribunal decida dar a casa de morada de família à Requerente, em arrendamento, seja fixado o prazo máximo de seis meses.
Ora, tendo os srs. Advogados das partes apresentado as posições das mesmas quanto às concretas questões em causa, pelo menos, em sede de julgamento, não se pode deixar de entender que tal supre a necessidade de notificação direta para que aquelas se manifestem expressamente sobre as mesmas questões. Com efeito, os Senhores Advogados atuam como representantes legítimos das partes, têm plena capacidade e legitimidade para falar em seu nome e, por essa via, ficou garantido o direito ao contraditório e à efetiva (e consciente) participação das mesmas na tomada de decisão.
Improcede, pois, a arguida nulidade da sentença, com fundamento no disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, por violação do contraditório prévio.

2.2.2. Impugnação da matéria de facto
Insurgiu-se a Recorrente contra o facto de o tribunal a quo ter dado como não provados os valores dos custos com a sua habitação e com a alimentação e vestuário, seu e da filha menor de idade, já que, alega, “Tais valores ainda que indeterminados, por inexistirem documentos ou serem ilegíveis, não impõem, no âmbito da jurisdição voluntária, que se dêem, sem mais, os mesmos por não provados. Não há ninguém que, para viver, não tenha custos com alimentação e vestuário, e sendo certo que o Recorrido paga à filha (…) € 150,00 mensais de pensão de alimentos e pressupõe-se que mãe tenha igual contributo, ou seja € 150,00 mensais, pelo que sua [da menor] despesa mensal é de pelo menos € 300,00. Por outro lado a Recorrente alimenta-se, veste e calça sendo certo que o custo da sua vida diária não será inferior ao custo com a vida da sua filha, ou seja € 300,00 por mês”. Entende, pois, a Recorrente que o tribunal a quo deveria ter dado como provada esta factualidade.
Para fundamentar a sua decisão quanto aos factos não provados e, em particular, quanto ao que aqui está em causa, escreveu o Senhor Juiz na sentença posta em crise: “Contudo, importa referir que, no que respeita à prova das despesas, a autora não só juntou alguma documentação ilegível, mesmo após notificação do Tribunal para juntar os documentos legíveis, como alguma da documentação não permite provar a factualidade alegada. A autora junta aliás várias faturas onde são cobrados valores em dívida ou penalidades, o que não permite obter o valor da despesa mensal. Também não juntou prova documental sobre o alegado crédito automóvel que ficou a seu cargo. As partes não juntaram prova documental relativamente a todas as despesas por si referidas, o que não permite ao Tribunal alcançar convicção segura quanto às mesmas ou quanto aos respetivos valores concretos”. E, mais adiante, relativamente ao facto em concreto, escreveu: “Quanto ao facto C, não foi apresentada qualquer prova documental sendo as declarações prestadas demasiado vagas nesta parte”.
Pretendendo a parte impugnar a decisão do tribunal de primeira instância quanto à matéria de facto, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, impõe-se-lhe o ónus de:

1) indicar, motivando, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (sintetizando ainda nas conclusões) – alínea a);

2) especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada (indicando as concretas passagens relevantes – n.º 2, alíneas a) e b)), que impunham decisão diversa quanto a cada um daqueles factos – n.º 1, alínea b);

3) propor a decisão alternativa quanto a cada dos pontos de discordância – n.º 1, alínea c).

É entendimento pacífico da Doutrina e da Jurisprudência que está aqui consagrado um ónus de fundamentação da discordância quanto à decisão de facto proferida, devendo ser justificados os pontos da divergência, o que implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância.

Como refere a este propósito Abrantes Geraldes, “Os aspetos fundamentais a assegurar neste campo são os relacionados com a definição do objeto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova indicados e explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido” (in Recursos em Processo Civil, 8ª ed., pág. 241).

No presente caso, a Recorrente especificou qual o ponto que, na sua ótica, foi incorretamente julgado, bem como aquela que entende dever ser a matéria de facto provada. Porém, não indicou, nem nas alegações, nem nas conclusões, quais foram os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa, escudando-se apenas num raciocínio, a seu ver, lógico e que o tribunal devia ter seguido, ao abrigo dos princípios da jurisdição voluntária.
Não lhe assiste, porém, razão.
Com efeito, é inegável que, inserindo-se o procedimento de atribuição da casa de morada de família no elenco dos processos de jurisdição voluntária, encontra-se sujeito aos seguintes princípios básicos:
1. O tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar inquéritos e reconhecer informações convenientes, só sendo admitidas as provas que o juiz considere necessárias” (cfr. artigo 986.º, n.º 2, do CPC).
2. Nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna” (cfr. artigo 987.º do CPC).
3. As resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração (dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso) (cfr. artigo 988.º).
Como se escreveu a este propósito no acórdão do TRC, de 14/01/2025 (in dgsi, relatora Maria João Areias) “Não existindo, em direito positivo, processos inquisitórios puros, nem processos dispositivos puros, as referidas normas consagram a prevalência do princípio do inquisitório sobre o princípio do dispositivo: a) ao nível da conformação do objeto da ação, atribuindo ao tribunal amplos poderes quanto ao conhecimento dos factos, quer ao nível das providências a tomar. b) ao nível da instrução da causa – o tribunal não está adstrito às demonstrações probatórias que as partes possam oferecer para fundamentar a decisão, admitindo também aquelas que o juiz, por sua iniciativa, possa trazer ao processo, podendo ainda recusar a produção de provas quando as considere desnecessárias”.
No presente caso, como já se referiu, a Recorrente limitou-se a alegar que o tribunal deveria ter dado como provado que suporta despesas no valor de € 300,00 mensais, utilizando, para o efeito, um raciocínio que parte, também ele, de uma presunção: o valor das despesas da sua filha, menor de idade. Não indica, porém, qualquer elemento de prova para sustentar a sua posição, não mencionando qualquer documento (nem que fossem aqueles a que aludiu, de modo negativo, o tribunal a quo) ou o depoimento de alguma testemunha ou, sequer, o seu depoimento.
Assim sendo, por incumprimento do ónus que se impunha à parte, nos termos do artigo 640.º, n.º 1., alínea b), do Código de Processo Civil, deve o recurso ser rejeitado nesta parte.

2.2.3. Reapreciação do mérito
Como se viu, decidiu o tribunal a quo atribuir à Recorrente, em arrendamento, a casa de morada de família, o que vai ao encontro da sua pretensão e merece, agora, a aceitação do Recorrido.
Tal questão não carece, pois, de discussão, estando apenas em causa a divergência quanto às condições do arrendamento fixadas por aquele tribunal, em concreto, o prazo e o valor da renda.
Assim, há que considerar, desde logo, que são autónomas as questões constituídas pela pretensão de atribuição provisória da casa de morada de família durante o período da pendência do processo de divórcio (cfr. artigo 931.º, n.º 7, do CPC) e pela constituição de arrendamento da casa de morada de família, regulada, como processo de jurisdição voluntária no artigo 990.º do CPC e prevista, como efeito do divórcio, no artigo 1793.º do CC.
A primeira traduz-se numa questão incidental, de natureza provisória, com uma função exclusivamente instrumental relativamente à ação de divórcio; a segunda constitui uma ação autónoma, a tramitar por apenso ao processo de divórcio (cfr. artigo 990.º, n.º 4, do CPC), consubstanciando a concretização da proteção da casa de morada de família enquanto consequência da cessação do casamento por divórcio e tendo a sua razão de ser no reconhecimento pelo legislador da importância de que se reveste a tutela do direito à habitação e a proteção da família, direitos com consagração constitucional (cfr. artigos 65.º e 67.º da CRP).
No presente caso, convém ter presente que, na sentença proferida a 29 de março de 2022 no processo de divórcio em apenso aos presentes autos (que não foi objeto de recurso e que consultámos), decidiu-se atribuir à Requerente o direito de utilização da casa de morada de família e, para além disso, decidiu-se ainda nos seguintes termos: “Tendo em consideração, por um lado, a capacidade económica da autora, o custo em mercado de arrendamento de imóvel com idênticas características e, ainda, o custo financeiro respeitante à sua aquisição, julga-se necessário e adequado vincular a autora a pagar ao réu uma renda mensal no valor de € 300,00, a pagar até ao dia 8 de cada mês, enquanto durar a situação jurídica provisória e transitória ora constituída, renda esta que, conjuntamente com o rendimento livre do réu, permitirá a aquisição de habitação em mercado livre, se assim entender necessário e adequado”.
Sob a epígrafe “Casa de morada da família”, dispõe o já citado artigo 1793.º do Código Civil o seguinte:
“1. Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.
2. O arrendamento previsto no número anterior fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, mas o tribunal pode definir as condições do contrato, ouvidos os cônjuges, e fazer caducar o arrendamento, a requerimento do senhorio, quando circunstâncias supervenientes o justifiquem.
3. O regime fixado, quer por homologação do acordo dos cônjuges, quer por decisão do tribunal, pode ser alterado nos termos gerais da jurisdição voluntária”.
Permite este preceito que o tribunal dê de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada de família, ainda que esta constitua bem próprio do outro cônjuge (como sucede no presente caso) e prescindindo do consentimento deste, o que configura a constituição de uma relação de arrendamento por decisão judicial, imposta ao respetivo proprietário com o objetivo de defender a estabilidade da habitação familiar, tendo em conta os interesses dos cônjuges e dos filhos. E, se é certo que o divórcio dissolve o casamento, algumas das obrigações que o matrimónio gera entre os cônjuges poderão perdurar após a cessação do vínculo conjugal, como é o caso, designadamente, da obrigação de alimentos entre ex-cônjuges e da atribuição da casa de morada da família.
Analisando o regime emergente da indicada norma, considerou o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 127/2013, de 27-02-2013 (publicado em www.tribunalconstitucional.pt), o seguinte: (…) trata-se de norma conformadora do estatuto jurídico de um bem (aquele em que a família estabeleceu o centro da vida familiar) por ter sido afectado pelos cônjuges a uma determinada finalidade que se entende exigir protecção especial, no contexto da relação familiar e por causa dela, mesmo depois da dissolução do vínculo. Não se trata de um sacrifício imposto ao titular em nome de uma genérica hipoteca social da propriedade, mas de manter uma situação emergente dos efeitos do casamento e que vai para além dele. Aliás, os direitos de cada um dos cônjuges sobre o bem em que o casal estabelece o centro da vida familiar sofrem compressão noutros aspectos, designadamente, na alienação ou oneração (artigo 1682.º-A do CC), na disposição do direito ao arrendamento (1782.º-B do CC)”.
Quanto ao pedido de atribuição da casa de morada de família a título de arrendamento, formulado nos termos da citada norma legal, escreve Rute Teixeira Pedro (in Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, volume II, Coimbra, Almedina, 2017, pág. 704), em anotação ao citado preceito, o seguinte: “Se o pedido proceder, será constituído um contrato de arrendamento entre os cônjuges ou ex-cônjuges (se entretanto o divórcio for decretado), pelo qual um deles assume a posição de senhorio e o outro a posição de arrendatário, tendo o último o direito de gozar a coisa para fins habitacionais mediante o pagamento ao primeiro de um valor a título de renda. (…) Caberá ao tribunal, mediante audição das partes, a definição das cláusulas deste contrato, nomeadamente a previsão da duração do mesmo e a fixação do valor da renda a pagar (…)”.
No caso presente, mostra-se assente que Recorrente e Recorrido estabeleceram a sua vida familiar no imóvel em causa, pertencente ao segundo e sito em Montemor-o-Novo, no qual habitaram juntos desde a data do casamento – 7 de dezembro de 2009 – até 17 de julho de 2020, altura em que ocorreu a separação e aquele saiu de casa, na qual a Recorrente continua a habitar, juntamente com a filha comum, menor de idade.
Perante este quadro e dando como não contestado o arrendamento, há, então, que decidir se andou bem o tribunal a quo ao fixar o prazo de três anos para a sua duração e o valor da renda em € 450,00 mensais.
Vejamos, então, cada uma destas condições em separado.

a) O prazo do contrato de arrendamento
Entende a Recorrente que a sentença proferida determina, “sem que se perceba porquê um prazo para o arrendamento, de três anos”.
A propósito desta questão, lê-se na sentença recorrida o seguinte:
No que respeita ao prazo do arrendamento, importará ter em consideração sobretudo, o critério que se assumiu como decisivo para a atribuição da casa de morada de família e que, essencialmente, se circunscreve ao facto de a filha menor do casal residir com a autora. Também aqui deverá ser relembrado o princípio da proporcionalidade, nomeadamente, na vertente do princípio da necessidade. A lesão que se impõe ao direito de propriedade do réu deverá perdurar pelo tempo necessário à salvaguarda dos outros interesses constitucionalmente protegidos. Considerando a idade atual da jovem Íris, o tempo já decorrido desde o divórcio, a idade da autora e do réu, entende-se adequado fixar o prazo de duração do arrendamento em três anos, a contar desde a data do trânsito em julgado da presente sentença, ficando, no mais, sujeito às regras do arrendamento para habitação e sem prejuízo do disposto no artigo 1793.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil”.
Ora, aquilo que o tribunal a quo visou, parece-nos, foi desenhar uma solução de equilíbrio entre, por um lado, as necessidades de habitação da Recorrente – que considerou superiores no contexto fático apurado – com o direito à propriedade privada do Recorrido que, não só se vê, assim, privado de um bem que lhe pertence, como ainda suporta despesas relacionadas com o mesmo. E fê-lo, também neste ponto, considerando os interesses da Iris, a filha do ex-casal, ainda menor de idade mas que, dentro de três anos, já terá atingido a maioridade e, eventualmente, concluído a escolaridade obrigatória.
O sentido de argumentação seguido pelo tribunal a quo serviu também de base ao decidido no Ac. do TRL, de 29/09/2022 (in dgsi, relator Sousa Pinto), no qual se escreveu: … atenta a factualidade provada, designadamente a previsibilidade de que a situação económica relativa das duas partes, não tenderá a sofrer alterações (nada nos autos nos indica tal) e porque a filha do casal se encontra com 12 anos de idade, sendo previsível que até atingir a maioridade e completar o ensino escolar obrigatório, continuará a residir com sua mãe, entende-se ser de fixar o prazo do arrendamento em 5 (cinco) anos (…), ficando sujeito às regras do arrendamento para habitação, sem prejuízo do disposto no artigo 1793.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil”.
Tal não significa, evidentemente, que, com a maioridade, deixem de merecer tutela os interesses da (...), sabendo-se, aliás, que grande parte dos jovens não conquistam a sua autonomia quando atingem a maioridade e que, após, continuam dependentes dos pais, razão pela qual não cessa automaticamente o direito a alimentos, que pode estender-se até aos 25 anos de idade, verificadas que sejam as circunstâncias previstas no artigo 1905.º, n.º 2, do CC, podendo também o valor dos alimentos antes fixado ser alterado, para mais (cfr. artigo 989.º do CPC e 45.º, n.º 1, do RGPTC, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8/09).
Acresce que, de acordo com o previsto no artigo 1793.º, n.º 3, do CC, O regime fixado, quer por homologação do acordo dos cônjuges, quer por decisão do tribunal, pode ser alterado nos termos gerais da jurisdição voluntária”, o que, na prática, significa que a decisão sobre quem fica com a casa de morada de família, por quanto tempo e em que outras condições concretas, pode ser revista ou alterada, a qualquer momento, se houver razões que o justifiquem e ainda que tenha sido tomada por acordo entre as partes. A decisão agora proferida não se caracteriza, pois, por uma imutabilidade rígida, podendo ser alterada, se se alterarem de modo relevante as circunstâncias em que assentou ou se surgirem novas circunstâncias que devam ser atendidas. É o que resulta do disposto no artigo 988.º do CPC, cujo n.º 1 prevê que “Nos processos de jurisdição voluntária, as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração; dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso”.
Considerando, pois, todo o exposto, não merece censura a sentença recorrida, que decidiu com ponderação e equilíbrio.

b) O valor da renda
Entende a Recorrente que a renda fixada na sentença, de € 450,00 mensais, é desproporcional aos seus rendimentos e que o tribunal a quo não teve em consideração o grau de incerteza dos mesmos, que resultam exclusivamente da exploração de um café, nem o facto de a mesma padecer de diabetes, o que a impede de ter outras atividades profissionais, nem o facto de a filha ser adolescente e de, com o crescimento, aumentarem as suas despesas. Considera, assim a Recorrente que, na fixação da renda, foram apenas tidos em conta os valores médios das rendas em Montemor-o-Novo e não as circunstâncias concretas da sua vida.
Relida a sentença, há a destacar, quanto a este aspeto, a seguinte passagem:
Se é certo que se deve ter em consideração os rendimentos e as despesas de cada, um dos cônjuges, crê-se que tais circunstâncias não podem ser totalmente determinantes para fixar um valor de renda adequado ao caso concreto. Entende-se que a fixação da renda não deve obedecer a um critério de estrita proporcionalidade relativamente às condições económicas dos cônjuges, devendo também ter em consideração outros fatores como os valores de mercado, as características do mercado de arrendamento, as características do imóvel, os encargos suportados com o imóvel, entre outras circunstâncias. Note-se que, a ser levado ao limite o critério da estrita proporcionalidade dos rendimentos e despesas do cônjuge que necessita da casa de morada de família, dar-se-ia o caso de fixar um valor simbólico para os casos em que o cônjuge, por exemplo, não aufira qualquer tipo de rendimentos, o que seria uma forma de onerar excessivamente o cônjuge proprietário (ou até comproprietário) do imóvel, podendo atingir inclusivamente o «conteúdo essencial» do direito do réu, em violação do disposto no artigo 18.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa”.
Nesta senda de raciocínio, o tribunal a quo ponderou o valor que o Recorrido despende mensalmente com os encargos do imóvel (cerca de € 535,00), bem como os valores de mercado do arrendamento, e ainda as características concretas do imóvel, designadamente, a tipologia e as áreas, que permitiriam àquele o seu arrendamento por um valor de € 600,00.
Escreve-se ainda na sentença que “… o valor de € 300,00 que se compreende que tenha sido fixado em sede de decisão provisória, não se afigura adequado em decisão “definitiva”, pois é inferior ao valor médio de um apartamento T1 na cidade onde as partes residem, sendo demasiado oneroso para o proprietário do imóvel que despende mensalmente a quantia de € 535,00, com o mesmo. Acresce ainda a circunstância de o réu ficar duplamente onerado com a necessidade de procurar habitação alternativa para si e para o seu filho, suportar o respetivo custo e ver-se “obrigado” a manter um trabalho para obter rendimento extra, para suportar essas despesas, já que o seu vencimento de militar na reserva é claramente insuficiente para as mesmas”.
A propósito desta questão, pode ler-se com muita utilidade, o acórdão do STJ de 14/09/2023 (processo 3646/22.2T8VNG, relator Manuel Capelo, in dgsi), num caso em que a casa de morada de família constituía, porém, bem comum, o seguinte:
… é de acolher que se a atribuição da casa de família a um dos ex-cônjuges deve atender às necessidades de cada um deles em articulação com o interesse dos filhos, também na fixação da renda deverá valorar-se a situação económica de ambos e não apenas do cônjuge a quem for atribuído o direito ao arrendamento.” (…) “O exercício de equidade, que afasta as regras de mercado como referência única, reporta, no entanto, a um domínio patrimonial (a fixação de uma renda) onde confluem os interesses patrimoniais do que sendo proprietário comum do imóvel será deste arrendatário e daquele outro que, sendo também proprietário da casa, fica limitado nos benefícios patrimoniais que poderia colher desse património por ele ficar onerado durante cinco anos com um arrendamento cuja fixação da renda não pode ser ele a estabelecer segundo as regras de mercado.” (…) “Não estar a fixação da renda nestes casos sujeita ao valor de mercado, mas sim a uma ponderação equitativa que atenda à situação patrimonial dos ex cônjuges, recomenda que, em primeiro lugar se considere o valor locativo real e atual do imóvel; depois, que em função da propriedade do imóvel se verifique qual o montante, em caso de o bem ser comum, que caberia em termos de proporção a cada um, caso o mesmo fosse arrendado pelo valor do mercado; por fim, as condições que o caso apresente como relevantes, sem perder a noção de, por ter de se atender também à situação patrimonial do ex cônjuge não arrendatário, o beneficio para o arrendatário não poder constituir um prejuízo desproporcionado para aquele outro e isto porque o interesse dos filhos vale essencialmente para se decidir a atribuição da casa e constituir o arrendamento, mas já não em absoluto como critério único de fixação da renda. A ser assim, bastaria provar-se que os filhos tinham interesse em continuar a viver na casa onde sempre viveram e na companhia da mãe a quem a guarda foi entregue para que o arrendamento fosse constituído, mesmo que esta não tivesse condições para pagar uma renda que tenha qualquer relação como o valor locativo do imóvel. Afirmar-se a possibilidade legal de atribuir a casa de morada de família a um dos cônjuges não significa que a renda a fixar possa impor, segundo as leis de mercado (quer no valor patrimonial quer no locativo) um flagrante prejuízo e empobrecimento para aquele que também é proprietário do imóvel.”
Fazendo uso dos ensinamentos retirados deste aresto e concordando-se inteiramente com a linha de raciocínio seguida, parece, pois, justo e equilibrado ponderar um conjunto de critérios para a fixação da renda a suportar pela Requerente, que contemplem a sua situação económica, a situação económica do Requerido, o valor objetivo de locação da casa e a titularidade da propriedade da mesma, com as obrigações reais daí decorrentes para o Recorrido, tudo temperado pelos interesses da filha comum.
Assim, reportando-nos ao caso dos autos, há que ter presente que a casa dada de arrendamento à Recorrente constitui bem próprio do Recorrido e que este não beneficia do seu uso desde o dia 17 de julho de 2020, continuando aquela a habitá-la, até ao presente, com a filha comum, menor de idade. Verifica-se, para além disso, que, por sentença transitada em julgado a 9 de maio de 2022 foi decretado o divórcio entre as partes e que, na respetiva sentença, foi atribuída provisoriamente a casa de morada de família à Recorrente, até ao trânsito em julgado da presente ação, mediante o pagamento de uma renda de € 300,00, o que significa que, durante cerca de dois anos, a Recorrente usou a casa a título gratuito.
Por outro lado, há que ter presente que, segundo a perícia realizada, os valores de arrendamento de um imóvel com as características daquele que está aqui em causa (composto por três quartos, uma casa de banho, uma sala, um corredor, cozinha e uma garagem, com uma área bruta privativa de 130,80 m2 e 40,25 m2 de área bruta dependente), com localização semelhante, rondará os € 500,00 mensais.
Finalmente, há que ponderar as circunstâncias concretas, relativas a rendimentos e despesas de ambas as partes, as quais foram mencionadas na sentença em recurso apenas em termos genéricos, não obstante constem da descrição da matéria de facto provada.
Assim, no que diz respeito à Recorrente e considerando aquela factualidade, há que considerar um rendimento médio mensal de € 1.404,54, valor resultante da divisão por 12 meses do último rendimento anual conhecido (€ 16.854,58), a que acrescem € 158,00 de pensão de alimentos da filha (sendo este o valor atualizado, segundo o regime de exercício das responsabilidades parentais) e € 75,00 de prestações familiares. Quanto às despesas, relativas à renda do estabelecimento comercial que explora, à renda da casa onde habita, às despesas com consumos domésticos e às explicações da filha, apresentam um valor total de € 1.028,67.
O Recorrido, por seu turno, dispõe de rendimentos no valor total de € 2.710,51 (valor que inclui também os € 300,00 da renda que a Recorrente lhe paga), suportando despesas num valor total de € 2.051,81, que resultam da soma das despesas elencadas nos factos provados, não se tendo, porém, considerado a despesa aí indicada de € 143,22 com o lar onde se encontrava a sua mãe (cfr. nº 27, a.), porquanto o próprio admitiu, em sede de contra-alegações, já não a suportar, em virtude do falecimento da mesma.
Tal resulta, pois, que, do confronto entre rendimentos e despesas, a Recorrente fica com um rendimento disponível de € 608,87 (para um agregado familiar constituído por duas pessoas) e o Recorrido, de € 658,70 (apenas para si próprio). O rendimento disponível de cada um dos agregados familiares será, porém, distinto, caso o valor da renda da casa aumente para € 450,00 mensais, conforme foi decidido, sendo, então, de € 458,87 para a Recorrente e de € 808,70, para o Recorrido.
Para além disso, entendo que, para alcançar uma solução tão justa e equilibrada quanto possível, há que considerar o que consta do relatório pericial a propósito dos valores médios atualmente cobrados no âmbito do mercado de arrendamento na cidade de Montemor-o-Novo: para apartamentos de tipologia T1, T2 e T3 correspondem rendas de € 350,00, € 400,00 e € 500,00, respetivamente, variando em função da área, localização e características.
Assim sendo, chamando ainda à colação o entendimento de Nuno Salter Cid, in Código Civil Anotado, Vol. IV, 2018, Almedina, pág. 575 e 585 (citado no acórdão do TRP de 18/04/2024, relatora Isoleta de Almeida Costa), segundo o qual “(…) o valor de mercado apenas deve ser considerado limite máximo, devendo o montante fixado ser compatível com a situação patrimonial do arrendatário; caso contrário comprometer-se-ia, na prática, a salvaguarda das necessidades e dos interesses que justificam a constituição do arrendamento…” e que “cumprirá atender a todas circunstâncias do caso”, afigura-se-me justo, razoável e equilibrado fixar o valor da renda mensal que a Recorrente deverá pagar ao Recorrido em € 400,00 mensais.
Com efeito, tal valor, corresponde ao que a Recorrente sempre teria que pagar por um apartamento de tipologia T2 na cidade de Montemor-o-Novo, suficiente para si e para a filha, e garante-lhe um rendimento disponível ligeiramente superior a € 500,00 mensais; quanto ao Recorrido, o sacrifício que é imposto à sua situação económica e a limitação ao seu direito à propriedade, têm subjacente um interesse maior: o da filha, pelo menos, até à maioridade, não se podendo, por isso, considerar desproporcionado, tanto mais que poderá constituir um fator de estabilidade importante para a mesma, necessário ao seu são desenvolvimento, desde logo, no plano emocional.
Concluindo, julgamos que na ponderação dos interesses da Recorrente e do Recorrido, das suas situações patrimoniais e consequências da constituição do arrendamento, tomando ainda como ponto de referência o valor locativo e o facto de o imóvel ser bem próprio do segundo, bem como o facto de o arrendamento contribuir para a estabilidade da filha, menor de idade, é adequado fixar a renda no valor de € 400,00 (quatrocentos euros) mensais.

3. DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, alterar o valor da renda fixada na sentença recorrida para € 400,00 (quatrocentos euros) mensais, mantendo, no mais, o decidido.
Custas pela Recorrente na proporção do decaimento.
Notifique.

*
Évora, 2 de outubro de 2025
(Acórdão assinado digitalmente)
Anabela Raimundo Fialho (Relatora)
Miguel Teixeira (1º Adjunto)
Rosa Barroso (2ª Adjunta)