Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | EDUARDO TENAZINHA | ||
Descritores: | VENDA DE COISA DEFEITUOSA | ||
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Data do Acordão: | 12/03/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO CÍVEL | ||
Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
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Sumário: | I - No caso de venda de coisa com "garantia de bom funcionamento" o comprador apenas tem direito à reparação ou à substituição da coisa, se se verificar a previsão do referido art.921° nº 1 Cód. Civil. II - Se os defeitos encontrados na coisa vendida são aqueles que vêm previstos no art. 913° nº 1 Cód. Civil o comprador poderá pedir a anulação do contrato, nos termos do art.905º do mesmo diploma, e pedir também uma indemnização (v. art. 909° também do mesmo diploma). III - Os direitos do comprador vêm previstos na lei, não estando prevista a possibilidade de exclusivamente ser pedida uma indemnização. IV – Tendo as partes acordado que a "garantia de bom funcionamento" permitia ao comprador pedir o reembolso das quantias despendidas com a reparação, só a instauração da respectiva acção cível poderá evitar a caducidade e não a instauração de processo-crime. | ||
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Decisão Texto Integral: | * “A”, solteiro, residente na …, …instaurou (7.9.2005) nessa Comarca, contra “B”, com sede na …, uma acção declarativa sumária que em resumo fundamenta nos seguintes factos: PROCESSO Nº 2415/08 - 2 * ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA * No dia 11.6.2004 comprou um veículo automóvel à Ré - que se dedica ao comércio de veículos automóveis, peças usadas e sucatas - que pagou com a entrega de dois veículos como retoma e € 5.000,00 em dinheiro, assumindo verbalmente a Ré a garantia de bom funcionamento, mas ainda antes da entrega do respectivo documento, na primeira viagem que fez - nos primeiros 150 quilómetros - o A. teve que imobilizar o veículo automóvel e conduzi-lo para uma oficina devido aos barulhos e sobreaquecimento do motor, vindo a ser detectadas deficiências que justificavam, ou uma grande reparação do motor ou, mesmo, a sua substituição. Nessa oficina despendeu a quantia de € 165,59 cujo reembolso pediu ao sócio-gerente da Ré, bem como a entrega do documento da garantia de bom funcionamento; Entregue este documento, constatou que indicava como vendedor do veículo um tal “C” que lhe era desconhecido, e que a garantia era assumida por “D”, que veio a rejeitar o contrato de garantia depois de, no dia 24.6.2004 em viagem o motor ter atingido a temperatura máxima, a Ré lhe ter dado indicação para pôr o veículo automóvel numa oficina da sua confiança e para lhe enviar de seguida esse contrato e o orçamento de reparação e que a pagaria. Contudo a Ré informou-o depois que nada pagaria, e o A., necessitado do veículo automóvel, mandou proceder à sua reparação naquela oficina e suportou o custo de € 5.875,91 correspondente ao que fora orçamentado. No total as despesas que o A. teve ascenderam ao montante de € 5.875,91. Termina pedindo a condenação da Ré dessa quantia de € 5.875,91 e juros desde a citação. A Ré contestou por excepção invocando que recusou pagar a reparação porque o veículo automóvel deveria ter-lhe sido entregue para que procedesse a essa reparação, o que o A. não fez. E invocando que operou a caducidade, não só porque a acção foi instaurada depois de decorrido o prazo de 1 ano da garantia, como também porque foi instaurada depois do prazo de 6 meses desde a data da denúncia de que o veículo automóvel tinha avariado. E impugnou os factos. O A. respondeu. Foi proferido o despacho saneador, seleccionada a matéria de facto considerada assente e organizada a base instrutória. Teve lugar uma audiência de discussão e julgamento. Na 1ª instância foram julgados provados os seguintes factos: 1) A Ré é uma sociedade comercial por quotas matriculada na Conservatória Reg. Comercial de … sob o n° …, tendo como actividade o comércio de veículos automóveis, peças usadas e sucatas; 2) É sócio-gerente da Ré “E”; 3) No dia 11.6.2004 o A. adquiriu à Ré, mediante o pagamento da quantia de € 5.000,00 e a entrega de dois veículos em retoma, a viatura de marca …modelo …, de matrícula LZ; 4) Tendo a Ré, na pessoa de “E”, afiançado ao A. que a referida viatura estava em estado "impecável"; 5) A Ré sabia que para o A. era essencial que a viatura, que pretendia destinar à sua vida e deslocações quotidianas, estivesse em estado "impecável"; 6) A Ré entregou ao A. um documento intitulado "Plus - garantia 12 meses", com o seguinte conteúdo: "O presente contrato terá por objecto as eventuais reparações (peças e mão de obra) provocadas por uma avaria mecânica ou eléctrica de origem fortuita, com os limites e condições previstas no presente contrato de garantia; As disposições do presente contrato envolvem transferência parcial de responsabilidade da entidade vendedora do veículo garantido, após o seu início, nos termos descritos nas cláusulas obrigando-se a “D” nos precisos termos aqui previstos a reparar ou mandar reparar o mesmo veículo, mas atendendo às suas limitações, tais disposições não suprimem nem reduzem a garantia legal a que está sujeita a entidade vendedora (… ). O presente contrato de garantia é um contrato tripartido, estabelecido unicamente entre a “D”, a entidade vendedora e o comprador, não podendo os direitos e obrigações dele decorrentes ser objecto de cessão ou transmissão. A presente garantia é, pois, pessoal e intransmissível, caducando, automaticamente, no caso da alienação do veículo e do falecimento ou extinção do titular da garantia. A presente garantia caduca, igual e automaticamente, no caso da entidade vendedora, a quem a garantia foi vendida pela “D”, a transmitir ou ceder a terceiro que não seja o comprador (final) do veículo. A presente garantia deixa de ser aplicável e não produz quaisquer efeitos, nos seguintes casos: ( ... ) D) Quando a “D” não aprovar o contrato de garantia e comunique fundamentadamente ao cliente por carta registada enviada no prazo de 10 dias úteis após a recepção do cupão do registo"; 7) Após o facto referido na alínea 3) a viatura sofreu uma avaria mecânica, tendo o motor sido desmontado na oficina “F”, concessionário da marca … em …; 8) O A. apresentou queixa contra a Ré, em 3.8.2004 pelos factos que refere na sua petição inicial, dando início ao inquérito que correu termos sob o n° …, nos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial da Comarca de …; 9) Os autos de inquérito referidos na alínea 8) foram arquivados em 21.2.2005, 10) O despacho de arquivamento referido na alínea 9) foi notificado ao A. no dia 8.3.2005; 11) A Ré assumiu perante o A. a garantia do bom funcionamento da viatura referida na alínea 3); 12) Bem como dos respectivos componentes e peças; 13) Contra quaisquer vícios, defeitos e avarias; 14) No dia 16.6.2004, após percorrer uma determinada distância, a viatura referida na alínea 3) começou a fazer barulhos; 15) E a aquecer demasiado; 16) O A. teve de imobilizar a viatura; 17) E de se deslocar com a mesma a uma oficina e concessionário da marca, sita em …; 18) Nessa oficina foram detectados problemas mecânicos; 19) A viatura foi reparada; 20) Pela reparação referida na alínea 19) o A. pagou € 165,59; 21) O A. contactou a Ré na pessoa de “E”, dando-lhe conhecimento de que a viatura tinha problemas mecânicos; 22) O A. solicitou a resolução dos problemas mecânicos; 23) E o reembolso da quantia referida na alínea 20); 24) O A. contactou a “D”; 25) Tendo o A. colocado o veículo na oficina referida na alínea 7); 26) Os técnicos da dita oficina procederam à desmontagem referida na alínea 7) para orçamento de reparação e diagnóstico, pelo qual o A. pagou o montante de € 235,62; 27) A reparação foi orçada em € 5.475.70; 28) Tendo o diagnóstico realizado indicado a necessidade de colocação de um novo motor recondicionado; 29) No dia 15.7.2004, a “D” remeteu uma carta ao A., que este recebeu, da qual constava que "o contrato de garantia nº …, viatura …, matrícula LZ não foi aceite"; 30) O A. comunicou à Ré na pessoa do seu legal representante “E” que tinha colocado o veículo na oficina referida na alínea 7) - que pagou o montante de € 235,62 para orçamento de reparação e diagnóstico e a reparação foi orçada em € 5.475,70 e foi diagnosticada a necessidade de colocação de um novo motor; 31) Exigindo a imediata reparação do veículo nos termos sugeridos pelos técnicos da oficina a que se refere a alínea a 25), a suportar pela Ré; 32) E o pagamento da quantia referida na alínea 27); 33) Perante a necessidade que tinha da viatura e a recusa da Ré em suportar os custos, o A. decidiu avançar com a reparação da viatura; 34) Pela qual pagou a quantia de € 5.475,70. O Mmo. Juiz julgou considerou que o A. detectou os defeitos no dia 16.6.2004 e que teriam que ser denunciados até ao dia 16.8.2004, data a partir da qual, considerou também, começaria a decorrer o prazo de 6 meses para o exercício dos seus direitos e que terminaria no dia 16.2.2005. Como a acção foi instaurada no dia 6.9.2005 esse prazo estava esgotado. Considerou irrelevante a queixa-crime datada de 3.8.2004 (cujo processo foi arquivado no dia 21.2.2005, ocorrendo a notificação no dia 8.3.2005). Julgou procedente a excepção peremptória da caducidade do direito do A. e improcedente a acção e absolveu a Ré do pedido. Recorreu de apelação o A., alegou e formulou as seguintes conclusões: a) Face à factualidade provada, verifica-se que a presente acção se configura como uma compra e venda, no caso, tendo como objecto a viatura automóvel de marca …, matricula LZ, que o A., ora recorrente adquiriu à Ré, ora recorrida em 11.6.2004; b) Uma das obrigações daquele contrato (compra e venda) é a entrega da coisa e o cumprimento só será perfeito se esta for entregue sem defeitos; c) Como da matéria provada resulta também, a viatura vendida, não tinha as qualidades asseguradas pelo vendedor, antes padecendo de defeito, vindo a avariar-se com gravidade pouco tempo depois da venda, pelo que estamos perante a venda de coisa defeituosa; d) O regime jurídico aplicável à venda de coisa defeituosas é, para além do regime geral da responsabilidade contratual (art.798° e segs. Cód. Civil), o regime estatuído nos arts. 913.° e segs. Cód. Civil e, ainda, o Dec. Lei nº 67/2003, 8 Abril, que transpõe para o direito interno a directiva 1999/44/CE sobre a venda de bens de consumo, uma vez que o A., ora recorrente, deverá ser considerado "consumidor" no negócio dos autos; e) O comprador pode exercer os seus direitos, "maxime" aqueles previstos no art 4º do referido Dec. Lei nº 67/2003, 8 Abril, quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de 2 ou 5 anos a contar da entrega do bem, consoante se trate de bem móvel ou imóvel (cfr, art.5° nº 1 do mesmo diploma), o que no caso sucedeu; f) E o nº 3 do mesmo preceito estabelece que para exercer os seus direitos o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de 2 meses a contar da data em que a tenha detectado, caso se trate de bem móvel; g) Por outro lado, estabelece o nº 4 do mesmo preceito legal que os direitos conferidos ao consumidor nos termos do nº 1 do artº 4° caducam findo qualquer dos prazos referidos nos números anteriores sem que o consumidor tenha feito a denúncia, ou decorrido sobre esta 6 meses; h) Relativamente à denúncia dos defeitos pelo A., ora recorrente, que se manifestaram logo após a compra, concretamente, em 16.6.2004, esta terá de ser considerada tempestiva, uma vez que não foi alegada pela Ré, ora recorrida a intempestividade da mesma; i) Quanto à caducidade, a única forma de a evitar é praticar, dentro do prazo correspondente, o acto que tenha efeito impeditivo; j) E, assim, o impedimento, correspondendo à efectivação do direito, não gera novo prazo - ao contrário da interrupção - ficando o direito definido sujeito às disposições que regem a prescrição (Aníbal de Castro, A Caducidade, 3ª ed. págs. 120 e 121), não fazendo sentido, após a prática do acto impeditivo, falar mais em caducidade (Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, pág.571); k) Por outro lado, é também é certo que, se a lei não fixar outra data, o prazo de caducidade começa a correr no momento em que o direito pode legalmente ser exercido (art.329° Cód. Civil); l) No caso vertente e por considerar então (e ainda agora, diga-se) que os factos constantes da petição inicial praticados pela Ré configurariam matéria criminal, o A., ora recorrente, apresentou queixa contra a Ré ora requerida em 3.8.2004 (ou seja, menos de 2 meses após o conhecimento dos vícios, ocorrido em 16.6.2004); m) Estando, além do mais, e como supra exposto, o A., ora recorrente, impedido (ou, pelo menos, não obrigado) de demandar civilmente em separado a Ré, ora recorrida, em face do princípio vigente no nosso ordenamento da adesão obrigatória da acção civil à acção penal, consagrado no art. 71º Cód. Proc.Civil; n) Os autos de inquérito em questão vieram a ser arquivados em 21.2.2005, sendo que o ora recorrente entendeu conformar-se com a decisão de arquivamento, decisão que, aliás, e como consta de certidão nos autos, remetia o assunto e a resolução do mesmo para os Tribunais Civis; o) Só então estando em condições de demandar a Ré, ora recorrida, civilmente em separado; p) E assim, na sequência da notificação do despacho de arquivamento que lhe foi notificado em 8.3.2005 - com o qual o A. ora recorrente se conformou não requerendo abertura de instrução no prazo de 20 dias que dispunha para o efeito - o A. ora recorrente interpôs a presente acção em 6.9.2005; q) Nesta conformidade, quer se considere que o A., ora recorrente, exerceu o seu direito directamente através do processo-crime, quer se considere que com a notificação do arquivamento do processo-crime começou a correr novo prazo de prescrição, ou novo prazo de caducidade, ainda assim não teriam decorrido 6 meses (cfr. impõe o nº 1 do art.4° Dec. Lei nº 67/2003, 8 Abril); r) Donde é mister concluir que o direito do recorrente não se acha caducado, antes tendo sido atempadamente exercido. Contra-alegou a Ré e formulou as seguintes conclusões: a) O recorrente conclui que não ocorreu a caducidade do seu direito, alegando que "exerceu os seus direitos através do processo-crime" e que "só após a notificação do arquivamento do mesmo ( ... ) poderia iniciar-se a contagem do prazo para o A., ora recorrente, demandar e exercer civilmente a Ré, ora recorrida, em separado"; b) "ln casu" aplica-se o regime geral da responsabilidade contratual (arts. 798° e segs. Cód. Civil), o regime especial previsto no art. 913° do mesmo diploma legal (que remete para o regime da compra e venda de bens onerados) e os arts. 914° e segs. igualmente do Cód. Civil, e ainda o Dec. Lei nº 67/2003, 8 Abril (que transpôs para o direito nacional a Directiva 1994/44/CE de 25 Maio e alterou a Lei nº 24/96, 31 Jul. - Lei de defesa do consumidor); c) Nos termos do nº 1 do art.4° do Dec. Lei nº 67/2003, 8 Abril, caso suceda falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou substituição, tem direito à redução adequada do preço ou à resolução do contrato e a ser indemnizado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que resultem do fornecimento de bens defeituosos, nos termos do nº 1 do art.12° da Lei nº 24/96, 31 Jul. (Lei de defesa do consumidor); d) Tais direitos podem ser exercidos, relativamente a coisa móvel, caso a falta de conformidade do bem com o contrato se manifeste dentro do prazo de 2 anos a contar da entrega do bem, como estipula o nº 1 do art.5° do mesmo diploma legal, devendo tal facto ser denunciado pelo consumidor ao vendedor num prazo de 2 meses a contar da data em que foi detectado, nos termos do nº 3 do mesmo preceito legal; e) Por outro lado, nos termos do nº 4 do referido preceito legal, ocorre a caducidade dos direitos conferidos ao consumidor (para além das situações em que finde qualquer um dos prazos já referidos) quando tenham decorrido 6 meses sobre a denúncia sem que o consumidor tenha exercido os direitos supra referidos; f) O direito à indemnização está sujeito aos mesmos prazos de caducidade aplicáveis aos demais direitos supra referidos, ou seja, os prazos constantes dos arts. 4° e 5° Dec. Lei nº 67/2003, 8 Abril, também supra referidos; g) Para aferir da caducidade ou não dos direitos do recorrente, há que apurar da existência, ou não, de denúncia e, em caso afirmativo, da respectiva data, bem como do exercício, ou não, dos direitos no prazo de 6 meses a contar da data da denúncia; h) "ln casu" ocorreu a denúncia, mas não foi feita qualquer prova da data da mesma, pelo que o Tribunal "a quo" considerou, e bem, a data de 16.8.2004, já que é a data resultante do prazo de 2 meses que o recorrente tinha para efectuar a denúncia dos defeitos, tendo em conta que se considerou provado que este teve conhecimento dos mesmos em 16.6.2004; i) Por via disso, constata-se que o recorrente tinha de instaurar a acção para o exercício dos seus direitos até ao dia 16.2.2005, o que não fez, já que a presente acção só deu entrada no Tribunal no dia 6.9.2005; j) O recorrente afirma que exerceu os seus direitos em 3.8.2004 aquando da apresentação da queixa criminal, pelo que o prazo para demandar civilmente a ora recorrida só começou a correr após a notificação do despacho de arquivamento no processo-crime ou até mesmo após o término do prazo para requerer a abertura de instrução; k) Parte o recorrente de um entendimento erróneo ao julgar que, no presente caso, os direitos que eventualmente lhe assistiam poderiam ser exercidos através do processo penal; l) Com efeito, desde logo, atenta a matéria factual dada como provada, verifica-se que não existiu da parte da ora recorrida, em qualquer momento, a prática de um ilícito criminal, pelo que não há lugar à aplicação do art.498° Cód. Civil; m) Por via disso, toda a problemática aferida pelo recorrente quanto ao exercício dos seus direitos através do processo penal é prejudicada "ab initio"; n) De resto, os direitos em causa prendem-se somente com a legislação civil, sendo que a questão jurídica em causa nos presentes autos é toda ela subjacente à matéria do Direito Civil; o) Por outro lado, o prazo de caducidade do direito de acção não se suspendeu, nem se interrompeu, uma vez que não foi praticado pelo recorrente qualquer acto susceptível de tal; p) Portanto, os eventuais direitos do recorrente caducaram em 16.2.2003, sendo o exercício dos mesmos intempestivo uma vez que a presente acção só foi intentada em 6.9.2005; q) Deste modo estamos perante uma excepção peremptória de caducidade, pelo que muito bem esteve o Tribunal "a quo" ao aplicar o nº 3 do art.493° Cód. Proc. Civil julgando a referida excepção procedente por provada e, em conformidade, absolvendo a Ré ora recorrida do pedido. Recebido o recurso o processo foi aos vistos. As conclusões das alegações, tal como foram formuladas, circunscrevem o recurso à apreciação da questão da caducidade do direito do A. (v. conclusões sob as alíneas e) e segs.), defendendo este que: - Instaurou um processo-crime que teve como consequência suspender o prazo da caducidade (v. conclusões sob as alíneas 1) a p); - Após a notificação do despacho de arquivamento desse processo começou a correr novo prazo de caducidade; - Ou, então, após a notificação desse despacho começou a correr novo prazo de prescrição (v. conclusão sob a alínea q). Desde logo se diga que em face da matéria de facto julgada provada na 1ª instância esta acção versa sobre venda de coisa defeituosa, um veículo automóvel que o vendedor garantiu funcionar bem (v. alínea 11). E em conformidade com o que se prevê no art. 921° nº 1 Cód. Civil sob epígrafe "Garantia de bom funcionamento" inserido na Secção VI (“Venda de coisas defeituosas") do Capítulo I respectivo, cabendo ao vendedor reparar ou substituir a coisa objecto desse contrato, deverá o comprador instaurar oportunamente a respectiva acção sob pena de caducidade. Na verdade, como expressamente resulta do nº 4 deste art.921° o prazo de que o comprador dispõe para instaurar a acção é de caducidade. Todavia, com a presente acção o A. não visa obter a reparação ou a substituição do veículo automóvel, ou seja, que o devedor efectue uma prestação de "facere", mas visa obter uma indemnização por prejuízos, o que corresponde a prestação de "dare". O A. pretende a condenação do R. no pagamento da quantia de € 5.875,91 e juros, invocando como fundamento ter feito despesas com a reparação do veículo que aquele lhe tinha vendido com garantia de que o seu estado era "impecável", mas que precisava de um "motor recondicionado" ou de "novo motor" (v. conclusões das alegações sob as alíneas 28) e 30). Com efeito, pela resposta "Provado" que foi dada ao quesito 31° da base instrutória ("Perante a necessidade que tinha da viatura e a recusa da Ré em suportar os custos, o A. decidiu avançar com a reparação da viatura?"), a que corresponde a matéria julgada provada na 1ª instância sob a alínea 33), foi do A. a iniciativa da reparação. Por conseguinte o pedido condenatório no pagamento da quantia acima referida corresponde a um pedido de indemnização que inclui essencialmente o custo dessa reparação. Como previsto no art.498° nº 1 Cód. Civil o direito à indemnização prescreve no prazo de 3 anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete. E se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável. Porém, desde logo é necessário que exista um direito à indemnização. Ora, o ter sido pedida uma indemnização não significa que o A. tenha o respectivo direito. Como se disse, no caso de venda de coisa com "garantia de bom funcionamento" o comprador apenas tem direito à reparação ou à substituição da coisa, se se verificar a previsão do referido art.921° nº 1 Cód. Civil. Tal como no contrato de empreitada, aliás, em que o devedor deverá eliminar os defeitos da obra ou, se não poderem ser eliminados, deverá fazer nova construção se o credor o exigir (v. art.1221º nº 1 Cód. Civil). Se os defeitos encontrados na coisa vendida são aqueles que vêm previstos no art. 913° nº 1 Cód. Civil o comprador poderá pedir a anulação do contrato, nos termos do art.905º do mesmo diploma, e pedir também uma indemnização (v. art. 909° também do mesmo diploma). Os direitos do comprador vêm previstos na lei, não estando prevista a possibilidade de exclusivamente ser pedida uma indemnização. A defesa dos direitos dos compradores está regulada nestas disposições legais que o A. não observou, como, aliás, resulta do que se tem vindo a dizer. Na medida em que o A. visa obter uma indemnização faz algum sentido que diga que o prazo é de prescrição. Só que não lhe é lícito o pedido indemnizatório sem que peça também a anulação do contrato de compra e venda se se verificarem os requisitos da respectiva anulabilidade. E a anulação do contrato também está sujeita à caducidade (v. art.917° Cód. Civil). O pedido indemnizatório formulado pelo A. improcede por o respectivo fundamento não se enquadrar na regulamentação legal deste caso concreto de venda de coisa defeituosa. Não tendo sido pedida a reparação ou substituição da coisa vendida, nem a anulação do contrato de compra e venda, não faz sentido invocar o regime da caducidade, regime que o A. recorrente invoca quanto à respectiva suspensão com fundamento na instauração do processo-crime e o início de novo prazo de com a notificação do despacho de arquivamento desse processo (v. conclusão das alegações sob as alíneas l) e segs.). Admitindo que o acordado entre as partes quanto à "garantia de bom funcionamento" pudesse permitir ao A. pedir o reembolso das quantias despendidas com a reparação veículo automóvel - o que não foi por si alegado na petição inicial - sempre teria operado a caducidade, porquanto não lhe são aplicáveis as causas de suspensão ou interrupção previstas para a prescrição, como resulta do art.328° Cód. Civil (v. Cód. Civil Anotado, Profs. Pires de Lima e A. Varela, vol.I, pág.294). Por conseguinte só a instauração da presente acção é que poderia ter evitado a caducidade, razão porque, não só a instauração de processo-crime contra o R. não teve efeito interruptivo ou suspensivo, como também - porque não se verificou esse efeito - a notificação do respectivo despacho de arquivamento não teve o efeito de reiniciar novo prazo de caducidade. As conclusões das alegações sob as alíneas q) e r) improcedem, bem como o recurso. Pelo exposto acordam em julgar improcedente o recurso de apelação e confirmar a douta sentença recorrida. Custas pelo recorrente. Évora, 3 de Dezembro de 2008 |