Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1669/19.8T8EVR.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
ÓNUS DA PROVA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 06/25/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
i) cabe ao trabalhador alegar e provar a existência de um contrato de trabalho e que foi despedido, pois são factos constitutivos do seu direito e cabe à empregadora alegar e provar que não existia contrato de trabalho ou que havendo-o, o despedimento foi lícito (art.º 342.º do Código Civil).
ii) a conduta do trabalhador consistente em negar-se a prestar a sua atividade, como forma de reagir à violação grosseiramente culposa da lei e dos seus direitos laborais pela ré e pela adquirente do estabelecimento, não é leviana, nem de tal modo culposa e grave ao ponto tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral (sumário do relator).
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Apelante: S…, Lda (ré).
Apelado: J… (autor).

Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo do Trabalho.

1. O A. intentou processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento contra a R., apresentando o formulário respetivo.
Realizada a audiência de partes, não foi alcançada a conciliação.
Notificada para apresentar a motivação do despedimento, a entidade patronal veio fazê-lo, pedindo a final que o despedimento do trabalhador seja julgado justificado e legítimo, uma vez que este adotou um comportamento que traduz uma violação frontal, premeditada e ostensiva dos deveres consignados nas alíneas a), b), c), d), e), f) do n.ºs 1 e 2 do artigo 128.º do
Código do Trabalho, tratando-se de comportamento culposo que, pela sua gravidade e consequências torna imediatamente impossível a subsistência da relação de trabalho, alíneas a), d), e) e m) do n.º 2 do art.º 351.º do Código do Trabalho.
O trabalhador deduziu contestação e pedido reconvencional, pedindo que sejam julgadas procedentes as exceções deduzidas que invalidam o procedimento disciplinar e seja declarada a ilicitude do despedimento e a procedência do pedido reconvencional e, em consequência, seja a ré condenada a pagar-lhe a retribuição do mês de setembro de 2019 e as retribuições que deixou de receber desde 23 de setembro de 2019 até ao trânsito em julgado da sentença nos termos do n.º 1 do art.º 391.º do Código do Trabalho e sem prejuízo do disposto no art.º 98.º-N n.ºs 1 a 3 do Código do Processo de Trabalho, a pagar-lhe uma compensação a determinar pelo tribunal em montante entre 15 a 45 dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo ou fração de antiguidade, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 391.º do Código do Trabalho, e a pagar-lhe a quantia de € 2 000, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
A ré apresentou resposta peticionando que o pedido reconvencional seja julgado improcedente por não provado.
Foi proferido despacho saneador que considerou a instância válida e regular, foi admitido o pedido reconvencional, foi dispensada a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova e foram admitidos os róis de testemunhas.
Procedeu-se a julgamento como consta da ata respetiva.

2. Foi proferida sentença com a decisão seguinte:
Pelo exposto e tendo em atenção as disposições legais supracitadas:
1.º Declaro a ilicitude do despedimento do trabalhador J… pela entidade patronal S…, Lda.
2.º Condeno a entidade patronal a pagar ao trabalhador uma compensação em valor equivalente a trinta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano ou fração, até à data do trânsito em julgado da presente decisão (sendo que a antiguidade remonta a 01.10.1997 e a retribuição a atender é de € 750, acrescidas dos juros calculados à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das prestações e até integral pagamento.
3.º Condeno a entidade patronal a pagar ao trabalhador as retribuições que seriam devidas desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da presente decisão, incluindo as férias e os subsídios de férias e de Natal devidos no referido período, sem prejuízo do eventual desconto das quantias a que se referem os art.ºs 390.º, 2, c), do Código do Trabalho, e 98.º-N, 1 a 3, do Código do Processo do Trabalho, acrescidas dos juros calculados à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das prestações e até integral pagamento.
4.º Os montantes referidos em 2.º e 3.º serão fixados, em caso de não haver acordo entre as partes, em liquidação a efetuar (eventualmente) em sede de execução de sentença, dado que a fixação dos mesmos está dependente da data do trânsito em julgado da decisão.
5.º Condeno a entidade patronal a pagar ao trabalhador uma indemnização por danos não patrimoniais, no valor de € 2 000.
6.º Condeno a entidade patronal ao pagamento das custas processuais – art.º 527.º do Código de Processo Civil.
Fixo à ação o valor de € 21 500€ (art.ºs 98.º-P, 2, do Código de Processo do Trabalho, e 297.º, 1, do Código de Processo Civil).

3. Inconformada, veio a ré empregadora interpor recurso de apelação que motivou e com as conclusões que se seguem:
1ª – As partes na ação cuja sentença se submete ao julgamento de V. Exas. são: (i) uma microempresa de nome S…, Lda, cujo negócio foi a distribuição de gás no concelho de Montemor-o-Novo e o seu trabalhador J… que trabalhou nessa atividade durante 22 anos. Além do autor/trabalhador, a S… tinha um outro trabalhador N…, com pouco mais de 2 meses de casa.
2ª – Em abril de 2019 a gerência da Sogasmor iniciou a negociação da cessão a título definitivo do seu negócio do Gás com a sociedade J…, Lda, de Coruche. Durante todo o mês de abril, foi com o trabalhador J… que os responsáveis desta empresa andaram a inteirar-se do mercado, percorrendo aldeias, vilas e ruas de modo a poderem aferir das condições do mercado.
3ª - O contrato foi assinado no dia 16 de abril para vigorar a partir de 01 de maio de 2019.
Nesse mesmo dia, o trabalhador pediu que a S… lhe dissesse, por ordem de serviço escrita, qual era a sua função e entidade patronal. A sócia gerente L… deslocar-se-ia propositadamente ao depósito de gás para entregar ao trabalhador a peculiar Ordem de Serviço:
“1 - O Sr. J… continua a ser empregado da S…, Lda até que, por acordo, seja possível definir outra situação. 2- Em consequência, o Sr. J… deve cumprir o seu horário de trabalho, como sempre, e designadamente, deve auxiliar no transporte e entrega de gás o Sr. J….”.
No dia 10 de abril, a gerência da S… daria conhecimento ao trabalhador J…, no escritório da empresa, da perspetiva da venda do negócio e até do facto de terem acordado com a gerência de J…, um substancial aumento no salário.
4ª- No dia 26 de abril de 2019, houve uma reunião entre o advogado da S… (que também assina este recurso) e o trabalhador com o objetivo de explicar ao trabalhador todas as circunstâncias do negócio e as condições laborais. Este facto consta dos factos não provados, mas deveria constar dos factos provados visto haver acordo das partes, como anteriormente se comprova, transcrevendo o que é dito na motivação do despedimento e na contestação. Os factos são alegados em 15 e 16 da motivação de despedimento e no número 35 da Contestação, o trabalhador diz:
“Não se aceita o alegado nos artigos 15 e 16 por tais factos não corresponderem à verdade com exceção da data da reunião que na verdade teve lugar mas com outros contornos e objetivos, designadamente o de levar o trabalhador a aceitar assinar o novo contrato de trabalho como já se referiu.”
Não se prova e nunca se provou que algum dia tenha havido ou sequer haja sido mencionado outro contrato de trabalho. Ora, com todo o respeito, se tal outro contrato existiu deveria ser demonstrado pelo trabalhador.
Já na resposta à nota de culpa, a narrativa era ligeiramente mais afirmativa:
“O alegado no nº 9 não corresponde à verdade, na reunião de 26 de abril de 2019, o trabalhador foi convidado e mesmo pressionado a assinar um contrato de trabalho com a J…, Lda, que recusou enquanto a sua situação laboral com a S… não fosse resolvida dado que o Senhor R… lhe havia dito que não aceitava a transmissão dos trabalhadores da S… com os anos todos de serviço. ( sic)”
Assim, tal facto deve ser dado como provado com o nº 7-A. A Meritíssima juíza, como veremos, distingue entre os factos provados da motivação de despedimento e da contestação.
Por isso a numeração que sugerimos segue o mesmo método.
5ª – O irrealismo e até alguma fantasia na ponderação dos factos perpassa quase toda a sentença. Assim, o nº 25 dos factos provados diz:
“ 25º A entidade patronal não deu conhecimento ao trabalhador das circunstâncias que conduziram ao negócio celebrado com a J…, Lda”.
Ora isto está em contradição com aquilo que já anteriormente se demonstrou e que consta dos nºs 4 e 5 dos factos provados. E contrasta como os depoimentos da sócia-gerente L…, expressamente pedido pelo trabalhador, anteriormente transcrito (gravação 20200109101627_1473565_2870783) e também colide frontalmente com o depoimento da testemunha P… (gravação 20200109104050_1473565_2873783). Estes depoimentos estão transcritos no nº 5 e julgamos dispensável a sua repetição sob pena de as conclusões serem tão grandes quanto a parte restante da alegação. Mas quer a L…, interrogada pelo Meritíssima Juíza quer a testemunha P… afirmam categoricamente que o trabalhador passaria para a J… nas mesmas condições que tinha na S… e até lhe aumentavam o ordenado. “O J… passaria para os quadros da minha empresa (P…). Logo, o que ficou provado foi exatamente o contrário e como tal deve este número dizer exatamente isso.
6ª – Também os nºs 26 e 27 dos factos provados não têm qualquer suporte factual e a prova existente no processo diz o contrário:
“26º A J…, Lda não quis aceitar o trabalhador com os 22 anos de serviço.”
27º A J…, Lda aceitava o trabalhador pagando-lhe mais, mas para tanto este teria de aceitar celebrar um novo contrato que teria o seu início em 01.05.2019, perdendo deste modo a sua antiguidade.”
Nada no processo nos diz isto. Pelo contrário, dos depoimentos já mencionados resulta inequivocamente que o trabalhador só não passou para os quadros da J… porque não quis. Por que se dedicou a prosseguir obstinadamente o plano traçado de conseguir uma indemnização em virtude da mudança de patrão, como confessou à testemunha L… que acompanhava o trabalhador habitualmente quando era preciso entregar botijas de gás grandes, visto o trabalhador se queixar do peso. O seu depoimento está acima também transcrito no nº 8 (gravação 2020019110113_1473565_2870783). A testemunha foi categórica em afirmar que em abril de 2019, nas viagens que fez com o J…, este já sabia da perspetiva da venda do negócio…e que tencionava receber uma indemnização de € 13 000/14 000 pelo facto de ter de mudar de patrão.
7ª - O próprio B…, cujo depoimento foi claramente hostil, porque não queria depor, acabaria por confirmar a instâncias da Meritíssima Juíza, por monossílabos que lhe foi explicada a mudança para a empresa e que sabia que tudo ficaria igual quanto ao seu trabalho. Disse que nada sabia quanto ao J… (gravação nº 20201009112330_1473565_2870783), transcrita também no nº 8.
8ª – A sentença acaba por considerar que as alegadas invalidades do procedimento disciplinar não existem. Mas há três reparos que importa referir:
a) A sentença diz que houve uma inversão no procedimento disciplinar pelo facto de as testemunhas terem sido ouvidos depois da resposta à nota de culpa e cita o artigo 352º do Código do Trabalho para fundamentar a sua asserção. Não houve qualquer inversão como é lógico e a instrução do procedimento disciplinar só é possível após a resposta à nota de culpa, como resulta do artigo 356º do Código do Trabalho. A sentença confunde o Inquérito Prévio com o Procedimento disciplinar. Só referimos este ponto porque o julgamos paradigmático do irrealismo da sentença a que já nos referimos.
Para que seria o Inquérito Prévio num caso como este? A Meritíssima Juíza raciocina sempre como se estivéssemos perante uma grande empresa.
b) O autor do relatório no processo disciplinar foi o mesmo advogado que assina este recurso e que representou a S… em todas as restantes diligências. Houve factos e circunstâncias que presenciou. No procedimento disciplinar não assumiu o pedantismo de falar na terceira pessoa nessas circunstâncias e muito menos no chamado plural majestático. Pois isso foi visto como uma irregularidade.
c) Mais importante: no relatório do procedimento disciplinar e na motivação do despedimento acrescentou-se a alínea f) do artigo 128º como violação dos deveres por parte do trabalhador por referência à Nota de Culpa. Mas não acrescentou qualquer facto àqueles que aí haviam sido descritos. Pois bem. A sentença entende que (nos termos do artigo 382, nº 2) isto não invalida o procedimento disciplinar, apenas fazendo incorrer o empregador no risco de ver improceder a justa causa de despedimento (…). Trata-se de um erro. O nº 4 do artigo 357º, para onde remete a alínea d) do artigo 382º fala em factos e não em normas jurídicas. Nunca foram adicionados quaisquer factos para além daqueles que constam da Nota de Culpa. A subsunção dos mesmos factos em mais uma alínea não invalida ou põe em risco coisa nenhuma
9ª – Em contrapartida, quando a sentença enuncia os fundamentos jurídicos invocados pelo empregador para justificar a justa causa omite que na motivação se mencionam não só o nº 1 e as alíneas a) e) m) do nº 2 do artigo 351º do Código do Trabalho, mas também a alínea d) deste mesmo nº 2. Entendemos tratar-se de um lapso.
O que não podemos conceber é que a sentença entenda que o facto de o trabalhador permanecer sentado no seu local de trabalho por mais de dois meses negando a sua prestação laboral possa ser legitimada. E invoca-se o facto de o gerente da J…, Lda ter enviado o e-mail à gerência da S… no dia 22 de junho, relatando a falta de interesse, a falta de diligência, a falta de zelo e os incumprimentos do J… como causa de inexecução do acordo por parte da S…. O e-mail consta do nº 10 dos factos provados.
Esse e-mail relata falhas sistemáticas do trabalhador desde o dia 01 de maio, designadamente recusas em trabalhar e até de colaborar, ainda antes de 18 de junho. Foi correspondência entre empresas e nunca o trabalhador dele teve conhecimento antes do processo disciplinar. O objetivo do Senhor R… era e foi o de queixar-se e prevenir a S… para a inexecução do acordo entre ambas as empresas. Utilizá-lo como retórica para justificar o comportamento reiterado do trabalhador é inexplicável.
10ª – Não podemos deixar de transcrever, nestas conclusões, duas afirmações do 5º parágrafo da pag. 11 da sentença: () “Neste caso, ao trabalhador bastar-lhe invocar o facto de ter sido despedido, não necessitando, sequer, de provar a sua inocência face aos factos de que foi acusado no processo disciplinar. Com efeito, é sobre a entidade patronal que recai o ónus de alegar e provar toda a factualidade que esteve na base do despedimento, a culpa do trabalhador e a impossibilidade prática da manutenção do vínculo laboral.”
Desta e de várias outras afirmações resulta que a Meritíssima Juíza entende que toda a prova neste tipo de ação (impugnação da regularidade e licitude do despedimento) cabe à entidade patronal bastando ao trabalhador nada fazer. Em bom rigor, como vimos, nesta sentença vai-se mais longe. Dão-se como provadas afirmações do trabalhador totalmente contrárias à prova produzida e até a documentos existentes no processo. É verdade que o trabalhador goza do favor laboratoris presente em várias normas do Código do Trabalho. Mas em lado nenhum a lei determina que as regras sobre o ónus da prova (artigo 342.º do CC) não são aplicáveis em Direito do Trabalho. A evolução da Doutrina e da Jurisprudência tem sido no sentido de enfatizar a impossibilidade prática de manutenção do vínculo laboral como fator determinante do despedimento com justa causa.
11ª - A determinação do ónus da prova é matéria examinada no acórdão do STJ de 22-02-2017 (processo nº 992/15.5T8 PTME1.S1. do qual transcrevemos:
“Na ação de reconhecimento da regularidade e licitude do despedimento cabe ao trabalhador alegar e provar a existência de um contrato de trabalho e a sua cessação ilícita por iniciativa do empregador, como factos constitutivos do direito invocado (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), e ao empregador compete alegar e provar os factos por si integrados na decisão de despedimento, uma vez que a justa causa constitui um facto impeditivo do direito à reintegração e demais prestações indemnizatórias peticionadas pelo trabalhador (artigo 342º, n.º 2, do Código Civil).”
Se bem nos parece, o facto de se ter “facilitado” a posição do trabalhador na proposição deste tipo de ação não pode deixar de ter implicações no que se refere ao ónus da prova, se bem que muitas vezes imponderadas nas correspondentes decisões.
13ª – Há ainda um parágrafo da sentença que não resistimos a transcrever:
“Como a relação de trabalho tem vocação de perenidade, só se justifica o recurso à sanção expulsiva ou rescisória do contrato de trabalho, que a sanção de despedimento representa, quando se revelarem inadequadas, no caso concreto, as medidas conservatórias ou corretivas, atuando, assim, o princípio da proporcionalidade.”
Permitimo-nos destacar Perenidade. Nada demonstraria melhor o irrealismo que perpassa esta sentença. Provado que está que a S… não tem hoje qualquer atividade, que medidas conservatórias ou corretivas seria possível adotar para um trabalhador que decidiu cortar relações com o empregador durante mas de três meses e que se recusa a negociar porque vocês é que têm de resolver a minha situação.
14ª – Para além do que já ficou dito, foi marcada uma reunião que teve lugar no dia 4 de julho destinada a negociar uma solução para o trabalhador J…. Nela estiveram presentes os mandatários das partes e também o P…, sócio-gerente de J….
“30- Apesar disso, no dia 4 de junho, o trabalhador solicitou, por escrito, uma reunião para definição da sua situação laboral. (pag. 32 do processo disciplinar).”
31- A gerência da S… responderia, também por escrito, marcando a reunião para o dia 4 de julho mencionando que o propósito da reunião que agora marcamos continua a ser a eventual obtenção de um acordo-(pg. 34 do processo disciplinar).
,32- Esta reunião foi totalmente infrutífera porque o trabalhador recusou liminarmente qualquer perspetiva de acordo, remetendo-se à posição que sempre assumiu de vocês é que têm de resolver a minha situação.”
Consta do nº 44 da Contestação: “Com exceção da expressão “apesar disso” corresponde à verdade o alegado nos números 30 e 31 já é absolutamente falso o alegado no nº 32 do articulado motivação que impugnado fica.”
15ª – Mas já na resposta à nota de culpa, a mesma reunião merecera este comentário do trabalhador:
“Os artigos 25 a 30 da NC referem-se a uma reunião entre as partes e os seus mandatários com vista ao acordo prometido pela S… em maio de 2019, donde nem devia sequer constar da NC a que se responde e por isso não se rebatem especificadamente, porém sempre se dirá que as coisas não foram bem assim, pelo que impugnados ficam.”
Como pode verificar-se, o trabalhador assume aqui, como sempre, a atitude dissimulada de quem, sem nunca assumir expressamente o que pretende, tem apenas como objetivo inviabilizar qualquer solução que não passe por receber a indemnização a que se julga com direito. A partir de 01 de maio esse objetivo passa por provocar a rutura do contrato de trabalho, como resulta de tudo o que se disse.
16ª – No que aos pedidos do trabalhador diz respeito, a sentença considera-os na íntegra. Sem prova, sem qualquer fundamento, diremos. Até danos não patrimoniais no valor de € 2 000 se consideram atendendo a que, …na sequência do despedimento ilícito o trabalhador sentiu medo e grande insegurança relativamente ao seu futuro, e, com a escassez de emprego que existe, passou a sofrer de ansiedade e enorme tristeza com frequentes insónias (…). Di-lo-emos sem rebuço, mas com todo o respeito. Não estivemos neste julgamento. A única testemunha ouvida sobre o assunto foi a mulher do autor. Será tanto medo compatível com o comportamento de alguém que permanece obstinadamente sentado no local de trabalho durante dois meses consecutivos, indiferente ao embaraço que causava a todos e provavelmente a si próprio? E já agora: será verdade que há tanta escassez de emprego?
17ª - Toda a decisão é a demonstração cabal do irrealismo da sentença. No intervalo da indemnização prevista no nº 1 do artigo 391º do Código do Trabalho (entre 15 e 45 dias por cada ano de antiguidade) a sentença entende como adequado, no caso presente, 35 dias.
Próximo do máximo. É de facto notável. Justifica esta opção pelo facto de o trabalhador auferir menos do que o ordenado médio nacional. A saber, € 750. Duas pequenas considerações: para o tipo de trabalho (distribuição de gás) e zona do país (Montemor-o-Novo) o trabalhador auferia seguramente mais do que a média. Ora, o realismo que deve nortear qualquer decisão judicial implica que se atenda às circunstâncias concretas e não a meras considerações abstratas. Ainda assim, os mais recentes dados (PRODATA) indicam como vencimento médio nacional o valor de € 970. Aqui incluem-se os vencimentos do setor privado e do setor público. Também é sabido que os trabalhadores do setor público auferem mais 30% do que os trabalhadores do setor privado. Assim, talvez o vencimento do autor João Mariano de € 750 não seja sequer inferior à média nacional, apesar de o local de trabalho se situar numa pequena cidade do interior, onde o custo de vida é bem menor do que nos grandes centros urbanos. Felizmente.
18 - Mas o que nos parece totalmente incompreensível é que a sentença atenda ao vencimento do trabalhador e não à situação da microempresa que se viu obrigada a ceder a exploração do seu único negócio (distribuição de gás) exatamente por dificuldades financeiras insuperáveis, bem como pela idade dos seus sócios-gerentes que são ex-cônjuges. A Justiça implica que se olhe para ambos os lados com ponderação e com isenção. Isso não sucede com a sentença que é objeto deste recurso, como seguramente os Excelentíssimos Desembargadores concordarão.
Por tudo isto e porque a sentença é injusta, violando os artigos 351.º, 381.º e 391.º do Código do Trabalho, bem como o artigo 342.º do Código Civil, no que à distribuição do ónus da prova diz respeito, deve ser revogada e substituída por acórdão que considere lícito e regular o despedimento que é objeto desta ação.

4. O A. respondeu e pugnou pela improcedência do recurso.

5. O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, pelo que deve ser mantida a sentença recorrida.
Não foi apresentada resposta.

6. Dispensados os vistos, por acordo, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

7. Objeto do recurso

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
As questões a decidir são as seguintes:
1. Reapreciação dos pontos de facto referidos pela apelante.
2. Face à resposta à matéria de facto referida, apurar se o despedimento é lícito e suas consequências.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A) A sentença recorrida considerou provada a matéria de facto seguinte:
Da motivação do despedimento
1º J… começou a trabalhar para a S…, Lda no dia 1 de outubro de 1997 exercendo as funções de distribuidor de gás.
2º No dia 16 de abril de 2019 a S…, Lda assinou, na qualidade de cedente, com a sociedade J…, Lda, na qualidade de cessionária, um contrato de “trespasse” do negócio de distribuição de gás, para vigorar a partir de 01 de maio, sendo que as negociações se tinham iniciado no início do mês de abril.
3º As partes acordaram que a S… continuaria durante dois meses a apoiar a J… no conhecimento e prospeção do mercado, nos contactos com os clientes, considerando as dificuldades do negócio da distribuição de gás porta a porta em todas as freguesias do concelho de Montemor-o-Novo e fora do concelho.
4º Logo após o início das negociações, e porque era o trabalhador mais antigo e que melhor conhecia o mercado, os representantes da cessionária começaram a andar com J…, o que aconteceu durante o mês de abril.
5º No decurso do mês de abril, A…, sócio-gerente da entidade patronal, comunicou ao trabalhador a possibilidade da cessão do negócio bem como um provável aumento salarial para o montante de € 840 líquidos mensais.
6º No dia 03.05.2019 L…, sócia-gerente da entidade patronal, entregou ao trabalhador, a pedido deste, uma ordem de serviço que tinha o seguinte teor: “1 - O Sr. J… continua a ser empregado da S…, Lda até que, por acordo, seja possível definir outra situação. 2- Em consequência, o Sr. J… deve cumprir o seu horário de trabalho, como sempre, e designadamente, deve auxiliar no transporte e entrega de gás o Sr. J….”.
7º Nos primeiros dias de maio, P…, sócio da J…, Lda, transmitiu ao trabalhador que tencionava pagar-lhe € 840 líquidos mensais, caso viesse a integrar os quadros da empresa.
8º No dia 18 de junho o trabalhador comunicou ao gerente da J… que não poderia conduzir as viaturas.
9º Após o dia 21 de junho, o trabalhador negou a sua prestação laboral mas continuou a estar presencialmente no depósito de gás.
10º Face a tal recusa, o gerente da JN Rodrigues escreveu um e-mail ao gerente da S…, Lda, denunciando a situação como incumprimento do acordado entre as partes, e comunicando que dispensava esse serviço por parte da S….
11º A S… não tem hoje qualquer atividade.
Da contestação
12º O trabalhador foi notificado da nota de culpa com a intenção de proceder ao seu despedimento em 20.08.2019, por carta registada com aviso de receção datada de 16.08.2019.
13º Porque pretendia consultar o processo disciplinar com o objetivo de apresentar defesa quanto a todos os elementos que o instruíssem, o trabalhador solicitou ao instrutor, por intermédio da sua mandatária e via e-mail de 23.08.2019, que lhe facultasse tal consulta no dia 26.08.2019.
14º No dia 26.08.2019, o instrutor respondeu que “Neste momento, o processo disciplinar do senhor M… é constituído pela Nota de Culpa e mais nada. A nota de culpa será do seu conhecimento. Cumprimentos”.
15º A resposta à nota de culpa foi elaborada e enviada a 27.08.2019, vindo a ser rececionada pela entidade patronal a 02.09.2019.
16º Em 06.09.2019 o instrutor do processo enviou à entidade patronal uma carta com o seguinte teor: “1- Informo que o vosso trabalhador J… respondeu à Nota de Culpa. 2- Queira fazer o favor de fazer chegar ao processo a prova documental que entenda relevante para prova dos factos reportados na Nota de Culpa”.
17º Por carta datada de 09.09.2019, a entidade patronal indicou quatro testemunhas, sendo que dessas três foram inquiridas, em 13 e 16.09.2019.
18º O trabalhador não foi informado sobre a carta e as inquirições suprarreferidas.
19º O trabalhador foi notificado do teor do relatório elaborado pelo instrutor, com o qual a gerência concordou, e do despedimento com justa causa com efeitos imediatos, através de carta datada de 23.09.2019, que recebeu a 25.09.2019.
20º No ponto 4 do relatório pode ler-se: “(…) Dos documentos e inquirições efetuadas resultou com relevo para o processo disciplinar: (…)”.
21º Nos pontos 20, 21, 23, 24 e 37 do relatório/fundamento o instrutor relata factos falando na primeira pessoa do singular.
22º No relatório/fundamento da decisão do despedimento o trabalhador é acusado de ter violado as alíneas a) a e) do art.º 128.º do Código do Trabalho.
23º No articulado de motivação do despedimento foi acrescentada mais uma alínea, a f).
24º O autor esteve ao serviço da ré até 24.09.2019.
25º A entidade patronal não deu conhecimento ao trabalhador das circunstâncias que conduziram ao negócio celebrado com a J…, Lda.
26º A J…, Lda não quis aceitar o trabalhador com os 22 anos de serviço.
27º A J…, Lda aceitava o trabalhador pagando-lhe mais, mas para tanto este teria que aceitar celebrar um novo contrato que teria o seu início em 01.05.2019, perdendo deste modo a sua antiguidade.
28º O trabalhador pediu à entidade patronal que a sua situação fosse esclarecida quanto a quem era naquele momento a sua entidade empregadora e que esse seu pedido foi satisfeito através da ordem de serviço.
29º O trabalhador sentiu medo e grande insegurança relativamente à manutenção do seu emprego e ao seu futuro e, com a escassez de emprego que existe, passou a sofrer de ansiedade e enorme tristeza, com insónias frequentes.
30º À data da comunicação do despedimento o trabalhador auferia a remuneração mensal base de € 750.

B) APRECIAÇÃO

As questões a decidir neste recurso são as que já elencamos.

B1) Reapreciação da matéria de facto

A apelante pretende que sejam dados como provados os factos alegados nos artigos 15 e 16 da motivação de despedimento, pois entende que foram aceites pelo autor no art.º 35.º da contestação.
Pretende ainda que de deem como não provados os factos dados como provados nos pontos 25 a 27 da matéria de facto provada da sentença.
Tudo conforme prova que indica e respetivos argumentos.
Nos artigos 15.º e 16.º da motivação de despedimento, a ré apelante alegou:
“15- Ainda assim, a gerência da S…, Lda pediu ao advogado da empresa que convocasse o trabalhador para uma reunião com o objetivo de lhe explicar todas as implicações laborais decorrentes da cessão de exploração do negócio.
16- Tal reunião teve lugar no dia 26 de abril, pelas 16 horas e decorreu com toda a normalidade, parecendo que o trabalhador optaria, de facto, por vir a integrar o quadro da J…, Lda”.
No art.º 35.º da contestação ao articulado da empregadora, o trabalhador afirma:
“Não se aceita o alegado nos artigos 15 e 16 por tais factos não corresponderem à verdade com exceção da data da reunião que na verdade teve lugar mas com outros contornos e objetivo, designadamente o de levar o A. a aceitar assinar o novo contrato de trabalho como já se referiu”.
A análise dos factos em confronto permite apurar com facilidade que o autor impugnou os factos alegados pela empregadora, à exceção da reunião, da sua realização e da data.
Concorda que houve uma reunião, mas com contornos e objetivo diferentes dos enunciados pela empregadora nos art.º 15.º e 16.º do articulado motivador.
Assim, dá-se como provado que ocorreu a reunião na data indicada, mas não se pode dar como provado qual a sua finalidade ou o que foi aí discutido, em face da impugnação do trabalhador quanto a esta matéria.
Acrescenta-se assim aos factos provados o seguinte:
“No dia 26 de abril de 2019, pelas 16h00, ocorreu uma reunião entre a empregadora S…, Lda e o trabalhador”.
Resulta inequivocamente dos depoimentos de L…, sócia gerente da ré e testemunha P…, representante legal da sociedade que adquiriu o negócio da ré, que foi dado conhecimento ao autor da transmissão do negócio, mas não lhe foram ditas as condições em que o trabalhador poderia a ficar a trabalhar para a nova sociedade.
Assim, o facto dado como provado no ponto 25 da sentença mostra-se bem respondido.
Tendo em conta o depoimento das testemunhas P…, já referida, e B…, é inequívoco que o A. só continuaria a trabalhar para a sociedade adquirente se fosse celebrado um novo contrato de trabalho. Conjugados estes depoimentos com o depoimento da sócia gerente da ré, confirma-se esta versão.
A testemunha B… teve que assinar um novo contrato de trabalho para passar a trabalhar para a adquirente do negócio e o mesmo teria que fazer o aqui autor, em face do depoimento da testemunha P…, que disse que o contrato seria celebrado nos termos a definir pelos seus advogados. No mesmo sentido vai o depoimento da legal representante da ré, ao dizer que acordou com a empresa adquirente que esta ficaria com os funcionários.
Dos depoimentos dos representantes legais das sociedades que intervieram no negócio, a ré e a J…, Lda, resulta inequivocamente que mantiveram a incerteza quanto à situação do A.
Por um lado, a ré não queria ficar com o autor ao ser serviço, pois em face da cedência do negócio deixava de ter trabalho para lhe dar e, por outro lado, a adquirente queria ficar com o trabalhador ao serviço, mas apenas se celebrasse um novo contrato de trabalho.
Foi dito várias vezes pela testemunha J… que o trabalhador recusou assinar o novo contrato de trabalho enquanto não estivesse resolvida a situação da sua antiguidade. Neste ponto, a testemunha J… foi evasiva ao remeter para o aconselhamento dos seus advogados, mas a verdade é que se tivesse intenção de manter a antiguidade do trabalhador, teria perguntado aos seus advogados, o que não fez, e a celebração de um novo contrato de trabalho marca o início de uma nova relação laboral com um novo sujeito, passando a antiguidade a contar-se a partir desta data.
Resulta dos depoimentos dos representantes legais das sociedades em causa que nenhuma delas estava interessada em ficar com o trabalhador ao seu serviço com a respetiva antiguidade.
Neste contexto, os factos dados como provados nos pontos 26 e 27 mostram-se bem respondidos e são de manter.
Assim, improcede a impugnação da matéria de facto, à exceção do facto que acrescentamos.

B2) A justa causa para o despedimento e as suas consequências.

Ao caso concreto aplica-se o CT com a redação vigente ao tempo dos factos, ou seja, aquela que resultava da Lei n.º 14/2018, de 19/03, uma vez que os factos imputados ao trabalhador foram praticados em data anterior à revisão operada pela Lei n.º 93/2019, de 04.09.
O art.º 351.º do CT prescreve que constitui justa causa de despedimento, o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral (n.º 1).
O n.º 2 deste mesmo artigo enumera exemplificativamente comportamentos do trabalhador, suscetíveis de constituir justa causa de despedimento.
Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os eus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
Em relação ao ónus da prova, cabe ao trabalhador alegar e provar a existência de um contrato de trabalho e que foi despedido, pois são factos constitutivos do seu direito e cabe à empregadora alegar e provar que não existia contrato de trabalho ou que havendo-o, o despedimento foi lícito (art.º 342.º do Código Civil).
No caso, a empregadora conclui que o trabalhador violou os deveres de respeito, assiduidade, pontualidade, zelo, diligência, recusa sistemática e reiterada no cumprimento de ordens e instruções da entidade patronal, previstos no art.º 128.º n.º 1, alíneas a), b), c). d) e e) do CT.
Conclui, tal como concluiu na decisão de despedimento, que o comportamento do trabalhador constitui justa causa de despedimento, nos termos do art.º 351.º n.ºs 1 e 2, alíneas a), b), c), d) e e) do CT.
O artigo 128.º n.º 1 alíneas a), b), c). d) e e) do CT, prescreve:
1. Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:
a) Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade;
b) Comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade;
c) Realizar o trabalho com zelo e diligência;
d) Participar de modo diligente em ações de formação profissional que lhe sejam proporcionadas pelo empregador;
e) Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias.
Por sua vez, o art.º 351.º n.ºs 1 e 2, alíneas a), d), e) e m) do CT, prescreve:
1. Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
2 - Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;
d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto;
e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa;
m) Reduções anormais de produtividade.
No caso ocorreu a transmissão de um estabelecimento. Sobre esta matéria o art.º 285.º do CT prescreve:
1. Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral.
2. O disposto no número anterior é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.
3. Com a transmissão constante dos n.ºs 1 ou 2, os trabalhadores transmitidos ao adquirente mantêm todos os direitos contratuais e adquiridos, nomeadamente retribuição, antiguidade, categoria profissional e conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos.
4 - O disposto nos números anteriores não é aplicável em caso de trabalhador que o transmitente, antes da transmissão, transfira para outro estabelecimento ou unidade económica, nos termos do disposto no artigo 194.º, mantendo-o ao seu serviço, exceto no que respeita à responsabilidade do adquirente pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral.
5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.
6 - O transmitente responde solidariamente pelos créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, bem como pelos encargos sociais correspondentes, vencidos até à data da transmissão, cessão ou reversão, durante os dois anos subsequentes a esta.
7 - A transmissão só pode ter lugar decorridos sete dias úteis após o termo do prazo para a designação da comissão representativa, referido no n.º 6 do artigo seguinte, se esta não tiver sido constituída, ou após o acordo ou o termo da consulta a que se refere o n.º 4 do mesmo artigo.
Por sua vez, o art.º 286.º do CT prescreve:
1. O transmitente e o adquirente devem informar os representantes dos respetivos trabalhadores ou, caso não existam, os próprios trabalhadores, sobre a data e motivos da transmissão, suas consequências jurídicas, económicas e sociais para os trabalhadores e medidas projetadas em relação a estes, bem como sobre o conteúdo do contrato entre transmitente e adquirente, sem prejuízo do disposto nos artigos 412.º e 413.º, com as necessárias adaptações se a informação for prestada aos trabalhadores.
2. O transmitente deve, ainda, se o mesmo não resultar do disposto no número anterior, prestar aos trabalhadores abrangidos pela transmissão a informação referida no número anterior, sem prejuízo do disposto nos artigos 412.º e 413.º, com as necessárias adaptações.
3. A informação referida nos números anteriores deve ser prestada por escrito, antes da transmissão, em tempo útil, pelo menos 10 dias úteis antes da consulta referida no número seguinte.
4. O transmitente e o adquirente devem consultar os representantes dos respetivos trabalhadores, antes da transmissão, com vista à obtenção de um acordo sobre as medidas que pretendam aplicar aos trabalhadores na sequência da transmissão, sem prejuízo das disposições legais e convencionais aplicáveis a tais medidas.
5. A pedido de qualquer das partes, o serviço competente do ministério responsável pela área laboral participa na negociação a que se refere o número anterior, com vista a promover a regularidade da sua instrução substantiva e procedimental, a conciliação dos interesses das partes, bem como o respeito dos direitos dos trabalhadores, sendo aplicável o disposto no artigo 362.º
6. Na falta de representantes dos trabalhadores abrangidos pela transmissão, estes podem designar, de entre eles, no prazo de cinco dias úteis a contar da receção da informação referida nos n.ºs 1 ou 2, uma comissão representativa com o máximo de três ou cinco membros consoante a transmissão abranja até cinco ou mais trabalhadores.
7. Para efeitos dos números anteriores, consideram-se representantes dos trabalhadores as comissões de trabalhadores, as associações sindicais, as comissões intersindicais, as comissões sindicais, os delegados sindicais existentes nas respetivas empresas ou a comissão representativa, pela indicada ordem de precedência.
8. O transmitente deve informar imediatamente os trabalhadores abrangidos pela transmissão do conteúdo do acordo ou do termo da consulta a que se refere o n.º 4, caso não tenha havido intervenção da comissão representativa.
9. Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos n.ºs 1, 2, 3, 4 ou 8.
Na parte que interessa a esta questão, está assente:
“2.º No dia 16 de abril de 2019 a S…, Lda assinou, na qualidade de cedente, com a sociedade J…, da, na qualidade de cessionária, um contrato de “trespasse” do negócio de distribuição de gás, para vigorar a partir de 01 de maio, sendo que as negociações se tinham iniciado no início do mês de abril.
3.º As partes acordaram que a S… continuaria durante dois meses a apoiar a J… no conhecimento e prospeção do mercado, nos contactos com os clientes, considerando as dificuldades do negócio da distribuição de gás porta a porta em todas as freguesias do concelho de Montemor-o-Novo e fora do concelho.
4.º Logo após o início das negociações, e porque era o trabalhador mais antigo e que melhor conhecia o mercado, os representantes da cessionária começaram a andar com J…, o que aconteceu durante o mês de abril.
5.º No decurso do mês de abril, A…, sócio-gerente da entidade patronal, comunicou ao trabalhador a possibilidade da cessão do negócio bem como um provável aumento salarial para o montante de € 840 líquidos mensais.
6.º No dia 03.05.2019 L…, sócia-gerente da entidade patronal, entregou ao trabalhador, a pedido deste, uma ordem de serviço que tinha o seguinte teor: “1 - O Sr. J… continua a ser empregado da S…, Lda até que, por acordo, seja possível definir outra situação. 2- Em consequência, o Sr. J… deve cumprir o seu horário de trabalho, como sempre, e designadamente, deve auxiliar no transporte e entrega de gás o Sr. J….”.
7.º Nos primeiros dias de maio, P…, sócio da J…, Lda, transmitiu ao trabalhador que tencionava pagar-lhe € 840 líquidos mensais, caso viesse a integrar os quadros da empresa.
8.º No dia 18 de junho o trabalhador comunicou ao gerente da J… que não poderia conduzir as viaturas.
9.º Após o dia 21 de junho, o trabalhador negou a sua prestação laboral mas continuou a estar presencialmente no depósito de gás.
10.º Face a tal recusa, o gerente da J… escreveu um e-mail ao gerente da S…, Lda, denunciando a situação como incumprimento do acordado entre as partes, e comunicando que dispensava esse serviço por parte da S….
24.º O autor esteve ao serviço da ré até 24.09.2019.
25.º A entidade patronal não deu conhecimento ao trabalhador das circunstâncias que conduziram ao negócio celebrado com a J…, Lda.
26.º A J…, Lda não quis aceitar o trabalhador com os 22 anos de serviço.
27.º A J…, Lda aceitava o trabalhador pagando-lhe mais, mas para tanto este teria que aceitar celebrar um novo contrato que teria o seu início em 01.05.2019, perdendo deste modo a sua antiguidade.
28.º O trabalhador pediu à entidade patronal que a sua situação fosse esclarecida quanto a quem era naquele momento a sua entidade empregadora e que esse seu pedido foi satisfeito através da ordem de serviço”.
Os factos assentes mostram que nem a empregadora, transmitente, nem a sociedade adquirente cumpriram o dever jurídico de informar o trabalhador, aqui autor, sobre a data e motivos da transmissão, suas consequências jurídicas, económicas e sociais para os trabalhadores e medidas projetadas em relação a estes, bem como sobre o conteúdo do contrato entre transmitente e adquirente.
O incumprimento da obrigação de informar o trabalhador nos termos das disposições legais que citamos, deixou-o numa situação de total incerteza sobre a relação jurídico-laboral, o que o levou a pedir à ré apelante que o esclarecesse.
Em caso de transmissão do estabelecimento, como é o caso dos autos, os contratos de trabalho transmitem-se automaticamente para a adquirente. Por isso a lei exige que os trabalhadores sejam informados.
A ordem de serviço da ré dirigida ao autor é ilegal, na medida em que contraria o disposto na lei, ao determinar que o trabalhador continua a ser seu trabalhador, apesar da transmissão.
Por sua vez, a adquirente, em flagrante violação da lei, só aceitava o autor como seu trabalhador se este celebrasse um novo contrato de trabalho e prescindisse da sua antiguidade.
A ré e a sociedade adquirente efetuaram o negócio que entenderam ao arrepio das mais elementares normas legais citadas e aplicáveis na situação concreta, em claro prejuízo para o trabalhador.
A conduta da ré e da adquirente do estabelecimento é ilícita e repercute-se de forma negativa e inexoravelmente sobre a esfera jurídica do trabalhador, o qual ficou totalmente à mercê do negócio efetuado entre a ré e adquirente, sem qualquer informação.
É certo que o trabalhador poderia continuar a prestar a sua atividade à adquirente e depois reivindicar os seus direitos. A violação, pelo trabalhador, dos deveres referidos pela ré empregadora surge como consequência da violação da lei pela mesma e pela adquirente do estabelecimento. A violação dos deveres tem um fundamento real e efetivo.
Tendo em conta o contexto em que ocorreu a negação da prestação de trabalho, nomeadamente que foi uma forma de reagir à violação grosseira da lei pela ré e pela adquirente do estabelecimento, entendemos que a sua conduta não foi leviana, nem de tal modo culposa e grave ao ponto tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
Nestes termos, improcede a apelação quanto a esta questão.

B3) Consequências da ilicitude do despedimento.

A apelante conclui que a fixação em 35 dias do montante a ter em conta para a fixação da indemnização de antiguidade é exagerada.
O art.º 391.º do CT prescreve:
1. Em substituição da reintegração, o trabalhador pode optar por uma indemnização, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º.
2 - Para efeitos do número anterior, o tribunal deve atender ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial.
O autor auferia a remuneração mensal base de € 750.
Tendo em conta que a remuneração mensal base do trabalhador é pouco superior à remuneração mensal mínima garantida, a sua antiguidade na empresa e a forma como foi despedido e o contexto em que ocorreu, com violação grave e culposa dos seus direitos laborais pela empregadora e adquirente do estabelecimento, mostra-se justa e adequada uma indemnização, em substituição da reintegração, de 35 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de antiguidade.
A sentença recorrida fixou este montante de forma justa e equilibrada, pelo que se confirma.

B4) Os danos não patrimoniais

A apelante conclui que os danos não patrimoniais não devem ser arbitrados, por falta de prova e fundamento.
O artigo 494.º do CC prescreve em geral para todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais. Tem em vista permitir atenuar a responsabilidade se as circunstâncias do caso concreto o justificarem.
Por seu turno, a primeira parte do n.º 3 do artigo 496.º do CC estabelece o critério especial que deve ser aplicado para calcular o montante pecuniário da compensação pelos danos não patrimoniais, quer exista ou não fundamento para a atenuação especial prevista no artigo 494.º do CC. Os danos serão liquidados equitativamente pelo tribunal, tendo em conta a gravidade dos danos em si e as circunstâncias do caso.
O bom senso e a inteligência do juiz são elementos essenciais para julgar ex aequo et bonu. A motivação deve ser adequada a deixar claro quais os fundamentos que presidiram ao cálculo do montante a atribuir ao lesado.
Sobre esta matéria, além dos demais factos provados, está assente que: “o trabalhador sentiu medo e grande insegurança relativamente à manutenção do seu emprego e ao seu futuro e, com a escassez de emprego que existe, passou a sofrer de ansiedade e enorme tristeza, com insónias frequentes”.
A situação vivenciada pelo trabalhador, aqui autor, em consequência da conduta da sua empregadora e da adquirente do estabelecimento, causou-lhe os danos que acabamos de referir.
Trata-se de danos objetivos, que qualquer trabalhador colocado na posição do autor sentiria como graves.
A fonte de rendimento do trabalhador é a prestação de trabalho. Se está em perigo o posto de trabalho, como é o caso dos autos, tal é causa adequada a produzir os danos sofridos pelo autor.
Tendo em conta a violação culposa e grave pela empregadora dos direitos do trabalhador e as lesões produzidas, mostra-se equilibrada, justo e adequado o montante de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor no montante de € 2 000.
Nestes termos, julgamos a apelação improcedente, à exceção do ponto de facto que foi aditado, e confirmamos a douta sentença recorrida, a qual fez correta e justa aplicação do direito aos factos provados.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação improcedente, com exceção do ponto de facto aditado, e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Évora, 25 de junho de 2020.
Moisés Silva (relator)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço